Era uma senhora que tinha uma menina. Era uma menina que tinha um cão. Era um cão que tinha uma pulga. Era uma pulga que tinha uma ideia.
Que ideia seria?
Não sabemos. E, como não sabemos, o melhor é perguntar:
- Ó pulga, que ideia é a tua?
- Uma grande ideia, uma ideia que vai mudar tudo. Uma ideia ex-tra-or-di-ná-ri-a!
E, ao dizer isto, a pulga saltitava de entusiasmo. Saltos de pulga em pêlo de cão dão comichão. O cão, que não era de cócegas, parou e coçou-se. A menina do cão parou, à espera do cão. A senhora, que levava a menina pela mão, parou também. Como iam a atravessar uma rua de muito movimento, parou o trânsito. Nas outras ruas, que iam dar à rua de muito movimento, parou tudo - automóveis, camionetas, autocarros... Buzinavam os carros. Gritavam as pessoas:
- Então esta história anda ou não anda?
E nós, para a pulga:
- Deixa-te de saltinhos e salta lá com essa ideia extraordinária, que estamos todos à espera.
- É muito simples - disse ela. - Para que as histórias com cães, meninas e senhoras possam ir à sua vida, sem serem interrompidas pelos saltos de uma pulga, eu proponho, eu exijo, que, daqui em diante, as pulgas deixem de usar saltos altos.
- Ah! - admirámo-nos nós, que não sabíamos que as pulgas usavam saltos altos.
A pulga continuou:
- Nós, de saltos altos, não conseguimos passar despercebidas, quando pisamos, quando saltamos. Por isso eu proponho, eu exijo, que as pulgas, em vez de sapatos de saltos altos, passem a calçar pan-tu-fas ou sapatinhos leves, que não chamem a atenção ao pisar.
Mas parece que a ideia não pegou. Ainda ontem vimos um cão a coçar-se, furiosamente. Ter-se-ão esgotado as pantufas, no mercado das pulgas? Nada disso. Era um colégio de pulguinhas novas, na aula de ballet. Todas de sapatilhas leves, a dançar em pontas... Estas ainda vão esperar muito tempo até usar pantufas...
António Torrado