Era uma vez um corvo.
Preto e luzidio como todos o são, este corvo sentia-se fadado para grandes voos.
Mas que voos?
Assim vestido, como se usasse casaca, podia ser músico. Aí estava uma profissão bonita. Atrairia os olhares das plateias e os aplausos do público, seria conhecido e gabado. Ele, o corvo violinista ou pianista ou violoncelista, com o nome destacado em todos os cartazes de concertos, pelo mundo fora, não era sensacional?
Mas, para que isso acontecesse, tinha primeiro de aprender música. Pois era. Aí é que estava o enfado. Aprender, estudar, ensaiar, em intermináveis sessões de trabalho, debruçado sobre pautas, repetindo, insistindo... Que enjoo!
Afinal, pensando bem, já não queria ser músico.
Mas podia ser ilusionista. Com todos os holofotes concentrados sobre ele, num círculo mágico de luz, o corvo brilharia. Tirava um lenço do bolso e transformava-o numa borboleta. Abria um baralho em leque e adivinhava, de olhos fechados, o valor de cada carta. Soprava um balão e desfazia-o em poalha de espuma. E palmas, muitas palmas sempre, ao fim de cada número.
Mas, para que isso acontecesse, tinha primeiro de exercitar minuciosamente cada truque, preparar-se muito bem, experimentar, adestrar-se. Que canseira!
Afinal, pensando bem, já não queria ser ilusionista.
Mas podia ser juiz. A presidir ao tribunal, com toda a autoridade de quem decide, sendo respeitado e temido, concentraria sobre ele a admiração de todos.
Mas, para que isso acontecesse, tinha primeiro de ler os códigos, tinha de passar longas noites a consultar calhamaços, a avaliar os processos, a tirar apontamentos, a escrever pareceres, a decorar leis. Que aborrecimento!
Afinal, pensando bem, já não queria ser juiz.
O corvo via-se ao espelho e imaginava para a sua bela plumagem, para o requinte dos seus gestos, para a elegância da sua pose, os mais distintos atributos profissionais.
Apetecia-lhe ser pregador, professor catedrático, diplomata, presidente da república, eu sei lá que mais, embora houvesse sempre uns preparos a cumprir, uns estudos a fazer, que antecipadamente o agoniavam.
Em qualquer dos casos, sobre o preto brilhante das penas, a fieira de condecorações em destaque provaria que ele era um corvo distinto, diferente, especial, um corvo lançado em altos voos.
Pois sim, mas... Há sempre um "mas" arreliador, ao cabo destas histórias.
Alguém lhe lançou uma rede, enquanto ele se aturdia, no meio dos seus sonhos. Alguém o meteu num saco. Alguém o levou a uma feira. Alguém o expôs de pernas para o ar, presas com um atilho. Alguém o vendeu por pouco dinheiro.
- Quer que lhe corte as asas? - perguntou esse alguém ao comprador.
- É mais prudente. Assim já não pode fugir.
Umas tantas tesouradas riparam-lhe as penas mais compridas das asas. Para sempre.
O corvo trabalha agora num armazém de carvão. Faz de guarda. Usa uma corrente comprida presa à pata e grasna, a dar sinal, à presença de qualquer estranho.
Os corvos são muito bons nisso.
Preto e luzidio como todos o são, este corvo sentia-se fadado para grandes voos.
Mas que voos?
Assim vestido, como se usasse casaca, podia ser músico. Aí estava uma profissão bonita. Atrairia os olhares das plateias e os aplausos do público, seria conhecido e gabado. Ele, o corvo violinista ou pianista ou violoncelista, com o nome destacado em todos os cartazes de concertos, pelo mundo fora, não era sensacional?
Mas, para que isso acontecesse, tinha primeiro de aprender música. Pois era. Aí é que estava o enfado. Aprender, estudar, ensaiar, em intermináveis sessões de trabalho, debruçado sobre pautas, repetindo, insistindo... Que enjoo!
Afinal, pensando bem, já não queria ser músico.
Mas podia ser ilusionista. Com todos os holofotes concentrados sobre ele, num círculo mágico de luz, o corvo brilharia. Tirava um lenço do bolso e transformava-o numa borboleta. Abria um baralho em leque e adivinhava, de olhos fechados, o valor de cada carta. Soprava um balão e desfazia-o em poalha de espuma. E palmas, muitas palmas sempre, ao fim de cada número.
Mas, para que isso acontecesse, tinha primeiro de exercitar minuciosamente cada truque, preparar-se muito bem, experimentar, adestrar-se. Que canseira!
Afinal, pensando bem, já não queria ser ilusionista.
Mas podia ser juiz. A presidir ao tribunal, com toda a autoridade de quem decide, sendo respeitado e temido, concentraria sobre ele a admiração de todos.
Mas, para que isso acontecesse, tinha primeiro de ler os códigos, tinha de passar longas noites a consultar calhamaços, a avaliar os processos, a tirar apontamentos, a escrever pareceres, a decorar leis. Que aborrecimento!
Afinal, pensando bem, já não queria ser juiz.
O corvo via-se ao espelho e imaginava para a sua bela plumagem, para o requinte dos seus gestos, para a elegância da sua pose, os mais distintos atributos profissionais.
Apetecia-lhe ser pregador, professor catedrático, diplomata, presidente da república, eu sei lá que mais, embora houvesse sempre uns preparos a cumprir, uns estudos a fazer, que antecipadamente o agoniavam.
Em qualquer dos casos, sobre o preto brilhante das penas, a fieira de condecorações em destaque provaria que ele era um corvo distinto, diferente, especial, um corvo lançado em altos voos.
Pois sim, mas... Há sempre um "mas" arreliador, ao cabo destas histórias.
Alguém lhe lançou uma rede, enquanto ele se aturdia, no meio dos seus sonhos. Alguém o meteu num saco. Alguém o levou a uma feira. Alguém o expôs de pernas para o ar, presas com um atilho. Alguém o vendeu por pouco dinheiro.
- Quer que lhe corte as asas? - perguntou esse alguém ao comprador.
- É mais prudente. Assim já não pode fugir.
Umas tantas tesouradas riparam-lhe as penas mais compridas das asas. Para sempre.
O corvo trabalha agora num armazém de carvão. Faz de guarda. Usa uma corrente comprida presa à pata e grasna, a dar sinal, à presença de qualquer estranho.
Os corvos são muito bons nisso.
António Torrado