04/07/2008

Donzela que vai à guerra

- «Já se apregoam as guerras
Entre a França e Aragão:
Ai de mim que já sou velho,
Não nas posso brigar, não!
De sete filhas que tenho
Sem nenhuma ser barão!...»
Responde a filha mais velha
Com toda a resolução:
- «Venham armas e cavalo
Que eu serei filho barão.»
- «Tendes los olhos mui vivos
Filha, conhecer-vos-ão.»
- «Quando passar pela armada
Porei os olhos no chão.»
- «Tendes los ombros mui altos
Filha, conhecer-vos-ão.»
- «Venham armas bem pesadas,
Os ombros abaterão.»
- «Tende-los peitos mui altos
Filha, conhecer-vos-ão.»
- «Venha gibão apertado,
Os peitos encolherão.»
- «Tende’-las mãos pequeninas
Filha conhecer-vos-ão.»
«Venham já guantes de ferro,
E compridas ficarão.»
- «Tende’-los pés delicados,
Filha, conhecer-vos-ão.»
- «Calçarei botas e esporas,
Nunca delas sairão.»
- «Senhor pai, senhora mãe,
Grande dor de coração;
Que os olhos do conde Daros
São de mulher, de homem não.»
- «Convidai-o vós, meu filho,
Para ir convosco ao pomar.
Que se ele mulher for,
À maçã se há-de pegar.
A donzela por discreta,
O camoês foi apanhar.
- «Oh que belos camoeses
Para um homem cheirar!
Lindas maças para damas
Quem lhas poderá levar!)
- «Senhor pai, senhora mãe,
Grande dor de coração;
Que os olhos do conde Daros
São de mulher, de homem não.»
- «Convidai-o vós, meu filho,
Para convosco jantar;
Que, se ele mulher for
No estrado se há-de encruzar.
A donzela, por discreta,
Nos altos se foi sentar.
- «Senhor pai, senhora mãe,
Grande dor de coração;
Que os olhos do conde Daros
São de mulher, de homem não.»
- «Convidai-o vós, meu filho,
Para convosco feirar;
Que, se ele mulher for,
Às fitas se há-de pagar.»
A donzela, por discreta,
Uma adaga foi comprar58.
- «Oh que bela adaga esta
Para com homens brigar!
Lindas fitas para damas:
Quem lhas poderá levar!»
- «Senhor pai, senhora mãe,
Grande dor de coração;
Que os olhos do conde Daros
São de mulher, de homem não.»
- «Convidai-o vós, meu filho,
Para convosco nadar;
Que, se ele mulher for,
O convite há-de escusar.»
A donzela, por discreta,
Começou-se a desnudar...
Traz-lhe o seu pajé uma carta,
Pôs-se a ler, pôs-se a chorar:
- «Novas me chegaram agora,
Novas de grande pesar:
De que minha mãe é morta,
Meu pai se está a finar.
Os sinos da minha terra
Os estou a ouvir dobrar;
E duas irmãs que eu tenho,
Daqui as oiço chorar.»
- «Monta, monta, cavaleiro!
Se me quer acompanhar.»
Chegavam a uns altos paços,
Foram-me logo apear.
- «Senhor pai, trago-lhe um genro,
Se o quiser aceitar;
Foi meu capitão na guerra,
De amores me quis contar...
Se ainda me quer agora,
Com meu pai há-de falar.»

Sete anos andei na guerra
E fiz de filho barão.
Ninguém me conheceu nunca
Senão o meu capitão;
Conheceu-me pelos olhos,
Que por outra coisa não.

Romanceiro, Almeida Garrett