30/04/2010

A história da rainha Sherazade




Num distante País vivia um homem bonito e honrado, esse rei, de nome Shariar, já havia sido muito feliz, sem saber que sua esposa guardava um terrível segredo: apesar de fingir que o amava, ela na verdade estava apaixonada pelo servo mais indigno da corte.
Um dia Shariar casualmente a surpreendeu num canto escuro do palácio nos braços do amante. Transtornado pela dor e pelo espanto, o soberano soltou um grito medonho e sacou da espada para cortar a cabeça da mulher infiel e do servo desleal.
Pouco tempo mais tarde um cavalo parou na frente do palácio, e o irmão do rei, Shazaman, entrou para visitá-lo.
“Mas é inacreditável!” Shazaman exclamou. “ Pois pouco antes de partir a mesma coisa aconteceu comigo! Encontrei minha esposa beijando um de meus servos e, como você, também puxei a espada e cortei a cabeça dos pérfidos.”
Dias depois Shazaman voltou para seu reino, e Shariar ficou postado junto à fonte, contemplando as águas límpidas com um olhar pensativo. Por fim fez um juramento terrível: “Amanhã à noite vou me casar de novo, mas não permitirei que minha mulher desfrute os privilégios de rainha. Pois, quando o dia clarear, mandarei executá-la. Na noite seguinte tomarei outra esposa e ao amanhecer ordenarei que a eliminem. E assim hei de fazer sucessivamente até que não sobre neste reino uma única representante do género feminino”.
Dito e feito. Toda a noite ele escolhia uma nova esposa e toda manhã mandava a infeliz para a morte. Seus súbditos viviam apavorados, temendo perder filhas, irmãs, netas. Muitos fugiram para outros reinos, e por fim restou nos domínios de Shariar uma só noiva disponível. Tratava-se de Sherazade, jovem de alta estirpe, filha do primeiro-ministro do soberano. O pobre homem se encheu de pavor e tristeza ao saber que ela estava condenada à morte. Sherazade, no entanto, não se desesperou. Era mais sábia e esperta que todas as suas predecessoras, e junto com a irmã caçula elaborou um plano meticuloso.
Terminada a breve cerimônia nupcial, o rei conduziu a esposa a seus aposentos, mas, antes de trancar a porta, ouviu uma ruidosa choradeira. “Oh, Majestade, deve ser minha irmãzinha, Duniazade”, explicou a noiva. “Ela está chorando porque quer que eu lhe conte uma história, como faço todas as noites. Já que amanhã estarei morta, peço-lhe, por favor, que a deixe entrar para que eu a entretenha pela última vez!”
Sem esperar resposta, a jovem abriu a porta, levou a irmã para dentro, instalou-a no tapete e começou: “Era uma vez um mágico muito malvado...”. Furioso, Shariar se esforçou ao máximo para impedir a narrativa; resmungou, bufou, tossiu, porém as duas irmãs o ignoraram. Vendo que de nada adiantava sua estratégia, ele ficou quieto e se pôs a ouvir o relato de Sherazade, meio distraído no início, profundamente interessado após alguns instantes.
A pequena Duniazade adormeceu, embalada pela voz suave da rainha. O soberano permaneceu atento, visualizando mentalmente as cenas de aventura e romance descritas pela esposa. De repente, no momento mais empolgante, Sherazade silenciou.
“Continue!”, Shariar ordenou.
“Mas o dia está amanhecendo, Majestade! Já ouço o carrasco afiar a espada!”
“Ele que espere”, declarou o rei.
Shariar se deitou e logo dormiu profundamente. Despertou ao anoitecer e ordenou à esposa que concluísse o relato, mas não se deu por satisfeito. “Conte-me outra!”, exclamou.
Sherazade sorriu e recomeçou: “Era uma vez...”.
Novamente o sol adiou a execução. Quando Sherazade terminou, ela a mandou contar mais uma história. E assim a jovem rainha: conseguia postergar a própria morte. De dia o rei dormia tranqüilamente, à noite, acordava sempre ansioso para ouvir o final da narrativa interrompida e acompanhar as peripécias de mais um herói ou heroína. Já não conseguia conceber a vida sem os contos de Sherazade, sem as palavras que lhe jorravam da boca como a música mais encantadora do mundo. Dessa forma se passaram dias, semanas, meses, anos. E coisas estranhas aconteceram. Sherazade engordou e de repente recuperou seu corpo esguio. Por duas vezes ela desapareceu durante várias noites e retornou sem dar explicação, e o rei tampouco lhe perguntou nada.
Certa manhã ela terminou uma história ao surgir do sol e falou: “Agora não tenho mais nada para lhe contar. Você percebeu que estamos casados há exatamente mil e uma noites?”
Um ruído lhe chamou a atenção e, após uma breve pausa, ela prosseguiu; “Estão batendo na porta! Deve ser o carrasco. Finalmente você pode me mandar para a morte!”.
Quem entrou nos aposentos reais foi, porém, Duniazade, que ao longo daqueles anos se transformara numa linda jovem. Trazia dois gémeos nos braços, e um bebê a acompanhava, engatinhando.
“Meu amado esposo, antes de ordenar minha execução, você precisa conhecer meus filhos”, disse Sherazade. “Aliás, nossos filhos. Pois desde que nos casamos eu lhe dei três varões, mas você estava tão encantado com as minhas histórias que nem percebeu nada...”
Só então Shariar constatou que sua amargura desaparecera. Olhando para as crianças, sentiu o amor lhe inundar o coração como um raio de luz. Contemplando a esposa, descobriu que jamais poderia matá-la, pois não conseguiria viver sem ela. Assim, escreveu a seu irmão e lhe propondo que se casasse com Duniazade. O casamento se realizou numa dupla cerimónia, pois Shariar esposou Sherazade pela segunda vez, e os dois reis reinaram felizes até o fim de seus dias.

KERVEN, Rosalind