Quando nas aves a piar,
As árvores e as flores,
Tudo se anda a namorar;
Era por manhã de Maio,
À fresca riba do mar,
Quando a infata Rosalinda
Ali se estava a toucar
Trazem das flores vermelhas,
Das brancas para a enfeitar;
Tão lindas flores como ela
Não nas puderam achar.
Que é Rosalinda mais linda
Que a rosa, que o nenúfar,
Mais pura que a açucena
Que a manhã abre a chorar.
Passava o Conde almirante
Na sua galé do mar;
Tantos remos tem por banda
Que se não podem contar.
Cativos que vão remando
A Moirama os foi tomar;
Deles são grandes senhores,
Deles de sangue real.
Que não há moiro seguro
Entre Ceuta e Gilbreltar,
Mal sai o conde almirante
Na sua galé do mar.
Oh que tão linda galera,
Que tão certo é seu remar!
Mais lindo capitão leva
Mais certo no marear.
- «Dizei-me, ó conde almirante,
Da vossa galé do mar,
Se os cativos que tomais
Todos los fazeis remar?»
- «Dizei-me, bela infanta
Linda rosa sem igual,
Se os escravos que lá tendes
Todos vos sabem toucar?»
- «Cortês sois, Dom Almirante;
Sem responder, perguntar!»
- Responder, responderei,
Mas não vos hei-de enfadar.
«Cativos tenho de todos,
Mais basto que um anduar;
Uns que mareiam as velas as velas,
Outros são banco a remar.
As cativas que são lindas
Na popa vão a dançar,
Tecendo alfombras de flores
Para o senhor se deitar.
- «Respondeis, respondo eu,
Que é boa lei de pagar:
Tenho escravos pra tudo.
Que fazem o meu mandar;
Deles para me vestir,
Deles para me toucar...
Para um só tenho outro emprego,
Mas está por cativar...»
- «Cativo está, tão cativo
Que se não quer resgatar.
Rema, a terra a terra, moiros,
Voga certo, e a varar!»
Já se foi a Rosalinda
Com o almirante a folgar:
Fazem sombra as laranjeiras,
Goivos lhe dão cabeçal.
Mas fortuna, que não deixa
A nenhum bem sem desar,
Faz que um monteiro de el-rei
Por ali venha a passar.
- «Oh monteiro, do que visto,
Monteiro, não vás contar:
Dote tantas bolsas de oiro
Quantas tu possas levar.»
Tudo o que viu o monteiro
A el-rei o foi contar,
A casa da estudaria
Onde el-rei estava a estudar.
- «Se à puridade o disseras,
Tença te havia de dar:
Quem tais novas dá tão alto,
Alto há de ir... a enforcar,
«Arma, arma meus archeiros
Sem charamelas tocar!
Cavaleiros e peões,
Tudo à tapada a cercar.»
Inda não é meio-dia,
Começa a campa a dobrar;
Inda não é meia-noite,
Vão ambos a degolar.
Ao tope de ave-marias
Foram ambos a enterrar:
A infata no altar-mor,
Ele à porta principal.
Na cova Rosalinda
Nasce uma árvore real,
E na cova do almirante
Nasceu um lindo rosal..
El-rei, assim que tal soube,
Mandou-os logo cortar,
E que os fizesse em lenha.
Para no lume queimar.
Cortados e recortados
Tornavam a rebentar:
E o vento que os encostava,
E eles iam-se abraçar.
El-rei, quando tal ouviu,
Nunca mais pode falar;
A rainha, que tal soube,
Caía logo mortal.
- «Não me chamem mais rainha,
Rainha de Portugal...
Apertei dois inocentes
Que Deus queria juntar!»
Romanceiro, Almeida Garrett