Nunca forceis o talento,
Que perdereis toda a graça:
Jamais terá fino trato
Um lapuz, faça o que faça.
Poucos, do céu escolhidos,
E a quem Deus quis premiar,
Tiveram, ao vir ao mundo,
O talismã de agradar.
Vede a prova deste acerto
Do burro no proceder,
Quando quis, pra ser amável,
Ao dono, agrado fazer.
"Pois então (dizia o burro,
Em solilóquio secreto)
Há de este cão, por mimoso,
Ser dos patrões o dileto?
De bom leito e farta mesa
Com eles goza as delícias;
Enquanto a pau me desancam
Ele recebe carícias!
Que faz ele? Estende a pata,
E, logo após, é beijado.
Se eu não fizer outro tanto,
Hei de ser bem desasado".
Encasquetada esta idéia,
E vendo o dono contente,
Ei-lo, vai para seu lado,
Andando pesadamente.
Levanta ao rosto do dono
Casco, já gasto e asqueroso,
Juntando ao ato o solfejo
Do seu canto gracioso.
DONO
"Que afago e que melodia!
Arrocho nele, Martim!"
Muda o tom com a sova o burro
E a farsa termina assim.
Barão de Paranapiacaba (Trad.)