A uma gata que tinha, um tal pascácio
Com paixão adorava.
Era tão meiga, delicada e bela!
E tão doce miava!
Doido, mais doido que os que estão no hospício,
O nosso namorado,
Com preces, choro, encantos, sortilégios,
Logrou dobrar o fado.
Numa bela manhã nossa gatinha
Em mulher se mudou;
E o seu adorador, no mesmo dia,
Por esposa a tomou.
Doido de amor, qual fora de amizade,
O hipocôndrico esposo
julga a mulher — das perfeições da Terra
Santo ideal formoso.
Enche-a de adulações, cobre-se de mimos;
E nem longes sequer
Lhe vê de gata; ilude-se, julgando-a
Toda e em tudo mulher.
Uns ratinhos, porém, roendo a esteira,
Vieram perturbá-los.
Presto a moça levanta-se do leito;
Mas não pôde apanhá-los.
Tornam os ratos a arranhar a esteira;
E a noiva, de gatinhas,
Agarra, desta vez, os tais murganhos
Com dentes e mãozinhas.
Em forma de mulher os pobres ratos
Não na podem fugir,
É deles sorte à gata transformada
De incentivo servir.
Este caso o poder da natureza
Nos demonstra de sobra;
Passado certo tempo o vaso embebe,
O pano toma a dobra.
Em vão do sestro e propensão que a levam
Quereis desavezá-la;
Por mais que trabalheis, zomba de tudo;
Não podeis reformá-la.
Nem à força de rilha, ou de forcados,
Mudará de feição;
Nem lograreis o impulso dominar-lhe,
Empunhando um bastão.
Fechai-lhe a porta, como se expelísseis
Figadal inimigo;
Há de voltar a rápido galope
Ou forçar o postigo.
Barão de Paranapiacaba (Trad.)