Os galos querem cantar,
O conde Claros na cama
Não podia repousar.
Chamou pajens e escudeiros,
Que se quer já levantar;
Que lhe tragam de vestir,
Que lhe tragam de calçar.
Deram-lhe uma alva camisa.
Que el-rei não a tinha tal;
Deram-lhe saia de seda,
Cintura de oiro e firmal.
Trazem-lhe esporas douradas.
Para com elas montar;
Cavalgou no seu cavalo,
Pôs-se logo a caminhar.
– «Deus te salve, Claralinda,
Tão cedo estás a bordar?
Salve-te Deus, conde Claros!
Donde vais a caminhar?»
– «Aos moiros me vou, senhora,
Grandes guerras guerrear.»
– «Que belo corpo que tendes
Para com eles brigar!»
– «Melhor o tenho, senhora,
Para convosco folgar...»
Palavras não eram ditas
Um pajem que ia a passar;
– «As palavras que são ditas,
A el-rei vou já contar.»
– «Palavras que ditas são,
A el-rei não vás levar:
Dar-te-ei de oiro e de prata
Quanto possas carregar.
– «Não quero oiro nem prata,
Se oiro e prata me heis-de dar;
Quero guardar lealdade
A quem na devo guardar:
As palavras que são ditas,
A el-rei as vou contar.
Foi dali o bom do pajem
Andando de bom andar
À casa da Estudaria,
Onde el-rei estava a estudar:
– Deus vos salve senhor rei,
E a vossa coroa real!
Lá deixei o conde Claros
Com a princesa a folgar
– Se à puridade o dissesses,
Tença te havia de dar;
Mas pois tão alto falaste,
Alto hás-de ir a enforcar.
Castigar os chocalheiros
Boa justiça real:
Mas o pobre conde Claros
Também vai a degolar!
– «Vinde, vinde, Claralinda...
Como estais a descansar!
Vinde ver o conde Claros
Que el-rei o manda matar.»
– «Acudi, minhas donzelas,
Vinde-me acompanhar:
Que se el-rei lhe não perdoa,
Com ele quero acabar.»
– «Deus vos salve, senhor rei,
E a vossa c’roa real!
Que vos fez a conde Claros
Para o mandardes matar?»
– «Se eu tivera outra filha
Para em meu reino reinar,
Juro-te, ó Claralinda,
Que o ias acompanhar.
Mas toma-o tu por marido,
Por genro o quero eu tomar;
E ninguém mais nesta corte
Se atreva a mexericar.»
Romanceiro, Almeida Garrett