23/10/2010

O prédio harmonioso



Tenho um vizinho que toca violino, e que bem que toca violino o meu vizinho. Mora no 1.º esquerdo.
Tenho outro vizinho que toca violoncelo, e que bem que toca violoncelo o meu vizinho. Mora no 2.º direito.
Tenho outro vizinho que toca piano, e que bem que toca piano o meu vizinho. Mora no 1.º direito.
Tenho outro vizinho que toca viola clássica, e que bem que toca viola o meu vizinho. Mora no 2.º esquerdo.
No rés-do-chão há uma loja de instrumentos musicais. A loja, durante o dia, está sempre cheia de música, porque nela vendem pianos, acordeons, violinos, violas, guitarras... eu sei lá que mais. Vendem e consertam. À noite, claro está, a loja descansa, mas os meus vizinhos encarregam-se da música do prédio, que fica só por conta deles.
Não tem mais andares o nosso prédio. É o rés-do-chão, o primeiro e o segundo. Então onde é que mora quem isto conta?
Onde é que eu moro, querem saber? Moro na escada, num canto escondido, e não me canso de ouvir música.
Quando oiço os meus vizinhos tocar, digo-lhes, em surdina, em segredo, como se eles pudessem ouvir: ?Certinhos! Certinhos! Muito certinhos!". É um prédio muito harmonioso.
Pelo meu lado, faço o que posso. Também toco, pois claro. Toco harpa. Sou a aranha da escada e toco harpa, quando os meus vizinhos já estão a dormir. Acredito que, em sonhos, eles devem ouvir-me.
Assim, o prédio harmonioso nunca conhece o silêncio.


António Torrado