Vivia outrora em Amida um jovem chamado Salim Habech, filho de um negociante que lograra acumular grandes riquezas explorando um cabaré freqüentemente por cameleiros, jogadores de dados e traficantes de escravos.
Ao receber a herança paterna não quis Salim Habech retomar a direção dos negócios, e deixou-se ficar na ociosidade, entregando-se à vida descuidada dos perdulários.
Rico, dominado pela irreprimível mania de despertar a atenção de todos os habitantes da cidade por sua exótica maneira de trajar-se, raro era o dia em que Salim não escandalizava os curiosos de Amida com uma nova roupagem extravagante. Surgia, às vezes, com calções coloridos, keffié de seda, turbante de três voltas, sapatos recurvadas...
E se alguém procurava censura-lo, ele replicava com firmeza:
- A nossa lei é o Alcorão, o livro de Allah! Entre as 114 suratas do Livro Sagrado qual é a que contém restrições à vaidade natural dos jovens? Não encontrei lá uma só palavra de condenação ou advertência aos vaidosos.
E nesse ponto, Salim tinha razão. O livro religioso dos muçulmanos, sendo um verdadeiro código moral e político, não cuida daqueles que pecam pela ostentação e pelo orgulho.
Salim cultivava antipatia e rancor. Pagava com a moeda do desprezo a antipatia com que o rodeavam.
Um dia correu a notícia do casamento de Salim. As ruas tortuosas de Amida encheram-se de comentários. Diziam que sua noiva era filha de um dos cheiques mais ricos da cidade.
Cheio de orgulho, o noivo afirmava aos seus íntimos e ao pai de sua noiva:
- O meu casamento vai assinalar uma época na história da Mesopotâmia!
O casamento de Salim ia realizar-se com uma pompa nunca vista. Fez ele erguer no pátio de sua casa um grande estrado de madeira, sobre o qual os noivos deviam passar sete vezes, ostentando trajes novos, ricos e deslumbrantes.
Em meio da cerimônia, quando Salim exibia, pela terceira vez, o luxo de seu guarda-roupa, ocorreu um acidente lamentável.
Ouvindo aclamações entusiásticas de alguns amigos, inclinou-se o jovem Salim para agradecer a homenagem. Fê-lo, porém, com tanto açodamento que os seus calções, mal seguros, desprenderam-se e caíram-lhe aos pés.
Uma gargalhada atroadora sacudia a multidão. A figura do vaidoso noivo era de um ridículo inconcebível; apresentava-se, aos olhares curiosos, nu da cintura para baixo, de blusa branca e turbante verde.
Que escândalo! Que vergonha! Salim, num relance, percebeu a enormidade daquela catástrofe. Erguendo os calções fugiu para seus aposentos, não atendendo ninguém que o procurasse.
Nos mercados, nos cafés, nas casa de banho, nos pátios da mesquita, enfim, na cidade não falavam de outra coisa, a cada palavra era acompanhada de estrepitosa gargalhada:
- Caíram os calções de Salim!
Compreendeu Salim que a sua vida dentro dos muros de Amida seria insuportável. Risadinhas, zombarias e chacotas por toda parte.
Em uma noite, sem avisar pessoa alguma, resolveu abandonar aquela terra. Fugiu sem ser visto, disfarçado de mercador acompanhando uma caravana que partia para Bassora. Dessa cidade encaminhou-se para a Pérsia.
Trinta anos depois, Salim sentiu seu peito oprimido pela saudade de sua terra e de sua gente. Decidiu voltar a fim de terminar seus dias na cidade que o vira nascer.
- Já ninguém mais se lembra de mim - pensou. - Quem poderá recordar o triste episódio do meu desastrado casamento? Poderei viver tranqüilamente e cerrar os olhos sob o céu de minha pátria.
A viagem foi longa, fatigante e não isenta de perigos. Ao chegar às portas da cidade, avistou um menino de dez ou doze anos, muito vivo e alegre, que se divertia com um carrinho de madeira.
- Olá, menino! - Exclamou. - Qual teu nome?
- Sou Samir, filho de Tekrit bem Dajalid! - O menino respondeu.
Dajalid! Ao ouvir aquele nome Salim se emocionou. Dajalid, pai de Tekrit, tinha sido um de seus grandes amigos de sua juventude.
- Ó Samir, teu avô Dajalid é vivo? - Perguntou curioso.
- É. Mora com meu pai na praça de El ghadir, perto do palácio do governador.
- El Ghadir ? Salim estranhou pois nessa praça possuira ele várias propriedades.
- Desde quando mora teu avô em El Ghadir? - Perguntou Salim.
- Não sei ao certo. Disseram-me que meu avô mora lá desde o tempo em que caíram os calções de Salim!
Ao ouvir tais palavras, Salim empalideceu e sentiu uma dor profunda como se um punhal de um beduíno lhe tivesse atravessado o coração. A resposta demonstrava que o povo de sua terra ainda conservava bem viva a lembrança cruel do episódio mais vergonhoso de sua história.
Resolveu acampar fora da cidade, e ao cair da noite, vendo o fogo crepitar na porta de sua tenda, o velho Salim chorou como um homem que se vê condenado a morrer sem pátria e sem família.
O seu casamento marcara, realmente, uma época na história da Mesopotâmia. Esse marco não fora, porém, como ele sonhara, erguido pela glória, mas implantado, como um castigo de Deus, pelo ridículo.
Ao receber a herança paterna não quis Salim Habech retomar a direção dos negócios, e deixou-se ficar na ociosidade, entregando-se à vida descuidada dos perdulários.
Rico, dominado pela irreprimível mania de despertar a atenção de todos os habitantes da cidade por sua exótica maneira de trajar-se, raro era o dia em que Salim não escandalizava os curiosos de Amida com uma nova roupagem extravagante. Surgia, às vezes, com calções coloridos, keffié de seda, turbante de três voltas, sapatos recurvadas...
E se alguém procurava censura-lo, ele replicava com firmeza:
- A nossa lei é o Alcorão, o livro de Allah! Entre as 114 suratas do Livro Sagrado qual é a que contém restrições à vaidade natural dos jovens? Não encontrei lá uma só palavra de condenação ou advertência aos vaidosos.
E nesse ponto, Salim tinha razão. O livro religioso dos muçulmanos, sendo um verdadeiro código moral e político, não cuida daqueles que pecam pela ostentação e pelo orgulho.
Salim cultivava antipatia e rancor. Pagava com a moeda do desprezo a antipatia com que o rodeavam.
Um dia correu a notícia do casamento de Salim. As ruas tortuosas de Amida encheram-se de comentários. Diziam que sua noiva era filha de um dos cheiques mais ricos da cidade.
Cheio de orgulho, o noivo afirmava aos seus íntimos e ao pai de sua noiva:
- O meu casamento vai assinalar uma época na história da Mesopotâmia!
O casamento de Salim ia realizar-se com uma pompa nunca vista. Fez ele erguer no pátio de sua casa um grande estrado de madeira, sobre o qual os noivos deviam passar sete vezes, ostentando trajes novos, ricos e deslumbrantes.
Em meio da cerimônia, quando Salim exibia, pela terceira vez, o luxo de seu guarda-roupa, ocorreu um acidente lamentável.
Ouvindo aclamações entusiásticas de alguns amigos, inclinou-se o jovem Salim para agradecer a homenagem. Fê-lo, porém, com tanto açodamento que os seus calções, mal seguros, desprenderam-se e caíram-lhe aos pés.
Uma gargalhada atroadora sacudia a multidão. A figura do vaidoso noivo era de um ridículo inconcebível; apresentava-se, aos olhares curiosos, nu da cintura para baixo, de blusa branca e turbante verde.
Que escândalo! Que vergonha! Salim, num relance, percebeu a enormidade daquela catástrofe. Erguendo os calções fugiu para seus aposentos, não atendendo ninguém que o procurasse.
Nos mercados, nos cafés, nas casa de banho, nos pátios da mesquita, enfim, na cidade não falavam de outra coisa, a cada palavra era acompanhada de estrepitosa gargalhada:
- Caíram os calções de Salim!
Compreendeu Salim que a sua vida dentro dos muros de Amida seria insuportável. Risadinhas, zombarias e chacotas por toda parte.
Em uma noite, sem avisar pessoa alguma, resolveu abandonar aquela terra. Fugiu sem ser visto, disfarçado de mercador acompanhando uma caravana que partia para Bassora. Dessa cidade encaminhou-se para a Pérsia.
Trinta anos depois, Salim sentiu seu peito oprimido pela saudade de sua terra e de sua gente. Decidiu voltar a fim de terminar seus dias na cidade que o vira nascer.
- Já ninguém mais se lembra de mim - pensou. - Quem poderá recordar o triste episódio do meu desastrado casamento? Poderei viver tranqüilamente e cerrar os olhos sob o céu de minha pátria.
A viagem foi longa, fatigante e não isenta de perigos. Ao chegar às portas da cidade, avistou um menino de dez ou doze anos, muito vivo e alegre, que se divertia com um carrinho de madeira.
- Olá, menino! - Exclamou. - Qual teu nome?
- Sou Samir, filho de Tekrit bem Dajalid! - O menino respondeu.
Dajalid! Ao ouvir aquele nome Salim se emocionou. Dajalid, pai de Tekrit, tinha sido um de seus grandes amigos de sua juventude.
- Ó Samir, teu avô Dajalid é vivo? - Perguntou curioso.
- É. Mora com meu pai na praça de El ghadir, perto do palácio do governador.
- El Ghadir ? Salim estranhou pois nessa praça possuira ele várias propriedades.
- Desde quando mora teu avô em El Ghadir? - Perguntou Salim.
- Não sei ao certo. Disseram-me que meu avô mora lá desde o tempo em que caíram os calções de Salim!
Ao ouvir tais palavras, Salim empalideceu e sentiu uma dor profunda como se um punhal de um beduíno lhe tivesse atravessado o coração. A resposta demonstrava que o povo de sua terra ainda conservava bem viva a lembrança cruel do episódio mais vergonhoso de sua história.
Resolveu acampar fora da cidade, e ao cair da noite, vendo o fogo crepitar na porta de sua tenda, o velho Salim chorou como um homem que se vê condenado a morrer sem pátria e sem família.
O seu casamento marcara, realmente, uma época na história da Mesopotâmia. Esse marco não fora, porém, como ele sonhara, erguido pela glória, mas implantado, como um castigo de Deus, pelo ridículo.
Lenda árabe