22/11/2009

O cavalo e o lobo



Na linda estação das flores,
Às horas do meio-dia:
Brioso, esperto cavalo
A verde relva pascia.

Dum bosque vizinho um lobo
Botando-lhe o luzio, diz:
"Quem te comer essas carnes
É por extremo feliz!

Ah! Que se foras carneiro,
Ou mesmo burro, ou vitela,
Já marchando me andarias
Pelo estreito da goela;

Mas és um castelo! E assaz
Temo a tua artilharia!
Vou bloquear-te, e do engano
Fazer fogo à bateria".

Então do bosque saindo
Em passo lento e miúdo,
De largo diz ao cavalo:
"Camarada, eu te saúdo;

Respeita em mim um Galeno,
Que passa a vida a curar,
Que das ervas as virtudes
Sabe aos morbos aplicar;

Aposto que tens moléstias,
E porque na cura erraram,
Tomar ares para o campo.
Como é uso, te mandaram.

Se quiseres que eu te cure,
Ficarás são como um pero;
Grátis, que bem entendido,
Paga de amigos não quero".

O cavalo conhecendo
A malícia do impostor,
Diz-lhe: "O céu lhe pague o bem
Que me faz, senhor doutor;

É verdade que eu padeço.
Há nove dias ou dez.
Um tumor e uma ferida.
Tudo nas unhas dos pés".

"— Bem que essa doença toque
À cirurgia somente, —
Diz o lobo, — eu nesse ramo
Sou um prático eminente!"

Torna-lhe o fingido enfermo:
"Pois então, senhor doutor,
Chegue-se a mim, que eu me volto,
Venha apalpar-me o tumor".

"Pois não, filho! Diz-lhe o lobo".
E a fim de o filar se chega;
Mas, de repente, o cavalo
Dois grandes coices lhe prega:

Acerta-lhe pela frente,
Faz-lhe o focinho num bolo;
E o lobo exclama: "É bem feito!
Quem me manda a mim ser tolo?"

Mete pernas como pode,
Dizendo um tanto enfadado:
"Como a breca as arma! — fui
Buscar lã; vim tosquiado!

De carniceiro a ervanário
Quis passar sem que estudasse;
Levei da toleima o prêmio:
Cada qual para o que nasce!"


Curvo Semedo (Trad.)