A Juno o pavão se queixa
Dizendo - "Ó deusa celeste,
Com razão de ti murmuro
Pela má voz que me deste.
Sou ave tua, e se quero
Entoar os teus louvores,
Estrujo os campos em torno
Com meus guinchos troadores;
O rouxinol tão mesquinho
Deleita, se a voz levanta,
É honra da Primavera,
De ouvi-lo o mundo se encanta!"
Irada lhe torna Juno:
"Cata-te, néscio invejoso!
Por que desejas as vozes
Do rouxinol sonoroso?
De ricas pedras ornadas
Não parece a cauda tua?
O listrão do Íris brilhante
Em teu colo não flutua?
Ave nenhuma passeia
Que tanto pareça bem;
Em si ninguém reunir pode
Quantos dotes os mais têm.
Repartiu seus dons com todos
A profícua Natureza;
As águas coragem deu,
Deu aos falcões ligeireza;
Por presságio o corvo grasna,
O môcho nas mortes pia,
A gralha males futuros
Com seu clamor pressagia.
Do que são se aprazem todos;
E se torno a ouvir queixar-te,
Dar-te-ei voz de Filomela
Mas hei de as plumas tirar-te".
Não quis o invejoso a troca;
Que é nosso instinto invejarmos
Sempre o que os outros possuem,
Sem o que é nosso largarmos.
Fábula de La Fontaine,
traduzida por Curvo Semedo
traduzida por Curvo Semedo