Quando eu vi, na televisão, a estátua de D. Pedro IV, a cavalo numa bicicleta, e, depois das vistas sobre o Porto, passaram ao Mosteiro da Batalha, para mostrarem a estátua de D. Nuno Álvares Pereira, também montado noutra bicicleta, embora mais antiga, eu percebi que estava a sonhar.
Nesse sonho, eu apagava o televisor e descia à rua, a caminho da Praça da Figueira, em Lisboa. Lá estava o rei D. João I, todo ancho, em cima de uma bicicleta da mesma marca da do Condestável D. Nuno.
Seguindo pela Baixa fora, com um trânsito de ciclistas que não se faz ideia, ia ter ao Terreiro do Paço. No meio da praça, o rei D. José de bronze olhava o Tejo, sobre uma bicicleta, com a roda da frente no ar. Devia estar a fazer uma pirueta, em cima do pedestal, para chamar a atenção.
Seria difícil repararem nele, com tantas bicicletas paradas e empilhadas, à roda da estátua. Em vez de um parque de estacionamento de automóveis, o Terreiro do Paço tinha-se transformado num parque de estacionamento de bicicletas. Pequena diferença, afinal.
Onde se estranhava mais a diferença era no movimento do Tejo. Dantes, os cacilheiros atravessavam-no de lado a lado. Agora, no meu sonho, grandes ?gaivotas" de pedais, com dezenas de passageiros pedalantes, andavam de cá para lá, de lá para cá.
- Estou com umas dores na barriga das pernas que mal me tenho em pé - queixava-se uma senhora, ao desembarcar de um dos tais cacilheiros de pedais. - É que há uns que pedalam e outros que fazem de conta...
Os comboios partiam ao sinal de uma pistola de fulminantes, empunhada pelo chefe da estação. Cada passageiro, no seu respectivo lugar, punha-se então a pedalar com toda a força, como se estivesse numa corrida de bicicletas. Mas, neste caso, chegaram todos à meta ao mesmo tempo.
- Ainda há lugares? - perguntou um passageiro, na paragem seguinte.
- Se não vier muito carregado e se for enérgico de perna, pode entrar para o pelotão - respondia-lhe um senhor magrinho, montado num dos lugares-bicicleta.
E já com o comboio a deslizar sobre os carris, este senhor contava para os companheiros de viagem:
- Na semana passada, fui a Leiria, mas caí na asneira de entrar num comboio quase vazio. Demorei três dias a chegar.
- Estes comboios estão cada vez piores - comentaram em volta.
- Eu cá não me queixo - continuou o senhor magrinho. - A paisagem ao longo da linha é muito bonita e eu emagreci quinze quilos.
Via-se.
- Fiz esta viagem por recomendação do médico. Eu estava um bocado gordo. Mas acho que exagerei.
Os restantes passageiros também acharam, enquanto, suando, pedalavam juntos, a caminho de Sintra.
O país de Norte a Sul era uma permanente volta a Portugal em bicicleta. Auto-estradas, estradas, ruas, pontes, caminhos, cheios de ciclistas pedalando...
Uma bicicleta por cada português. Ou mais. Assim que uma criança deixava de andar de gatas, passava a andar de triciclo. Algumas, só depois é que aprendiam a andar em cima dos seus próprios pés.
Nunca vi tantas bicicletas juntas como no meu sonho.
Mal acordei, fui logo contá-lo aos meus pais, que estavam a tomar o pequeno-almoço. Um sonho tão lindo tinha de ser partilhado.
O meu pai, depois de me ouvir, poisou a chávena de café e olhou para mim, muito sério.
- Queres, então, que eu te compre uma bicicleta, para as próximas férias, é? - perguntou ele sorrindo.
Como é que o meu pai tinha adivinhado este meu secreto desejo, nunca revelado a ninguém?
Nesse sonho, eu apagava o televisor e descia à rua, a caminho da Praça da Figueira, em Lisboa. Lá estava o rei D. João I, todo ancho, em cima de uma bicicleta da mesma marca da do Condestável D. Nuno.
Seguindo pela Baixa fora, com um trânsito de ciclistas que não se faz ideia, ia ter ao Terreiro do Paço. No meio da praça, o rei D. José de bronze olhava o Tejo, sobre uma bicicleta, com a roda da frente no ar. Devia estar a fazer uma pirueta, em cima do pedestal, para chamar a atenção.
Seria difícil repararem nele, com tantas bicicletas paradas e empilhadas, à roda da estátua. Em vez de um parque de estacionamento de automóveis, o Terreiro do Paço tinha-se transformado num parque de estacionamento de bicicletas. Pequena diferença, afinal.
Onde se estranhava mais a diferença era no movimento do Tejo. Dantes, os cacilheiros atravessavam-no de lado a lado. Agora, no meu sonho, grandes ?gaivotas" de pedais, com dezenas de passageiros pedalantes, andavam de cá para lá, de lá para cá.
- Estou com umas dores na barriga das pernas que mal me tenho em pé - queixava-se uma senhora, ao desembarcar de um dos tais cacilheiros de pedais. - É que há uns que pedalam e outros que fazem de conta...
Os comboios partiam ao sinal de uma pistola de fulminantes, empunhada pelo chefe da estação. Cada passageiro, no seu respectivo lugar, punha-se então a pedalar com toda a força, como se estivesse numa corrida de bicicletas. Mas, neste caso, chegaram todos à meta ao mesmo tempo.
- Ainda há lugares? - perguntou um passageiro, na paragem seguinte.
- Se não vier muito carregado e se for enérgico de perna, pode entrar para o pelotão - respondia-lhe um senhor magrinho, montado num dos lugares-bicicleta.
E já com o comboio a deslizar sobre os carris, este senhor contava para os companheiros de viagem:
- Na semana passada, fui a Leiria, mas caí na asneira de entrar num comboio quase vazio. Demorei três dias a chegar.
- Estes comboios estão cada vez piores - comentaram em volta.
- Eu cá não me queixo - continuou o senhor magrinho. - A paisagem ao longo da linha é muito bonita e eu emagreci quinze quilos.
Via-se.
- Fiz esta viagem por recomendação do médico. Eu estava um bocado gordo. Mas acho que exagerei.
Os restantes passageiros também acharam, enquanto, suando, pedalavam juntos, a caminho de Sintra.
O país de Norte a Sul era uma permanente volta a Portugal em bicicleta. Auto-estradas, estradas, ruas, pontes, caminhos, cheios de ciclistas pedalando...
Uma bicicleta por cada português. Ou mais. Assim que uma criança deixava de andar de gatas, passava a andar de triciclo. Algumas, só depois é que aprendiam a andar em cima dos seus próprios pés.
Nunca vi tantas bicicletas juntas como no meu sonho.
Mal acordei, fui logo contá-lo aos meus pais, que estavam a tomar o pequeno-almoço. Um sonho tão lindo tinha de ser partilhado.
O meu pai, depois de me ouvir, poisou a chávena de café e olhou para mim, muito sério.
- Queres, então, que eu te compre uma bicicleta, para as próximas férias, é? - perguntou ele sorrindo.
Como é que o meu pai tinha adivinhado este meu secreto desejo, nunca revelado a ninguém?
António Torrado