31/01/2009

A Nau catrineta




Lá vem a nau Catrineta
Que tem muito que contar!
Ouvide, agora, senhores,
Uma história de pasmar.

Passava mais de ano e dia
Que iam na volta do mar,
Já não tinham que comer,
Já não tinham que manjar.
Deitaram sola de molho
Para o outro dia jantar;
Mas a sola era tão rija,
Que a não puderam tragar.
Deitam sortes à ventura
Qual se havia de matar;
Logo foi cair a sorte
No capitão general.

- «Sobe, sobe, marujinho,
Àquele mastro real,
Vê se vês terras de Espanha,
As praias de Portugal.»
- «Não vejo terras d’Espanha,
Nem praias de Portugal;
Vejo sete espadas nuas
Que estão para te matar.»
- «Acima, acima, gajeiro,
Acima ao tope real!
Olha se enxergas Espanha,
Areias de Portugal.»
- «Alvíssaras, capitão,
Meu capitão general!

Já vejo terras de Espanha,
Areias de Portugal.
Mais enxergo três meninas
Debaixo de um laranjal:
Uma sentada a coser,
Outra na roca a fiar,
A mais formosa de todas
Está no meio a chorar.»
- «Todas três são minhas filhas,
Oh! quem mas dera abraçar!
A mais formosa de todas
Contigo a hei-de casar.»
- «A vossa filha não quero,
Que vos custou a criar.»
- «Dar-te-ei tanto dinheiro
Que o não possas contar.»
- «Não quero o vosso dinheiro,
Pois vos custou a ganhar.»
- «Dou-te o meu cavalo branco,
Que nunca houve outro igual.»
- «Guardai o vosso cavalo,
Que vos custou a ensinar.»
- «Dar-te-ei a nau Catrineta,
Para nela navegar.»
- «Não quero a nau Catrineta,
Que a não sei governar.»
- «Que queres tu, meu gajeiro,
Que alvíssaras te hei-de dar?»

- «Capitão, quero a tua alma
Para comigo a levar.»
- «Renego de ti, demônio.
Que me estavas a atentar!
A minha alma é só de Deus;
O corpo dou eu ao mar.»

Tomou-o um anjo nos braços,
Não no deixou afogar.
Deu um estouro o demônio,
Acalmaram vento e mar;
E à noite a nau Catrineta
Estava em terra a varar.


Romanceiro
, Almeida Garrett

30/01/2009

A origem da ilha do Timor


Em tempos passados, vivia na ilha Celebes um crocodilo velho que não conseguia pegar peixes para se alimentar. Por isso, resolveu procurar por algum porco distraído nas margens para lhe matar a fome. Tanto procurou, sem nada encontrar, que acabou por cair exausto e entristecido, sem conseguir voltar para a água. Um rapaz que ia passando, penalizado, resolveu puxá-lo pela cauda e levá-lo até a água. Em retribuição, o crocodilo prontificou-se a levá-lo às costas sempre que necessário. Ambos tornaram-se grandes amigos, mas, apesar disso, ao sentir fome novamente, o crocodilo pensou em devorar o rapaz. Antes disso, porém, quis ouvir a opinião dos outros animais, que se mostraram revoltados com a ingratidão do crocodilo. De tanta vergonha, o animal mal-agradecido resolveu mudar-se par um local onde ninguém o conhecesse. Como o seu único amigo era o rapaz que o salvara, convidou para irem juntos em busca de um disco de ouro que flutua nas ondas. No meio do caminho, o crocodilo, cansado, precisou parar um pouco para descansar. Porém, não conseguiu mais seguir, pois se transformou em uma belíssima ilha. O rapaz tornou-se homem e viu, preso ao seu peito, o disco de ouro com o qual o crocodilo sonhara. Decidiu que viveria nessa ilha e a chamaria de Timor, que significa “Oriente”.


Lenda de Timor





A lenda do Canta Galo




Reza a lenda que em tempos passados, São Tomé era o refúgio de todos os galos do mundo. O cocorococó que reinava nesse lugar era imenso e ensurdecedor. Em sua algazarra, os galos esqueciam-se de que não eram os únicos habitantes da ilha. Apesar de alguns estarem contentes com a alegria barulhenta das aves, outros, mais numerosos, estavam furiosos com os galináceos e resolveram mandar a eles um aviso, segundo o qual aconselhavam os galos a mudarem-se para um local mais afastado. Se isso não acontecesse em um prazo de 24 horas, haveria guerra e o grupo vencedor poderia ficar no local. Os galos optaram pela mudança e convocaram uma reunião para decidir quem seria o chefe da expedição. Após escolherem como líder um galo grande e preto, iniciaram a viagem. Após muito procurarem, encontraram o lugar que parecia ter sido feito para eles e ali se fixaram. Desde então, nunca mais se viu os galos cantarem desordenadamente, mas somente em local determinado e com hora certa. Esse lugar acabou sendo designado, pelos habitantes das ilhas, de Canta Galo. Esse local existe, ainda hoje, e tornou-se um distrito como o mesmo nome.


Lenda de São Tomé e Príncipe

29/01/2009

A Princesa Sapa

Há muito muito tempo havia um rei que tinha três filhos. Quando eles chegaram a uma certa idade, o rei chamou-os e disse: "Meus queridos jovens, quero que vocês casem para que possa ver meus netos antes de morrer." E seus filhos replicaram: "Muito bem, Pai, dê-nos sua bênção. Com quem devemos casar?"
"Cada um de vocês deve tomar uma flecha, ir até a campina e atirá-la. Quando a flecha cair, ali estará seu destino."
Então os filhos se curvaram diante do pai, e cada um tomou uma flecha e foi a campina executar o que tinha sido determinado.
A flecha do mais velho caiu nos domínios de um nobre, e a sua filha apanhou-a. A flecha do filho do meio caiu no quintal de um mercador, e a sua filha apanhou-a.
Mas a flecha do mais jovem, príncipe Ivan, voou e foi-se para lugar desconhecido. Ele caminhou em sua busca, e já estava quase desistindo quando encontrou um sapo sentado com a flecha em sua boca. O príncipe Ivan disse: "Sapo, sapo, devolva minha flecha."
E o sapo replicou: "Case comigo!"
"Como eu posso casar com um sapo?"
"Case comigo, este é o seu destino."
Príncipe Ivan estava muito desapontando, mas o que ele poderia fazer? Ele juntou o sapo e encaminhou-se para casa. O Rei celebrou os três casamentos: seu filho mais velho com a filha do nobre, seu filho do meio com a filha do mercador e o pobre príncipe Ivan com o sapo.
Um dia o Rei chamou os filhos e disse: "Quero ver qual de minhas noras é mais hábil com a agulha. Deixe que cada uma me faça uma camisa."
Os filhos se curvaram em direção ao pai e saíram. Príncipe Ivan foi para casa e sentou-se numa poltrona, muito desconsolado. O sapo apareceu pulando no chão e disse-lhe: "Por que está tão triste, Príncipe Ivan? Está com algum problema?"
"Meu pai quer que você lhe faça uma camisa para amanhã de manhã."
Disse a sapa: "Não desanime, príncipe Ivan. Vá para a cama; a noite é mãe dos conselhos." Então príncipe Ivan foi para a cama e o sapo esperou que ele fechasse a porta, tirou sua pele de sapo e transformou-se em Vasilisa a sábia, uma donzela com formosura além de qualquer comparação. Ela bateu suas mãos e exclamou:
"Criadas e amas, estejam prontas para trabalhar! Amanhã de manhã quero uma camisa como meu próprio pai usaria!"
Quando Príncipe Ivan levantou-se na manhã seguinte, o sapo estava novamente no chão, e numa mesa, enrolada numa fina toalha, a camisa. Príncipe Ivan ficou encantado. Ele apanhou a camisa e levou-a ao seu pai. Ele encontrou o Rei recebendo os presentes de seus outros filhos. Quando o mais velho entregou a camisa o Rei disse: "Essa camisa será de um dos meus empregados"; quando o do meio entregou o Rei disse: "Esta é boa somente para o banho". Príncipe Ivan entregou sua camisa, finamente bordada em ouro e prata. O Rei tomou-a, olhou e disse: "Agora esta sim é a camisa! Eu a vestirei nas melhores ocasiões!"
Os dois irmãos mais velhos foram para casa e disseram um ao outro: "Parece que rimos antes da hora da esposa de Ivan - ela não é um sapo, e sim uma feiticeira."
Novamente o Rei chamou seus filhos: "Que suas mulheres me façam um pão para amanhã de manhã" ele disse. Quero saber qual delas cozinha melhor.
Príncipe Ivan retornou à sua casa muito triste. A sapa perguntou-lhe: "Por que está tão triste, príncipe?"
"O Rei quer que você lhe faça um pão para amanhã de manhã" replicou seu marido.
"Não se apoquente, Príncipe Ivan. Vá para a cama; a noite é a mãe de todos os conselhos."
As outras noras do rei que tinham rido da sapa na primeira vez, enviaram um velho criado para ver como a sapa fazia seu pão. . Mas a sapa era astuciosa
e adivinhou o que elas queriam. Elas misturou a massa, quebrou os ovos, colocou água, fez uma meleca e colocou no forno. O velho criado correu de volta para as outras esposas e disse-lhes o que tinha visto a sapa fazer.
Então a sapa esperou que todos se afastassem e se transformou em Vasilisa a Feiticeira, bateu palmas e gritou: "Criadas e amas, estejam prontas, trabalhem logo! Amanhã pela manha quero um pão tão leve e branco como jamais nenhum ser humano tenha experimentado."
Príncipe Ivan acordou pela manhã e encontrou sobre a mesa um pão que lhe pareceu o melhor que já tivesse provado, todo enfeitado com belas figuras, que ele levou imediatamente ao seu pai. O rei, ao experimentar o pão levado por Ivan, exclamou: "Isso é o que chamo de pão! É tão bom que só serve para ser comido nos feriados!"
E o Rei determinou que seus filhos trouxessem, no dia seguinte, suas esposas para um banquete. Príncipe Ivan tornou-se sombrio novamente. A sapa, vendo-o assim, perguntou: "Por que a tristeza, príncipe Ivan? Seu pai foi grosseiro com você?"
"Sapa, minha sapinha, como você poderia me ajudar? Meu pai quer que eu leve você ao banquete, mas como pode você aparecer diante do povo como minha esposa?"
"Não se amofine, Ivan," disse a sapa. "Vá para a festa sozinho que eu vou depois. Quando você ouvir uma batida e um estouro, não tenha medo. Se lhe perguntarem, diga que somente é sua Sapinha pulando na caixa."
Então foi o príncipe Ivan, sozinho. Seus irmãos mais velhos levaram as esposas, maquiadas e vestidas com roupas finíssimas. Eles aproveitaram para gozar de Ivan: "E então, Ivan, não trouxe a sua esposa? Você poderia tê-la embrulhado num lenço. Você não deveria deixá-la sozinha por aí, com tanta beleza.
Deve procurá-la no pântano!"
O Rei e seus filhos e noras e todos os convidados começaram o banquete. De repente, houve uma batida e um estouro que foi ouvido em todo o palácio. Então o príncipe Ivan disse: “Não tenham medo, boa gente, é apenas minha sapinha passeando em sua caixa.”
Foi quando uma carruagem dourada, puxada por seis cavalos brancos parou em frente ao palácio e Vasilisa, a Feiticeira, num vestido azul-turquesa clamado de estrelas e com uma lua sobre sua cabeça, tomou Ivan pela mão e levou-o até a mesa do banquete.
Os convidados começaram a comer, beber e se divertir. Vasilisa bebeu de seu copo e derramou as sobras em sua luva esquerda. Então comeu e colocou os ossos na luva direita. As esposas dos príncipes mais velhos viram-na fazendo isso e imitaram seus gestos.
Quando a comilança acabou, era hora da dançar. Vasilisa convidou Ivan,e ambos dançaram e rodopiaram, sob os olhares admirados de todos. Ela sacudiu então sua luva esquerda e... apareceu um lago! Ela sacudiu a luva direita e cisnes começaram a nadar no lago. O Rei e seus convidados ficaram impressionados com tal maravilha.
Então as noras do rei foram dançar. Elas sacudiram uma das luvas, mas apenas vinho caiu sobre os convidados; sacudiram a outra, mas apenas ossos roídos caíram, sendo o Rei atingido na testa por um.
Enquanto isso, Ivan correu de volta para casa. Ele encontrou a pele do sapo e jogou-a no fogo. Quando Vasilisa voltou para casa, procurou a pele mas não conseguiu achá-la. Triste, falou a Ivan: “O que você fez? Tivesse esperado mais alguns dias, eu seria sua para sempre. Mas agora, adeus. Procure-me além das Trinta e Nove Terras, no Décimo Reino, onde Koshchei, o Imortal, vive.” Dizendo isso, transformou-se num cuco cinza e voou pela janela. Príncipe Ivan, desesperado, partiu em busca de sua esposa, Vasilisa. Caminhou, caminhou, que os seus sapatos perderam as solas, e sua túnica se rasgou, e sua capa não mais o protegia da chuva. No caminho, encontrou um homenzinho, muito muito velho.
"Bom dia, meu rapaz”, disse o velhinho. "Onde estás indo e qual a tua missão?”
Príncipe Ivan contou-lhe o acontecido.
"Ah, por que queimaste a pele, Ivan?" disse o velho. "Ela não era sua nem era seu direito fazê-lo. Vasilisa ficou tão sábia quando seu pai, e por isso ele se enraiveceu e transformou-a em sapo por três anos. Ah, bom, mas não vai ajudá-lo agora. Pegue esse rolo de barbante e siga para o local que ele desenrolar.”
Ivan agradeceu ao homenzinho e seguiu a bola de barbante. Num campo aberto, ele encontrou um urso. Ivan estava pronto a matá-lo quando ouviu-o falar em voz humana: “Não me mate, príncipe Ivan, pois talvez precises de mim um dia."
Ivan então deixou o urso partir. Subitamente ele viu um marreco voando sobre sua cabeça. Pegou sua arma e, quando foi atirar, ouviu o marreco falar com voz humana: “Não me mate, Ivan, pois talvez precises de mim um dia.”
Ele poupou o pato e se foi. O mesmo aconteceu em seguida, só que com uma lebre e mais uma vez ele poupou a vida do animal.
Caminhando ainda, Ivan chegou ao mar e viu um lúcio debatendo-se na areia. “Ah, príncipe Ivan”, disse o peixe, “jogue-me de volta ao mar.”
Então, ele jogou o peixe de volta na água e continuou seguindo a bola de barbante, indo parar numa floresta, onde encontrou uma cabana de madeira. Lá, estava sentada Baba-Yaga, a bruxa, com uma vassoura na mão. Quando ela viu Ivan, disse: "Ugh, ugh, sangue russo, nunca encontrado por mim, agora eu sinto cheiro na minha porta. Quem é? ? Onde está?”
"Você poderia me dar comida e bebida e um banho de vapor antes," retorquiu Ivan. Então Baba-Yaga deu-lhe um banho de vapor, alimentou-o e colocou-o na cama. Então o Príncipe Ivan perguntou-lhe sobre sua mulher, Vasilisa a sábia.
"Eu sei, eu sei,"disse Baba Yaga. "Sua esposa está agora sob o poder de Koshchei, o Imortal. Vai ser duro trazê-la de volta. Koshchei não é páreo para você.
As morte está na ponta de uma agulha. A agulha está num ovo. O ovo está num pato. O pato está numa lebre; a lebre num cofre; o cofre no topo do mais alto carvalho que Koshchei, o Imortal, s guarda como olhos de águia."
Ivan passou a noite com Baba-Yaga, e, pela manhã, ela mostrou o caminho até o carvalho. Ele caminhou, caminhou, e chegou até carvalho, onde viu o cofre de pedra n topo. Mas era muito difícil de atingir.
De repente, surgiu um urso e, jogando-se sobre a árvore, sacudiu-a de tal forma que o cofre caiu, quebrou e se abriu. Do cofre saiu uma lebre que partiu numa corrida. A outra lebre, cuja vida o príncipe havia poupado, disparou atrás da primeira e capturou-a. De dentro dela saiu um pato, que partiu como uma flecha pelo ar. Mas em seguida o pato, cuja vida Ivan havia poupado, partiu em sua perseguição, e o fez soltar o ovo, que caiu no mar.
Ivan caiu em prantos. Como poderia achar o ovo no mar? Neste momento o lúcio, salvo por Ivan, nadou até a borda da praia com o peixe em sua boca. Ivan quebrou o ovo, pegou a agulha e quebrou sua ponta. Não demorou muito para Koshchei curvar-se e gritar, mas tudo em vão. Caiu morto.
Ivan correu até o castelo de pedras brancas. Vasilisa correu em sua direção, abraçando-o, beijou-o. E príncipe Ivan e Vasilisa voltaram para sua própria casa e viveram em paz e felicidade até a velhice.

Conto Russo





O menino sem olhos

Uma mãe teve dois filhos.
Eles foram pedir esmola, que não tinham nada.
Ela deu-lhes um farnel e perguntou-lhes se queriam ambos comer da mesma vasilha ou levar cada um o seu farnel.
O mais velho disse que era melhor cada um levar o seu farnel.
Assim foi.
No caminho o irmão mais novo perguntou ao irmão se era melhor comerem cada um do seu farnel ou comerem primeiro um e depois o outro.
O mais velho disse que era melhor assim.
Assim foi.
No primeiro dia comeram ambos a comida do mais novo.
No segundo dia, eram já horas de almoçar, disse o mais novo:
— Ó irmão, vamos agora comer?
O mais velho respondeu-lhe:
— Não, que ainda é cedo.
Depois ia comendo e o mais novo não comia nada.
Ao jantar, o mesmo; enfim, o irmão mais novo já levava tanta fome que lhe tornou a pedir ao menos um bocadinho de pão.
O mais velho disse-lhe:
— Se me deixares tirar um olho, dou-te.
O mais novo, como estava desesperado com fome, obrigou-se a deixar tirar um olho. Mas o irmão mais velho tirou-lhe o olho, mas não lhe deu o bocadinho de pão.
O mais novo tornou a pedir-lhe ao menos metade. O irmão disse-lhe:
— Pois só te dou metade se me deixares tirar o outro olho.
Depois o mais velho foi-se embora e deixou o irmão ali só e desamparado.
O menino, vendo-se cego, deixou-se por lá andar a ver se encontrava alguém que o guiasse no caminho.
Chegou abaixo de um monte e ouviu cantar a água de um rio, e ali parou dizendo consigo:
— Nada, daqui não passo eu, que, como não veio nada, posso meter-me ao rio e morrer afogado.
Conheceu que era noite e foi indo às apalpadelas e encontrou uma árvore e abanou com ela, e ouviu cantar as folhas e depois trepou para cima e ali ficou naquela árvore.
Próximo à árvore estava uma ponte, onde costumava ir o demónio com as bruxas fazer audiência.
Daí a pouco vieram todas, conforme é costume, e estavam perguntando umas às outras o que tinham feito naquele dia.
Uma delas respondeu ao demónio que tinha cortado as águas à capital da França, onde que ao fim de três dias morreria tudo à sede.
O demónio perguntou-lhe o que tinha ela feito para cortar essas águas.
Diz ela:
— Eu, no espaço de quatro a cinco léguas, por onde passa a água, encantei uma cobra e meti-a no canal da água, onde a cobra está presa de cabeça e rabo dentro de um anel, e a água está presa no meio do rolo da cobra.
O demónio perguntou:
— Então não haverá outra vez remédio para soltar essa água para a cidade?
A bruxa disse:
— Há, mas eu não digo a ninguém.
O demónio disse:
— Então, nem a mim?
A bruxa respondeu:
— A ti sim, como mestre. O remédio é havendo quem se aventure a lá ir com uma lança de ouro e tirar o anel que está dentro da cobra sem a ferir; tanto corre a cobra para o monte, como a água que vem da fonte.
O menino, que estava em cima da árvore, aprendeu isto tudo.
Uma outra bruxa disse:
— Eu também enfeiticei o rei da Itália, que está encarangado (entrevado, perro dos nervos do corpo) de todos os membros do corpo que se não pode mover para lado algum. E toda a família real morre desta aflição.
O demónio perguntou:
— Então, que lhe fizeste tu para ele estar assim encarangado?
Respondeu a bruxa:
— Cosi os olhos a um sapo, com a mesma linha apertei o sapo de pés e mãos e tudo, e meti-o debaixo da cama de Sua Majestade.
O demónio perguntou:
— Então não haverá remédio para dar outra vez saúde a este rei?
A bruxa disse:
— Há, havendo quem vá daqui à Itália ao jardim do rei, que tem um marmeleiro em cima de um chafariz, e havendo quem lhe colha o primeiro ranco (arranco, ramo), que faz um S em cima do chafariz, e lhe aguçar a ponta do feitio de uma lança, e pescar com ela um peixe azul que anda dentro do tanque, e derretê-lo numa bilha que não tenha levado nada, e levantando o pé esquerdo do leito do rei e tirando o sapo que está metido debaixo, e descosendo-lhe os olhos e desamarrando-o de modo que não se fira o sapo, e deitando depois o sapo ao jardim. Estando o peixe derretido, dar depois uma untura ao rei, e daí a pouco logo o rei está com a sua saúde, mas decerto o rei morre porque eu não o conto a ninguém.
O menino, que estava em cima da árvore à escuta, aprendeu tudo.
Depois uma outra bruxa disse ao demónio:
— E tu, o que é que fizeste?
O demónio respondeu:
— Eu já fiz obra maravilhosa, já fiz com que tirasse os olhos um irmão ao outro; também já há três dias que tenho feito com que uns bem-casados se dêem mal.
A bruxa perguntou-lhe:
— Então que fizeste tu para um irmão tirar os olhos ao outro?
O demónio respondeu:
— Atentei-o para o mais velho não dar um bocadinho de pão ao mais novo sem lhe tirar os olhos.
A bruxa perguntou:
— Então não haverá remédio para esse menino ficar outra vez com vista?
O demónio disse:
— Há, mas como o há-de ele saber se eu não conto a ninguém?
A bruxa disse:
— Mas deves contá-lo a nós, como nós te contámos tudo a ti.
O demónio então disse:
— Está aqui perto uma árvore, cortando-lhe três folhas e cuspindo-lhe três vezes, antes de amanhecer, e pisando estas folhas na mão, com o sumo da folha e com cuspo da boca, untando as capelas dos olhos (pálpebras), aí se fica com a vista natural.
— E para se darem outra vez os bem-casados como se davam?
O demónio respondeu:
— Indo a uma igreja matriz, colhendo uma bilha de água benta da pia do baptismo, colhendo umas ervinhas que lhes chamam os cristãos alecrim.
A bruxa perguntou:
— Então, que fizeste tu para esses casados se darem mal?
O demónio respondeu:
— Aqui ao cimo deste monte moravam uns bem-casados, e eu fui-me meter debaixo da cama. O homem, quando entrava de fora para dentro, olhava paro debaixo da cama e via-me lá figurou-se-lhe que era um homem e começou logo a maltratar a mulher de más palavras. Assim se começou de dar mal, julgando que a mulher andava amigada. A mulher não fazia senão chorar e dizer que tal coisa não fazia.
A bruxa perguntou:
— Então, não haverá outra vez remédio para eles ficarem bem?
O demónio respondeu:
— Sim, então já te não disse que em ir buscar a bilha de água benta da casa em cruz, quando me lá vir, que eu fujo, e assim se tornam eles a darem-se bem?
Nisto, o menino, que estava em cima da árvore, aprendeu tudo; depois pegou nas folhas da árvore, que era a mesma onde ele estava, e fez o que disse o demónio. Depois ficou logo com vista.
Assim que foi dia, desceu pela árvore abaixo e tratou logo de procurar a cosa dos mal-casados.
Fez tudo quanto o demónio disse e eles ficaram bem.
Dali passou à França e desencantou a cobra e deu água à cidade.
O rei de França deu-lhe logo uma porção de dinheiro.
Depois foi para a Itália e fez também o mesmo que a bruxa tinha dito ao demónio.
Quando o peixe estava derretido, o menino falou para o rei e disse:
— Real Senhor, tenha a bondade de mandar todos os médicos embora, que Vossa Real Majestade hoje ainda os há-de ir visitar a casa.
O rei assim fez.
Depois o menino esfregou-o com o óleo do peixe e ficou o rei logo curado.
Depois que o rei se achou bom, levou o menino para o palácio e depois casou com a filha do rei.
O rei morreu e ele ficou senhor do reinado.
Nisto, o irmão mais velho andava pedindo pelo mundo; foi andando de terra em terra, até que foi dar ao reino do irmão, mas sem saber.
Um dia estava o rei à janela mais a rainha e viu aquele homem e conheceu que era o irmão e disse para a sentinela que estava à porta do palácio:
— Ó sentinela, prenda-me aquele homem e traga-mo cá à minha presença.
Neste momento foi-se o rei fardar com as suas insígnias como rei e sentou-se no trono.
A sentinela levou o preso à presença do rei.
Depois o rei começou a perguntar ao homem de que terra era ele.
O preso estava sem saber o que havia de dizer. Afinal lá contou a sua vida. Depois o rei perguntou-lhe:
— Que é feito da tua mãe?
Ele disse:
— Eu não sei, porque desde que saí de casa não tornei lá a voltar.
— E que é feito de teu irmão?
— Então Vossa Majestade conhecia meu irmão?
O rei disse que sim e perguntou-lhe porque é que ele lhe tinha tirado os olhos.
O irmão começou a negar. O rei disse-lhe então que bem sabia que tinha sido por tentação do diabo e que ele era o seu irmão.
Depois ficou no palácio com o rei, que lhe perdoou.


Recolha de Consiglieri Pedroso

Os três machados


Um camponês deixou cair o machado no rio, e cheio de angústia, pôs-se a chorar.
A Fada das Águas, ouvindo-o chorar, teve pena dele e levou-lhe um machado de ouro, e então perguntou-lhe:
- É este o teu machado?
- Não, não é esse- respondeu o camponês.
A Fada das Águas mostrou-lhe um de prata.
- Não, não é esse- respondeu ainda o camponês.
Então a Fada das Águas trouxe-lhe o que ele tinha perdido no rio.
- É esse – disse o camponês.
Para compensar a honradez com que ele, o camponês, tinha procedido, a Fada das Águas ofereceu-lhe os machados de ouro e de prata.
No regresso, o camponês contou a sua estranha aventura aos camaradas. E um deles teve a ideia de imitá-lo. Foi à beira do rio, deixou cair o machado e pôs-se a chorar. A Fada das Águas apresentou-lhe um machado de ouro e perguntou-lhe:
- É este o teu machado?
O camponês, muito contente, respondeu:
- Sim, sim é o meu.
A Fada das Águas, para castigar a mentira, não lhe deu o de ouro, nem o de aço, que ficou a enferrujar no fundo do rio.




O Sal e a água



Um rei tinha três filhas; perguntou a cada uma delas por sua vez, qual era a mais sua amiga. A mais velha respondeu:
– Quero mais a meu pai, do que à luz do Sol.
Respondeu a do meio:
– Gosto mais de meu pai do que de mim mesma.
A mais moça respondeu:
– Quero-lhe tanto, como a comida quer o sal.
O rei entendeu por isto que a filha mais nova o não amava tanto como as outras, e pô-la fora do palácio. Ela foi muito triste por esse mundo, e chegou ao palácio de um rei, e aí se ofereceu para ser cozinheira. Um dia veio à mesa um pastel muito bem feito, e o rei ao parti-lo achou dentro um anel muito pequeno, e de grande preço. Perguntou a todas as damas da corte de quem seria aquele anel. Todas quiseram ver se o anel lhes servia: foi passando, até que foi chamada a cozinheira, e só a ela é que o anel servia. O príncipe viu isto e ficou logo apaixonado por ela, pensando que era de família de nobreza.
Começou então a espreitá-la, porque ela só cozinhava às escondidas, e viu-a vestida com trajos de princesa. Foi chamar o rei seu pai e ambos viram o caso. O rei deu licença ao filho para casar com ela, mas a menina tirou por condição que queria cozinhar pela sua mão o jantar do dia da boda. Para as festas de noivado convidou-se o rei que tinha três filhas, e que pusera fora de casa a mais nova. A princesa cozinhou o jantar, mas nos manjares que haviam de ser postos ao rei seu pai não botou sal de propósito. Todos comiam com vontade, mas só o rei convidado é que não comia. Por fim perguntou-lhe o dono da casa, porque é que o rei não comia? Respondeu ele, não sabendo que assistia ao casamento da filha:
– É porque a comida não tem sal.
O pai do noivo fingiu-se raivoso, e mandou que a cozinheira viesse ali dizer porque é que não tinha botado sal na comida. Veio então a menina vestida de princesa, mas assim que o pai a viu, conheceu-a logo, e confessou ali a sua culpa, por não ter percebido quanto era amado por sua filha, que lhe tinha dito, que lhe queria tanto como a comida quer o sal, e que depois de sofrer tanto nunca se queixara da injustiça de seu pai.

Recolha de Teófilo Braga

28/01/2009

A menina dos fósforos




Estava tanto frio! A neve não parava de cair e a noite aproximava-se. Aquela era a última noite de Dezembro, véspera do dia de Ano Novo. Perdida no meio do frio intenso e da escuridão, uma pobre rapariguinha seguia pela rua fora, com a cabeça descoberta e os pés descalços. É certo que ao sair de casa trazia um par de chinelos, mas não duraram muito tempo, porque eram uns chinelos que já tinham pertencido à mãe, e ficavam-lhe tão grandes, que a menina os perdeu quando teve de atravessar a rua a correr para fugir de um trem. Um dos chinelos desapareceu no meio da neve, e o outro foi apanhado por um garoto que o levou, pensando fazer dele um berço para a irmã mais nova brincar.
Por isso, a rapariguinha seguia com os pés descalços e já roxos de frio; levava no avental uma quantidade de fósforos, e estendia um maço deles a toda a gente que passava, apregoando: — Quem compra fósforos bons e baratos? — Mas o dia tinha-lhe corrido mal. Ninguém comprara os fósforos, e, portanto, ela ainda não conseguira ganhar um tostão. Sentia fome e frio, e estava com a cara pálida e as faces encovadas. Pobre rapariguinha! Os flocos de neve caíam-lhe sobre os cabelos compridos e loiros, que se encaracolavam graciosamente em volta do pescoço magrinho; mas ela nem pensava nos seus cabelos encaracolados. Através das janelas, as luzes vivas e o cheiro da carne assada chegavam à rua, porque era véspera de Ano Novo. Nisso, sim, é que ela pensava.
Sentou-se no chão e encolheu-se no canto de um portal. Sentia cada vez mais frio, mas não tinha coragem de voltar para casa, porque não vendera um único maço de fósforos, e não podia apresentar nem uma moeda, e o pai era capaz de lhe bater. E afinal, em casa também não havia calor. A família morava numa água-furtada, e o vento metia-se pelos buracos das telhas, apesar de terem tapado com farrapos e palha as fendas maiores. Tinha as mãos quase paralisadas com o frio. Ah, como o calorzinho de um fósforo aceso lhe faria bem! Se ela tirasse um, um só, do maço, e o acendesse na parede para aquecer os dedos! Pegou num fósforo e: Fcht!, a chama espirrou e o fósforo começou a arder! Parecia a chama quente e viva de uma candeia, quando a menina a tapou com a mão. Mas, que luz era aquela? A menina julgou que estava sentada em frente de um fogão de sala cheio de ferros rendilhados, com um guarda-fogo de cobre reluzente. O lume ardia com uma chama tão intensa, e dava um calor tão bom! Mas, o que se passava? A menina estendia já os pés para se aquecer, quando a chama se apagou e o fogão desapareceu. E viu que estava sentada sobre a neve, com a ponta do fósforo queimado na mão.
Riscou outro fósforo, que se acendeu e brilhou, e o lugar em que a luz batia na parede tornou-se transparente como tule. E a rapariguinha viu o interior de uma sala de jantar onde a mesa estava coberta por uma toalha branca, resplandecente de loiças finas, e mesmo no meio da mesa havia um ganso assado, com recheio de ameixas e puré de batata, que fumegava, espalhando um cheiro apetitoso. Mas, que surpresa e que alegria! De repente, o ganso saltou da travessa e rolou para o chão, com o garfo e a faca espetados nas costas, até junto da rapariguinha. O fósforo apagou-se, e a pobre menina só viu na sua frente a parede negra e fria.
E acendeu um terceiro fósforo. Imediatamente se encontrou ajoelhada debaixo de uma enorme árvore de Natal. Era ainda maior e mais rica do que outra que tinha visto no último Natal, através da porta envidraçada, em casa de um rico comerciante. Milhares de velinhas ardiam nos ramos verdes, e figuras de todas as cores, como as que enfeitam as montras das lojas, pareciam sorrir para ela. A menina levantou ambas as mãos para a árvore, mas o fósforo apagou-se, e todas as velas de Natal começaram a subir, a subir, e ela percebeu então que eram apenas as estrelas a brilhar no céu. Uma estrela maior do que as outras desceu em direcção à terra, deixando atrás de si um comprido rasto de luz.
«Foi alguém que morreu», pensou para consigo a menina; porque a avó, a única pessoa que tinha sido boa para ela, mas que já não era viva, dizia-lhe muita vez: «Quando vires uma estrela cadente, é uma alma que vai a caminho do céu.»
Esfregou ainda mais outro fósforo na parede: fez-se uma grande luz, e no meio apareceu a avó, de pé, com uma expressão muito suave, cheia de felicidade!
— Avó! — gritou a menina — leva-me contigo! Quando este fósforo se apagar, eu sei que já não estarás aqui. Vais desaparecer como o fogão de sala, como o ganso assado, e como a árvore de Natal, tão linda.
Riscou imediatamente o punhado de fósforos que restava daquele maço, porque queria que a avó continuasse junto dela, e os fósforos espalharam em redor uma luz tão brilhante como se fosse dia. Nunca a avó lhe parecera tão alta nem tão bonita. Tomou a neta nos braços e, soltando os pés da terra, no meio daquele resplendor, voaram ambas tão alto, tão alto, que já não podiam sentir frio, nem fome, nem desgostos, porque tinham chegado ao reino de Deus.
Mas ali, naquele canto, junto do portal, quando rompeu a manhã gelada, estava caída uma rapariguinha, com as faces roxas, um sorriso nos lábios… mor ta de frio, na última noite do ano. O dia de Ano Novo nasceu, indiferente ao pequenino cadáver, que ainda tinha no regaço um punhado de fósforos. — Coitadinha, parece que tentou aquecer-se! — exclamou alguém. Mas nunca ninguém soube quantas coisas lindas a menina viu à luz dos fósforos, nem o brilho com que entrou, na companhia da avó, no Ano Novo.


Hans Christian Andersen
Os melhores contos de Andersen

27/01/2009

Rumpelstiltskin





Havia uma vez um moleiro pobre que tinha uma filha muito bela. Um dia aconteceu de ter que ir falar com o rei e, para parecer mais importante, disse:
- Tenho uma filha que pode fiar a palha e convertê-la em ouro.
- Essa é uma habilidade que me impressiona – disse o rei ao moleiro – se tua filha é tão hábil como dizes, traga-a amanhã ao meu palácio e vamos ver isso.
Quando trouxeram a garota, o rei a levou para uma quarto cheio de palha, deu-lhe uma roca e uma bobina e disse:
- Trabalha e, se amanhã pela manhã não tiveres convertido toda essa palha em ouro, durante a noite, morrerás.
Então ele mesmo fechou a porta a chave e a deixou só. A filha do moleiro se sentou sem poder fazer nada para salvar sua vida. Não tinha a menor ideia de como fiar a palha e convertê-la em ouro, e se assustava cada vez mais, até que por fim começou a chorar.
Porém, de repente a porta se abriu e entrou um homenzinho:
- Boa tarde, senhorita moleira, por que estás chorando tanto?
- Ai de mim – disse a garota – tenho que fiar essa palha e convertê-la em ouro porém não sei como fazê-lo.
- O que me dás – disse o homenzinho – se fizer isso por ti?
- Meu colar, disse ela.
O homenzinho pegou o colar, sentou-se à roca e whirr, whirr, whirr três voltas e a bobina estava cheia.
Pôs outra e whirr, whirr, whirr três voltas e a segunda estava cheia também. E seguiu assim até o amanhecer, quando toda palha estava fiada e todas as bobinas cheias de ouro.
Ao despertar o dia o rei já estava ali, e quando viu o ouro ficou atónito e encantado, porém seu coração se tornou mais avarento. Levou a filha do moleiro a outra sala, muito maior e cheia de palha e lhe ordenou que fiasse a noite inteira, se apreciava a vida.
A garota que não sabia o que fazer, estava chorando quando a porta se abriu de novo. O homenzinho apareceu e disse:
- Que me darás se eu converter essa palha em ouro? - perguntou ele.
- O anel que levo em meu dedo – disse ela.
O homenzinho apanhou o anel e começou outra vez a girar a roca, e pela manhã havia fiado toda a palha e convertido em brilhante ouro. O rei ficou felicíssimo quando viu aquilo. Porém como não tinha ouro suficiente, levou a filha do moleiro a outra sala cheia de palha, muito maior que a anterior, e disse:
- Tens que fiar isso durante esta noite, se conseguires, serás minha esposa. - “Apesar de ser a filha de um moleiro, “ pensou, “ não poderei encontrar esposa mais rica no mundo.”
Quando a garota ficou só, o homenzinho apareceu pela terceira vez, e disse:
- Que me darás se fiar a palha desta vez?
- Não tenho mais nada para te dar – respondeu a garota.
- Então me prometa, que se te tornares rainha, me darás teu primeiro filho.
- “Quem sabe se isso ocorrerá alguma vez.“ pensou a filha do moleiro. E não sabendo como sair daquela situação, prometeu ao homenzinho o que ele queria e uma vez mais a palha foi convertida em ouro.
Quando o rei chegou pela manhã, e encontrou todo o ouro que havia desejado, casou-se com ela e a preciosa filha do moleiro tornou-se rainha.

Um ano depois, trouxe ao mundo um belo menino, e em nenhum momento se lembrou do homenzinho. Porém, de repente, veio ao seu quarto e lhe disse:
- Dá-me o que prometeste.
A rainha estava horrorizada e lhe ofereceu todas as riquezas do reino para deixar seu filho. Porém o homenzinho disse:
- Não, algo vivo vale para mim mais que todos os tesouros do mundo.
A rainha começou a se lamentar e chorar tanto que o homenzinho se compadeceu dela:
- Te darei três dias - disse – se descobrires meu nome, então ficarás com teu filho.
Então a rainha passou toda a noite pensando em todos os nomes que tinha ouvido, e mandou um mensageiro a todos os cantos do reino para perguntar por todos os nomes que havia. Quando o homenzinho chegou no dia seguinte, ela começou: Gaspar, Melquior, Baltazar... Disse um atrás do outro, todos os nomes que sabia, porém a cada um o homenzinho dizia:
- Esse não é meu nome.
No segundo dia havia perguntado aos vizinhos seus nomes, e ela repetiu os mais curiosos e pouco comuns:
- Seria teu nome Pata de Cordeiro ou Laço Largo?
Porém ele disse:
- Esse não é meu nome.
Ao terceiro dia o mensageiro voltou e disse:
- Não encontrei nenhum nome. Porém, quando subia uma grande montanha ao final de um bosque, onde a raposa e a lebre se desejam boas noites, ali vi um homenzinho muito ridículo saltando.. Deu um cabriola e gritou:
“Hoje trago o pão, amanhã trarei cerveja no outro terei o filho da jovem rainha.
Já estou contente de que nada aconteça que Rumpelstiltskin me chamo.”
Podeis imaginar o contentamento da rainha quando escutou o nome. E quando logo em seguida o chegou o homenzinho e perguntou:
- Bem, jovem rainha, qual é meu nome?
A rainha primeiro disse:
- Te chamas Conrado?
- Não.
- Te chamas Harry?
- Não.
- Quem sabe teu nome é... Rumpelstiltskin?
- Te contou o demónio! Te contou o demónio! Gritou o homenzinho e, na sua raiva, bateu o pé direito na terra tão forte que entrou toda a perna e quando tirou com raiva a perna, com as duas mãos se partiu em dois.





22/01/2009

Lenda da Lagoa das Sete Cidades

Há muitos, muitos anos, vivia no Reino das Sete Cidades uma pequena Princesa chamada Antília. A menina era a filha única de um velho Rei viúvo que era conhecido pelo seu mau feitio. Senhor das Alquimias e do Saber, o Rei vivia em exclusivo para a sua filhinha, não gostando que a Princesa falasse com ninguém. A menina ora estava com o pai, ora estava com a velha ama que a criara desde o nascimento, altura em que a Rainha sua mãe falecera. Os anos foram passando, Antília foi crescendo e um dia já não era mais aquela menina de tranças loiras caídas sobre os ombros, enfeitadas com flores silvestres; tinha-se transformado numa linda jovem, uma Princesa capaz de encantar qualquer rapaz do seu reino. Contudo, se todos ouviam falar da beleza da jovem Princesa, eram poucos ou nenhuns os que a conheciam, pois o Rei não gostava que ela saísse do castelo nem dos jardins que o circundavam. Mas Antília não se deixava intimidar pelo pai, e com a ajuda da velha ama costumava esquivar-se todas as tardes, enquanto o Rei dormia a sesta depois do almoço. Saía pelas traseiras, sem que ninguém a visse, e ia passear pelos montes e vales próximos. Num desses passeios, andando pela floresta, um dia a Princesa escutou uma música. A música era tão linda, encantou-a de tal forma, que ela se deixou guiar pelo som e foi descobrir um jovem pastor a tocar flauta, sentado no cimo de um monte. Era ele o autor de tanta maravilha! A Princesa, encantada, deixou-se ficar escondida a ouvir o jovem a tocar flauta. E ouviu-o escondida durante semanas, até que o pastor, um dia, a descobriu por detrás de uns arbustos. Ao vê-la foi amor à primeira vista, e era recíproco, pois ela também estava apaixonada por ele. Os jovens continuaram a encontrar-se. Passavam as tardes a conversar e a rir, o pastor a tocar para a Princesa e ela a escutá-lo enlevada, e ambos se sentiam muito felizes juntos. Um belo dia o pastor decidiu pedir a Princesa em casamento. Logo pela manhãzinha, o jovem bateu à porta do Castelo, e pediu ao criado para falar com o Rei. Pouco depois o criado voltou e levou-o à presença do Soberano. Muito nervoso mas determinado, o pastor fez-lhe uma vénia e, olhando-o nos olhos, disse: - Majestade, gosto muito de Antília, sua filha, e gostaria de pedir a sua mão em casamento. - A mão de minha filha, NUNCA... OUVIS-TE... NUNCA!- disse o Rei aos berros.- Criado, põe este pastor atrevido na rua. O jovem bem tentou argumentar, mas ele não o deixava falar, e expulsou-o do Castelo. Em seguida o Rei mandou chamar Antília e proibiu-a de ver o pastor. Antília mais não fez do que acatar as ordens do Rei seu pai. E nessa mesma tarde foi ter com o seu amor e disse-lhe que nunca mais se podiam encontrar. Os dois jovens choraram toda a tarde abraçados. As suas lágrimas, de tantas serem, formaram duas lindas e grandes lagoas, uma verde da cor dos olhos da Princesa, a outra azul da cor dos olhos do pastor. E ainda hoje estas duas lagoas continuam no Vale das Sete Cidades, na Ilha de São Miguel, lá nos Açores, para avivar a memória de todos quantos por ali passam, e recordar o drama dos dois apaixonados.

Lenda dos Açores






20/01/2009

A Princesa Pele de Burro

Que desespero para o rei!
A rainha acaba de morrer. Jamais encontrará uma esposa mais bela, sensata e bondosa.
“A não ser... É isso mesmo! Vou casar com a minha enteada, a filha da rainha. É tão bela e bondosa como a mãe.” – pensa o rei e nem se lembra de perguntar a opinião da jovem.
Decidido a casar com a enteada, ofereceu-lhe a pele de burro com os escudos, o símbolo da riqueza do país.
Mas a jovem não quer casar com o seu padrasto e decide fugir disfarçada com a pele de burro.
Para a Pele de Burro, como agora lhe chamam, a vida é muito dura fora do castelo.
Só lhe dão os trabalhos mais sujos e pesados!
À noite, fechada no quarto, ela arranja-se com as suas roupas de princesa. Um dia, um jovem príncipe que por ali passa, vê a menina e fica espantado com a sua beleza.
Só que quando a vai encontrar no dia seguinte, nem lhe passa pela cabeça que ela possa ser a jovem com a pele de burro.
Um dia a jovem estava a fazer um bolo para o castelo do príncipe e não repara que um dos seus anéis cai dentro da massa.
É o príncipe que descobre a jóia e logo pensa que pode ser da princesa misteriosa.
- Minha mãe, - diz o jovem príncipe- preciso de saber a quem pertence este anel!
E assim, todas as meninas do reino têm de experimentar o anel.
Parece impossível, mas o precioso anel só cabe nos dedos de Pele de Burro.
Está desvendado o mistério! A jovem princesa já pode mostrar quem é, pois encontrou o seu amado.
Que felicidade para os noivos!!!!!


Charles Perrault


Fichier:Peaudane3.jpg


A semente




O Reino de Deus é como um homem que joga a semente na terra.Quer ele esteja acordado, quer esteja dormindo, ela brota e cresce, sem ele saber que isso acontece.

É a terra mesma que dá o seu fruto: aparece primeiro a planta, depois a espiga, e, mais tarde, os grãos que enchem a espiga. Quando as espigas estão maduras, ele começa a trabalhar com a foice, pois chegou o tempo da colheita.


Parábolas de Jesus
Marcos 4-26 a 29

19/01/2009

A donzela que era irmã de sete génios

Era uma vez, no alto de uma montanha, no antigo Irã, que morava uma donzela que foi adotada por sete gênios que a encontraram na floresta, enquanto caçavam.
Levaram-na ao castelo onde viviam e ali foi criada por uma velha ama até fazer 17 anos.
Era o dia de seu décimo sétimo aniversário, e estava tão formosa como a mais adorável princesa da terra. Nesse dia, ao olhar pela janela, viu alguém se aproximando pela pequena estrada que conduzia ao castelo.
Ama! ama! Que coisa é essa que vem subindo pela colina em direção ao castelo? Nunca vi nada parecido em toda minha vida.
¡Senhorita Fátima! – gritou a criada, que era uma mulher horrorosa, com uma verruga na cara – Afaste-se da janela. Isso que estás vendo é um ser humano e não deves falar com ele porque teus sete irmãos ficariam furiosos.
Bobagem ama! – disse Fátima, que era bastante decidida e gostava de fazer coisas à sua maneira. Vou abrir a janela e o chamarei, pois parece cansado. Tenho certeza de que está perdido e faminto.
A criada começou a falar e falar, mas Fátima não lhe prestou a menor atenção e, abrindo a janela, chamou o viajante com melodiosa voz:
Entre no castelo ser humano para que possa descansar e recuperar forças comendo e bebendo algo. Estou só, pois meus irmãos estarão todo o dia caçando.
O estrangeiro era um príncipe chamado Nureddin, que havia perdido seu cavalo ao passear pelas redondezas. Nureddin não pode evitar maravilhar-se com aquela formosa jovem que o convidava do alto do castelo. A criada abriu as portas e, meia hora depois, Nureddin se encontrava sentado com Fátima comendo uvas, queijo e delicioso pão.
Fátima estava encantada com o jovem. Fez centenas de perguntas e ele falou do mundo que havia além do castelo.
Preciso conhecer essas maravilhas – disse ela. Ah... se meus irmãos desejassem partir...!
De nenhuma forma, jovem ama Fátima – repreendeu a criada que os servia – A senhorita sabe que meus senhores nunca a deixarão partir do castelo, pois eles são muito zelosos e dariam morte a este humano se o virem aqui.
Então eu mesma descobrirei a maneira de fugir do castelo – declarou Fátima. Assim verei as maravilhas do mundo descritas por este jovem.
O príncipe não cabia em si de felicidade e prometeu a Fátima que a levaria ao reino tão pronto tivesse descansado. Porém, antes que Fátima pudesse dizer algo, foram ouvidos gritos que vinham da entrada e latidos de cães, mesclados a relinchos de cavalos.
Oh, ser humano! – gritou a criada -. Esconda-se nesta arca pois meus senhores voltaram e te farão em pedaços no momento que te virem.
Ainda que ela fosse um gênio e também detestasse os humanos, sabia que a sua jovem ama havia gostado do jovem e por isso queria ajudá-lo.
Imediatamente o príncipe entrou na arca e Fátima o fechou com mão nervosa. Apenas tinha se escondido, a porta se abriu e os sete irromperam na sala.
Irmã Fátima! Irmã Fátima, que temos para comer? – vociferou um deles, dando inicio a um monumental barulho de vozes e risadas, enquanto tiravam suas enormes botas. Fátima e a criada ajudaram, nervosas, a tirarem os casacos de pele.
- Ama, traga vinho. Estamos ardendo de sede!.
A velha saiu apressada para cumprir a ordem.
De repente os gênios, um depois do outro, começaram a fungar com seus enormes narizes e gritaram enfurecidos:
Um homem, um homem! sinto o cheiro de um homem!.
Fátima ficou pálida e seu coração bateu violentamente. Dentro da arca o príncipe se moveu e se cobriu com roupas para não ser descoberto.
- Alguém esteve aqui irmã Fátima, onde está?-. Todos os gênios se levantaram e começaram a gritar furiosos. Iniciaram uma febril busca de um quarto a outro, abrindo todas as portas, cheirando e bufando como bestas selvagens.
Estavam tão excitados que não lhes ocorreu, num primeiro momento, olhar a arca e Fátima, aproveitando que estavam noutra sala do castelo, castelo, ajudou o príncipe a sair.
Depressa, depressa, vou mostrar-te um caminho secreto para sair do castelo. Se não foges, meus irmãos te farão em pedaços!
A noite estava caindo e se ouvia os gênios enfurecidos, verificando sala por sala de todo o castelo. Fátima começou a sentir medo. Os dois correram de mãos dadas em direção ao fogão e ali ela o ajudou a entrar na chaminé.
-Vem comigo Fátima!, vou te libertar deste terrível lugar - sussurrou o príncipe -. Ela assentiu silenciosamente. Assim subiram pelas pedras da chaminé, até que finalmente os recebeu uma noite carregada de estrelas.
- Onde estão os cavalos? - perguntou o príncipe com tom de urgência. Fátima o conduziu ao estábulo. Silenciosamente, como duas sombras, eles deslizaram por detrás do castelo. Os criados das cavalariças repartiam os dinheiros dos roubos do dia e não viram como um par dos melhores alazões eram retirados por Nureddin.
Quando estavam montados, o barulho dentro do castelo aumentou e os sete gênios viram, à luz da lua, como fugiam os dois jovens, galopando através dos enormes portões de entrada.
- Atrás deles! – rugiu o mais velho – vamos trazê-los vivos e os assaremos como duas galinhas!.
Os cavalos galoparam como o vento, montanha abaixo, como animais encantados que eram. Contudo, logo, vieram os sete gênios montando cavalos igualmente ligeiros e fortes.
-Fátima volta. Perdoamos, porém deixa-nos matar este humano!
A jovem, assustada, podia ouvi-los gritando e sabia que não passaria muito tempo até que os irmãos a alcançassem. Então ela revistou seu bolso e encontrou uma semente mágica, e a lançou por cima de seu ombro esquerdo. No mesmo instante, uma enorme planície de espinhos surgiu entre os gênios e os fugitivos.
Os cavalos dos gênios não puderam correr como antes, pois os espinheiros se enroscavam em suas patas e os atrasavam, mas ao cabo de meia hora já estavam em seu encalço e Nureddin perguntou:
-Fátima! que vamos fazer? Temos que detê-los pois estamos ainda a meio caminho do reino de meu pai, no qual chegaremos ao amanhecer, se os gênios não nos alcançarem.
-Não tenhas medo! – disse Fátima com bravura, e buscando mais uma vez dentro de seu bolso – creio que posso fazer algo -. E lançou por cima de seu ombro esquerdo uma pinha. Imediatamente surgiu um incrível bosque de árvores e os fugitivos puderam galopar sem ser vistos.
Os intrépidos animais os levaram cada vez mais próximos às terras do príncipe. Fátima, com os cabelos flutuando ao vento, começava a sentir-se a salvo quando o príncipe olhou para trás e gritou:
-Ah! Nos alcançam de novo. Nos apanharão dentro em pouco a menos que algo os detenha..
Fátima buscou em seu bolso, e já caía em desespero quando seus dedos se fecharam sobre um grão de sal. Jogou-se para trás e imediatamente um espumoso mar surgiu detrás dos cascos de seu cavalo e nele caíram os gênios e seus cavalos afogando-se, pois os gênios não nadam bem em água salgada.
Fátima e Nureddin cavalgaram um pouco mais e quando o dia estava nascendo chegaram à bela cidade de Nashapur.
Ali o palácio real brilhava com esplendor de ouro e turquesa, com pavões nas alamedas do jardim exibindo cheios de pompa suas esplêndidas plumas.
Então os soldados das muralhas, vendo o príncipe se aproximar, fizeram soar as trombetas de prata incrustadas de raras pedras preciosas.
Fátima foi recebida como uma princesa, e casou-se com o príncipe numa esplêndida festa que durou sete dias e sete noites.
Os cavalos encantados que os levaram até ali desapareceram quando a lua estava cheia. Eles sabiam que sua jovem ama era, apesar de tudo, um ser humano, e preferiam viver a serviço dos gênios, pois esta é a lei mágica estabelecida quando o mundo começou através de Salomão, rei dos magos e das bestas encantadas, sobre quem seja a paz.


Conto Persa




Lenda do Galo de Barcelos e o Milagre do Enforcado

Na origem da lenda está um crime cometido em Barcelinhos que ficou impune, apesar das sérias investigações das autoridades de então. Este crime ficou esquecido até que um dia um peregrino galego que se dirigia a Santiago, parou para passar a noite no albergue local. Ao jantar, enquanto ceava, reparou que alguém o observava fixamente, mas não fez caso e continuou a sua refeição.
O individuo saiu do albergue, dirigiu-se a casa do juiz, e acusou o peregrino da autoria do crime. Preso, o crente galego não conseguia apresentar provas da sua inocência, tendo sido levado para as masmorras, julgado e condenado à forca.
No dia do enforcamento, o peregrino pediu, como sua última vontade, que o levassem à presença do juiz que tão injustamente o tinha julgado. Perante o juiz, que estava em sua casa preparando-se para trinchar um magnífico galo assado, o condenado ajoelhou-se. Seguidamente, afirmou a sua inocência e suplicou que não o enforcassem, pois era a primeira vez que estava em Barcelinhos e nunca tinha visto a vítima do crime. O juiz não se comoveu. Então, o galego invocou a ajuda de Santiago e perante todos afirmou que era tão certo estar inocente, como o galo assado cantar antes do dia acabar. Todos os convivas presentes se riram da afirmação mas, supersticiosamente, não tocaram no galo. À noite, observaram com espanto que o galo se cobria de penas novas, se levantava e batia asas para cantar com energia. Correram todos para o lugar da forca e encheram-se de espanto ao ver o peregrino vivo, com uma corda frouxa à volta do pescoço, apesar de estar pendurado. Atemorizados por este facto insólito, libertaram o peregrino galego, deixando-o seguir o seu caminho.
Diz-se que em agradecimento pela ajuda de Santiago, o peregrino mandou erguer o padrão que ainda hoje lá se encontra.




O sargento que foi ao inferno



Havia numa terra um sargento, que era muito bom rapaz; um rico mercador tomou-lhe amizade, arranjou-lhe a baixa e tomou-o para seu empregado. Como o mercador tinha filhas, o sargento apaixonou-se por uma delas: ora o mercador era muito desconfiado e nunca deixava sair as filhas de casa, mas pela grande conta em que tinha o rapaz ele mesmo lhe falou para se fazer o casamento. Tudo corria muito bem; vai, acontece ir uma peça muito linda no teatro, e como as filhas desejassem ver, pediram ao sargento, que só ele é que era capaz de apanhar licença do pai para as deixar ir ver. O mercador ficou carrancudo, mas deu licença, dizendo:
– Deixo ir as minhas filhas com o senhor, e é com a condição, que quando der a última badalada da meia-noite hão-de estar aqui à porta.
Disseram todos que sim, e partiram.
Quase perto da meia-noite, o rapaz disse para a sua noiva, que era bom retirarem-se para casa. Mais um bocadinho, mais um bocadinho; pede daqui, pede dali, o certo é que já tinha dado a meia-noite, eles ainda longe de casa.
Assim que o rapaz bateu à porta, abriu-se logo de repente, e o mercador começou a bradar:
– Foi assim que o senhor cumpriu as ordens que eu lhe dei? Pois trate já de arranjar as suas coisas que nem já esta noite me fica em casa.
– Oh senhor, então só por isto! E quando estava já para casar com sua filha!
O velho respondeu-lhe:
– Só tem um meio de poder casar com minha filha, e voltar para casa.
– Qual?
– Vá ao Inferno, e traga-me três anéis que o Diabo tem no corpo, dois debaixo dos braços, e outro num olho.
O rapaz achou aquilo impossível; mas que remédio teve senão pôr-se a caminho. Na primeira terra a que chegou, pregou um edital em que dizia: "Quem quiser alguma coisa para o Inferno, amanhã parte um mensageiro." Isto causou grande curiosidade, até que chegou aos ouvidos do rei, que mandou chamar o rapaz. Perguntou-lhe o rei:
– Como é que você vai ao Inferno?
– Real senhor, por ora ainda não sei; ando em procura dele, e irei lá, dê por onde der.
– Pois bem, disse o rei, quando encontrares o Diabo, pergunta-lhe se ele sabe de um anel de muito valor que eu perdi, do que ainda tenho grande desgosto.
Chegou o rapaz a outra terra e botou o mesmo anúncio. O rei também o mandou chamar:
– Tenho uma filha que padece uma doença muito grande, e ninguém lhe acerta com o mal. Já que vais ao Inferno quero que saibas por lá onde é que estará a cura.
O rapaz partiu sempre à procura do Inferno, e foi dar a uma encruzilhada em que estavam dois caminhos, um com pegadas de gente, e o outro com pegadas de ovelhas. Pensou, e por fim seguiu pelo caminho das pegadas de gente; ao meio dele encontrou um ermitão, de barbas brancas, que rezava em umas camândulas muito grandes, e lhe disse:
– Ainda bem que tomaste por este caminho, porque esse outro é o que vai para o Inferno.
– Oh, senhor! E eu há tanto tempo que ando à procura dele!
O rapaz contou-lhe todo o acontecido; o ermitão teve compaixão dele, e disse:
– Já que tens de ir ao Inferno, vai, mas sempre leva contigo estas contas, porque antes de lá chegar tens de passar um rio escuro, e há-de ser um pássaro que te há-de levar para o outro lado; e quando ele te quiser afundar no rio, joga-lhe as contas ao pescoço. Daqui em diante não sei mais o que te sucederá.
Assim aconteceu. Chegado ao Inferno o rapaz teve um grande medo, e viu para ali um forno vazio e escondeu-se dentro dele. Quando estava todo agachado, passou uma velha muito velha e viu-o.
– O menino aqui! Ora coitadinho, que é tão lindo; se o meu filho o visse matava-o, com certeza. O que veio cá fazer?
O rapaz contou tudo à mãe do Diabo; a velha teve pena dele, e disse-lhe:
– Olhe; pois deixe-se ficar aqui escondido, porque eu não sei quando o meu filho virá; ele está assistindo à morte do Padre Santo, que está nas agonias, e quer-lhe apanhar a alma. O rapaz pediu à velha se sabia do Diabo as perguntas de que trazia encomenda. Quando estavam nestas conversas chegou o Diabo bufando; a velha escondeu-o logo, e disse:
– Anda cá, filho, para descansares; deita-te aqui no meu colo.
O Diabo deitou-se e ficou logo a dormir. A velha foi muito devagarinho com as unhas e arrancou-lhe um anel que tinha debaixo do braço. O Diabo mexeu-se desesperado, gritando:
– Isto o que é?
– Ai, filho, fui eu que me deixei dormir, e dei uma pendedela em cima de ti. Estava a sonhar com aquele rei que perdeu o anel, e que nunca mais o tornou a achar.
– Pois é verdade esse sonho, respondeu o Diabo; está debaixo de uma laje ao pé do repuxo do jardim.
O Diabo tornou a ficar a dormir; a velha sorrateira arrancou-lhe o segundo anel. O Diabo tornou a acordar desesperado:
_ Tem paciência, filho; tornei-me a deixar dormir e a sonhar com a filha daquele rei que nenhum médico sabe curar.
– Também é verdade; a doença dela é o sapo-sapão, que está metido no enxergão.
Tornou o Diabo a dormir. Para arrancar o anel do olho é que foram os trabalhos.
A velha tirou-o com um espéculo, e o diabo com a dor e zangado com as pendedelas, saiu pela porta fora. O rapaz recebeu tudo da velha; voltou para o mundo, quando ela chamou o pássaro: "Menino, menino, menino." Foi dali entregar as contas ao ermitão. Depois passou pela terra do rei que tinha perdido o anel, que lhe deu muito dinheiro quando o tornou a achar debaixo da laje. Depois passou pela corte do rei que tinha a filha doente, disse onde estava o sapo-sapão. A princesa melhorou logo, e o rei pediu-lhe para que dissesse a paga que queria.
– Quero que Vossa Majestade me dê o seu poder por oito dias.
O rei mandou deitar um pregão para ele governar oito dias; o rapaz partiu logo para a terra do sogro, e deu ordem logo que lá chegou para o mercador dentro em meia hora lhe vir falar à sua presença. O mercador foi, mas quando chegou era já mais de uma hora. O rapaz disse:
– Podia-o mandar matar, por me ter desobedecido, em vir depois da meia hora.
– Oh senhor, não me demorei por minha vontade.
– Pois sim. Mas porque não soube em tempo desculpar aquele pobre sargento que pôs fora de sua casa?
O mercador conheceu então o antigo noivo de sua filha, que tinha sempre chorado, confessou o seu erro, e pediu-lhe de joelhos muitos perdões. O rapaz entregou-lhe os anéis do Diabo, e nesse mesmo dia casou com a sua namorada, por quem tinha metido um pé no Inferno


Recolha de Teófilo Braga

18/01/2009

A roupa nova do imperador

Há muitos e muitos anos havia um Imperador tão apaixonado pelas roupas novas, que gastava com elas todo o dinheiro que possuía. Pouco se incomodava com seus soldados, com o teatro ou com os passeios pelos bosques, contanto que pudesse vestir seus trajes.
Tinha um para cada hora do dia, e, ao invés de se dizer dele o que se diz de qualquer imperador: “Está na Câmara do Conselho”, dizia-se sempre a mesma coisa: “O Imperador está se vestindo”.
Na capital em que ele vivia, a vida era muito alegre; todos os dias chegavam multidões de forasteiros para visitá-la, e, entre eles, certa ocasião chegaram dois vigaristas. Fingiram-se de tecelões, dizendo-se capazes de tecer os tecidos mais maravilhosos do mundo.
E não somente as cores e os desenhos eram magníficos como também os trajes que se faziam com aqueles tecidos possuíam a qualidade especial de serem invisíveis para qualquer pessoa que não tivesse as qualidades necessárias para desempenhar suas funções e também que fossem muito tolas e presunçosas.
– Devem ser trajes magníficos – pensou o Imperador. –E se eu vestisse um deles, poderia descobrir todos aqueles que em meu reino carecessem das qualidades necessárias para desempenhar seus cargos. E também poderei distinguir os tolos dos inteligentes. Sim, estou decidido a mandar tecer uma roupa para mim, a qual me servirá para tais descobertas.
Entregou a um dos tecelões uma grande quantia como adiantamento, a fim de que o dois pudessem começar imediatamente com o esperado trabalho.
Os dois vigaristas prepararam os teares e fingiram entregar-se ao trabalho de tecer mas o certo é que no mesmo não havia nenhum fio nas lançadeiras. Antes de começar pediram uma certa quantidade da seda mais fina e fio de ouro da maior pureza e guardaram tudo em seus alforjes e depois começaram a trabalhar, isto é, fingindo fazê-lo, com os teares vazios.
– Gostaria de saber como vai o trabalho dos tecelões –pensou um dia o vaidoso Imperador.
Todavia, ficou um tanto aflito ao pensar que alguém que fosse tolo ou não estivesse capacitado para exercer sua função, não poderia ver o tecido. Não temia por si mesmo, mas achou mais prudente enviar uma outra pessoa, para que lhe desse conta daquilo.
Todos os habitantes da cidade conheciam as maravilhosas qualidades do tecido em questão, e todos, também, desejavam saber, por esse meio, se seu vizinho ou amigo era um tolo.
– Mandarei meu fiel primeiro ministro visitar os tecelões – pensou o Imperador. Será o mais capacitado para ver o tecido, porque é um homem muito hábil e ninguém cumpre seus deveres melhor do que ele.
E assim o bom e velho primeiro ministro se dirigiu para o aposento em que os vigaristas trabalhavam nos teares completamente vazios.
– Deus me proteja! – pensou o ancião, abrindo os braços e os olhos. – Mas se eu não vejo nada!
No entanto, evitou dizê-lo.
Os dois vigaristas pediram-lhe que fizesse o favor de aproximar-se um pouco mais e rogaram-lhe que desse a sua opinião a respeito do desenho e do colorido do tecido. Mostraram o tear vazio e o pobre ministro, por mais que se esforçasse para ver, não conseguia enxergar coisa alguma, porque não havia nada para ver.
– Deus meu! – pensava. – Será, possível que eu seja tão tolo assim? Nunca me pareceu e é preciso que ninguém o saiba. Talvez eu não esteja capacitado a desempenhar a função que ocupo. O melhor será fingir que estou vendo o tecido.
– Não quer dar a sua opinião, senhor ? – perguntou um dos falsos tecelões.
– É muito lindo! Faz um efeito encantador – exclamou o velho ministro, fitando através de seus óculos. – O que mais me agrada são o desenho e as maravilhosas cores que o compõem. Asseguro-lhes que daremos conta ao Imperador do quanto gosto de seu trabalho, muito bem aplicado e lindíssimo.
– Ficamos muito honrados em ouvir tais palavras de vossos lábios, senhor ministro replicaram os tecelões.
Começaram então a dar-lhe detalhes do complicado desenho e das cores que o formavam. O ministro ouviu-os com a maior atenção, com a ideia de poder repetir suas palavras quando estivesse na presença do Imperador.

A seguir os dois vigaristas pediram mais dinheiro, mais seda e mais fio de ouro, para que pudessem prosseguir com o trabalho. Porém, assim que receberam o solicitado, guardaram-no como antes. Nem um só fio foi colocado no tear, embora eles fingissem continuar trabalhando apressadamente.
O Imperador enviou outro fiel cortesão para dar-se conta dos progressos do trabalho dos falsos tecelões e a fim de saber se eles demorariam muito para entregar o tecido. A este segundo enviado aconteceu a mesma coisa que o primeiro ministro, isto é, mirou e remirou o tear vazio, sem ver tecido algum.
– Não acha que é uma fazenda maravilhosa? – perguntaram os vigaristas mostrando e explicando um desenho imaginário e um colorido não menos fantástico, que ninguém conseguia ver.
– Sei que não sou tolo – pensava o cortesão; – mas se não vejo o tecido, é porque não devo ser capaz de exercer minha função à altura da mesma. Isso me parece estranho. Mas é melhor não dar a perceber esse fato.
Por esse motivo falou no tecido que não via e manifestou seu entusiasmo pelo colorido maravilhoso e pelos originais desenhos.
– Ali está algo realmente encantador, – disse mais tarde ao Imperador, quando prestou contas de sua visita.
Por sua vez, o Imperador achou que devia ir ver o famoso tecido, enquanto ainda estivesse no tear. E assim, acompanhado por um escolhido grupo de cortesãos, entre os quais se encontravam o primeiro-ministro e o outro palaciano, que haviam fingido ver o tecido, foi fazer uma visita aos falsos tecelões, que com o maior cuidado trabalhavam no tear vazio, em meio à maior seriedade.
– É magnífico! – exclamaram o primeiro-ministro e o palaciano. – Digne-se Vossa Majestade a olhar para o desenho. Que cores maravilhosas!
E apontavam para o tear vazio, pois não tinham dúvidas de que as outras pessoas viam o tecido.
– Mas o que é isto? – pensou o Imperador. – Não estou vendo nada! Isso é terrível! Serei um tolo? Não terei capacidade para ser Imperador? Certamente não poderia acontecer-me nada pior.
– É realmente uma beleza! – exclamou logo depois. – O tecido merece a minha melhor aprovação.
Manifestou a sua aprovação por meio de alguns gestos, enquanto olhava para o tear vazio, pois ninguém poderia induzi-lo a dizer que não via coisa alguma.
Todos os outros cortesãos olhavam por sua vez. Mas não viam nada. Porém, como nenhum queria dar parte de tolo ou de incapaz, fizeram coro com as palavras de Sua Majestade.
– É uma beleza! – exclamaram em coro.
E aconselharam o Imperador que mandasse fazer uma roupa com aquele tecido maravilhoso, a fim de estreá-la numa grande procissão que devia realizar-se daí a alguns dias.
Os elogios corriam de boca em boca e todos estavam entusiasmados. E o Imperador condecorou os dois vigaristas com a ordem dos cavaleiros, cuja insígnia poderiam usar e concedeu-lhes o título de .Cavaleiros Tecelões..
Os dois vigaristas ficaram a noite toda trabalhando, à luz de dezasseis velas, na noite anterior ao dia da procissão; desejavam que todos testemunhassem o grande interesse que eles demonstravam em terminar a roupa do soberano.
Fingiram tirar a fazenda do tear, cortaram-na com tesouras enormes e costuraram-na com agulhas sem linha de espécie alguma. Finalmente disseram:
– Já está pronto o traje de Sua Majestade.
O Imperador, acompanhado por seus mais nobres cortesãos, foi novamente visitar os vigaristas, e um deles, levantando um braço, como se segurasse uma peça de roupa, disse:
– Aqui estão as calças. Este é o colete. Veja Vossa Majestade o casaco. Finalmente, dignai-vos a examinar o manto. Estas peças pesam tanto quanto uma teia de aranha. Quem as usar mal sentirá o seu peso. E esta é uma de suas maiores qualidades..
Todos os cortesãos concordaram, mesmo não vendo coisa alguma, pois na realidade não havia nada para ver, já que nada havia.
– Dignai-vos tirar o traje que leva – disse um dos falsos tecelões – e assim poderá experimentar a roupa nova na frente do espelho.
E o Imperador tirou a roupa que vestia e os impostores fingiram entregar-lhe sucessivamente e ajudá-lo a vestir cada uma das peças que compõem um traje.
Fingiram colocar algo ao redor de sua cintura e o Imperador, nesse meio tempo, virava-se uma vez ou outra para o espelho, a fim de contemplar-se.
– Que bem assenta este traje em Sua Majestade. Como está elegante. Que desenho e que colorido! É uma roupa magnífica!
– Lá fora está o dossel sob o qual irá Vossa Majestade tomar parte na procissão – disse o mestre de cerimonias.
– Ótimo, já estou pronto – disse o Imperador. – Acham que esta roupa me assenta bem?
E novamente mirou-se no espelho, a fim de fingir que se admirava vestido com a roupa nova.
Os camaristas, que deviam carregar o manto, inclinaram-se fingindo recolhê-lo no chão e logo começaram a andar com as mãos no ar. Também não se atreviam a dizer que não viam coisa alguma.
O Imperador foi ocupar seu lugar no cortejo da procissão em baixo do luxuoso dossel e todos os que estavam nas ruas e nas janelas exclamaram:
– Como está bem vestido o Imperador! Que cauda magnífica! A roupa assenta nele como uma luva!
Ninguém queria dar a perceber que não podia ver coisa alguma, para não passar por tolo ou por incapaz. O caso é que nunca uma roupa do Imperador alcançara tanto sucesso.
– Mas eu acho que ele não veste roupa alguma! – exclamou então um menino.
– Ouçam! Ouçam o que diz esta criança inocente! – observou seu pai a quantos o rodeavam.
Imediatamente todo mundo se comunicou pelo ouvido as palavras que o menino acabava de pronunciar.
– Não veste roupa alguma. Foi isso o que assegurou este menino.
– O Imperador esta sem roupa! – começou a gritar o povo.
O Imperador fez um trejeito, pois sabia que aquelas palavras eram a expressão da verdade, mas pensou:
– A procissão tem de continuar.
E assim, continuou mais impassível que nunca e os camaristas continuaram segurando a sua cauda invisível.


Hans Christian Andersen




13/01/2009

A Lenda de Janeiro de Cima

Segundo diz a lenda Janeiro de Cima, aldeia do concelho do Fundão do qual dista 43km, deve o seu nome aos seus fundadores, os Januários.


Por volta do século XVI ou XVII, não se sabe ao certo, um senhor, talvez nobre, possuidor de grandes bens e terras nas duas margens do rio Zêzere, resolveu legar aos seus dois filhos de apelido Januários os seus bens. Entregou a um as terras da margem direita do rio e ao outro as da margem esquerda. Assim nasceu Janeiro de Cima na margem esquerda e Janeiro de Baixo na margem direita.
Contudo a formação de Janeiro de Cima não se iniciou no mesmo local onde hoje se encontra situada esta bela aldeia da margem do rio Zêzere. A primeira pedra foi lançada numa pequena elevação ainda hoje chamada "Esmoroços", um pouco mais afastado do que hoje é o centro da aldeia. Nesse local construíram a sua primeira igreja, uma capela em honra do Divino Espírito Santo. No entanto, nos Esmoroços as formigas eram muitas e atacavam os berços das crianças, principalmente no Verão, pelo que os ancestrais Janeirenses decidiram que tinham de mudar de local. Como eram muito sabidos tiveram a ideia de soltar os animais (gado) que possuíam (burros, cabras e vacas) por uma noite. No local onde esses animais fossem pernoitar construiriam eles as suas casas, o seu novo lar. Ora esses animais apareceram ao amanhecer num pequeno vale denominado "Cabeço do Vale", por se encontrar numa espécie de cova e por ter terra funda e preta.
Foi então aí que construíram as primeiras casas feitas de pedras (bolas de pedra) e barro, por esse material ser abundante na região. Ainda hoje, quem for a Janeiro de Cima, encontra neste local casa ancestrais feitas com esses materiais, perguntando-se como é que elas ainda se mantêm de pé devido à sua muita idade. São memórias de outros tempos que felizmente já começam a ser recuperadas.
Foi assim que nasceu esta povoação, que se começou a alargar a partir desse local, sendo hoje uma das maiores freguesias do Fundão.


Lenda do distrito de Castelo Branco




12/01/2009

O Burro e o Mundo





Era uma vez um burro que vivia numa quinta calma e sossegada, onde era bem tratado. Mas o burro não gostava lá muito do seu trabalho, pois todo o dia andava à roda com os olhos tapados, para mover a nora e tirar água para regar.
Um belo dia, o nosso burro decidiu deixar aquela vida e ir correr mundo, à procura de coisas novas e interessantes. Então fugiu e começou a sua caminhada pelos campos todos verdes. Tudo era novidade e tudo lhe agradava, até que, passado algum tempo encontrou um grupo de pessoas que estava a obrigar vários animais, como ele, a trabalhar sem descanso. Além disso estes animais eram maltratados se não trabalhassem e o burro não gostou do que viu. Continuou a sua viagem e mais adiante, viu algumas pessoas e alguns animais a lutar, porque queriam passar ao mesmo tempo por um caminho muito estreito e então pensou que afinal o mundo não era tão bom como ele tinha imaginado.
Por tudo isto decidiu voltar para a sua quinta calma e sossegada, onde era bem tratado e havia paz, já que o mundo que ele viu era bastante violento.


11/01/2009

O Boi Cardil



Um rei tinha um criado, em quem depositava a maior confiança, porque era o homem que nunca em sua vida tinha dito uma mentira. Recebeu o rei um presente de boi muito formoso, a que chamavam o boi Cardil; o rei tinha-o em tanta estimação que o mandou para uma das suas tapadas acompanhado do criado fiei para tratar dele. Teve uma ocasião uma conversa com um fidalgo, e falou da grande confiança que tinha na fidelidade do seu criado. O fidalgo riu-se:
– Porque te ris? – perguntou o rei.
– É porque ele é como os outros todos, que enganam os amos.
– Este não!
– Pois eu aposto a minha cabeça como ele é capaz de mentir até ao rei.
Ficou apostado. Foi o fidalgo para casa, mas não sabia como fazer cair o criado na esparrela e andava muito triste. Uma filha nova e muito formosa, quando soube a causa da aflição do pai, disse:
– Descanse, meu pai, que eu hei-de fazer com que ele há-de mentir por força ao rei.
O pai deu licença. Ela vestiu-se de veludo carmesim, mangas e saia curta, toda decotada, e cabelos pelos ombros e foi passear para a tapada; até que se encontrou com o rapaz que guardava o boi Cardil. Ela começou logo:
– Há muito tempo que trago uma paixão, e nunca te pude dizer nada.
O rapaz ficou atrapalhado e não queria acreditar naquilo, mas ela tais coisas disse e jeitinhos deu que ele ficou pelo beiço. Quando o rapaz já estava rendido, ela exigiu-lhe que, em paga do seu amor, matasse o boi Cardil. Ele assim fez e deu-se por bem pago todo o santíssimo dia.
A filha do fidalgo foi-se embora, e contou ao pai como o rapaz tinha matado o boi Cardil; o fidalgo foi contá-lo ao rei, fiado em que o rapaz havia de explicar a morte do boi com alguma mentira. O rei ficou furioso quando soube que o criado lhe tinha matado o boi Cardil, em que punha tanta estimação. Mandou chamar o criado.
Veio o criado, e o rei fingiu que nada sabia; perguntou-lhe
– Então como vai o boi?
O criado julgou ver ali o fim da sua vida e disse:
Senhor! pernas alvas
E corpo gentil,
Matar me fizeram
Nosso boi Cardil.
O rei mandou que se explicasse melhor; o moço contou tudo. O rei ficou satisfeito por ganhar a aposta, e disse para o fidalgo:
– Não te mando cortar a cabeça como tinhas apostado, porque te basta a desonra de tua filha. E a ele não o castigo porque a sua fidelidade é maior do que o meu desgosto.


Recolha de Teófilo Braga

09/01/2009

Bela Infanta

Estava a bela infanta
No seu jardim assentada,
Como o pente de oiro fino
Seus cabelos penteava.
Deitou os olhos ao mar
Viu vir uma nobre armada;
Capitão que nela vinha,
Muito bem que a governava.

– «Diz-me, ó capitão
Dessa tua nobre armada,
Se encontraste meu marido
Na terra que Deus pisava?»
– «Anda tanto cavaleiro
Naquela terra sagrada...
Diz-me tu, ó senhora,
As senhas que ele levava.»
– «Levava cavalo branco,
Selim de prata doirada;
Na ponta da sua lança
A cruz de Cristo levava.»
– «Pelos sinais que me deste
Lá o vi numa estacada
Morreu morte de valente:
Eu sua morte vingava.»
– «Ai triste de mim viúva,
Ai triste de mim coitada!
De três filhinhas que tenho,
Sem nenhuma ser casada!...»
– «Que dirias tu, senhora,
A quem no trouxera aqui?»
– «Dera-lhe oiro e prata fina,
Quanta riqueza há por i.»
– «Não quero oiro nem prata,
Não nos quero para mi:
Que darias mais, senhora,
A quem no trouxera aqui?»
– «De três moinhos que tenho,
Todos três tos dera a ti;
Um mói o cravo e a canela
Outro mói do gerzeli:
Rica farinha que fazem!
Tomara-os el-rei pra si»
– «Os teus moinhos não quero
Não nos quero para mi;
Que diria mais senhora,
A quem to trouxera aqui?»
– «As telhas do meu telhado
Que são oiro e marfim.»
– «As telhas do teu telhado
Não nas quero para mi:
Que darias mais, senhora,
A quem no trouxera aqui?»
– «De três filhas que eu tenho,
Todas três te daria a ti:
Uma para te calçar,
Outra para te vestir,
A mais formosa de todas
Para contigo dormir.»
– «As tuas filhas, infanta,
Não são damas para mi:
Dá-me outra coisa senhora,
Se queres que o traga aqui.
– «Não tenho mais que te dar,
Nem tu mais que me pedir.»
– «Tudo, não, senhora minha,
Que inda te não deste a ti.»
– «Cavaleiro que tal pede,
Que tão vilão é de si
Por meus vilões arrastado
O farei andar aí
Ao rabo do meu cavalo.
À volta do meu jardim
Vassalos, os meus vassalos,
Acudi-me agora aqui!»
– «Este anel de sete pedras
Que eu contigo reparti...
Que é dela a outra metade?
Pois a minha, vê-la aí!»
– «Tantos anos que chorei,
Tantos sustos que tremi!...
Deus te perdoe, marido,
Que me ias matando aqui.»

Romanceiro, Almeida Garrett

08/01/2009

A formiga e a neve





Uma formiga prendeu o pé na neve.
“Ó neve, tu és tão forte que o meu pé prendes!”
Responde a neve: “Tão forte sou eu que o sol me derrete.”
“Ó Sol, tu és tão forte que derretes a neve que o meu pé prende!”
Responde o Sol: “Tão forte sou eu que a parede me impede.”
“Ó parede, tu és tão forte que impedes o Sol, que derrete a neve, que o meu pé prende!”
Responde a parede: “Tão forte sou eu que o rato me fura.”
“Ó rato, tu és tão forte que furas a parede que impede o Sol, que derrete a neve, que o meu pé prende!”
Responde o rato: “Tão forte sou eu que o gato me come.”
“Ó gato, tu és tão forte que comes o rato que fura a parede, que impede o Sol, que derrete a neve que o meu pé prende!”
Responde o gato: “Tão forte sou eu que o cão me morde.”
“Ó cão, tu és tão forte que mordes o gato, que come o rato, que fura a parede, que impede o Sol, que derrete a neve que o meu pé prende!”
Responde o cão: “Tão forte sou eu que o pau me bate.”
“Ó pau, tu és tão forte que bates no cão, que morde o gato, que come o rato, que fura a parede, que impede o Sol, que derrete a neve que o meu pé prende!”
Responde o pau: “Tão forte sou eu que o lume me queima.”
“Ó lume, tu és tão forte que queimas o pau, que bate no cão, que morde o gato, que come o rato, que fura a parede, que impede o Sol, que derrete a neve que o meu pé prende!”
Responde o lume: “Tão forte sou eu que a água me apaga.”
“Ó água, tu és tão forte que apagas o lume, que queima o pau, que bate no cão, que morde o gato, que come o rato, que fura a parede, que impede o Sol, que derrete a neve que o meu pé prende!”
Responde a água: “Tão forte sou eu que o boi me bebe.”
“Ó boi, tu és tão forte que bebes a água, que apaga o lume, que queima o pau, que bate no cão, que morde o gato, que come o rato, que fura a parede, que impede o Sol, que derrete a neve que o meu pé prende!”
Responde o boi: “Tão forte sou eu que o carniceiro me mata.”
“Ó carniceiro, tu és tão forte que matas o boi, que bebe a água, que apaga o lume, que queima o pau, que bate no cão, que morde o gato, que come o rato, que fura a parede, que impede o Sol, que derrete a neve que o meu pé prende!”
Responde o carniceiro: “Tão forte sou eu que a morte me leva.”

Recolha de Adolfo Coelho



07/01/2009

O Cavalinho das Sete Cores


Um conde tinha ficado cativo na guerra dos mouros. Levaram-no ao rei para que fizesse dele o que quisesse. Tinha o rei três filhas, todas três muito Formosas, que pediram ao pai que o deixasse ficar prisioneiro no castelo até que o viessem resgatar. A menina mais velha foi ter com o conde e disse-lhe que casaria com ele se lhe ensinasse qualquer coisa que ela não soubesse. O cativo disse:
- Pois ensino-te a minha religião, e vens comigo para o meu reino, e casaremos.
Ela não quis. Deu-se o mesmo com a segunda.
Veio por sua vez a menina mais moça; quis aprender a religião, e combinaram fugir do castelo, sem que o rei soubesse de nada. Disse então ela:
- Vai à cavalariça, e hás-de lá encontrar um rico cavalinho de sete cores, que corre como o pensamento. Espera por mim no pátio, à noite, e partiremos ambos.
Assim fez. A princesa apareceu com os seus vestidos de moura, com muitas jóias, e à primeira palavra que disse logo o cavalinho das sete cores se pôs nas vizinhanças da cidade donde era natural o cativo conde.
Antes de chegar à cidade havia um grande areal; o conde apeou-se, e disse à princesa moura que esperasse por ele, enquanto ia ao seu palácio buscar fatos próprios para aparecer na corte, porque estava com roupas de cativo e ela de mourisca.
Assim que a princesa ouviu isto, rompeu em grande choro:
- Por tudo quanto há, não me deixes aqui, porque te hás-de esquecer de mim.
- Como é que isso pode ser?
- Porque assim que te separares de mim e alguém te abraçar logo me esqueces completamente.
O conde prometeu que não se deixaria abraçar por ninguém, e partiu; mas assim que chegou ao palácio a sua ama de leite conheceu-o, e com alegria foi para ele e abraçou-o pelas costas. Não foi preciso mais; nunca mais ele se pôde lembrar da princesa. Ela tinha ficado no areal, e foi dar a uma cabana onde vivia uma pobre mulher, que a recolheu e tratou bem; ali foi ter a notícia de que o conde estava para casar com uma formosa princesa, e na véspera do casamento a mourinha pediu ao filho da velha que levasse o cavalinho das sete cores a passear no adro da igreja em que haviam de casar.
Assim foi; quando chegou o noivo com o acompanhamento, ficou pasmado de ver um tão belo cavalinho, e quis mirá-lo de mais perto. O moço que o passeava andava a dizer:

Anda cavalinho, anda
Não esqueças o andar,
Como o conde esqueceu
A moura no areal.

O noivo lembrou-se logo da sorte que lhe tinha caído, desfez o casamento com a princesa e foi buscar a mourinha com que casou, e viveram muito felizes.


Recolha de Teófilo Braga



O loureiro e a murta


Dois camponeses, com seus machados, aproximaram-se de uma pereira.
- Pereira! - gritou o loureiro - eles vão ferir você!
E realmente os camponeses puseram-se a golpear, com seus machados, o tronco da árvore.
- Pereira! - exclamou a murta - o que é isto? Que foi feito do seu orgulho quando seus galhos estavam cobertos de frutos?
- Agora - acrescentou o loureiro - você não poderá mais nos fornecer sua sombra.
A pereira, mortalmente ferida, murmurou:
- Vou-me embora com estes camponeses. Estão cortando meus galhos e vão me levar para o estúdio de um famoso escultor. Ele vai me entalhar sob a forma do deus Júpiter e depois serei levada para um templo construído especialmente para mim, e todos os homens virão me adorar. E você, loureiro, e você, murta, frequentemente encontrarão seus ramos quebrados e desfolhados, porque as pessoas virão buscá-los a fim de coroar-me e honrar-me, como convém a um deus.







A canção da cerejeira



Disse Deus na Primavera: – Ponham a mesa às lagartas! E a cerejeira cobriu-se imediatamente de folhas, milhões de folhas, fresquinhas e verdejantes.
A lagarta, que estava dormindo dentro de casa, acordou, espreguiçou-se, abriu a boca, esfregou os olhos e pôs-se a comer tranquilamente as folhinhas tenras, dizendo:
– Não se pode a gente despegar delas. Quem é que me arranjou este banquete?
Então Deus disse de novo: – Ponham a mesa às abelhas! E a cerejeira cobriu-se imediatamente de flores, milhões de flores delicadas e brancas.
E a abelha matinal, aos primeiros raios da aurora, pousou sobre elas, dizendo:
– Vamos tomar o nosso café; e que chávenas tão lindas em que o deitaram.
Provou, exclamando: – Que deliciosa bebida! Não pouparam o açúcar!
No Verão disse Deus: – Ponham a mesa aos passarinhos! – E a cerejeira cobriu-se de mil frutos apetitosos e vermelhos.
– Ah! ah! exclamaram os passarinhos, foi em boa hora; temos apetite; e ganharemos forças para cantar uma nova canção.
No Outono disse Deus: – Levantai a mesa; já estão satisfeitos. – E o vento frio das montanhas começou a soprar; e fez estremecer a árvore.
As folhas tornaram-se amarelas e avermelhadas, caíram uma a uma, e o vento que as lançara ao chão erguia-as novamente, fazendo-as remoinhar.
Chegou Dezembro e disse Deus: – Cobri o resto! – E os turbilhões dos ventos trouxeram a neve, sob cuja mortalha tudo dorme e descansa.


03/01/2009

Crucifixo que sempre voltava à fonte onde apareceu

Era uma vez uma camponesa de Ossela, habitante das redondezas de uma vulgar fonte, que no seu quotidiano labutar, todas as manhãs ia encher a cantara de água.
Aconteceu que, numa dessas vezes, deparou-se com um pequeno Senhor Crucifixo, parecendo abandonado, uns metros acima da nascente.
Chegando-se até ele, religiosa como era, ao ir-se embora o levou também, disposta a dar-lhe guarida na sua modesta casita.
E, quando a noite se abateu na aldeia, reservou-lhe seguro esconderijo num alqueire entre o milho.
Com isto feito e a habitual lide doméstica, a pouco mais tardar das “Ave-Marias”, foi descansadamente dormir…
Entretanto, lá pelo meio da noite – não me perguntem, que não sei como! – o Senhor-Crucifixo saiu donde estava, põe pés a caminho e vai acolher-se no local onde estivera…
Ainda luziam as estrelas e já estava na hora da dita camponesa se levantar, pois os gados requeriam cuidados.
Antes, porém, de iniciar tarefas do seu ramerrão quotidiano, deu-se à curiosidade de verificar se o crucifixo continuava onde o guardou.
Imaginem a cara da camponesa quando deu de caras com o alqueire, mais o milho, menos o Senhor-Crucificado, ou sinal dele – supondo então que, ou escapuliu ou o roubaram!
Justificados arrepios acorreram-lhe à mente, não tanto por temores terrenos, mas mais de outra ordem…
Mas como cuidar da “vida” era preciso, lá foi prosseguindo, até chegar a altura de também pegar na cantara e voltar à fonte.
E ao chegar lá, quanto espanto não sentiu ao deparar com o Senhor-Crucificado, no exacto local onde, sem tirar nem pôr, o encontrou no dia anterior?!
Ainda não totalmente refeita da comoção ou lá o que fosse, pois à fé de quem era nunca tal acontecer-lhe, no momento de se ir “embora” com a água pela qual ali viera, voltou a “falar mais alto” o receio de que mãos menos honestas pegassem no valioso crucifixo e vá de, com alguma afoiteza, levar o achado, reconduzindo-o ao esconderijo da véspera.
Contudo, já se percebe que, por milagre, o Senhor-Crucificado, escapuliu-se num Amén, como o houvera feito na véspera, que o seu local não era ali.
E quando, ao levantar, por tal deu, tendo em conta que o acontecido era segredo demais para guardar só para si, contou às amigas, estas contaram às delas, que por sua vez o foram recontando…
Num ápice, muito vulgar em casos que tais, formou-se uma romaria até ao local, logo “baptizado” por Senhor da Fonte.
Desde então, muito povo da aldeia e arredores fez seus pedidos e promessas ao Senhor da Fonte, do qual – dizem – houveram grandes milagres!


Lenda do distrito de Aveiro





O ursinho era dos mais peraltas, coisa natural nas crianças porque nessa fase da vida a curiosidade fala mais alto que as recomendações maternas. Por isso aquele filhote da mamãe ursa logo esquecia as instruções que ela lhe dava, maravilhado que ficava com as descobertas que fazia durante suas pequenas caminhadas pela floresta.
Um dia o ursinho percebeu que em certa árvore à sua frente havia um buraco relativamente grande, e que nele as abelhas entravam e saíam a todo instante, numa movimentação incessante. Intrigado, ele foi verificar mais de perto o que era aquilo, e percebeu que no tal buraco, além do constante entra-e-sai das abelhas, algumas delas permaneciam paradas em sua entrada, como se a estivessem guardando.
Cada vez mais interessado o ursinho se pôs de pé nas patas traseiras, encostou o focinho no buraco, aspirou uma, duas, três vezes, e o cheiro que sentiu fê-lo enfiar uma das patas dianteiras lá dentro. Quando a retirou, ela estava lambuzada de mel que o ursinho tratou de lamber na maior euforia porque acabara de descobrir um manjar extremamente gostoso para o seu paladar. Ao repetir o gesto que fizera da primeira vez, novamente sua pata saiu toda melada de dentro da árvore, e o filhote da mamãe urso exultou com isso porque além da gula ser um procedimento indescritivelmente delicioso, dela ninguém se cansa.
Foi nesse exacto momento que um enxame de abelhas furiosas saiu de dentro do buraco para revidar a invasão sofrida, e elas passaram a ferroar as mãos do ursinho, sua cabeça, seus pés, e todas as partes do seu corpo não suficientemente protegidas pela pelagem grossa e abundante. Bem que o pequeno animal tentou defender-se da forma como podia, mas ele não conseguia acertar nenhuma das atacantes porque enquanto batia em si mesmo de um lado, elas investiam do outro, castigando o ladrão de mel sem dó nem piedade, até que desesperado o ursinho deitou-se e rolou pelo chão durante alguns segundos, mas logo depois se pôs de pé e saiu em carreira desabalada, chorando, em busca da protecção materna. Satisfeitas com a vingança executada, as abelhas retornaram à colmeia.

Moral da história: O desrespeito à propriedade alheia pode provocar diversas reacções. Portanto, não faça aos outros aquilo que não deseja que eles façam consigo.


Baseado em uma fábula de Leonardo da Vinci