27/07/2008

Rainha e cativa

– «À guerra, à guerra, moirinhos,
Quero uma cristã cativa!
Uns vão pelo mar abaixo,
Outros pela terra acima:
Tragam-ma cristã cativa,
Que é para a nossa rainha.»

Uns vão pelo mar abaixo,
Outros pela terra acima:
Os que foram mar abaixo,
Não encontraram cativa;
Os que foram terra acima:
Tiveram melhor atina,
Deram com o conde Flores
Que vinha de romaria:
Vinha lá de Santiago,
Santiago de Galiza;
Mataram o conde Flores,
A condessa vai cativa.
Mal que o soube a rainha,
Ao caminho lhe saia:

– «Venha embora a minha escrava,
Boa seja a sua vinda!
Aqui lhe entrego estas chaves
Da despensa e da cozinha;
Que me não fio de moiras
Não me dêem feitiçaria.
– «Aceito as chaves, senhora,
Por grande desdita minha.
Ontem condessa jurada,
Hoje moça de cozinha!»

A rainha está pejada,
A escrava também o vinha:
Quis a boa ou má fortuna
Que ambas parissem num dia.
Filho varão teve a escrava,
E uma filha a rainha;
Mas as perras das comadres,
Para ganharem alvíssaras.
Deram à rainha o filho,
À escrava deram a filha.

– «Filha minha da minha alma,
Com que te baptizaria?
As lágrimas de meus olhos
Te sirvam de água bendita.
Chamar-te-ei Branca Rosa,
Branca-flor de Alexandria,
Que assim se chamava dantes
Uma irmã que eu tinha:
Cativaram-na os moiros
Dia de Páscoa florida,
Andando apanhando rosas
Num rosal que meu pai tinha.»

Estas lástimas choradas
Veis-la rainha que ouvia,
E coas lágrimas nos olhos
Muito depressa acudia:
– «Criadas, minhas criadas,
Regalem-me esta cativa;
Que se eu não fora de cama,
Eu é que a serviria».

Mal se levanta a rainha
Vai-se ter com a cativa:
– «Como estás, ó minha escrava,
Como está a tua filha?»
– «A filha boa, senhora,
Eu como mulher parida. »
– «Se estiveras em tua terra,
Que nome lhe chamarias?»
– «Chamara-lhe Branca Rosa,
Branca-flor de Alexandria;
Que assim se chamava dantes
Uma irmã que eu tinha:
Cativaram-na os moiros
Dia de Páscoa florida,
Andando apanhando rosas
Num rosal que meu pai tinha.»

– «Se vira lá tua irmã,
Se tu a conhecerias?»
– «Assim eu a vira nua
Da cintura para cima;
Debaixo do peito esquerdo
Um sinal preto ela tinha.»

– «Ai triste de mim, coitada,
Al triste de mim mofina!»
Mandei buscar uma escrava,
Trazem uma irmã minha!»

Não são passados três dias,
Morre a filha da rainha:
Chorava a condessa Flores
Como quem por sua a tinha;
Porém mais chorava a mãe,
Que o coração lho dizia.
Deram à língua as criadas,
Soube-se o que sucedia:
A mãe, co filho nos braços,
Cuidou morrer de alegria.
Não são passadas três horas,
Uma à outra se dizia:
– «Quem se vira em Portugal,
Terra que Deus bendizia!»

Juntaram muita riqueza
De oiro e de pedraria;
Uma noite abençoada
Fugiram da moiraria.
Foram ter à sua terra,
Terra de Santa Maria;
Meteram-se num mosteiro,
Ambas professam num dia.


Romanceiro, Almeida Garrett


THE LADY AND THE UNICORN TAPESTRY WAll HANGING - A MON SEUL DESIR (One Of The Famous Medieval Tapestries)