Vosso gosto, Senhor cavalheiro,
A este livro de norma serviu;
Meu desvelo em ganhar-vos o voto
A vitória, por fim, conseguiu.
Não quereis vãos ornatos no estilo,
Grande apuro, excessivo limar;
Eu também; não me aprazem requintes:
Muito esmero não pode agradar.
Tudo estraga o poeta, se emprega
Em seus versos cuidado demais;
Não dispenso, porém, certos lances,
Que aprecio e vós mesmo prezais.
Quanto ao alvo, que Esopo fitara,
Menos mal tenho-o sempre atingido;
Se não logro instruir, deleitando,
Valha o pouco por mim conseguido.
Eu, que nunca me dei por valente,
Se não zurzo deveras o vício
Com a clava de Alcides, — ao menos,
Do ridículo o jogo ao flagício.
Nisto só apurei meu engenho;
Se é bastante o que fiz, não no sei;
Quantos quadros de torpes defeitos
Com pincel verdadeiro esbocei!
Uma vez era a estulta vaidade,
De mãos dadas com a inveja aborrecida;
— Duas molas reais em que volve,
Pelos tempos que vão, nossa vida.
Essas pechas, que a gente degradam
Figurei no mesquinho animal,
Que, na altura e no grande tamanho,
Quis de um boi arvorar-se em rival.
Pus, às vezes, em dúplice imagem,
As virtudes dos vícios em face;
— O bom senso ante a fofa estultícia,
O cordeiro ante o lobo rapace;
Acheguei a formiga da mosca;
Sendo assim convertido o meu verso
Em comédia, que encerra cem atos,
E que tem por cenário o universo.
Fazem nela homens, deuses e brutos
O papel que a verdade requer;
Jove até nos desfila ante os olhos,
Fala em cena como outro qualquer.
Trato agora do filho de Maia
Que do céu traz recados às belas;
Mas vem hoje em caráter mais sério;
Não é caso de tais bagatelas.
Um mateiro perdera o machado,
Que lhe dava a ganhar o seu pão.
Seus queixumes, que d'alma nasciam,
Excitavam geral compaixão.
Seu machado! Era tudo o que tinha;
Nem dispunha de mais ferramenta.
Não sabendo onde pôr a esperança,
Deste modo, a chorar, se lamenta:
"Meu machado, meu pobre machado!
Dá-me, Jove, o machado, outra vez!
Eu direi que foi mais um milagre,
Que a bondade celeste me fez".
Nas olímpicas moradas
Foi ouvido este clamor.
"Conheces bem teu machado?
(Diz Mercúrio ao lenhador).
Não está perdido e creio
Tê-lo aqui perto encontrado."
E, isto dizendo, mostrou-lhe
De ouro luzente um machado.
"Não é este." — Outro, de prata,
Mercúrio lhe apresentou.
"É outro; não quero o alheio!"
(O lenhador exclamou).
Afinal, um de madeira
O nume lhe ofereceu.
"Este mesmo é que eu perdera;
Este agora, sim, é meu!"
MERCÚRIO
"A boa fé que mostraste,
Galardão merece ter;
Todos estes três machados
Ficarão em teu poder."
"Aceito (volve o inateiro);
Mil vezes agradecido."
Foi o caso, em poucos dias,
Nos arredores sabido.
Eram sem conta os lenheiros,
Que a ferramenta perdiam;
E aos céus, lha restituíssem,
Em altos brados pediam.
Não sabendo o rei dos deuses
A qual deles acudir.
Mandou, de novo, Mercúrio
Tantos reclamos ouvir.
Mostrando o machado de ouro:
"É meu!" cada qual lhe disse.
Responder doutra maneira
Julgam chapada tolice.
Mercúrio a tais embusteiros
Não faz do machado entrega;
Mas com ele um grande golpe
Na fronte lhes descarrega.
Abandonando a impostura,
E a vil mentira também.
Cada um no mundo viva,
Satisfeito do que tem.
Há quem busque pela fraude
Usurpar os bens alheios;
Embalde; a Deus não se ilude
Por esse ou por outros meios.
Barão de Paranapiacaba (Trad.)