Enquanto a sede uma pomba
Em clara fonte mitiga,
Vê por um triste desastre
Cair n'água uma formiga.
Naquele vasto oceano
A pobre luta e braceja,
E vir à margem da fonte
Inutilmente deseja.
A pomba, por ter dó dela,
N'água uma ervinha lança;
Neste vasto promontório
A triste salvar-se alcança.
Na terra a põe uma aragem;
E livre do precipício,
Acha logo ocasião
De pagar o benefício:
Que vê atrás de um valado,
já fazendo à pomba festa,
Um descalço caçador
Que dura farpa lhe assesta.
Supondo-a já na panela,
Diz: "Hei de te hoje cear!"
Mas nisto a formiga astuta
Lhe morde num calcanhar.
Sucumbe à dor, torce o corpo,
Erra o tiro, a pomba foge;
Diz-lhe a formiga: "Coitado!
Foi-se embora a ceia de hoje!"
De boca aberta ficando,
Conhece o pobre glutão
Que só devemos contar
Com o que temos na mão.
E posto enfim que haja ingratos,
Notar devemos também
Que as mais das vezes no mundo
Não se perde o fazer bem.
Curvo Semedo (Trad.)