30/03/2010

A casa velha

Aquela velha casa! Tinha perto de trezentos anos, como se podia ver por uma inscrição gravada numa viga, no meio de uma guirlanda de tulipas. Sob a porta podiam-se ler versos escritos na ortografia antiga, e sob cada janela estavam esculpidas figuras que faziam caretas engraçadas.
A casa tinha dois andares e no teto havia uma goteira terminada por uma cabeça de dragão. A chuva devia escoar-se na rua por essa cabeça; mas ela se escoava pelo ventre, pois a goteira tinha um buraco no meio. Todas as outras casas daquela rua eram novas e próprias, ornadas de grandes azulejos e muros brancos. Pareciam desdenhar a sua velha vizinha.
- Quanto tempo ainda este barraco vai ficar aqui? - pensavam elas - tira-nos toda a vista de um lado. Sua escadaria é larga como a de um castelo e alta como a da torre de uma igreja. A grande porta de ferro maciço parece a de uma antiga sepultura, com seus botões de couro. Que coisa! Imaginem só!
Numa dessas lindas casas, na frente da velha, estava na janela um menino de rosto alegre, faces coradas e olhos brilhantes. Gostava muito da velha casa, tanto à luz do Sol como ao clarão da Lua. Ele se divertia em copiar as cabeças que faziam caretas, os ornamentos que representavam soldados armados e as goteiras que se pareciam com dragões e serpentes. A velha casa era habitada por um homem idoso que usava calções curtos, um casaco com botões de couro e uma imponente peruca. Nunca se via ninguém, exceto um velho doméstico, o qual, todas as manhãs, vinha arrumar seu quarto e fazer compras. Algumas vezes olhava para a janela e então o menino o cumprimentava amistosamente; nosso homem respondia e assim eles se tornaram amigos sem nunca se terem falado. Os pais do menino diziam sempre:

- Esse velhote daí em frente parece estar à vontade; mas é uma pena que viva tão só.

Eis por que o menino, num domingo, depois de ter embrulhado algo num pedaço de papel, foi para a rua e disse ao velho doméstico:
- Ouça, se você quisesse levar isto ao velho senhor lá em frente, me daria um grande prazer. Tenho dois soldados de chumbo, e dou-lhe um, para que ele não se sinta tão só.
O velho doméstico executou o encargo com alegria e levou o soldado de chumbo para a velha casa. Mais tarde, o menino, convidado a visitar o ancião, correu para lá com a permissão de seus pais.
No interior a maior arrumação reinava por todos os lados; o corredor estava ornado de antigos retratos de cavaleiros em suas armaduras e de senhoras com vestido de seda. No fundo desse corredor havia uma grande varanda, pouco sólida, era verdade, mas toda guarnecida de folhagens e de velhos vasos de flores que tinham por alças orelhas de asno.
A seguir o menino chegou ao aposento onde estava sentado o ancião.
- Obrigado pelo soldado de chumbo, meu amiguinho - disse este último - obrigado pela sua visita!
- Disseram-me, replicou o menino - que você estava sempre sozinho; eis por que enviei-lhe um de meus soldados de chumbo para fazer-lhe companhia.
- Oh! replicou o velho sorrindo, nunca estou totalmente sozinho; muitas vezes velhos pensamentos vêm me visitar e agora você vem também; não posso queixar-me.
A seguir ele apanhou numa estante um livro de figuras onde se viam procissões magníficas, carruagens estranhas, como não existem mais e soldados levando o uniforme de valete-de-paus. Viam-se ainda as suas corporações com todas as suas bandeiras: a dos alfaiates levava dois pássaros sustidos por dois leões; a dos sapateiros estava ornada com uma águia, sem sapatos, é verdade, mas de duas cabeças. Os sapateiros gostam de ter tudo em dobro, a fim de formarem um par.
E, enquanto o menino olhava as figuras, o ancião ia até o aposento vizinho procurar doces, frutas, biscoitos e avelãs. Na verdade a velha casa não era desprovida de conforto.
- Nunca poderia suportar essa existência - dizia o soldado de chumbo - colocado sobre um cofre. Como tudo aqui é triste! Que solidão! Que infelicidade encontrar-se em semelhante situação, para quem está acostumado à vida de família! O dia não acaba nunca. Que diferença da sala onde seu pai e sua mãe conversavam alegremente e você e seus irmãos brincavam! Este ancião, na sua solidão, jamais recebe carícias; não ri e sem dúvida passa o Natal sem a sua árvore. Esta habitação se parece com uma tumba; eu nunca suportaria uma tal existência.
- Não se lamente tanto - respondia o menino - pois eu gosto daqui e depois você sabe que ele recebe sempre a visita de seus velhos pensamentos.
- É possível, mas eu nunca os vejo; nem os conheço. Jamais poderia ficar aqui!
- No entanto, é preciso ficar.
O velho voltou com um rosto sorridente, trazendo os doces, as frutas e as avelãs e o menino não pensou mais no soldadinho de chumbo. Após ter-se regalado, voltou contente e feliz para a sua casa; e não deixava de fazer um sinal amistoso ao seu velho amigo, de cada vez que o percebia na janela.
Algum tempo depois, ele fez uma segunda visita à velha casa.
- Não posso mais! - disse o soldadinho de chumbo - aqui é muito triste.
Tenho chorado chumbo derretido! Gostaria mais de ir para a guerra, arriscando-me a perder pernas e braços. Pelo menos seria uma mudança. Não aguento mais! Agora já sei o que é a visita dos velhos pensamentos; os meus vieram me visitar, mas sem dar-me o menor prazer. Eu os via na casa em frente, como se estivessem aqui. Assisti à prece matutina, às suas lições de música e me achava no meio de todos os outros brinquedos. Ai de mim! Não passavam de velhos pensamentos. Diga-me como se comporta a sua irmã, a pequena Maria. Dê-me notícias também do meu camarada, o outro soldado de chumbo; ele tem mais sorte do que eu. Não posso mais, não posso mais.
- Você não mais me pertence - respondeu o menino - e eu não tomarei aquilo que dei de presente. Entregue-se à sua sorte.
O ancião trouxe para o menino umas figuras e um jogo de antigas cartas, enormes e douradas, para diverti-lo. A seguir abriu o seu clavicórdio, tocou um minueto e cantarolou uma velha canção.
- À guerra! À guerra! - gritou o soldado de chumbo - e atirou-se ao chão.
O ancião e o menino quiseram levantá-lo, mas procuraram por todos os lados sem conseguir encontrá-lo.
O soldado de chumbo caíra numa fenda. Um mês mais tarde era inverno e o menino soprava as vidraças a fim de fundir o gelo e limpar o vidro. Dessa maneira ele poderia fitar a velha casa da frente. A neve cobria completamente a escadaria, todas as inscrições e todas as esculturas. Não se via ninguém, e, realmente, não havia ninguém; o ancião tinha morrido. Na mesma noite um carro parava na frente da porta para receber o corpo que devia ser enterrado no campo. Ninguém seguia esse carro; todos os amigos do ancião também estavam mortos. Somente o menino enviou um beijo com a ponta dos dedos para o caixão que partia.
Alguns dias mais tarde, a velha casa foi posta à venda, e o menino, da sua janela, viu levarem os retratos dos velhos cavaleiros e das castelãs, os vasos de plantas de orelhas de asno, os móveis de carvalho e o velho clavicórdio. Ao chegar a primavera a velha casa foi demolida.
- Não passa de um barraco! - repetia todo o mundo - e, em algumas horas, não se via mais do que um monte de escombros.
- Até que enfim! - disseram as casas vizinhas se pavoneando.
Alguns anos mais tarde, no local da velha casa se erguia uma casa nova e magnífica, com um pequeno jardim rodeado de uma grade de ferro; era habitada por um de nossos antigos conhecidos, o menino amigo do ancião. O menino crescera, casara-se; e, no jardim, ele olhava para sua esposa que plantava uma flor.
De repente ela retirou a mão dando um grito; algo pontudo ferira seu dedo. Que acham que era? Nada mais do que o soldadinho de chumbo, o mesmo que o menino presenteara ao ancião. Jogado para cá e para lá, ele terminara afundando na terra. A jovem senhora limpou o soldado, primeiro com uma folha verde, depois com o seu lenço. E ele despertou de um longo sono.
- Deixe-me ver! - disse seu marido sorrindo - oh! não, não é ele! Mas eu me lembro da história de um outro soldado de chumbo que me pertenceu quando eu era criança.
Então ele contou à esposa a história da velha casa, do ancião e do soldado de chumbo que ele dera a este último para fazer-lhe companhia.
Ao ouvi-lo, seus olhos se encheram de lágrimas.
- Quem sabe não se trata do mesmo soldado? - disse ela - de qualquer forma vou guardá-lo. Mas você poderia mostrar-me o túmulo do ancião?
- Não - respondeu o marido - não sei onde está e ninguém sabe também.
Todos os seus amigos morreram antes dele, ninguém o acompanhou até a última morada e eu não passava de uma criança.
- Que coisa triste é a solidão!
"Coisa pavorosa, realmente" - pensou o soldadinho de chumbo - "em todo caso, é melhor ficar só do que ser esquecido."