09/12/2008

O leão enamorado

Leão de alta prosápia,
Passando por um prado,
Certa zagaia viu mui de seu gosto,
E esposa foi pedi-la.
Quisera o pai menos feroz o genro.
Bem duro lhe era o dar-lha: —
Mas também o negar-lha mal seguro;
E que inda a ser possível
Negar-lha, é de temer não venha a lume
Clandestino consórcio;
Que amava os valentões a mocetona.
De grado se encasquetam
As moças, de estofadas cabeleiras.
O pai, que não se atreve
A despedir o amante tanto às claras:
"Minha Filha é mimosa,
E vós podeis, entre esponsais carícias,
Arranhá-la com as unhas:
Consenti um cerceio em cada garra,
E em cada dente a lima.
Porque os beijos lhe sejam menos ásperos,
E a vós mais voluptuosos.
Que, sem tais sustos, há de a minha filha
Prestar mais meiga a boca".
Consente o leão: desmantelada a praça,
Falto de unhas e dentes.
Laçam-lhe os cães, vai-se o leão. Sem unhas
Como há de resistir-lhes?
Quando, Amor, nos agarras, bem podemos
Dizer: "Adeus, prudência!"


Filinto Elísio (Trad.)