Conta-se, ó afortunado rei, que vivia certa vez no Cairo um homem venerável que ocupava o cargo de síndico dos comerciantes. O mercado inteiro respeitava-o por sua honestidade, distinção, linguagem moderada e por suas riquezas e o grande número de seus escravos. Chamava-se Chams Eddim. Certa sexta-feira foi ao hammam, depois ao barbeiro e, após pedir a proteção de Alá contra o orgulho, olhou no espelho. Com tristeza, constatou que os fios brancos de sua barba eram mais numerosos que os fios pretos. "Uma barba branca," disse para si mesmo, "é um sinal de velhice, e a velhice é um pré-aviso da morte. Pobre Chams Eddim! Estás no limiar do túmulo e não tens filho algum para suceder-te. Serás apagado como uma vela, e ninguém se lembrará de ti." Quando chegou em casa, a mulher recebeu-o agradavelmente, desejando-lhe uma noite feliz. Mas ele cortou-lhe a palavra com rispidez: "Que conversa é essa? Existe ainda felicidade para mim?" "Que te aconteceu, homem?" retrucou a
mulher. "Qual é a causa desse abatimento?" - A causa és tu mesma. Escuta, mulher, e tenta imaginar
minha amargura quando chego ao mercado e vejo cada um de meus companheiros rodeado por dois, três ou quatro filhos, brilhantes promessas para o futuro, enquanto eu, somente eu, fico sozinho sem filhos. Às vezes, prefiro a morte a esta vida. E tu és a única agente de nossa esterilidade. Aproveitaste com
perfídia nossa primeira noite para fazer-me jurar que nunca tomaria uma segunda mulher. Agora, juro por Alá que cortaria meu zib antes de to entregar, e nem beijos receberás mais de mim. Copular contigo é como copular com uma pedra. A mulher reagiu com raiva: "Perfuma a boca antes de falar de mim. Se achas que a esterilidade está em mim, abre os olhos. A esterilidade está em teus testículos frios. Secretam um líquido claro demais e sem germes de vida. Compra algo para esquenta-los e engrossar teu esperma - e verás se sou fértil ou não. Em qualquer farmácia, encontrarás o produto adequado." O bom homem pensou nesse produto a noite toda e, cedo pela manhã, foi à primeira farmácia e disse ao droguista: "Quero uma onça daquela mistura que esquenta os testículos do homem e engrossa-lhe o esperma."
O droguista achou que o síndico ficara maluco e, para distrair-se, disse-lhe: "Por Alá, eu tinha um montão dela ontem mas toda a minha provisão se foi. É melhor procurar em outra farmácia." O síndico foi a uma segunda e terceira e quarta farmácias e, finalmente, percorreu todo o mercado. Cada um aconselhava-o a procurar outro estabelecimento e todos riam-se dele pelas costas. Decepcionado, Chams Eddim sentou-se à porta de sua loja com ar infeliz. Viu-o nesse estado um sujeito chamado Samsam que fumava haxixe e praticava a magia. Perguntou a Chams Eddim qual era a causa de sua tristeza. Chams Eddim contou-lhe.
Samsam foi para casa e voltou logo com uma pasta preparada por ele mesmo, dizendo: "Eis uma pasta soberana que endurece os testículos e engrossa o fluido vital. Usa-a duas horas antes de copular; e se não furares as próprias paredes e engravidares tua mulher, poderás cortar-me a cabeça."
Chams Eddim seguiu as instruções de Samsam e, quando montou em sua mulher, ambos ficaram surpresos com o empenho de seu zib. Nove meses depois, nascia-lhe um filho tão desenvolvido que parecia ter já um ano. A parteira declarou que nunca vira menino tão bonito e tão forte. Chamaram-no Ala Eddim Abu-Chamat ou, simplesmente, Abu-Chamat. Durante quatro anos, deram-lhe o leite de duas amas-de-leite e de sua própria mãe, de forma que se tornou igual a um jovem leão, enquanto permanecia tão lindo que todas as meninas da vizinhança o idolatravam. Mas ele nunca permitiu a nenhuma delas beijá-lo ou aproximar-se dele. Seus pais, receando o mau olhado, isolaram-no num sótão onde cresceu ao abrigo dos curiosos e dos indiscretos. Providenciaram instrutores que lhe ensinaram as ciências e as artes de que precisaria. Viveu assim enclausurado até a idade de quinze anos.
Um dia, Abu-Chamat perguntou à mãe o que seu pai fazia. Esta contou-lhe que seu pai era o síndico de todos os mercadores da cidade, um homem ao mesmo tempo importante e rico. -Amanhã, quero ir ao mercado com ele, declarou o menino. Não agüento mais viver isolado do resto da humanidade. Quando Chams Eddim voltou para casa, a mulher repetiu-lhe as palavras do filho e disse-lhe que ela também pensava que já era tempo de levar o filho ao mercado e revelar-lhe o mundo. Retrucou o marido: "Será que pensas que o mau olhado é mera superstição? Esqueces que a metade dos cemitérios é povoada com vítimas do mau olhado?" - Ó pai de Abu-Chamat, replicou a mulher, todo homem carrega seu destino em volta de seu pescoço e não pode escaparlhe. O que está escrito está escrito, e os filhos devem seguir os pais na vida e na morte. o dia seguinte, Chams Eddim montou sua mula branca e levou o filho atrás dele. Abu-Chamat era tão belo e atraente que teria seduzido os próprios anjos. Quando chegaram ao mercado, os comerciantes maravilharam-se e começaram a sussurrar um ao outro: "Por Alá, vede que garoto gostoso Chams Eddim arrumou. É mais belo que a lua." Outros diziam: "Quem é esse delicioso menino?
Nunca o vimos antes." Todos pensaram que o venerável síndico tinha caído no vício da infância e mandaram dizer-lhe: "Não queremos por síndico um velho lascivo que se esfrega contra jovens garotos em público." O homem, cheio de indignação, revelou-lhes que AbuChamat era seu próprio filho e contou-lhes por que o tinha escondido até então. Apresentou provas, e todos passaram a felicitá-lo por ter um filho tão belo. Para celebrar o acontecimento e torná-lo ainda mais público, o síndico ofereceu um grandioso banquete a todos os seus amigos no melhor bosque da cidade. Ora, entre os convivas,
havia um certo mercador, talvez o melhor cliente do síndico, que era um veterano e inveterado pederasta e não poupava os lindos garotos da cidade, cujas boas graças sabia comprar com dinheiro e presentes. Seu nome era Mahmud, mas chamavam-no Mahmud Bilateral. Quando Mahmud Bilateral viu Abu-Chamat, seus órgãos entraram em comoção. E decidiu que o melhor meio de poder aproveitar-se do garoto seria viajar com ele em terras exóticas. Aproximou-se, pois, habilmente, dos companheiros de AbuChamat e prometeu-lhes vestes novas se conseguissem convencer Abu-Chamat a viajar com ele pelo mundo afora.Os garotos aproveitaram o banquete, onde uma mesa especial era reservada aos menores, para plantar dúvidas e desejos na mente de Abu-Chamat. Disse-lhe um deles: "Estávamos falando das maravilhas das terras longínquas: Damasco, Alepo, Bagdá. Teu pai é tão rico que sem dúvida já te fez visitar todas essas cidades. Fala-nos um pouco delas.” - Não sabes que fui criado num sótão e somente ontem saí para visitar a loja de meu pai? Não se pode ver muita coisa num sótão.
- Pobre Abu-Chamat, lamentou um dos garotos, foste privado das alegrias mais vibrantes da vida que são viajar e conhecer o mundo. - Talvez tenhais razão, replicou Abu-Chamat; mas a vida calma do lar é também uma delícia. - Pobre Abu-Chamat, disse outro garoto. Ele é como um peixe que não pode viver fora da água. - Ele é como uma mulher, disse um terceiro. Não pode dar um passo por si só. Ó Abu-Chamat, não tens vergonha de ser tratado como uma moça? Humilhado, provocado, o garoto correu para casa e anunciou à mãe que queria viajar imediatamente, senão se mataria. A mãe chorou, mas vendo-o decidido, fez sair do depósito todas as mercadorias que lhe pertenciam, mandou preparar camelos e
cameleiros e, quando o marido chegou, alarmado por não ter mais visto o olho, a mulher revelou-lhe as inéditas exigências de Abu-Chamat. O próprio Abu-Chamat acrescentou: "Pai, se não me deixares partir, cobrir-me-ei com trapos de dervixe e sairei a errar, pés nus, pelo mundo." O pai cedeu, ofereceu-lhe mais mercadorias e camelos. E o filho partiu. Quando Mahmud Bilateral soube da viagem de Abu-Chamat,
preparou sua própria caravana e foi atrás dele. Pararam no mesmo oásis. Mahmud Bilateral convidou Abu-Chamat para sua tenda e ofereceu-lhe um lauto jantar. Mas, quando tentou aproximar-se dele, beijá-lo e acariciá-lo, Abu-Chamat rejeitou-o. E as duas caravanas se separaram, seguindo ambas, contudo, para Bagdá. Na véspera de entrar em Bagdá, a caravana de Abu-Chamat foi assaltada, e os camelos roubados. Abu-Chamat escapou sozinho e quis refugiar-se numa mesquita quando cruzou com dois homens que lhe perguntaram: "És um estrangeiro nesta cidade?" Respondeu: "Venho do Cairo, e meu pai é o síndico dos mercadores de lá." - Agradece a Alá ter-te colocado em nosso caminho. Precisamos de um favor teu que pagaremos com 5 mil dinares, mercadorias no valor de mil dinares e um camelo que também vale mil dinares.
- Qual é o favor?”
- Deves saber, meu filho, disse o mais velho, que a lei determina que, quando um muçulmano se
Divorcia da mulher pela terceira vez ou diz-lhe três Vezes "Estás divorciada," não poderá casar-se com ela novamente até que outro homem a tome por esposa legal e passe uma noite com ela, divorciando-se em seguida. Ora, uns dias atrás, este mancebo yue está comigo perdeu a calma e gritou à mulher, que é minha filha: "Sai de minha casa, repudio-te uma, duas, três vezes." Minha filha cobriu o rosto com o véu, já que seu marido tornara-se um estranho para ela, recebeu de volta seu dote e regressou para minha casa. Agora, seu marido está aflito e deseja-a de novo. Ofereço-te o papel de marido interino. És um estrangeiro; portanto, ninguém precisa saber deste assunto, exceto nós quatro. - Aceito, disse Abu Chamat, desejando no seu coração que a mulher fosse bonita. Então, interveio o marido. "Novo amigo," disse a AbuChamat, "agradeço-te a cooperação. Mas receio que a mulher te agrade e não queiras mais divorciar-te dela. Deves comprometer-te a me indenizar com 10 mil dinares se tal acontecer." - Aceito, disse Abu-Chamat. E os três foram ao cádi e formalizaram todos esses compromissos. Depois, o pai da moça voltou para casa com AbuChamat, a quem pediu esperar no vestíbulo até que fosse avisar a filha e preparar os aposentos. Ora, o primeiro marido era muito ciumento. Querendo impedir que Abu-Chamat trepasse em sua mulher, procurou uma velha megera e expôs-lhe o caso, prometendo-lhe mil dinares se conseguisse impedir os dois jovens de ter relações íntimas. - É fácil, disse a bruxa. E foi à casa da mulher divorciada e perguntou a Abu-Chamat que esperava no vestíbulo: "Podes indicar-me onde encontrar a moça recém-divorciada? Venho todos os dias esfregar-lhe o corpo com pomadas especiais, embora ache difícil curar da lepra essa pobre infeliz." -Alá me proteja, exclamou Abu-Chamat. Ela é leprosa? Eu sou o interino! -Alá te conserve bonito e saudável como és, meu filho, disse a mulher. É melhor para ti não te aproximares de uma pessoa assim doente. A meretriz deixou Abu-Chamat num estado de extrema confusão e foi à mulher e disse-lhe o mesmo acerca de Abu-Chamat, aconselhando-a a não arriscar a saúde e talvez a vida deitando-se com ele. Abu-Chamat esperou em vão pela aparição de sua nova esposa. Para passar o tempo, começou a cantar versos líricos numa voz mais melodiosa que a de Davi. A jovem mulher ouviu a voz e disse consigo mesma: "Que será que aquela bruxa depravada pretendia? Um leproso não pode ter uma voz tão serena. Por Alá, chamá-lo-ei e verei por mim mesma se a velha intrometida disse a verdade ou mentiu." Apanhou um alaúde indiano e começou a cantar numa voz que atrairia os pássaros do céu: Amo um gamo com olhos lânguidos. Os ramos da floresta invejam-lhe o corpo esbelto. Eu canto seus encantos. Mas outros gozam sua intimidade. Deus distribui suas dádivas a quem quer. Ao ouvi-la, Abu-Chamat calou-se e pensou: "Por Alá, aquela velha intrigante mentiu por algum motivo. Uma leprosa não tem esta voz límpida." E aproveitando a última nota da canção, respondeu com ritmos vivos que fariam os rochedos dançar: Saúdo aquela cujo corpo supera o das gazelas e cujas faces são as rosas mais lindas. À noite, olhava para mim e olhava para ela. E cada um de nós via a lua, sem que houvesse lua no céu. A moça sentiu-se invadida por emoções tão fortes que levantou a cortina que a separava do cantor e viu um jovem, belo como a lua em meio às nuvens. Convidou-o a entrar com um movimento dos olhos e do corpo tal que devolveria o vigor ao mais decrépito dos velhos. Ambos tiveram a mesma idéia: tirar a roupa para desmentir as calúnias da bruxa. Abu-Chamat sentiu a herança dos pais mover-se no seu corpo. Palpitando de desejo, a moça disse-lhe: "Prova o que és ó Zacarias!" Incentivado por apelo tão explícito, Abu-Chamat tomou a mulher pelas coxas, apontou sua vara na direção do pórtico da vitória e atravessou o corredor e achou-se tão à vontade na sala interior como se o arquiteto os tivesse feito um para o outro. E recomeçou, enumerando segunda feira, terça-feira, quarta-feira, quinta-feira e só parou na sexta-feira, que é dia de descanso para os muçulmanos. Ternamente abraçados, dormiram até o levantar do sol. No dia seguinte, descobriram que não queriam mais separar-se um do outro e ficaram procurando ardis para burlar o pagamento dos 10 mil dinares de multa, pois, dos 10 mil dinares, Abu-Chamat só possuía um dirhem! Zubaida - tal era o nome da mulher - disse-lhe: "O juiz encarregado de teu caso é um famoso pederasta. Sem dúvida, já te desejou quando foste assinar os compromissos. "Hoje, tenta-o com alguns movimentos discretos dos quadris, e ele te concederá um prazo para o pagamento da multa. Depois, Alá ajudará." As expectativas de Zubaida concretizaram-se plenamente. Em vez de conceder os três dias que Abu-Chamat pediu com timidez, o juiz concedeu-lhe um prazo de dez dias. Zubaida recebeu a notícia com transportes de alegria e deu a Abu-Chamat cem dinares para fazer as compras necessárias a uma festa que celebrariam sozinhos e que duraria a noite toda. Comeram, beberam e estavam dançando e cantando quando ouviram bater à porta. Naquela noite, o califa Harun Ar-Rachid sentido-se deprimido, chamara seu vizir Jafar, seu porta-espada Masrur, seu poeta favorito Abu Nauas, e convidara-os a irem passear pelas ruas da cidade disfarçados em dervixes, e ver o que descobririam. Passando perto da casa do Abu-Chamat e Zubaida, ouviram cantos bonitos e bateram à porta. Abu-Chamat recebeu-os com um sorriso e ofereceu-lhes hospitalidade. E ao pedido de um dos dervixes (o próprio califa), Zubaida cantou atrás de uma cortina canções que emocionariam as pedras. O califa perguntou a Abu-Chamat quem era ele, e Abu-Chamat contou-lhe a sua história toda. O califa sentiu-se atraído por Abu-Chamat e disse-lhe: "Não te preocupes com os 10 mil dinares. Dirijo um convento de dervixes nesta cidade. Somos quarenta, e não sentiríamos falta de 10 mil dinares. Tu os receberás dentro do prazo." Os dervixes passaram a noite deliciando-se com as canções de Zubaida e, antes de se retirarem, o seu chefe enfiou cem dinares de ouro por baixo de uma almofada. Na manhã seguinte, quando Abu-Chamat abriu a porta para sair, deparou com cinqüenta mulas carregadas de caixas cheias de fazendas preciosas para o comércio e com uma qüinquagésima primeira mula montada por um jovem escravo abissínio belo como um sonho, que segurava uma carta na mão. Assim que viu Abu-Chamat, saltou à terra e entregou-lhe a carta, dizendo: "Ó Abu-Chamat, fui enviado do Cairo por teu pai, meu amo Chams Eddim, para remeter-te estas mercadorias, cujo valor é superior a 50 mil dinares, e esta jóia rara como presente para tua mulher Zubaida." Abu-Chamat abriu a carta e leu: "De Chams Eddim para seu filho Ala Eddim Abu-Chamat, com os melhores votos de felicidade."Querido filho, soube do desastre que te atingiu na entrada de Bagdá. E ficamos, tua mãe e eu, surpresos ao saber que
atuaste como intermediário num caso de divórcio. Pensamos, entretanto, que fizeste bem em ficar com a mulher, já que te agrada. "As mercadorias que te envio com o pequeno Salim, o abissínio, valem muito mais que os 10 mil dinares que deves ao marido anterior."
Tua mãe e eu gozamos de saúde e esperamos rever-te breve. Possas ser sempre feliz." Abu-Chamat ficou tão satisfeito que não parou para pensar na verossimilhança dessas afirmações, e no tempo necessário para que as notícias chegassem ao Cairo e as mercadorias viajassem do Cairo a Bagdá. Correu a informar a mulher. Logo em seguida, chegou o pai de Zubaida com o primeiro marido. "Rogo-te ter pena de meu genro", disse o pai de Zubaida a Abu-Chamat," pois ele ama sua mulher e não pode viver sem ela. Alá enviou-te riquezas. Poderás assim comprar as mais belas escravas do mercado ou casar-te com a filha de um emir." - Alá enviou-me riquezas para que possa compensar meu antecessor, corrigiu Abu-Chamat. Cedo-lhe as cinqüenta mulas com suas mercadorias e com Salim, o belo escravo abissínio. Contudo, se Zubaida deseja voltar para ele, dar-lhe-ei a sua liberdade. Consultada pelo pai, Zubaida respondeu: "Por Alá, ele nunca apreciou as flores de meu jardim. Nem pôde aproveitá-las. Sempre parava no meio do caminho. Prefiro ficar com o jovem que soube percorrer esse jardim em todas as direções." o ouvir essas palavras, o primeiro marido teve uma crise. Seu fígado rompeu-se de repente, e ele morreu na hora.
Abu-Chamat viveu na felicidade com sua mulher. Todas as noites copulavam e promoviam concertos. No décimo primeiro dia do casamento, Abu-Chamat se lembrou da promessa dos dervixes, e disse à mulher: "Chefe dos dervixes ou Chefe dos gabarolas? Se estivesse esperando por sua ajuda, apodreceria na cadeia. Se o encontrar de novo, dir-lhe-ei o que penso dele." Naquela mesma noite, iluminaram a casa e iam começar o concerto quando bateram à porta. Abu-Chamat foi abrir e encontrou os quatro dervixes. Riu-lhes na sua face e disse: ‘Sede bem-vindos, ó mentirosos. Alá me livrou de qualquer necessidade que me faria recorrer a vossa ajuda. Aliás, mesmo mentirosos, sois encantadores." No decorrer da noitada, um dos dervixes, o poeta Abu-Nauas, sussurrou discretamente ao ouvido do anfitrião: "Caro amigo posso dirigir-te uma pergunta? Como podes acreditar que as cinqüenta mulas eram um presente de teu pai? Quanto tempo leva uma notícia para ir de Bagdá ao Cairo e para as mulas virem do Cairo a Bagdá?" - Por Alá, exclamou Abu-Chamat, minha alegria foi tão grande que não parei para pensar. Dize-me, ó dervixe, quem escreveu a carta e mandou os presentes? - Simpático Abu-Chamat, se fosses tão esperto quanto és bonito, terias reconhecido há muito tempo, por baixo dessas roupas, o próprio califa arun Ar-Rachid, Jafar Al-Barmaki,seu vizir, Masrur, seu porta-espada, e este simples poeta,teu escravo Abu-Nauas. Abu-Chamat inclinou-se diante do califa, agradeceu-lhe e solicitou seu perdão. O califa sorriu, acariciou-lhe levemente as faces e disse-lhe: "Esperarei tua visita amanhã no palácio." Quando Abu-Chamat se apresentou ao califa no dia seguinte, foi nomeado representante dos mercadores de Bagdá, e o califa nunca mais passou um dia sem sua companhia. Pouco tempo depois, designou-o superintendente do palácio com honorários de milionário, e ofereceu-lhe ir ao mercado com Jafar escolher uma linda virgem por 10 mil dinares, que seria sua segunda esposa. Abu-Chamat escolheu uma jovem chamada Yasmina e amou a à primeira vista e apresentou-a a Zubaida, que a amou também. E Abu-Chamat viveu feliz entre suas duas mulheres,consagrando, alternadamente, uma noite a cada uma delas.