13/03/2009

O burro e o cãozinho


Nunca forceis o talento,
Que perdereis toda a graça:
Jamais terá fino trato
Um lapuz, faça o que faça.

Poucos, do céu escolhidos,
E a quem Deus quis premiar,
Tiveram, ao vir ao mundo,
O talismã de agradar.

Vede a prova deste acerto
Do burro no proceder,
Quando quis, pra ser amável,
Ao dono, agrado fazer.

"Pois então (dizia o burro,
Em solilóquio secreto)
Há de este cão, por mimoso,
Ser dos patrões o dileto?

De bom leito e farta mesa
Com eles goza as delícias;
Enquanto a pau me desancam
Ele recebe carícias!

Que faz ele? Estende a pata,
E, logo após, é beijado.
Se eu não fizer outro tanto,
Hei de ser bem desasado".

Encasquetada esta idéia,
E vendo o dono contente,
Ei-lo, vai para seu lado,
Andando pesadamente.

Levanta ao rosto do dono
Casco, já gasto e asqueroso,
Juntando ao ato o solfejo
Do seu canto gracioso.

DONO
"Que afago e que melodia!
Arrocho nele, Martim!"
Muda o tom com a sova o burro
E a farsa termina assim.


Barão de Paranapiacaba (Trad.)