30/09/2010

Almofadinha de Ouro


ERA UMA VEZ UMA MENINA muito bonita e graciosa, filha única, e que teve a infelicidade de ficar órfã da mãe. Seu pai ainda ficou e casou novamente, com uma viúva que tinha uma filha, pondo-se mocinha e muito feia e orgulhosa. A madrasta, na presença do marido, tratava a enteada bem, mas como esse vivia viajando, vingava-se, obrigando-a a trabalhos pesados, como lavar roupa, limpar a estrebaria, o galinheiro, a casa inteira, etc.. A mocinha começou a viver amargurada e sofrendo toda a espécie de privações e insultos. De tanto padecer, perdeu a paciência e achou que o remédio era fugir daquele purgatório.
Antes de tomar essa decisão, a moça rezava todas as noites à Nossa Senhora, que era sua madrinha, pedindo que lhe ensinasse os caminhos do bom proceder. Nossa Senhora virou-se numa velhinha e falou com ela no caminho do rio, explicando tudo. Abençoou-a e lhe deu uma almofadinha de ouro que era encantada. Quando precisasse de alguma coisa, pedisse à almofadinha de ouro que fora dotada por Deus com poderes.
Deixando a casa, a moça andou muitos dias, com fome e sede, e acabou encontrando uma ocupação num palácio vistoso, residência de um príncipe solteiro e muito agradável.
A moça, para não causar suspeitas e despertar maldades, sujou o rosto e andava tão imunda que só lhe deram o serviço de tratar das galinhas e dos porcos, dormindo no fundo do quintal, num quartinho escuro e isolado do palácio.
Dia vai e dia vem, anunciaram três dias de festas e toda a gente ficou influída para esse divertimento preparando as roupas novas, encomendando os arranjos e fazendo cálculos. O príncipe era um dos mais alegres e as moças da cidade desejavam que ele se engraçasse de uma delas e casasse, por ocasião das festas.
Chegando o primeiro dia, o príncipe foi para o baile e os empregados do palácio fugiram para ver as luzes e a entrada das pessoas que iam dançar. A princesa-velha, mãe do príncipe, foi também.
Ficando sozinha, a moça tomou banho, penteou-se e pediu à almofadinha de ouro que lhe desse um vestido cor do campo com suas flores e uma carruagemcom criados.
Apareceu, incontinente, o pedido, e a moça vestiu-se e compareceu à festa, causando um assombro pela sua formosura e lindeza de traje. O príncipe largou todas as outras e só dançou com ela. Como lembrança do encontro, fez-lhe presente um anel. Perto da meia-noite a moça desapareceu, fugindo para casa onde trocou a roupa, o vestido e o carro sumiram.
No segundo dia aconteceu a mesma coisa. A moça levou um vestido cor do mar com todos o seus peixinhos e o príncipe ficou encantado por ela, dançando, servindo-a e conversando. Deu-lhe uns brincos. Antes da meia-noite a moça não foi encontrada em parte alguma. Já estava em casa, suja e feia como habitualmente parecia aos olhos de todos.
No terceiro dia, o mesmo sucedido. Desta vez o vestido era da cor do céu com todos os seus astros e a moça encandiava a vista pelo brilho das jóias. O príncipe só faltava gritar de contente. Presenteou-lhe um colar e ficou griste quando ela desapareceu, antes da meia-noite.
Passados os três dias, só se falava na cidade naquele assunto da moça desconhecida, com os três vestidos mais bonitos do mundo. O príncipe procurou-a como um cego procura a luz e não a encontrou em parte alguma. Estava tão apaixonado que adoeceu de cama, trancou-se no quarto e só deixava entrar sua mãe. Todo mundo lastimava a doença do príncipe e os médicos não tinham mais remédio para aconselhar nem receita que servisse. O príncipe nem queria comer e a princesa-velha fazia as maiores promessas para que o filho se alimentasse, fosse como fosse.
Um dia a moça disse à princesa-velha que queria fazer um bolo para o príncipe doente. A princesa achou graça no atrevimento, mas tanto a moça pediu e rogou que obteve o consentimento. Preparou-se, foi para a cozinha e fez um bolo dourado, colocando dentro da massa o anel que o príncipe lhe dera na primeira noite do baile.
O príncipe nem queria ver a comida, mas sua mãe tanto pediu que ele cortou um pedaço do bolo e, ao levar à boca, reparou num objeto que aparecia na parte restante do prato. Puxou com o bico da faca e reconheceu o anel. Comeu todo o bolo, melhorando, e declarou que queria outro bolo feito pela mesma pessoa. A moça fez outro bolo e neste mandou o brinco, que o príncipe achou e ficou certo que a moça estava por perto. Pediu outro bolo e neste veio o colar. Então sem ter mais dúvida, disse à princesa-velha que mandasse ao seu quarto quem fizera os três bolos. A princesa obrigou a moça a mudar de roupa, perfumar-se para tirar o mau cheiro do galinheiro, e disse que se apresentasse ao seu filho.
A moça subiu a escada, com a almofadinha de ouro na mão, e assim que bateu na porta, pediu que lhe aparecesse no corpo o vestido do terceiro dia da festa, dos pés à cabeça. Quando a porta se abriu e ela entrou, o príncipe deu um grito de alegria, levantou-se da cama bonzinho de saúde, chamando pela mãe e mostrando a moça que estava mais bonita do que nas noites passadas.
Casaram-se imediatamente, contando a moça sua história, e foram felizes até a morte.

Conto Tradicional Português