05/03/2009

A Romeira

Por aqueles montes verdes
Uma romeira descia;
Tão honesta e formosinha
Não vai outra à romaria.
Sua saia leva baixa
Que nas ervas lhe prendia;
Seu chapelinho caído
Que lindos olhos cobria!
Cavaleiro vai trás dela,
De má tenção que a seguia!
Não a alcança por mais que ande,
Alcançá-la não podia
Senão junto a essa oliveira
Que estão no adro da ermida.
À sombra da árvore benta
A romeira se acolhia:
- «Eu te rogo, cavaleiro,
Por Deus e a Virgem Maria,
Que me deixes ir honrada
Para a santa romaria.»
Cavaleiro, de malvado,
Nem Deus nem razão ouvia;
Cego, no desejo bruto,
De amores a acometia.
Pegaram de braço a braço:
Luta de grande porfia!
A romeira, por mais fraca,
Enfim, rendida, caía...
No cair, lhe viu à cinta
Um punhal que ele trazia;
Com toda a força lho arranca,
No coração lho metia.
O sangue negro saltava,
O negro sangue corria...
- «Por Deus te peço romeira
Por Deus e a Virgem Maria,
Que o não digas em tua terra,
Nem te vás gabar à minha
Da vingança que tomaste,
Da afronta que te eu fazia.»
- «Hei-de dizê-lo em tu’terra,
Hei-de me ir gabar à minha,
Que matei um vil covarde
Com as armas que ele trazia.»
Tocou a campa da ermida,
A campa que retinia:
- «Ermitão, por Deus vos peço
Bom ermitão desta ermida,
Tenhais dó dessa má alma
Que inda agora partia:
Daí terra benta ao seu corpo,
Que Deus lhe perdoaria.»


Romanceiro, Almeida Garrett