07/04/2010

A madrasta

Uma mulher tinha uma filha muito feia e uma enteada bonita como o Sol; com inveja tratava-a muito mal, e quando as duas pequenas iam com uma vaquinha para o monte, à filha dava-lhe um cestinho com ovos cozidos, biscoitos e figos, e à enteada dava-lhe côdeas de broa bolorentas, e não passava dia algum sem lhe dar muita pancada.
Estavam uma vez no monte e passou uma velha que era fada, e chegou -se a elas e disse:
– Se as meninas me dessem um bocadinho da sua merenda? Estou mesmo a cair com fome.
A pequena que era bonita e enteada da mulher ruim deu-lhe logo da sua codinha de broa; a pequena feia, que tinha o cestinho cheio de coisas boas, começou a comer e não lhe quis dar nada. A fada quis-lhe dar um castigo, e fez com que ela feia ficasse com a formosura da bonita; e que a bonita ficasse em seu lugar, com a cara feia. Mas as duas pequenas não o souberam; veio a noite e foram para casa. A mulher ruim, que tratava muito mal a enteada que era bonita, veio-lhes sair ao caminho, porque já era muito tarde, e começou às pancadas com uma vergasta na própria filha, que estava agora com a cara da bonita cuidando que estava a bater na enteada. Foram para casa, e deu de comer sopinhas de leite e coisas boas à que era feia, pensando que era a sua filha, e a outra mandou-a deitar para a palha de uma loja cheia de teias de aranha, e sem ceia.
Duraram as coisas assim muito tempo, até que um dia passou um príncipe e viu a menina da cara bonita à janela, muito triste e ficou logo a gostar muito dela, e disse-lhe que queria vir falar com ela de noite ao quintal. A mulher ruim ouviu tudo, e disse à que estava agora feia e que cuidava que era a sua filha, que se preparasse e que fosse falar à noite com o príncipe, mas que não descobrisse a cara. Assim fez, e a primeira coisa que disse ao príncipe foi – que estava enganado, que ela era muito feia. O príncipe dizia-lhe que não, e a pequena descobriu então a cara; mas a fada deu-lhe naquele mesmo instante a sua formosura. O príncipe ficou mais apaixonado e declarou que queria casar com ela; a pequena foi-o dizer à que pensava que ela era sua filha. Fez-se o arranjo da boda, e chegou o dia em que vieram buscá-la para se ir casar; ela foi com a cara coberta com um véu e a irmã, que estava agora bonita, ficou fechada na loja às escuras. Assim que a menina deu a mão ao príncipe e ficaram casados, a fada deu-lhe a sua formosura; foi então que a madrasta conheceu que aquela era a sua enteada e não sua filha. Corre à pressa a casa, vai à loja da palha ver a pequena que lá fechara, e dá com a sua própria filha, que desde a hora do casamento da irmã tornara a ficar com a cara feia. Ficaram ambas desesperadas e não sei como não arrebentaram de inveja. É bem certo o ditado:
«Madrasta nem de pasta.»

(Porto)
BRAGA, Teófilo, «Contos Tradicionais do povo Português»