Pelo corredor acima;
Viola de oiro levava,
Oh! Que tão bem a tangia!
Melhor romance fazia.
A cada passo que dava,
Seu padre a acometia:
– «Atreves-te tu, Silvana,
Uma noite a seres minha?»
– «Fora uma, fora duas,
Fora, meu pai, cada dia;
Mas as penas do inferno
Quem por mim as penaria?»
– «Pená-las-ei eu, Silvana,
Que as peno cada dia.»
Foi-se dali a Silvana,
Mui agastada que ia;
Foi-se encontrar com sua madre
Lá no adro da ermida;
– «Que tens tu, minha Silvana,
Que tens tu, ó filha minha?»
– «Oh! Que tal pai não tivera,
Quem não fora sua filha!
Que me acomete de amores,
Ó minha mãe, cada dia.»
– «Vai filha, vai para casa,
Veste uma alva camisa,
Que o cabeção seja de oiro,
As mangas de prata fina:
Deitar-te-ás no meu leito,
E no teu me deitaria...
E há-de valer-nos a Virgem,
A Virgem Santa Maria.»
Lá junto da meia-noite
Seu padre que a acometia...
– «Se eu soubera, Silvana,
Que estavas tão corrompida,
Oh! as penas do inferno
Por ti as não penaria...»
– «Esta não é a Silvana,
É a mãe que a paria;
Também pariu Dom Alardos,
Senhor de cavalaria,
Também pariu a Dom Pedro,
Príncipe da infantaria,
Também pariu a Silvana
Que seu pai acometia.»
– «Oh! mal haja que haja a filha
Que seu padre descobria!»
– «Oh! mal haja que haja o padre
Que sua filha cometia!»
Manda-a meter numa torre
Que nem sol nem lua via:
Dão-lhe a comida por onça
E a água por medida;
Ao cabo de sete anos
Veis a torre que se abria...
Assomou-se a Silvana
A uma ventana mui alta,
Foi encontrar com sua madre
Lavrando numa almofada;
– «Estejais, embora, madre,
Ó madre já da minha alma:
Peço-vos por Deus do céu
Que me deis um jarro de água;
Que se aparta a vida,
Que se me arranca a alma.»
– «Dera-ta eu, filha minha,
Se a tivera salgada,
Que há sete para oito anos
Que por ti sou mal casada.
Se teu padre tem jurado
Pela cruz de sua espada,
Quem primeiro te desse água
Tinha a cabeça cortada».
Assomou-se a Silvana
A outra ventana mais alta,
Foi-se encontrar c´os irmãos
Que estavam jogando as canas:
– «Estejais, embora, irmãos
Meus irmãos já da minha alma:
Peço-vos por Deus do Céu
Que me deis um jarro de água,
Que se me aparta a vida,
Que se me arranca a alma!»
– «Dera-ta eu, irmã minha,
Se a tivesse empeçonhada:
Que nosso pai tem jurado
Pela cruz da sua espada
Quem primeiro te desse água
Tinha a cabeça cortada.»
Assomou-se a Silvana
A outra ventana mais alta,
Foi-se encontrar com seu padre
A jogar a emboscada:
– «Estejais embora, padre,
Padre meu já da minha alma:
Peço-vos por Deus do céu
Que me deis um jarro d’água,
Que se me aparta a vida,
Que se me aparta alma...
E de hoje por diante
Serei vossa namorada.
– «Alevantem-se, meus pagens,
Criados da minha casa,
Uns venham com jarros de oiro,
Outros com jarros de prata;
O primeiro que chegar
Tem a comenda ganhada
O segundo que chegar
Tem a cabeça cortada»
Os criados que chegavam,
Silvaninha que finava
Nos braços da Virgem Santa,
Dos anjos amortalhada!
– «Vai-te embora, Silvaninha,
Silvaninha da minha alma:
Tua alma vai para o céu,
A minha fica culpada.»
Romanceiro, Almeida Garrett