26/04/2008

Conde da Alemanha


Já lá vem o sol na serra,
Já lá vem o claro dia,
E inda o conde da Alemanha
Com a rainha dormia.
Não o sabe homem nascido
De quantos na corte havia;
Só o sabia a infanta,
A infanta sua filha.
– «Não nas chegue eu a romper
Mangas da minha camisa,
Se em vindo meu pai da caça,
Eu logo lho não diria.»
– «Cal'-te, cal'-te, lá infanta,
Não digas tal, minha filha,
Que o conde da Alemanha
De oiro te vestiria.»
– «Não quero vestidos de oiro;
Mau fogo em quem nos vestira!
Padrasto com meu pai vivo;
Nunca eu o consentiria.»
Palavras não eram ditas,
El-rei que à porta batia.
– «Deus venha co senhor pai
E o traga na sua guia!
Tenho para lhe contar
Um conto de maravilha.
Estando eu no meu tear
Seda amarela tecia,
Veio o conde da Alemanha
Três fios dela me tira...»
– «Cal'-te daí, minha filha,
Ninguém te oiça dizer tal:
Que o conde da Alemanha
É menino, quer brincar».
– «Arrenego dos seus brincos
Mais do seu negro folgar!
Que me tomou nos seus braços,
À cama me quis levar.»
– «Cal'te já minha filha,
Ninguém te oiça mais falar;
Que em antes que o sol se ponha
Vai o conde a degolar.»
Veis-lo conde da Alemanha,
Veis-lo vai a degolar;
Ao rabo do seu cavalo
Lá o levam a arrastar.
– «Venha cá, senhora mãe,
Venha ao mirante folgar,
Veja um conde tão formoso
Que aí vai a degolar.»
– «Mal haja, filha, o meu leite,
Mais quem to deu de mamar,
Que a um conde tão bonito
A morte foste causar».
– «Cal'te daí, minha mãe,
Ninguém lhe oiça dizer tal,
Que a morte que o Conde leva
Não lha faça eu levar.»


Romanceiro, Almeida Garrett