22/10/2008

Parábola do gato e o rato


Certa feita um gato montês e um rato habitavam a mesma árvore na selva; o rato morava num buraco da raiz e o gato nos galhos, onde se alimentava de ovos de pássaros e de filhotes inexperientes. O gato também gostava de comer ratos, mas este de nosso conto conseguia manter-se fora do alcance de suas garras.
Um dia veio um caçador e armou habilmente uma rede sob a árvore e, naquela noite, o gato ficou preso em suas malhas. O roedor, contente, saiu de seu esconderijo e experimentou um prazer enorme ao andar em volta da armadilha, mordiscando a isca e tirando o máximo proveito daquela situação. Logo se deu conta de que dois outros inimigos haviam chegado: um pouco mais acima, entre a escura folhagem da árvore, pousar uma coruja de olhos resplandecentes prestes a lançar-se sobre ele, enquanto que por terra se aproximava, sorrateiramente, um mangusto. O rato, sem saber o que fazer, maquinou com rapidez um surpreendente estratagema. Dirigindo-se ao gato disse-lhe que o libertaria, roendo as malhas, se antes lhe permitisse entrar na rede e abrigar-se em seu colo. Mal o outro concordou, o pequeno animal, aliviado, foi para dentro da rede.
Todavia, se o gato esperava ser salvo de imediato sofreu uma grande decepção, pois o rato aninhou-se confortavelmente em seu corpo, escondendo-se de modo a fugir dos olhares atentos de seus dois outros inimigos; e então, uma vez seguro em seu refúgio, decidiu tirar uma soneca. O gato protestou mas o rato disse que não havia pressa. Ele sabia que poderia safar-se a qualquer instante e que a seu contrariado hospedeiro só restava ser paciente, na esperança de obter a liberdade. E então, o roedor falou francamente ao seu inimigo natural que iria esperar pelo caçador. Desse modo, o gato também estando ameaçado, não aproveitaria sua independência para apanhar e devorar seu libertador. O felino nada pôde fazer; seu pequeno hóspede cochilou bem no meio de suas garras. O rato esperou tranqüilamente a chegada do caçador e, quando viu o homem aproximar-se para examinar as armadilhas, cumpriu sem risco sua promessa roendo as malhas com rapidez e pulando em sua toca, ao passo que o gato, num salto desesperado, escapuliu e alcançou um galho, livrando-se da morte certa.
Depois que o frustrado caçador afastou-se carregando sua rede inutilizada, o gato desceu da árvore e, aproximando-se à morada do rato, chamou-o docemente, convidando-o para sair e reunir-se ao seu velho companheiro. Disse-lhe que a situação em que se viram envolvidos na noite anterior já havia passado e a ajuda que cada um prestara tão lealmente ao outro, na luta em comum pela sobrevivência, havia consolidado uma união duradoura que apagava todas as diferenças anteriores. Dali em diante, os dois seriam amigos para sempre, baseando-se numa confiança mútua. Porém, o rato mostrou-se cético e inarredável diante da retórica do gato; recusou-se terminantemente a sair do abrigo seguro em que estava. Uma vez terminada a situação paradoxal que os havia colocado juntos numa estranha e temporária cooperação, não havia palavra que pudesse persuadir o arguto animalzinho a se achegar a seu inimigo natural. Para justificar sua recusa aos galantes mas insidiosos sentimentos do outro, o rato pronunciou a fórmula destinada a servir de moral ao conto. Disse, franca e diretamente: “No campo da batalha política não existem coisas como uma amizade perdurável.”

Parábola Indiana