03/12/2009

O cego





- «Abre a porta, Ana, abre de mansinho,
Que venho ferido, morto do caminho.»
- «Se vindes ferido, pobre coitado!
Ireis muito embora por outro caminho.»
- «Ai! abre-me a porta, abre de mansinho,
Que tão cego venho, não vejo o caminho.»
- «Porta nem postigo não abro ao ceguinho,
Vá-se na má hora pelo mau caminho.»
- «Ai do pobre cego que anda sozinho
Cantando e pedindo por esse caminho!»

Minha mãe acorde, oiça aqui baixinho
Como canta o cego que perdeu o caminho»
- «Se ele canta e pede, dá-lhe pão e vinho;
E o pobre cego que vá o seu caminho.»
- «O teu pão não quero, não quero o teu vinho,
Quero só que Aninhas128 me ensine o caminho.»
- «Toma a roca, Ana, carrega-a de linho,
Vai com o pobre cego, pô-lo a caminho.»
- «Espiou-se a roca, acabou-se o linho,
Fique embora o cego, que este é o seu caminho.»
- «Anda mais, Aninhas, mais um bocadinho,
Sou um pobre cego, não vejo o caminho.»
- «Ai! arreda, arreda para este altinho,
Que aí vêm cavaleiros por esse caminho.»
- «Se vêm cavaleiros, vêm devagarinho,
Que há muito me tardam por este caminho.»
A cavalaria passou de mansinho...
Cego, lo meu cego já via o caminho.
Montou-me a cavalo com muito carinho...
Um cego me leva... e vejo o caminho!

Romanceiro, Almeida Garrett