Passa-se na selva a história que vou contar. Nela entram três personagens principais, o leopardo, a girafa e o elefante, mas a mim apetece-me mais começar pelos macacos.
Empoleirados nas árvores, os macacos ocupam o dia a troçar da vizinhança, isto é, dos restantes bichos da selva.
- Do elefante é que não há nada a declarar - diz uma macaca velha, fazendo um trejeito malicioso.
Começam todos os macacos numa grande algazarra:
- É trombudo.
- Patudo.
- Orelhudo.
- É pesadão.
- Molengão.
- Paspalhão.
- Mas é bom, um bonzão - concluiu a macaca velha.
Nisto estão todos de acordo. O elefante pode não ser bonito, segundo as normas de beleza dos macacos, mas não molesta ninguém. Essa é que é essa.
- Vê-lo a ele muito gordalhufo, ao lado da espirra-canivetes da girafa, dá-me cá uma vontade de rir... - e o chimpanzé que isto diz ri-se, mostrando os dentes amarelos.
- Protege-a, desde pequena. Os pais da girafa foram apanhados numa cilada de caçadores e ele tomou-a à sua conta. Dizem que tem feito muito por ela - explica outro macaco.
Divertido com a conversa, um saguim intervém:
- Quem não deve gostar nada dessa amizade é o velho leopardo malhado e pelado. Se não fosse o medo que ele tem ao elefante, já a girafa, a estas horas, era um monte de ossos para os chacais roerem...
Nestas e noutras conversas gasta a macacaria o seu tempo. Depois digam que são os papagaios os palradores...
Na verdade, há muito que o leopardo espiava a girafa e o elefante.
De uma vez que viu a girafa no riacho, junto à cascata, a tomar banho, enquanto o elefante, perto da margem, cabeceava de sono, o leopardo aproximou-se dele e falou assim:
- Ah, meu amigo! O seu bom coração quase pesa tanto como o seu corpo todo. A girafa deve-lhe tudo. O meu amigo amparou-lhe os primeiros passos, abrigou-a, acarinhou-a e, graças a si, ela fez-se a linda girafa, que ambos contemplamos, enternecidos. Belo exemplo, meu amigo, para toda essa bicharia perversa.
Isto declamava, numa voz comovida, o leopardo. Para fazerem uma ideia, basta que vos diga que a cada vírgula corresponde um soluço. Farsante!
- Só é de lamentar que não saiba agradecer os seus sacrifícios com idêntica generosidade... - sussurrou o leopardo.
Neste passo da conversa, o elefante, que tudo ouvira sem manifestar grande interesse, levantou a tromba em ponto de interrogação:
- Que quer dizer? Fale com mais clareza, criatura.
Deu dois passos em frente o leopardo e segredou:
- Andam para aí a murmurar...
E o leopardo tentou convencer o elefante, por meias palavras, de que a girafa, nas suas costas, o tratava por ?paquiderme", palavra muito ofensiva entre os elefantes.
- Não acredito.
Acreditasse ou não, o elefante nunca mais voltou a correr ao lado da girafa. Certo era que ela também deixara de correr. Sem a companhia do seu amigo de sempre, que graça tinham as correrias?
Isto constou na selva e espicaçou a curiosidade dos macacos, de tal forma que resolveram mandar um emissário convocar os dois amigos desunidos, a fim de tirar mais informações.
- Vejo-os muito tristes e cada um para seu lado - disse o macaco emissário, assim que os juntou. - Que se passa?
A girafa, coitada dela, não sabia. Muito amuado, o elefante acabou por confessar:
- Calcula que, nas minhas costas, andam a chamar-me ?paquiderme" - e olhou de lado para a girafa.
O macaco não ficou espantado:
- Bem sei. Do leopardo tudo se deve esperar...
- Do leopardo? - estranhou o elefante.
- Pois claro. O leopardo, de há uns tempos para cá, tem vindo a espalhar que o nosso estimável amigo elefante é um ?paquiderme" da pior espécie e que, por esse motivo, a girafa já cortou relações consigo - explicou o macaco.
- Eu nem sei o que é um ?paquiderme" - disse a inocente girafa.
Estava desfeito o engano e esclarecidos os escondidos intentos do leopardo intriguista.
- Vou dar-lhe uma lição - exclamou o elefante, escavando com as patas na terra e chicoteando o ar com a robusta tromba . - Faça constar entre os macacos e a restante bicharada que, realmente, eu e a girafa nos desentendemos de vez e que cada um foi para seu lado.
Estava o leopardo a afiar as garras, quando ouviu o que na selva se contava.
- Desta não escapas, girafinha! - assobiou ele, de bigodes eriçados.
Ele é que não escapou, ai não, porque a cólera do elefante, animal paciente até onde se pode ser, não perdoa. Lançado a muitos quilómetros de distância, o leopardo não ganhou para o susto nem para os curativos.
De aí em diante passou a andar sempre sozinho e nunca sai senão de noite, quando os elefantes dormem.
Empoleirados nas árvores, os macacos ocupam o dia a troçar da vizinhança, isto é, dos restantes bichos da selva.
- Do elefante é que não há nada a declarar - diz uma macaca velha, fazendo um trejeito malicioso.
Começam todos os macacos numa grande algazarra:
- É trombudo.
- Patudo.
- Orelhudo.
- É pesadão.
- Molengão.
- Paspalhão.
- Mas é bom, um bonzão - concluiu a macaca velha.
Nisto estão todos de acordo. O elefante pode não ser bonito, segundo as normas de beleza dos macacos, mas não molesta ninguém. Essa é que é essa.
- Vê-lo a ele muito gordalhufo, ao lado da espirra-canivetes da girafa, dá-me cá uma vontade de rir... - e o chimpanzé que isto diz ri-se, mostrando os dentes amarelos.
- Protege-a, desde pequena. Os pais da girafa foram apanhados numa cilada de caçadores e ele tomou-a à sua conta. Dizem que tem feito muito por ela - explica outro macaco.
Divertido com a conversa, um saguim intervém:
- Quem não deve gostar nada dessa amizade é o velho leopardo malhado e pelado. Se não fosse o medo que ele tem ao elefante, já a girafa, a estas horas, era um monte de ossos para os chacais roerem...
Nestas e noutras conversas gasta a macacaria o seu tempo. Depois digam que são os papagaios os palradores...
Na verdade, há muito que o leopardo espiava a girafa e o elefante.
De uma vez que viu a girafa no riacho, junto à cascata, a tomar banho, enquanto o elefante, perto da margem, cabeceava de sono, o leopardo aproximou-se dele e falou assim:
- Ah, meu amigo! O seu bom coração quase pesa tanto como o seu corpo todo. A girafa deve-lhe tudo. O meu amigo amparou-lhe os primeiros passos, abrigou-a, acarinhou-a e, graças a si, ela fez-se a linda girafa, que ambos contemplamos, enternecidos. Belo exemplo, meu amigo, para toda essa bicharia perversa.
Isto declamava, numa voz comovida, o leopardo. Para fazerem uma ideia, basta que vos diga que a cada vírgula corresponde um soluço. Farsante!
- Só é de lamentar que não saiba agradecer os seus sacrifícios com idêntica generosidade... - sussurrou o leopardo.
Neste passo da conversa, o elefante, que tudo ouvira sem manifestar grande interesse, levantou a tromba em ponto de interrogação:
- Que quer dizer? Fale com mais clareza, criatura.
Deu dois passos em frente o leopardo e segredou:
- Andam para aí a murmurar...
E o leopardo tentou convencer o elefante, por meias palavras, de que a girafa, nas suas costas, o tratava por ?paquiderme", palavra muito ofensiva entre os elefantes.
- Não acredito.
Acreditasse ou não, o elefante nunca mais voltou a correr ao lado da girafa. Certo era que ela também deixara de correr. Sem a companhia do seu amigo de sempre, que graça tinham as correrias?
Isto constou na selva e espicaçou a curiosidade dos macacos, de tal forma que resolveram mandar um emissário convocar os dois amigos desunidos, a fim de tirar mais informações.
- Vejo-os muito tristes e cada um para seu lado - disse o macaco emissário, assim que os juntou. - Que se passa?
A girafa, coitada dela, não sabia. Muito amuado, o elefante acabou por confessar:
- Calcula que, nas minhas costas, andam a chamar-me ?paquiderme" - e olhou de lado para a girafa.
O macaco não ficou espantado:
- Bem sei. Do leopardo tudo se deve esperar...
- Do leopardo? - estranhou o elefante.
- Pois claro. O leopardo, de há uns tempos para cá, tem vindo a espalhar que o nosso estimável amigo elefante é um ?paquiderme" da pior espécie e que, por esse motivo, a girafa já cortou relações consigo - explicou o macaco.
- Eu nem sei o que é um ?paquiderme" - disse a inocente girafa.
Estava desfeito o engano e esclarecidos os escondidos intentos do leopardo intriguista.
- Vou dar-lhe uma lição - exclamou o elefante, escavando com as patas na terra e chicoteando o ar com a robusta tromba . - Faça constar entre os macacos e a restante bicharada que, realmente, eu e a girafa nos desentendemos de vez e que cada um foi para seu lado.
Estava o leopardo a afiar as garras, quando ouviu o que na selva se contava.
- Desta não escapas, girafinha! - assobiou ele, de bigodes eriçados.
Ele é que não escapou, ai não, porque a cólera do elefante, animal paciente até onde se pode ser, não perdoa. Lançado a muitos quilómetros de distância, o leopardo não ganhou para o susto nem para os curativos.
De aí em diante passou a andar sempre sozinho e nunca sai senão de noite, quando os elefantes dormem.
António Torrado