Era uma vez um sapo que vivia no seu charco feliz e despreocupado. Tinha o seu nenúfar particular, onde se postava a apanhar banhos de sol e a comer moscas que distraidamente violavam o seu espaço aéreo. Uma vez por outra, partilhava o nenúfar com uma fêmea do charco. Coaxava a tarde toda para ela e oferecia-lhe as moscas varejeiras mais suculentas que conseguia caçar. A fêmea ficava encantada e agradecia-lhe com um piscar de olhos e um coaxar lento e sedutor. Era uma bela vida.
Mas um dia a paz terminou.
Perto do charco, vivia uma menina que se chamava Clarinda. A madrasta fazia-lhe a vida negra. Quando o pai, que era carvoeiro, saí para o monte para fazer carvão, a madrasta obrigava-a a trabalhar arduamente. Era ela que cozinhava, arrumava a casa, dava de comer aos animais e cavava a horta. Passava o dia a trabalhar enquanto a madrasta se sentava à lareira a fazer meia.
O pior nem era o trabalho, que esse, que se saiba, nunca matou ninguém. Era antes a forma como a madrasta a tratava. Passava o dia a chamar por ela para que lhe fosse buscar isto e aquilo, estava sempre a dizer que a menina era uma desleixada e uma preguiçosa e que não servia para nada. Chegava mesmo a bater-lhe com um mata-moscas que costumava ter ao pé.
A Clarinda andava desgostosa e o pai, quando chegava a casa e a via assim, perguntava-lhe que tinha. Mas ela, que era boa, não queria dizer mal da madrasta e por isso encolhia os ombros e ficava silenciosa a arrumar a loiça do jantar.
– O que tu tens de arranjar é um príncipe – dizia-lhe o pai. – Tiravas-nos a todos da miséria em que vivemos e tornavas-te numa princesa. E, quem sabe, até poderias vir a ser rainha.
A madrasta ria-se e dizia:
– Ela rainha? Há-de ser rainha quando eu for imperadora.
E ria de tal modo, que a Clarinda estava à espera de a ver transformar-se em bruxa e sair pela janela em cima da vassoura de varrer a casa. Mas isso nunca aconteceu e a Clarinda olhava para a sua vida e concluía que, a menos que fizesse alguma coisa, seria cada vez pior.
E foi então que começou a imaginar que um príncipe, montado no seu cavalo branco, se haveria de perder na floresta e bateria à porta. Apaixonar-se-ia por ela e levá-la-ia consigo para o palácio. Esperou tanto que acabou por pensar que a floresta onde vivia era demasiado longe de qualquer palácio onde vivesse um príncipe que pudesse ali perder-se.
Lembrou-se entretanto das histórias que a mãe lhe contava acerca de príncipes transformados em sapos por bruxas malévolas. Quem sabe se, entre os sapos que por aí povoavam os charcos, não haveria um que era um príncipe?
Um dia à tarde, depois de arrumar a loiça do almoço, disse à madrasta que ia regar a horta, pegou no cântaro de barro e dirigiu-se ao charco onde costumava ir buscar água para a rega. Ao aproximar-se do charco, viu aquele nosso sapo conhecido em cima do nenúfar. Ele estava quase a apanhar um moscardo e ficou muito contrariado com a presença da menina, pois o insecto, com a agitação do ar, fugiu. O sapo mergulhou na água lodosa e foi caçar moscas para outro lado.
A Clarinda passou a ir ao charco sempre que podia e, para evitar sobressaltar a bicharada, aproximava-se com pezinhos de lá. Sentava-se numa pedra e ficava a apreciar o sapo em cima do nenúfar a caçar insectos. Havia outros sapos, é certo, mas era aquele, pelo seu tamanho, pela sua perícia e pelo coaxar afinado que lhe chamava mais a atenção. Ela acabou por se convencer de que ele era realmente um príncipe encantado.
A Clarinda estava tão convencida de que aquele sapo era um príncipe encantado que começou a tentar apanhá-lo para lhe dar um beijo. O sapo passou a viver em constante sobressalto, como medo de ser apanhado e acabar na panela, pois sabia que há gente que gosta de patas de rã estufadas.
De noite, a menina sonhava com o príncipe sapo. De dia começou a descurar as suas tarefas, a ponto de a madrasta passar a tratá-la ainda mais mal. Dizia que, se ela assim continuasse, que haveria de dá-la em casamento ao velho corcunda que via no Bosque dos Aflitos. Mas ela estava tão convencida de que tinha encontrado o seu príncipe, que qualquer ameaça passava por ela como a brisa matinal.
A sua principal preocupação era arranjar forma de apanhar o sapo para lhe dar o beijo do verdadeiro amor. Mas ele era demasiado esquivo e, quando a Clarinda estava quase a apanhá-lo, atirava-se à água e mergulhava para o fundo. O sapo, por causa disso, perdeu cor e emagreceu bastante. Pensava até seriamente em mudar-se para outro charco, pois naquele começava a ser impossível ter-se uma vida sossegada. E as queixas não eram apenas dele. A presença da criatura humana junto do charco tinha afectado a vida de toda a comunidade sapal.
Como os protestos se avolumavam, a comunidade decidiu reunir em assembleia para discutir e deliberar o que fazer. Um dos sapos mais velhos sugeriu que talvez a criatura humana pensasse que o nosso sapo era um príncipe encantado. E deu-lhe de conselho que se deixasse apanhar e beijar por ela. Quando a humana visse que ele não era mais do que um simples batráquio, haveria de deixá-lo em paz e tudo voltaria à normalidade.
O nosso sapo, embora com algum receio de ir parar a uma panela, deixou-se apanhar no dia seguinte. Sentiu a mão gretada e áspera da menina sobre o dorso liso e pegajoso e fechou os olhos com tremuras nervosas.
– Que querido que ele é! – exclamou a Clarinda.
O sapo encolheu-se todo. Estava pronto para o sacrifício. Só esperava que não fosse muito doloroso.
– Não sejas envergonhado – disse a Clarinda. – Um sapo tão catita como tu não precisa de corar diante de uma menina.
O sapo, se soubesse como, gostaria de explicar àquela humana que não era vergonha o que sentia, mas medo.
A Clarinda afagou-o mais uma vez, aproximou o sapo dos lábios e deu-lhe um beijo. O visado achou aquilo nojento e foi por pouco que não vomitou as moscas que tinha comido ao almoço.
Nesse instante, apareceu um jovem muito bem posto em cima de um cavalo baio e perguntou:
– Que faz a menina com esse sapo na mão? Não me diga que o vai beijar!
– Já beijei – disse ela.
– E que aconteceu? – quis saber o jovem.
– Apareceu-me um belo príncipe.
O jovem riu-se, ela riu-se também e logo se apaixonaram.
A Clarinda libertou o sapo, que saltou logo para o charco, feliz por ter escapado à beijoquice. O jovem acompanhou a menina a casa e prometeu visitá-la sempre que podia. Dois anos depois, casaram e foram muito felizes. Ele não era um príncipe daqueles verdadeiros, filho de rei e de rainha a viver num palácio cheio de guardas e de criados a quem poderia mandar fazer o que lhe apetecesse. Era filho de um mercador. Mas para a Clarinda era um príncipe e isso é o que importa.
Quanto ao sapo, voltou à rotina de que muito gostava. Ficara contente por saber que afinal era um sapo. Não lhe agradava nada viver o resto dos seus dias longe do charco, das moscas suculentas e do seu nenúfar.
Mas um dia a paz terminou.
Perto do charco, vivia uma menina que se chamava Clarinda. A madrasta fazia-lhe a vida negra. Quando o pai, que era carvoeiro, saí para o monte para fazer carvão, a madrasta obrigava-a a trabalhar arduamente. Era ela que cozinhava, arrumava a casa, dava de comer aos animais e cavava a horta. Passava o dia a trabalhar enquanto a madrasta se sentava à lareira a fazer meia.
O pior nem era o trabalho, que esse, que se saiba, nunca matou ninguém. Era antes a forma como a madrasta a tratava. Passava o dia a chamar por ela para que lhe fosse buscar isto e aquilo, estava sempre a dizer que a menina era uma desleixada e uma preguiçosa e que não servia para nada. Chegava mesmo a bater-lhe com um mata-moscas que costumava ter ao pé.
A Clarinda andava desgostosa e o pai, quando chegava a casa e a via assim, perguntava-lhe que tinha. Mas ela, que era boa, não queria dizer mal da madrasta e por isso encolhia os ombros e ficava silenciosa a arrumar a loiça do jantar.
– O que tu tens de arranjar é um príncipe – dizia-lhe o pai. – Tiravas-nos a todos da miséria em que vivemos e tornavas-te numa princesa. E, quem sabe, até poderias vir a ser rainha.
A madrasta ria-se e dizia:
– Ela rainha? Há-de ser rainha quando eu for imperadora.
E ria de tal modo, que a Clarinda estava à espera de a ver transformar-se em bruxa e sair pela janela em cima da vassoura de varrer a casa. Mas isso nunca aconteceu e a Clarinda olhava para a sua vida e concluía que, a menos que fizesse alguma coisa, seria cada vez pior.
E foi então que começou a imaginar que um príncipe, montado no seu cavalo branco, se haveria de perder na floresta e bateria à porta. Apaixonar-se-ia por ela e levá-la-ia consigo para o palácio. Esperou tanto que acabou por pensar que a floresta onde vivia era demasiado longe de qualquer palácio onde vivesse um príncipe que pudesse ali perder-se.
Lembrou-se entretanto das histórias que a mãe lhe contava acerca de príncipes transformados em sapos por bruxas malévolas. Quem sabe se, entre os sapos que por aí povoavam os charcos, não haveria um que era um príncipe?
Um dia à tarde, depois de arrumar a loiça do almoço, disse à madrasta que ia regar a horta, pegou no cântaro de barro e dirigiu-se ao charco onde costumava ir buscar água para a rega. Ao aproximar-se do charco, viu aquele nosso sapo conhecido em cima do nenúfar. Ele estava quase a apanhar um moscardo e ficou muito contrariado com a presença da menina, pois o insecto, com a agitação do ar, fugiu. O sapo mergulhou na água lodosa e foi caçar moscas para outro lado.
A Clarinda passou a ir ao charco sempre que podia e, para evitar sobressaltar a bicharada, aproximava-se com pezinhos de lá. Sentava-se numa pedra e ficava a apreciar o sapo em cima do nenúfar a caçar insectos. Havia outros sapos, é certo, mas era aquele, pelo seu tamanho, pela sua perícia e pelo coaxar afinado que lhe chamava mais a atenção. Ela acabou por se convencer de que ele era realmente um príncipe encantado.
A Clarinda estava tão convencida de que aquele sapo era um príncipe encantado que começou a tentar apanhá-lo para lhe dar um beijo. O sapo passou a viver em constante sobressalto, como medo de ser apanhado e acabar na panela, pois sabia que há gente que gosta de patas de rã estufadas.
De noite, a menina sonhava com o príncipe sapo. De dia começou a descurar as suas tarefas, a ponto de a madrasta passar a tratá-la ainda mais mal. Dizia que, se ela assim continuasse, que haveria de dá-la em casamento ao velho corcunda que via no Bosque dos Aflitos. Mas ela estava tão convencida de que tinha encontrado o seu príncipe, que qualquer ameaça passava por ela como a brisa matinal.
A sua principal preocupação era arranjar forma de apanhar o sapo para lhe dar o beijo do verdadeiro amor. Mas ele era demasiado esquivo e, quando a Clarinda estava quase a apanhá-lo, atirava-se à água e mergulhava para o fundo. O sapo, por causa disso, perdeu cor e emagreceu bastante. Pensava até seriamente em mudar-se para outro charco, pois naquele começava a ser impossível ter-se uma vida sossegada. E as queixas não eram apenas dele. A presença da criatura humana junto do charco tinha afectado a vida de toda a comunidade sapal.
Como os protestos se avolumavam, a comunidade decidiu reunir em assembleia para discutir e deliberar o que fazer. Um dos sapos mais velhos sugeriu que talvez a criatura humana pensasse que o nosso sapo era um príncipe encantado. E deu-lhe de conselho que se deixasse apanhar e beijar por ela. Quando a humana visse que ele não era mais do que um simples batráquio, haveria de deixá-lo em paz e tudo voltaria à normalidade.
O nosso sapo, embora com algum receio de ir parar a uma panela, deixou-se apanhar no dia seguinte. Sentiu a mão gretada e áspera da menina sobre o dorso liso e pegajoso e fechou os olhos com tremuras nervosas.
– Que querido que ele é! – exclamou a Clarinda.
O sapo encolheu-se todo. Estava pronto para o sacrifício. Só esperava que não fosse muito doloroso.
– Não sejas envergonhado – disse a Clarinda. – Um sapo tão catita como tu não precisa de corar diante de uma menina.
O sapo, se soubesse como, gostaria de explicar àquela humana que não era vergonha o que sentia, mas medo.
A Clarinda afagou-o mais uma vez, aproximou o sapo dos lábios e deu-lhe um beijo. O visado achou aquilo nojento e foi por pouco que não vomitou as moscas que tinha comido ao almoço.
Nesse instante, apareceu um jovem muito bem posto em cima de um cavalo baio e perguntou:
– Que faz a menina com esse sapo na mão? Não me diga que o vai beijar!
– Já beijei – disse ela.
– E que aconteceu? – quis saber o jovem.
– Apareceu-me um belo príncipe.
O jovem riu-se, ela riu-se também e logo se apaixonaram.
A Clarinda libertou o sapo, que saltou logo para o charco, feliz por ter escapado à beijoquice. O jovem acompanhou a menina a casa e prometeu visitá-la sempre que podia. Dois anos depois, casaram e foram muito felizes. Ele não era um príncipe daqueles verdadeiros, filho de rei e de rainha a viver num palácio cheio de guardas e de criados a quem poderia mandar fazer o que lhe apetecesse. Era filho de um mercador. Mas para a Clarinda era um príncipe e isso é o que importa.
Quanto ao sapo, voltou à rotina de que muito gostava. Ficara contente por saber que afinal era um sapo. Não lhe agradava nada viver o resto dos seus dias longe do charco, das moscas suculentas e do seu nenúfar.
Contos infantis de José Leon Machado