05/05/2010

A Lenda da Pintura


Era uma vez um califa de Bagdade que queria mandar decorar as paredes do salão nobre do seu palácio. Convocou dois artistas, um do Oriente, outro do Ocidente. O primeiro era um célebre pintor chinês que nunca saíra da sua província natal. O segundo, um grego, visitara todas as nações e aparentemente falava todas as línguas. Não se limitava à pintura Era igualmente versado em astronomia, física, química e arquitectura. O califa explicou aos dois o seu propósito confiou a cada um deles uma das paredes do salão nobre.
— Quando tiverdes terminado, disse, a Corte reunir-se-á com toda a pompa. Examinará e comparará as vossas obras e a que for considerada mais bela valerá ao seu autor enorme recompensa.
Depois, virando-se para o grego, perguntou-lhe de quanto tempo precisaria para concluir o seu fresco. E misteriosamente o grego respondeu-lhe: "Quando o meu confrade chinês tiver terminado, eu terei terminado também. Então o califa interrogou o chinês, que solicitou um prazo de três meses.
— Bem, disse o califa. Vou mandar dividir a sala em duas por meio de uma cortina a fim de que não vos incomodeis um ao outro, e dentro de três meses voltaremos a encontrar-nos.
Os três meses passaram, e o califa convocou de novo os dois pintores. Virando-se para o grego, perguntou-lhe: "Terminaste?" E misteriosamente o grego respondeu-lhe: "Se o meu confrade terminou, eu também terminei." Então o califa interrogou o chinês que respondeu: "Terminei."
A corte reuniu-se dois dias depois e dirigiu-se com grande expectativa para a sala de honra a fim de julgar e comparar as duas obras. Era um cortejo magnífico em que só se viam vestidos bordados, penachos de plumas, jóias de ouro, armas trabalhadas. Todos se concentraram em primeiro lugar do lado da parede pintada pelo chinês. Ressoou um só grito de admiração. O fresco representava com efeito um jardim de sonho com árvores floridas e pequenos lagos em forma de feijões atravessados por belas pontezinhas. Uma visão paradisíaca que os olhos não se cansavam de contemplar. O encanto de alguns era tão grande que propunham declarar o chinês vencedor do concurso, sem sequer terem visto a obra do grego.
Mas logo a seguir fez correr a cortina que separava as duas metades da sala, e a massa dos visitantes virou-se para o outro lado. Virou-se para o outro lado e deixou escapar uma exclamação de maravilhado assombro.
Que fizera o grego? Nada pintara. Contentara-se com instalar um grande espelho que partia do chão e subia até ao tecto. E, bem entendido, esse espelho reflectia o jardim do chinês nos seus mínimos pormenores. Mas então, hão-de dizer-me, em que é que essa imagem era mais bela e mais comovente do que o seu modelo? Porque o jardim do chinês era deserto e vazio de habitantes, ao passo que, no jardim do grego, se via uma multidão magnífica com vestidos bordados, penachos de plumas, jóias de ouro e armas trabalhadas. E toda essa gente se mexia, gesticulava e se reconhecia espantada.
Por unanimidade, o grego foi declarado vencedor do concurso.


Michel Tournier, Uma Ceia de Amar