30/06/2010

A mulher repetida



Esse facto aconteceu no início do reino da Imperatriz Wu, numa cidade de Hunan, onde vivia um funcionário público chamado Zhang Yi. Ele era um homem simples e reservado, de poucos amigos. Ele não tinha tido filhos homens, apenas duas filhas, mas a mais velha tinha morrido quando ainda criança. A mais nova, Qian Niang, era muito bonita.
Zhang Yi tinha um sobrinho, Wang Chu, quase da idade de sua filha, inteligente e também muito bonito. Zhang Yi gostava de falar que esse sobrinho teria um futuro muito brilhante e brincava, dizendo: “no tempo certo, minha filha vai ser uma esposa ideal para ele”.
Nos seus sonhos secretos, Wang Cu e Qian Niang sonhavam com frequência um com o outro. Mas suas famílias ignoravam tudo, e quando, mais tarde, apareceu um rapaz muito distinto, que trabalhava para Zhang Yi e lhe pediu a mão de sua filha, seu pai concordou.
Essa notícia partiu o coração de Qian Niang e Wang Chu ficou muito decepcionado. Ele então disse que gostaria de se mudar do lugar onde trabalhava e aceitou um cargo na capital. Nada conseguiu fazer com que ele mudasse de opinião e foi autorizado então a partir, não sem antes receber muitos presentes.
Depois do último adeus, com o coração mortificado, Wang Chu pegou o barco que ia para a capital. No fim da tarde, o barco já tinha avançado no rio muitos quilômetros, entre colinas muito verdes. Caiu a noite. Wang Chu não conseguia dormir. De repente, ouviu passos na margem. Pouco depois, os passos pararam diante do seu barco. Wang Chu, perplexo, reconheceu Qian Niang, de pés descalços.
Cheio de alegria, ele a tomou nos braços e perguntou de onde ela vinha. Ela respondeu, entre lágrimas:
— A força do teu amor nos uniu em sonho. Agora, contra minha vontade, querem me obrigar a casar com outra pessoa. Eu sei que vais me amar para sempre e eu prefiro morrer que viver sem ti. Por isso eu fugi.
Wang Chu ficou zonzo ao ouvir essas palavras. Jamais ele podia esperar tanto. Ele escondeu Qian Niang dentro do barco e eles partiram juntos, numa longa viagem, dia e noite. Alguns meses mais tardes eles se estabeleceram em Sichuan, bem longe de sua região natal.
Cinco anos depois, Qian Niang teve dois filhos. Ela nunca mais tinha escrito para seus pais, mas pensava sempre neles. Um dia, chorando, ela disse a Wang Chu:
— Para te seguir, um dia, eu faltei ao meu dever filial. Já se passaram cinco anos que não vejo meus pais. Sinto falta do carinho deles e o céu nunca vai me perdoar por viver longe deles.
Emocionado com sua tristeza, Wang Chu respondeu:
— Vamos então voltar para o nosso lugar. Sofrer assim não tem sentido. Eles voltaram então à sua cidade natal. Na chegada, Wang Chu foi sozinho bater na porta de Zhang Yi para lhe contar tudo o que tinha acontecido. Mas Zhang Yi gritou:
— O que está me contando? Minha filha está no quarto, de cama, muito doente, faz anos.
— Mas ela está no meu barco, nesse momento mesmo! disse Wang Chu.
Um pouco perturbado, Zhang Yi enviou um empregar verificar o que estava acontecendo.
De facto, Qian Niang esta lá, radiante e viva, impaciente para rever seus pais.
— Como vai meu pai e minha mãe? — perguntou.
O criado, sem fala, correu para contar a ZhangYi o que acabava de ver.
Logo a jovem doente soube da notícia na sua cama, levantou-se, vestiu suas roupas mais bonitas, seus enfeites e passou pó no rosto. Depois disso, sorrindo e muda, ele desceu para receber a recém-chegada.
As duas avançaram, uma na direção da outra, e logo que se encontraram, seus dois corpos se fundiram em um só, de forma perfeita. No entanto, esse corpo único vestia um conjunto duplo de roupas.
A família preferiu guardar segredo sobre o acontecido. Apenas as pessoas mais próximas ficaram sabendo. Os jovens esposos viveram ainda quarenta anos e seus dois filhos tornaram-se altos dignatários no reino.


Lenda de Icário


O ateniense Icário recebeu, em sua casa, o deus Dionísio, durante uma das suas viagens à terra. Dionísio presenteou o anfitrião com uma oferta de vinho que Icário mandou distribuir pelos seus pastores, dado que era uma substância que estes não conheciam. Os pastores beberam o vinho e, sentindo-se intoxicados e tontos, pensaram que Icário os queria envenenar. Por essa razão, mataram Icário e enterraram-no. A filha deste ateniense, Erígone, dando pela falta do pai, procurou-o e encontrou o local onde estava sepultado, com a ajuda do seu fiel cão Marea. Desgostosa, enforcou-se na árvore junto da qual o pai tinha sido enterrado. O deus Dionísio castigou os habitantes de Ática com uma praga e castigou as mulheres levando-as à loucura, o que fez com que estas seguissem o exemplo de Erígone e se enforcassem. Depois, Dionísio levou Icário, Erígone e o cão Marea para os céus e transformou-os, respectivamente, nas constelações de Boeiro, Virgem e Cão Menor.


As bocas do mundo

Era uma vez um homem muito velho que tinha na sua companhia um neto, filho de uma sua filha já falecida, como falecido era o marido desta. Teve o velho de ir a uma feira vender um jumento e como o neto era rapozola muito turbulento, não o quis deixar sozinho em casa, e levou-o consigo. O jumento era já adiantado em anos e o velho para não o estropiar, resolveu levá-lo adiante, caminhando a pé avô e neto.
Passaram a um lugar onde estava muita gente na estrada.
- Olhem aqueles brutos! Vão a pé atrás do burro que se não dá da tolice dos donos.
O velho disse ao neto que se pusesse em cima do burro. Mais adiante passaram próximo doutros sujeitos que se puseram a dizer:
- O mariola do garoto montado, e o velho a pé; o que um tem de esperto, tem o outro de bruto.
O velho então mandou apear o neto e ele montou-se no burro.
Mais adiante começaram a gritar:
- Olhem o velho se é manhoso! A pobre criança a pé e ele repimpado no burro.
- Salta para cima do burro - ordenou o velho ao neto.
O garoto não esperou que o avô repetisse a ordem e lá foram os dois sobre o jumento.
Andaram assim alguns passos e logo viram muita gente sair-lhe à estrada, cheia de indignação e gritando ameaçadora:
- Infames! Criminosos! Canalhas! Matar o animalzinho com o peso de dois alarves, podendo ir a pé.
O velho e a criança foram obrigados a descer do burro.
Então disse o avô ao neto:
- É para que saibas o que são as línguas do mundo: preso por ter cão e preso por o não ter.


29/06/2010

A Cura do Infante



Há muito tempo atrás, durante a invasão moura na região de Viseu, a imagem de Nossa Senhora de Cárquere foi escondida num carvalho oco, juntamente com uma caixa de relíquias, os sinos da ermida e uma cruz de prata.
Muitos anos depois, nasceu D. Afonso Henriques com um grave problema de saúde: o pequeno infante não tinha acção nas pernas. Um dia, o seu aio, Egas Moniz, teve um sonho em que lhe apareceu Nossa Senhora. Esta revelou-lhe onde estavam os vestígios da antiga ermida e a sua imagem, na localidade de Cárquere, e pediu-lhe para construir uma nova igreja nesse local. Sobre o altar, deveria colocar o infante e passar aí uma noite de vigília.
A construção terminou quando D. Afonso Henriques tinha cinco anos e as indicações da Virgem foram cumpridas. No dia seguinte, o infante andou e correu como uma criança saudável. O conde D. Henrique, perante este milagre, agradeceu à Virgem mandando construir um mosteiro junto à igreja.


Lendas Portuguesas

Lenda de Adrasto


Adrasto era rei de Argos, uma das cidades mais importantes do Peloponeso e rival de Esparta. Um dia, Adrasto recebeu simultaneamente os pedidos de asilo de Polinices, filho de Édipo, que tinha sido arrebatado do trono de Tebas, pelo seu irmão Etéocles, e de Tideu, filho do rei de Calídon, expulso por ter matado o irmão. Os dois jovens, enquanto esperavam pela resposta de Adrasto, começaram a lutar, o que fez com que o rei se lembrasse que um antigo oráculo tinha predito que estes dois jovens iriam casar com as suas duas filhas. Adrasto casou-os então com elas e prometeu ajudá-los a recuperar os seus reinos.
Começou assim a expedição contra Tebas da qual resultou o episódio conhecido como os Sete contra Tebas. Para além de Adrasto, Polinices e Tideu, juntaram-se, a esta demanda, os príncipes Canapeu, Hipomedo, Partenopeu e Anfiareu. A expedição para Tebas parou em Nemea, onde foram involuntariamente causadores da morte de Ofeltes. Considerado um mau presságio, Adrasto organizou jogos fúnebres em honra do príncipe morto, que deram, posteriormente, origem aos Jogos de Nemeus. Chegados a Tebas, os sete príncipes atacaram as sete portas da cidade, que eram defendidas por sete heróis da cidade. O ataque foi um fracasso: os dois irmãos Etéocles e Polinices defrontaram-se até à morte e os outros príncipes morreram também. Somente Adrasto sobreviveu, recuperando os corpos dos mortos que foram sepultados em Elêusis. Passados dez anos, com os filhos dos príncipes mortos, Adrasto chefiou uma segunda ofensiva, a chamada expedição dos Epígones ou Epigoni, termo que significava "os que vêm depois", contra o novo rei de Tebas, Laodamas, filho de Etéocles. Tebas foi conquistada e o trono entregue a Tersandus, filho de Polinices e de uma das filha de Adrasto. Na batalha, morreu Egialeu, único filho de Adrasto, e este caiu num grande desgosto que o levou à morte.


O Valor de um Tesouro Escondido

Vivia na China um sacerdote rico e avarento. Amava jóias e as coleccionava, acrescentando constantemente novas peças ao seu maravilhoso tesouro escondido, que guardava a sete chaves, oculto de olhos que não fossem os seus. O sacerdote tinha um amigo, que um dia o visitou e manifestou interesse em ver as jóias.
- Seria um prazer tirá-las do esconderijo, e assim eu poderia olhá-las também.
A colecção foi trazida, e os dois deleitaram os olhos com o tesouro maravilhoso por longo tempo, perdidos em admiração. Quando chegou o momento de partir o convidado disse:
- Obrigado por me dar o tesouro.
- Não me agradeça por uma coisa que você não recebeu - disse o sacerdote. - Como não lhe dei as jóias, elas não são suas, absolutamente.
- Como você sabe - respondeu o amigo. - senti tanto prazer admirando os tesouros quanto você, por isso não há essa diferença entre nós como pensa. Só que os gastos e o problema de encontrar, comprar e cuidar das jóias são seus.

28/06/2010

Lenda do Cativo de Belmonte

Esta é a história de Manuel, um corajoso soldado nascido em Belmonte que combateu com ardor os muçulmanos. Um dia, foi capturado pelos mouros e levado para Argel. Aí ficou longos anos como escravo. Encarava o seu destino como uma penitência e iludia as saudades da terra e da família com as tarefas mais pesadas. Após muitos anos, um mouro perguntou-lhe qual o significado da palavra que Manuel repetia vezes sem conta: esperança. Manuel disse-lhe que significava o desejo de voltar à sua terra e a sua fé na Virgem da Esperança. O mouro respondeu-lhe que tal fé era impossível e tornou-lhe a vida ainda mais dura.
Conta a lenda que a Virgem se apiedou de Manuel. Apareceu-lhe na véspera do dia de Páscoa e anunciou-lhe a sua libertação. Perante o espanto dos mouros, a arca onde Manuel costumava dormir elevou-se no ar e desapareceu em direcção ao mar. No sábado de Aleluia, os habitantes de Belmonte que se dirigiam à missa viram, espantados, uma arca aterrar junto à capela. A alegria foi indescritível e o povo decidiu erguer nesse sítio uma outra capela dedicada a Nossa Senhora da Esperança.


Lendas Portuguesas


Lenda dos Estremoços




Um homem, uma mulher e uma criança viajavam numa carruagem pela planície do Alentejo. Procuravam um novo lar numa terra bem longínqua. Um tremoceiro foi o único abrigo que encontraram no caminho. A família armou uma tenda e ali passou a noite.
Na manhã seguinte, foram acordados pelo dono daquelas terras que reclamava da presença da família sem a sua autorização. Ao ouvir que a família era perseguida, embora injustamente por delitos que não tinham cometido, o velho proprietário mandou-os sair imediatamente. Sentindo-se insultados, mas de consciência tranquila, os forasteiros recusaram-se a abandonar o abrigo do tremoceiro.
Passado algum tempo, pai e mãe deram por falta da filha. Esta tinha ido encontrar-se com o velho proprietário. Disse-lhe que os seus pais eram gente nobre e honesta com capacidade para fazer daquele local uma linda povoação. Convencido pela inteligência e coragem da menina, o velho proprietário foi ter com os pais e aceitou a sua presença e ajuda.
Anos mais tarde, a povoação recebeu o foral de D. Afonso III. Foram tantas as sugestões de nomes para a terra, que o velho proprietário resolveu deixar à criança a escolha. Em homenagem à árvore, deu-lhe o nome de Estremoços (nome dado aos tremoços naquela época). Hoje é conhecida por cidade de Estremoz.

27/06/2010

Eldorado

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Eldorado (do castelhano El Dorado, "O Dourado"), Manoa (do achaua manoa, "lago"), ou Manoa del Dorado é uma lenda que se iniciou nos anos 1530 com a história de um cacique ou sacerdote dos muíscas, indígenas da Colômbia, que se cobria com pó de ouro e mergulhava em um lago dos Andes. Inicialmente um homem dourado, índio dourado, ou rei dourado, foi depois fantasiado como um lugar, o reino ou cidade desse chefe legendário, riquíssimo em ouro.

Embora os artistas muíscas trabalhassem peças de ouro, algumas das quais hoje formam o rico acervo do Museu do Ouro de Bogotá, nunca foram encontradas entre eles grandes minas, muito menos as cidades douradas sonhadas pelos conquistadores que pretendiam repetir a façanha de Francisco Pizarro no Peru. Tudo indica que os muíscas ou chibchas obtinham o ouro por meio de trocas com indígenas de outras regiões.

Sedentos por mais ouro, os conquistadores fizeram o mito migrar para leste, para os Llanos da Venezuela e depois para além, no atual estado de Roraima ou nas Guianas. Na forma tomada pelo mito a partir do final do século XVI, a cidade dourada, agora conhecida como Manoa, se localizaria no imenso e imaginário lago Parima e teria sido fundada ou ocupada por incas refugiados da conquista de Pizarro.

O mito é semelhante ao de Paitíti ou Candire, que também seria uma cidade cheia de riquezas que teria servido de refúgio a incas que escaparam da conquista espanhola, mas costuma ser localizada muito mais ao sul, entre as selvas da Bolívia e Peru ou no Brasil, no Acre, Rondônia ou Mato Grosso. Os dois mitos têm origem comum no sonho de conquistadores de enriquecer repetindo a façanha de Francisco Pizarro, o conquistador dos incas, e influenciaram-se mutuamente, mas o de Paitíti associou-se, em tempos mais recentes, com a nostalgia de povos andinos pelo antigo Império Inca, ganhando conotações nativistas

Lenda do Belo Suldório

Viriato, que começara por ser pastor dos montes Hermínios, foi o grande líder da revolta lusitana contra os invasores romanos. A sua coragem e destreza eram tão grandes que, com um efectivo de homens muito inferior ao poderoso exército de Roma, conseguiu derrotar várias vezes os romanos. Com o tempo, o exército de Viriato cresceu, chegando a formar-se um corpo especial de guarda a Viriato, os Suldórios, constituído apenas por voluntários dispostos a morrer por ele.
Um dia, ao acampamento de Viriato, chegou um jovem loiro, de olhos azuis e de aparência frágil, que se dispunha a oferecer-se como voluntário para guarda a Viriato. Foi recebido, com certa troça, por parte de Viriato, que não acreditava muito nas suas capacidades como guerreiro; contudo, depressa mudaria de opinião. Fazendo sempre questão de combater ao lado do grande chefe, o jovem voluntário revelou-se um extraordinário soldado, leal e dedicado, impressionando Viriato. Muitas vitórias se sucederam e, num período de tréguas, Viriato casou com a sua amada Vanídia e, um dia, levou-a à tenda do seu suldório preferido para lho apresentar. Nesse encontro, a palidez do jovem e frágil soldado era notória e quando Vanídia lhe pediu que fosse tão amigo dela como o era de Viriato, o jovem suldório respondeu que a sua dedicação pelo chefe lusitano era tão grande que não havia lugar para mais nenhum sentimento no seu coração.
Passados alguns anos, os romanos, que não conseguiam vencer Viriato com uma luta leal, procuraram entre o seu exército um traidor que o apunhalasse a troco de dinheiro e lhe cortasse a cabeça para que fosse entregue ao cônsul romano. Mais tarde, os soldados lusitanos foram encontrar o jovem suldório abraçado ao corpo decapitado de Viriato, chorando desesperadamente. A dor e a indignação geral instalou-se e foi realizado um funeral solene, durante o qual o corpo do herói seria queimado. Quando já se erguia uma grande fogueira, os soldados de Viriato quiseram escolher o seu sucessor como era de tradição. Todos apontaram para o frágil e louro soldado que, sem uma palavra, e de cabelos soltos ao vento, se levantou e se aproximou da fogueira, onde o corpo de Viriato ardia. Lentamente, perante todos, despiu a armadura e as roupas que trazia. Os lusitanos verificaram, com espanto, que o soldado era afinal uma bela mulher que confessou ter-se disfarçado para poder estar perto do homem que amava até à morte. A mulher, que tinha vivido para Viriato e cujo nome se perdeu no tempo, saltou para a fogueira e nela morreu, junto ao grande amor da sua vida.



26/06/2010

Lenda de Osíris e a origem do Egipto

Osíris era filho de Geb, a Luz, e Nut, a Noite, e nasceu em Tebas, no Alto Egipto. No momento do seu nascimento ouviu-se uma voz misteriosa que proclamou a chegada do "Senhor Universal", o que deu aso a manifestações de alegria logo esmorecidas pelas revelações das desgraças que se aproximavam. O seu avô Rê (ou Rá) reconheceu Osíris como herdeiro ao trono, apesar dos maus agouros. Alto, belo e carismático, Osíris sucedeu a Geb no trono e casou com a sua irmã, a bela Ísis. Osíris começou por abolir o canibalismo e introduzir junto dos seus súbditos, ainda um pouco primitivos, normas de conduta e técnicas avançadas de agricultura, para além dos prazeres da música. Instituiu ainda o culto dos deuses, desconhecido até então, construindo templos e imagens divinas. As muitas cidades construídas e as leis justas que emitiu valeram-lhe o nome de Onofris, "o Generoso" pelo qual, como quarto faraó divino, era conhecido.
Ainda não contente com a sua obra, decidiu espalhar os seus conhecimentos pelo resto do mundo e partiu para a Ásia, acompanhado de Tot, Anúbis e Upuaut, deixando a regência a Ísis. Inimigo da violência, espalhou a civilização e o conhecimento por toda a terra e voltou ao Egipto. Quando chegou, verificou que Ísis tinha governado bem o seu reino, que encontrou em ordem. Mas em breve seria vítima de uma intriga orquestrada pelo seu invejoso e feio irmão Set, que o matou durante um banquete, despedaçou-o e lançou os bocados do seu corpo às águas do Nilo. Mas Ísis, com os seus poderes de feiticeira e ajudada por Tot, Anúbis e Hórus, devolveu Osíris à vida. Ressuscitado, Osíris preferiu, no entanto, o poder sobre o reino dos mortos ao reino dos vivos, retirando-se para os Campos Elísios, onde recebia com carinho as almas dos justos. Hórus, filho de Osíris e Ísis, derrotou mais tarde Set numa grande batalha e veio a ser o rei de todo o mundo.
Osíris foi o nome grego dado a Ousir, o protagonista desta lenda que foi contada por Plutarco. Os antigos Egípcios acreditavam que Osíris morria todos os anos no início da Primavera, quando era tempo de seca e de colheitas, para renascer no Outono, quando o nível das águas do Nilo baixava e se procediam às sementeiras. Por isso a cheia anual, que tinha o nome de Hapi, era venerada como sendo a "alma de Osíris". Muitas vezes representado por um pilar, o "djed", Osíris governava assim nos dois mundos, o da morte e o da vida. Identificado com o Sol, simboliza a continuação dos nascimentos e dos renascimentos.



Lenda dos Três Amores de Goai


A cidade de Goa, na Índia, teve vários nomes. Um deles era Goai, o nome de uma linda princesa hindu que, segundo a lenda, viveu num palácio sumptuoso, coberta de jóias e protegida pelo pai, o poderoso Nacrab, que sempre que chegava das suas viagens lhe oferecia presentes cada vez mais incríveis e exóticos. Um dia, Goai perguntou ao pai de onde vinha toda aquela riqueza ao que ele respondeu que a tinha herdado dos antepassados. Mas Goai não ficou satisfeita com a resposta e Nacrab mostrou-lhe um ídolo de ouro e esmeraldas, que representava o criador de toda aquela riqueza, ao qual Goai devia prestar culto todas as manhãs, mal o Sol nascesse. Assim fez a princesa, mas permanecia a dúvida no seu espírito, não conseguindo entregar-se, totalmente, àquela devoção.
A partir de certa altura, uma pomba branca começou a visitá-la todas as manhãs e, certa vez, pousou na sua cabeça, fazendo-a ouvir uma voz que lhe disse que havia apenas um único Deus criador. Nesse preciso momento, o ícone de ouro e esmeraldas rebentou em estilhaços. Dia após dia, Goai recebia ensinamentos da pomba branca e o seu coração encheu-se de felicidade. Os criados começaram a notar-lhe diferenças, dado que a princesa recusava mordomias, jóias e iguarias e, julgando-a doente, foram informar o pai. Quando Nacrab soube da boca da filha a razão da mudança de atitude, ordenou-lhe que voltasse a adorar os ídolos, mas esta recusou e decidiu oferecer tudo o que tinha aos pobres, passando a jejuar e a orar. Os súbditos, impressionados, disseram ao rei que iam seguir o exemplo da princesa. Sentindo o seu poder ameaçado, Nacrab decidiu castigar a filha e, perante mais uma recusa de Goai em renegar a sua nova fé, mandou que lhe fossem cortadas ambas as mãos e que a abandonassem no deserto. Goai caminhou ao acaso até que encontrou uma gruta onde estava uma fera que não a atacou, antes, pelo contrário, lambeu-lhe as feridas e acarinhou-a. Goai passou a alimentar-se de frutos silvestres e da água de uma nascente próxima, dando graças a Deus.
Algumas semanas depois, uma gazela ferida foi refugiar-se junto de Goai. Atrás dela ia um caçador cristão, fugido às perseguições de César, que julgou estar perante um milagre pelo facto de Goai viver entre as feras. Goai contou-lhe a sua história e o caçador disse-lhe que se chamava Vicente e que era um lusitano fugido da Península Ibérica num barco que foi ter à Índia. Com o passar do tempo, Vicente apaixonou-se por Goai e pediu-a em casamento, mas esta rogou-lhe que voltasse algumas semanas mais tarde, porque queria saber qual era a vontade do Senhor. Quando Vicente regressou, Goai mostrou-lhe as mãos que Deus lhe tinha devolvido, pois não queria que Vicente tivesse uma esposa sem mãos. Vicente e Goai viveram felizes de tal forma que faziam inveja a certas mulheres que cobiçavam Vicente. Nasceu um menino belo e forte, como ambos desejavam, mas, logo depois, Vicente foi obrigado a partir, deixando Goai e o filho aos cuidados de uma velha indiana. Algumas mulheres despeitadas aproveitaram a ausência de Vicente para forjarem um documento, supostamente assinado por ele, em que acusava a mulher de traição e a expulsava de casa com o filho que não acreditava ser dele.
Goai, que tinha apenas três amores no mundo, Deus, o marido e o filho, obedeceu às ordens que julgava serem de Vicente e foi para umas montanhas longínquas. Quando Vicente voltou a casa e lhe contaram o sucedido, correu logo a procurar Goai e o filho na gruta onde tinha conhecido a sua mulher. Foi lá que a encontrou e, longe das mentiras dos homens, decidiram viver na gruta, dando origem a Goa, uma cidade que, segundo a lenda, foi fundada por uma indiana e um lusitano.

23/06/2010

A ostra e o caranguejo



Uma ostra estava apaixonada pela Lua. Sempre que a Lua cheia brilhava no céu ela passava horas olhando-a boquiaberta.
Um caranguejo viu, de seu posto de observação, que durante a Lua cheia a ostra ficava completamente aberta, e decidiu comê-la.
Na noite seguinte, quando a ostra se abriu, o caranguejo colocou um pedregulho dentro da concha.
A ostra, imediatamente, tentou fechar-se novamente, porém o pedregulho impediu que assim o fizesse.


Moral da Estória:
Isso acontece a qualquer pessoa que abra a boca para contar seus segredos. há sempre um ouvido à escuta.


22/06/2010

Lutey e a Sereia

Há muito tempo, os pescadores da Cornualha costumavam vasculhar os restos de navios afundados lançados à praia em busca de objetos de valor. Esse era o preço a ser pago naquela costa cruelmente rochosa. Um dia, Lutey de Cury, que fica próxima ao ponto Lizard, achou uma adorável sereia encalhada em uma das muitas poças entre as rochas formadas pela maré alta. Ela era uma criatura muito bonita e facilmente convenceu Lutey a levá-la para o oceano na maré baixa. Aninhada em seu colo, ela lhe ofereceu três desejos por sua gentileza e ele, que era um homem bom, escolheu primeiro ter o poder para quebrar feitiços, segundo, ter o poder para obrigar os familiares da bruxa a praticarem o bem para os outros e, terceiro, que esses dois poderes fossem concedidos a seus descendentes.

A sereia concedeu esses desejos com alegria e, por ele ter escolhido sabiamente e sem egoísmo, ela acrescentou mais dois dons - primeiro, que nenhuma sereia jamais o quisesse, e segundo, seu pente mágico, para que ele a chamasse sempre que precisasse. Ele agradeceu muito a ela, ainda carregando-a sem muito esforço, caminhou na direcção do mar.

Lutey era um homem bonito e forte. Na verdade, a sereia era uma criatura adorável, seus cabelos sedosos, claros como uma cascata de prata, olhos verdes grandes e uma voz cristalina de muita doçura. Quando eles finalmente chegaram a beira da água , ela pediu para que Lutey entrasse um pouco mais com ela na água. A sereia segurava-o com força pelo pescoço. Ele se abaixou para colocá-la na água. Sua voz era tão macia e o movimento de seu corpinho tão suave em seus braços que Lutey entrou sem medo no mar e teria se perdido para sempre se seu cachorro não tivesse latido freneticamente da praia, fazendo-o lembrar-se de sua esposa e filhos queridos. Mas a sereia o segurava com mais força e o teria arrastado para o fundo do mar se ele não tivesse desembainhado sua faca e a ameaçado.

A faca era de ferro, um metal repulsivo ao povo do mar, e ela fugiu para o oceano, falando enquanto ia:
"Adeus! Adeus!
Cuide-se bem, meu amor!
Nove longos anos, por ti esperei
Leve-me em seu coração, meu amor
E então voltarei!"

Todos os desejos de Lutey se tornaram reais, sua família e seus descendentes viraram curandeiros famosos. Mas a promessa da sereia também se tornou real, pois, após nove anos, a contar do dia em que Lutey livrou-se dela, ela voltou. Ele estava pescando com um de seus filhos, quando ela surgiu da água e balançou seus cabelos sedosos e acenou. Lutey virou-se para o filho e disse: "Está na hora. Devo pagar minha dívida". Mas ele não parecia nem um pouco infeliz quando mergulhou nas profundezas verdes com sua amada de voz suave. Dizem também que, desde então, a cada nove anos, um Lutey de Cury se perderia no mar. Mas ninguém sabe se eles partem tão felizes quanto o primeiro Lutey.




Perseu


Perseu era filho de Júpiter e de Dánae, filha de Acrísio, rei de Argos.
Acrísio, tendo sabido, através de um oráculo, que um seu neto havia de tirar-lhe a vida, mandou encerrar Dánae, sua única filha, numa torre de bronze para a subtrair ao contacto com os homens. Júpiter, todavia, condoendo-se da sorte a que a princesa tinha sido votada, resolveu contrariar o plano de Acrísio: introduziu-se na torre sob a forma de chuva de ouro e encontrou-se com Dánae.
Acrísio, quando recebeu a notícia de que Dánae estava grávida, mandou-a abandonar no mar, para que este a tragasse, o que, todavia, não sucedeu.
A embarcação em que ela tinha sido abandonada aportou à Ilha de Serifo, uma das Cíclades, onde Polidectes, rei daquela ilha, recebeu Dánae em sua casa e mandou educar o filho, que veio a receber o nome de Perseu.
Já homem, Perseu recebeu o escudo de Minerva, que o ajudou a praticar acções ousadas e meritórias: cortou a cabeça à Medusa, de cujo sangue nasceu o cavalo Pégaso; montado neste cavalo, correu veloz ao Egipto, para livrar Andrómeda de um monstro marinho que a ameaçava de morte (mostrando-lhe a cabeça de Medusa, transformou-o num rochedo).
No regresso a casa, Acrísio quis impedir-lhe a entrada; os dois lutaram e Acrísio foi morto, cumprindo-se, assim, a previsão do oráculo.
Quando Perseu soube que Acrísio era seu avô, expatriou-se e desapareceu.

Mitologia Grega

A cara de boi

Era uma vez um rei, que tinha três filhos.
Um dia disse:
— Pois, filhos! ide correr o mundo; aquele que trouxer a mulher mais formosa é que há-de ficar com o meu reino.
Partiram; os dois irmãos mais velhos acharam logo duas raparigas muito formosas, com quem se casaram. Uma era filha de uma padeira e a outra de um ferreiro. O mais novo andou por muitas terras, sem encontrar mulher que lhe agradasse.
Indo um dia por um escampado, cheio de fadiga, desceu do cavalo e deitou-se a uma sombra.
Deu-lhe então na vista uma casa muito alta sem porta nenhuma, e só lá bem no alto é que tinha uma janela. Esteve ali muito tempo, até que viu aparecer uma velha, que chegou ao muro da casa,bateu na parede e disse:

Arcelo! arcelo,
Solta o teu cabelo
Cá abaixo de repente;
Quero subir imediatamente.

Foi então que ele viu desenrolar-se da janela uma trança de cabelo tão comprida, que ficou espantado com a sua beleza. A velha pegou-se a ela como se fosse uma corda e subiu para dentro de casa. Pouco depois a velha tornou a sair, e o cavaleiro tendo desejo de ver de quem seria a trança, chegou-se à parede, bateu e repetiu as palavras:

Arcelo! arcelo,
Solta o teu cabelo
Cá abaixo de repente;
Quero subir imediatamente.

A trança desenrolou-se pela janela abaixo, e o rapaz subiu. Ficou pasmado quando viu diante de si a cara mais linda do mundo. A menina deu um grande ai de surpresa e aflição:
— Vá-se embora, senhor! que pode vir minha mãe, e tem artes de lhe causar todos os males que há.
— Não vou, sem a menina vir comigo; porque eu assim ganho o reino de meu pai. E se não quiser vir, lanço-me desta janela abaixo.
Desceram ambos pela parede, e fugiram a toda a pressa no cavalo que estava folgado à
sombra. Ainda não iam longe, quando ouviram uma voz:
— Pára! pára, filha cruel! Não me deixes só no mundo.
E como a menina fosse sempre fugindo com o príncipe, a velha disse-lhe:
— Olha para trás, ao menos, para receberes a bênção de tua mãe. Assim que a menina se virou para trás, ela disse-lhe:
— Eu te fado, que essa cara linda que tens se torne uma cara de boi. Coitadinha! Ficou logo como um boi.
— Assim que o príncipe chegou à corte, puseram-se a rir daquela figura horrenda, sem saber como ele se tinha apaixonado por cara tão feita, que fazia fugir. O príncipe contou a sua desventura aos irmãos, mas quem é que se fiava? Estava quase a chegar o dia em que os três irmãos teriam de apresentar as suas esposas diante de toda a corte, para se assentar qual era a mais linda, e qual deles é que havia de ficar com o reino.
— A rainha velha tinha muita pena do filho, e lembrou-se de fazer demorar a cerimónia, para ver se a velha com o tempo perdoava à menina e lhe restituía a sua formosura.
— Disse a rainha, que queria que antes da cerimónia da corte cada uma das suas três noras lhe bordasse um lenço. A filha da padeira e a do ferreiro não sabiam bordar, mas trataram de enganar a rainha, arranjando quem lhes fizesse os bordados; a que tinha cara de boi pôs-se a chorar, e tanto chorou que lhe apareceu a velha, e disse:
— Não te rales mais; no dia em que tiveres de entregar o lenço à rainha eu cá to virei trazer.
— Chegou o dia; a velha veio entregar-lhe uma noz muito pequenina. A Cara de Boi foi levá-la à rainha, dizendo que ali estava o seu lenço. A rainha quebrou a noz e ficou pasmada com a mais fina cambraia, bordada com flores, ramos e aves.
— Chegou o dia de irem à corte para serem apresentadas as três noras do rei; a Cara de Boi pôs-se a chorar, a chorar, até que lhe apareceu a velha que era sua mãe:
— Não chores mais; trago-te aqui um vestido para a festa. — Desdobrou-o; era todo bordado de ouro e pedrarias; a filha vestiu-o, mas quanto o vestido era lindo, tanto ela ficava mais horrenda. E pôs-se a chorar, a chorar cada vez mais.
Quando já todos tinham entrado para a sala, faltava só ela; a velha disse-lhe:
— Vai agora tu.
A filha obedeceu, mas ia muito triste por ver-se tão medonha. Quando ia pelo corredor do palácio, a mãe disse-lhe cá de longe:
— Olha para trás.
E assim que a filha voltou a cara, continuou:
— Fica com a tua formosura. Mas não te esqueças de meter nas mangas todos os bocadinhos de toucinho que puderes, para me dar.
Então ela entrou na sala pelo braço do marido, e todos ficaram pasmados. A corte logo
confessou que ela é que era a mais linda; e daí foram todos para a mesa do banquete. Enquanto estiveram jantando a menina não fazia senão meter bocadinhos de toucinho nas mangas do vestido; as outras duas que a viam fazer aquilo, trataram de fazer o mesmo, pensando que era moda. Acabado o jantar, começaram as danças; mas a rainha ao ver o chão todo besuntado de gordura, e que a cada passo se escorregava em bocados de toucinho, perguntou quem é que fizera tamanha porcaria. As duas damas disseram que o viram fazer à princesa herdeira, e por isso fizeram o mesmo. Começou cada uma a sacudir as mangas dos vestidos, e das mangas da menina começaram a cair aljofres e diamantes misturados com flores; as outras envergonhadas botaram-se pela janela fora, pelas escadas, corridas e a que chamavam Cara de Boi é que veio a ser a rainha, porque o rei velho entregou a coroa ao filho mais novo.


(Algarve — Faro)
in BRAGA, Teófilo, Contos Tradicionais do Povo Português


21/06/2010

Medusa


Era filha de duas divindades marítimas, Fórcis e Ceto, sendo uma das três Górgonas. Era a mais conhecida destas e considerada mesmo a "autêntica". De entre estas era a única mortal e visível aos olhos dos humanos. Na história sagrada da mitologia grega, Medusa passou de divindade primordial, pré-olímpica, ainda que um monstro, como Górgona que era, a vítima de uma transformação: de bela passou a horrorosa.
Seduzido pela sua maravilhosa beleza, Poseidon (Neptuno, em Roma) transformou-se em pássaro para a poder atrair e possuir, tendo mesmo profanado o templo de Atena (Minerva, para os romanos), pois foi aí que a terá possuído, o que era um sacrilégio. Poseidon foi o único que se terá aproximado dela. Por isso, Atena, irritada, terá então transformado os cabelos da bela Medusa em cobras. Outras lendas dão como causa desta sua aparência o facto de Medusa ter ousado considerar-se mais bela do que Atena, tendo uma grande vaidade na sua magnífica cabeleira. Para além dos cabelos em forma de serpentes, tinha Medusa dentes enormes e feios, como os javalis, uma língua vibrátil e um olhar penetrante e medonho, cheio de convulsões terríficas, mãos de bronze e asas de ouro, o que fazia com que pudesse voar.
Da união de Medusa com Poseidon nasceram Crisaor e Pégaso, o mítico cavalo alado. Medusa habitava na extremidade do mundo - a ocidente, perto do reino dos mortos - onde Perseu a foi matar. Perseu terá ido instigado por Atena, embora algumas lendas digam que terá sido a mando de Sérifo, tirano de Polidectes, que queria destruir o monstro. Perseu, depois de encontrar o covil dos monstros, elevou-se no ar com as suas sandálias aladas que Hermes lhe tinha dado; sem olhar para o rosto maligno de Medusa - o que o poderia petrificar - agarrou-a pelos cabelos e cortou-lhe a cabeça, enquanto o ser monstruoso dormia. Para evitar olhá-la, usou o seu escudo como espelho.
Foi do sangue que escorreu do pescoço cortado que nasceram os dois filhos de Medusa e Poseidon. Perseu terá então oferecido a cabeça de Medusa a Atena, a qual a partir daí passou a usá-la como ornamento do seu escudo, petrificando os seus inimigos. Perseu recolheu também sangue do pescoço de Medusa: o da veia esquerda era um veneno mortífero, enquanto que o da direita era um remédio capaz de ressuscitar mortos. Também se contava que apenas um ou dois dos seus cabelos bastavam para afugentar um exército. Segundo outras versões, diz-se que Perseu terá enterrado a sua cabeça no meio de uma praça em Argos. Uma madeixa dos seus cabelos foi dada por Atena a Hércules, tendo sido considerado como um talismã ao qual estava unida a saúde da cidade.

Mitologia Grega

Lenda da Princesa Fátima

Castelo de Ourém III

Fátima era uma jovem e bela princesa moura, filha única do emir. Este escondia-a dos olhos dos homens numa torre ricamente mobilada. Fátima tinha por companhia apenas as aias. Apesar de estar prometida a seu primo Abu, o destino quis que Fátima se apaixonasse pelo cristão Gonçalo Hermingues, o cavaleiro poeta conhecido como "Traga-Mouros". Nas suas cavalgadas pelos campos, Gonçalo via a bela princesa à janela da torre. Sabendo que a princesa iria participar no cortejo da Festa das Luzes, preparou uma cilada de amor. Os cristãos, liderados pelo "Traga-Mouros", apareceram na festa e raptaram Fátima. Abu partiu com os seus homens em perseguição dos cristãos. A luta entre os dois revelou-se fatal para o rico e poderoso Abu. Como recompensa pelos prisioneiros mouros, Gonçalo Hermingues pediu a D. Afonso Henriques licença para se casar com a princesa Fátima, a que o rei acedeu com a condição de esta se converter. A região que primeiro acolheu os jovens viria a chamar-se Fátima. O local onde se instalaram definitivamente ficou conhecido por Vila de Ourém, cuja origem está no nome cristão da princesa, Oureana.


Lendas Portuguesas

Artemisa


Filha de Zeus e de Latona (ou Leto), uma Titânide, e irmã gémea de Apolo, Artemisa (ou Artémis) nasceu em Delos. Era uma divindade antiga, uma das doze maiores, com um grande e marcado culto popular. Conhecida pela prática de sacrifícios humanos, chegou mesmo a ser considerada uma divindade agreste, da vida selvagem e da floresta. No entanto, era, simultaneamente, a deusa dos caçadores e dos arqueiros e a protectora da castidade mas também da fecundidade, das crianças e dos seres sem defesa.
Apreciava vaguear pelos montes e vales, seguida por um grupo de ninfas, castigando exemplarmente quem as incomodasse. Ciosa dos seus domínios, bem como da sua virgindade - condição que exigia também às suas sacerdotisas e a todos os seus admiradores -, não permitia que alguém neles entrasse ou então tocasse nos seus animais. Por exemplo, Agamémnon, rei de Micenas, que chefiava a expedição grega a Tróia, por ter matado um dos veados sagrados de Artemisa, foi pela deusa obrigado, com a sua frota, a ficar detido em Áulis, tais eram os ventos que contra ele a eterna caçadora levantou. Só quando Agamémnon prometeu sacrificar sua filha, Ifigénia, a ira da deusa se desanuviou, embora não se saiba se Ifigénia terá sido mesmo morta.
Actéon foi também castigado por Artemisa, quando por infeliz acaso, numa caçada, surpreendeu a deusa a banhar-se nua, com as suas ninfas. Artemisa, que nunca cedia ao amor e à sedução dos homens, transformou Actéon num veado, depois perseguido e trucidado pelos cães de caça do próprio Actéon. Outra lenda conta que foi ele quem procurou encontrar a deusa, disfarçado de veado.
Também Oríon tentou tocá-la com a mão, mas Artemisa fez com que um escorpião o picasse mortalmente.
Com Apolo, e sedenta de vingança e de raiva, matou com flechas os doze filhos de Níobe, que tinham troçado de Latona, a mãe dos gémeos.
A Artemisa era associada Hécate, uma divindade lunar, mais sombria, oriunda do norte, deusa das invocações infernais, da magia e da feitiçaria. Também se confundia com Bendis (deusa trácia), Britomarte (deusa cretense), Ártemis Braurónia ou Ártemis de Éfeso, esta com inúmeros seios, sendo por isso deusa da fecundidade.


Mitologia Grega

O falcão do rei de Furs

Contam que o rei de Furs era grande amigo de divertimentos, de passeios e de todo tipo de caça. Possuía um falcão treinado por ele próprio que não o abandonava nenhum momento. Mesmo durante a noite, o rei o trazia preso ao seu punho. Quando ia à caça, levava consigo. No pescoço dessa ave, tinha mandado pendurar uma vasilha de ouro, onde lhe dava de beber. Um dia, em seu palácio, o rei viu, subitamente, chegar o encarregado dos bosques e florestas.
Disse-lhe esse encarregado:
— Ó rei, estamos de novo na época das caçadas!
— Isso me deixa muito feliz! — exultou o rei e começou a fazer os preparativos para a partida.
No dia seguinte, com o falcão em seu punho, partiram, rumando para um vale, onde estenderam as redes de caça. Repentinamente, uma gazela ficou presa na rede.
Então o rei alertou:
— Matarei aquele que deixá-la escapar!
Começaram a puxar a rede em torno da gazela, que se acercou do rei, ergueu-se sobre as patas traseiras, encolhendo junto do peito as patas dianteiras. Nisso o rei bateu as mãos uma contra outra, espantando a gazela, que saltou e fugiu, passando-lhe por cima da cabeça e desaparecendo no meio das árvores.
O rei se voltou para os guardas e viu que eles piscavam os olhos uns para os outros, referindo-se a ele, o rei. Percebendo isso, perguntou ao grão-vizir:
— Que têm os soldados?
O grão-vizir respondeu:
— Eles dizem que tu juraste matar quem quer que deixasse escapar a gazela!
Falou o rei, em seguida:
— Pela minha cabeça, precisamos perseguir aquela gazela e trazê-la de volta!
Começou a galopar, seguindo a pista do animal. Libertou o falcão, incitando-o a perseguir a presa. O falcão rapidamente a localizou e, num voo rasante e certeiro, atirou-se sobre a gazela, enterrando-lhe o bico aguçado nos olhos, cegando-a. O rei apanhou seu bastão, bateu no animal, fazendo-o rolar. Desceu resolutamente, degolou-a, esfolou-a e prendeu a caça a sua sela.
Fazia calor e o local era árido e sem água. O rei teve sede e cavalo também. Olhando ao redor, o monarca viu uma árvore de onde escorria um líquido parecido com manteiga. O rei tinha a mão coberta com uma luva de pele, onde pousava o falcão. Apanhou a vasilha do pescoço da ave, encheu-a com aquele líquido e colocou-a diante do falcão. Inesperadamente, o animal, com um golpe de uma de suas garras, entornou-a. O rei apanhou a taça pela segunda vez, encheu-a, imaginando que a ave também tinha sede, mas o falcão, pela segunda vez, entornou-a.
O rei ficou enraivecido com o falcão e deu-lhe o líquido pela terceira vez. O falcão novamente o entornou e o rei disse:
— Que Alá te enterre, ave infernal!
Dizendo isso, feriu o falcão com sua espada, cortando-lhe as asas. O falcão ergueu a cabeça e sinalizou para o rei:
— Olha o que há sobre a árvore! — queria ele dizer.
O rei levantou a cabeça e viu uma serpente monstruosa na árvore. O que escorria era seu veneno. O rei, arrependido de ter cortado as asas do falcão, levantou-se, tornou a montar a cavalo e partiu levando a gazela. Mandou o cozinheiro preparar a gazela, depois se sentou no seu trono, tendo o falcão no punho. Percebeu, então, que a luva que vestia estava empapada de sangue. Imaginou que fosse da corça, mas, ao observar o falcão, percebeu as pelas coladas a pele pelo sangue que escorria dos ferimentos.
— Meu amigo, você não pode morrer! — lamentou o rei, apertando a ave junto ao peito.
O falcão, às portas da morte, apontou a taça que trazia ao pescoço e fez sinais para que o rei a enchesse de vinho. Aflito, o rei assim o fez, aproximando-a do bico da ave. Novamente o falcão fez sinais, dando a entender ao rei que desejava que este tomasse o primeiro gole. O rei o atendeu, bebendo um gole do vinho, depois voltou a oferecer o vinho ao falcão, que soltou um longo soluço e morreu. Vendo aquilo o rei soltou gritos de luto e aflição por ter matado o falcão que o salvara da morte. Sentiu um aperto no coração, mas estava por demais concentrado em seu sofrimento para perceber que o resto do veneno da serpente, que ficara na taça, o estava matando.

Lendas Árabes

The Dry Land of Rajasthan

20/06/2010

Pigmalião e Galateia




Segundo a lenda, Pigmalião era escultor de grande nomeada na Ilha de Chipre. Para se entregar inteiramente à sua arte e, por outro lado, indignado com a prostituição a que se entregavam as mulheres da cidade de Amatonte, na Ilha de Chipre, onde se erguia um templo a Vénus, resolveu viver em rigoroso celibato. Vénus, sentindo-se ofendida com esta atitude de Pigmalião e para se vingar, fê-lo apaixonar loucamente por uma estátua de marfim, prodígio de graça e de beleza saído do seu cinzel, a que Vénus havia dado o nome de Galateia.
A deusa do amor, no entanto, comovida pelas súplicas do desventurado, animou a estátua com o fogo da vida. Pigmalião casou com ela e teve um filho a que deram o nome de Pafos, que fundou a cidade do mesmo nome dedicada ao amor.


Contos e Lendas da Mitologia Grega

Lenda dos Távoras




Conta a lenda, que, no século XI, dois irmãos, D. Tedo e D. Rausendo, há muito que tentavam conquistar o castelo de Paredes da Beira, que estava na posse do mouro de Lamego. Cansados do insucesso, resolveram arquitectar um plano para a conquista definitiva da fortaleza.
Numa manhã do dia de S. João, esperaram que os mouros saíssem do castelo para se banharem nas águas do Távora, como habitualmente faziam, e entraram no castelo com o seu exército disfarçados de mouros. Mataram a maior parte dos homens que lá tinham ficado. Apesar de terem sido avisados por alguns mouros que tinham conseguido escapar, os que festejavam no rio foram atacados e mortos por D. Tedo.
O vale do rio ficou a ser chamado por Vale D'Amil em lembrança dos mouros que tinham sido "mortos aos mil". A lenda diz que os dois irmãos tomaram a partir da batalha o apelido de Távora, em memória do rio onde se tinha desenrolado a vitória, e adoptaram nas suas armas a imagem de um golfinho sobre as ondas, simbolizando a vitória de D. Tedo.


Lendas Portuguesas

A Menina e o Bicho

Era uma vez um homem que tinha três filhas.
Eram todas muito amigas dele, mas havia uma que ele estimava mais.
Foi um dia à feira e perguntou às filhas o que é que elas queriam de lá. Uma delas disse:
– Um chapéu e umas botas!
A outra disse também:
– Um vestido e um xaile!
Mas a que ele estimava mais não lhe disse nada.
O homem, muito admirado, perguntou:
– Ó minha filha, tu não queres nada?
– Não quero nada, disse ela. Quero que meu pai tenha saúde!
– Tu hás-de também pedir uma coisa, seja o que for, que eu trago-ta! respondeu o pai.
Ela, para que o pai a deixasse, disse então:
– Quero que meu pai me traga um corte de goraz em campo verde.
O homem foi para a feira, comprou todas as coisas que as filhas lhe tinham pedido, e não fazia senão procurar o corte de goraz em campo verde. Mas não o encontrou. Era coisa que não havia. Por isso vinha muito triste para casa, porque era a filha que ele mais estimava.
Quando vinha andando, aconteceu-lhe ver luzir uma luz no caminho, porque já era noite.
Foi andando, andando, até chegar àquela luz.
Era um pastor, que estava ali numa cabana. O homem chegou-se a ele e perguntou:
– Sabe-me dizer que palácio é aquele, e se me podiam dar agasalho!
O pastor respondeu muito admirado:
– Oh!, senhor, mas... naquele palácio não habita ninguém; aparece lá uma coisa, e todos têm medo de lá estar!
– Deixá-lo, disse o homem, não me hão-de comer, e como não tem ninguém, vou lá dormir esta noite!
Foi. Encontrou tudo iluminado e muito rico e, entrando mais para dentro, viu uma mesa posta. Quando se ia a chegar à mesa, ouviu uma voz dizer:
– Come e vai-te deitar naquela cama que ali está, e pela manhã levanta-te e leva o que está em cima daquela mesa, que é o que a tua filha te pediu, mas, ao fim de três dias, hás-de ma trazer aqui.
O homem ficou muito contente por levar à filha o que ela tinha pedido, mas ao mesmo tempo ficou triste pelo que a voz lhe tinha dito.
Deitou-se e ao outro dia levantou-se, foi direito à mesa e viu o corte de goraz em campo verde; agarrou nele e foi para casa.
Apenas chegou, começaram as filhas de roda dele:
– Meu pai, que é que nos trouxe? Deixe ver.
O pai deu-lhes tudo quanto trazia.
A outra filha, a que ele estimava mais, perguntou-lhe só se ele tinha saúde. O pai respondeu-lhe:
– Minha filha, venho contente e ao mesmo tempo triste! Aqui tens o teu pedido.
A filha respondeu-lhe:
– Oh! meu pai, eu tinha-lhe pedido isto, porque era coisa que não havia; mas porque é que vem tão triste?
– Porque tenho de levar-te ao fim de três dias aonde me deram isto!
E contou tudo o que lhe tinha acontecido no palácio e o que a voz lhe tinha dito. A filha, quando ouviu tudo, respondeu:
– Não esteja triste, meu pai, que eu vou, e há-de ser o que Deus quiser!
Assim foi. Ao fim de três dias o pai levou-a ao palácio encantado.
Estava tudo iluminado, a mesa posta e duas camas feitas.
Quando entraram, ouviram uma voz dizer:
– Come e deixa-te estar três dias com a tua filha, para ela não ter medo.
O homem esteve os três dias no palácio. No fim, foi-se embora, ficando a filha só.
A voz falava com ela todos os dias, mas não se via ninguém.
Ao fim de uns poucos dias, a menina ouviu cantar um passarinho no jardim. A voz disse-lhe:
– Tu ouves o passarinho a cantar?
– Oiço, sim, disse a menina; é alguma novidade?
– É tua irmã mais velha que está para casar. E tu queres ir? perguntou a voz.
A menina, muito contente, disse:
– Eu quero, sim; e tu deixas-me Ir?
– Eu deixo, tornou a voz, mas tu não voltas!
– Volto, sim! – disse a menina.
A voz deu-lhe então um anel, para ela se não esquecer, e disse-lhe:
– Olha que ao fim de três dias vai um cavalo branco buscar-te; há-de bater três pancadas: a primeira é para te vestires, a segunda é para te despedires e a terceira é para te montares. Se às três não estiveres em cima do cavalo, ele vem-se embora e deixa-te lá!
A menina foi. Houve uma grande festa, e a irmã casou-se. Ao fim de três dias, foi o cavalo branco bater três pancadas. À primeira a menina começou a vestir-se, à segunda despediu-se e à terceira montou a cavalo.
A voz tinha dado à menina um caixote de dinheiro para levar ao pai e às irmãs, e por isso elas não queriam que ela tornasse para o palácio encantado, porque já estava muito rica.
Mas a menina lembrou-se do que tinha prometido, e apenas se viu em cima do cavalo foi-se embora.
No fim de certo tempo tornou o passarinho a cantar muito contente no jardim. A voz disse-lhe:
– Tu ouves o passarinho a cantar?
– Oiço, sim, disse a menina, é alguma novidade?
– É a outra tua irmã que está para casar. E tu queres ir? perguntou a voz.
A menina, muito contente, disse:
– Eu quero, sim; e tu deixas-me ir?
– Eu deixo, tornou a voz, mas tu não voltas!
– Volto, sim, disse a menina.
A voz disse, então:
– Olha que se ao fim de três dias não vieres, ficas lá, e serás a rapariga mais desgraçada que há no mundo!
A menina foi. Houve uma grande festa, e a irmã casou-se. Ao fim de três dias veio o cavalo branco. Deu a primeira pancada, e a menina vestiu-se; deu a segunda, e a menina despediu-se; deu a terceira, e montou a cavalo e foi para o palácio.
Passados tempos tornou o passarinho a cantar no jardim, mas muito triste, muito triste.
A voz disse-lhe:
– Tu ouves o passarinho?
– Oiço, sim, disse a menina, é alguma novidade? É, sim, é o teu pai que está para morrer, e não morre sem se despedir de ti!
– E tu deixa-me ir? perguntou a menina, muito triste.
– Deixo, sim, mas desta vez é que tu não voltas!
– Volto, sim, disse a menina.
A voz disse-lhe:
– Não voltas, não, que as tuas irmãs não te deixam vir! E tu e mais elas, serão as raparigas mais desgraçadas deste mundo, se não voltares ao fim de três dias!
A menina foi, o pai estava muito mal e não podia morrer, mas apenas se despediu dela, morreu.
As irmãs, como ela tinha perdido a noite, deram-lhe dormideiras e deixaram-na dormir.
A menina pediu muito que a acordassem antes de vir o cavalo branco.
As irmãs que fizeram? Não a acordaram e tiraram-lhe o anel do dedo.
Ao fim de três dias veio o cavalo. Bateu a primeira pancada, bateu a segunda, bateu a terceira e foi-se embora, e a menina ficou.
Ela andava muito satisfeita com as irmãs, porque não tinha o anel e já não se lembrava de coisa nenhuma.
Daí a uns poucos dias, começou a fortuna a andar para trás, a ela e às irmãs.
Até que uma vez as duas disseram-lhe:
– Mana, tu não te lembras do cavalo branco?
A menina lembrou-se, então, de tudo e disse a chorar:
– Ai. que desgraça a minha! Ai, que me desgraçaram! Que é do meu anel?
As irmãs deram-lhe o anel, e a menina, com muita pena, foi-se logo embora. Chegou ao palácio encantado, mas viu tudo muito triste, muito escuro e muito fechado.
Foi direita ao jardim e encontrou um bicho muito grande, estendido no chão. O bicho, apenas a viu, disse-lhe:
– Retira-te, tirana, que me dobraste o meu encanto! Agora serás a rapariga mais desgraçada do mundo, tu e as tuas irmãs!
O bicho estava a acabar e, assim que disse isto, morreu. A menina voltou para as irmãs, muito triste e a chorar multo, meteu-se em casa sem comer nem beber, e dali a dias morreu também.
As irmãs, essas ficaram cada vez mais pobres, por terem sido a causa disto tudo.


Consiglieri Pedroso,
Contos Populares Portugueses
(1910)


O Príncipe do Reino Estranho



No tempo em que as flores sorriam, havia uma princesa que estava em idade de casar. O rei, seu pai, conferenciou com a rainha sobre o assunto à mesa de jantar enorme e farta. A filha não costumava descer dos seus aposentos para as refeições, pois não queria engordar. Sempre que se aproximava a hora, Astromila, a sua criada particular, subia a alta torre do castelo com uma bandeja de prata cravejada de safiras, esmeraldas e rubis, onde se evidenciava meio copo de água e num prato de ouro maciço uma folha de alface com um fio de azeite. Dizia a criada para si própria, não fosse perder a cabeça, que nem os grilos comiam tão pouco. Mas era por este motivo que a princesa tinha tanto orgulho na sua cintura, que ela, com as suas próprias mãos finas e curtas, podia facilmente rodear. Parecia uma flor: a face sorridente e o cabelo comprido em caracóis dourados.
Dizia pois o rei à rainha enquanto comia metade de um pudim:
– O rei D. Fuas do Reino Estranho tem um filho mancebo. E se lhe propuséssemos o casamento com a nossa filha?
À rainha não lhe agradava muito a ideia.
– Se o filho for como o pai, não será bom nem para o nosso reino nem para a nossa filha. D. Fuas é o rei mais malvado da cristandade. E tem mau hálito.
– Então o que propõe a minha senhora e rainha? – perguntou o rei com falsa cortesia, farto das dúvidas da esposa, que vinham ao de cima sempre que era necessário decidir sobre o que quer que fosse da política doméstica e, consequentemente, do reino.
– Que se demande um príncipe garboso e educado, herdeiro de um reino pacífico, desenvolvido e rico.
– E quanto ao mau hálito?
– Contanto que cumpra os outros requisitos, isso será um defeito de pouca importância.
Ficaram, nos dias seguintes, de enviar emissários aos reinos vizinhos a procurar um príncipe disponível que fosse conveniente à formosura da princesa.
Uma tarde, saiu a princesa a dar um passeio com a sua criada. Levavam cada qual uma cestinha, onde guardavam as flores mais sorridentes que iam encontrando. Andavam neste divertimento, quando surgem dois jovens cavaleiros, um gentil e bonito, que denotava importância e fidalguia, e o outro menos garboso que, pelos modos e tratos, parecia seu criado. O mais gentil perguntou-lhes se aquele era o caminho para a cidade. A princesa ficou tão fascinada que lhe faltaram as palavras para responder. Teve de ser Astromila a dizer que iam no caminho certo, o que fez com que o cavaleiro perguntasse se a sua senhora era muda.
– Não – respondeu a criada com alguma graça. – Ela só está espantada com o tamanho da crina do seu cavalo.
– Então, bela donzela, certamente poderá dizer-me o seu nome para que este feliz encontro fique para sempre na minha memória – pediu ele voltando-se para a princesa.
– Eu sou a Belaflor.
O cavaleiro fez-lhe uma vénia de cima do seu corcel enquanto se apresentava:
– Eu sou o príncipe Gundesindo, do Reino Estranho, e este é Ildefredo, meu criado.
Estiveram ali a trocar palavras próprias do namoro e, porque a criada avisasse que se fazia tarde, despediram-se com um adeus de boca que quase foi um beijo. Seguiu o príncipe e o criado pelo caminho real em direcção à cidade e seguiu a princesa com a criada por um atalho para recuperar o tempo perdido.
Chegadas ao castelo, a princesa descobriu com tristeza que todas as flores que levava na cesta tinham perdido o sorriso. Os pais, ao jantar, ordenaram que ela descesse e se sentasse com eles à mesa. Enquanto a princesa comia a folha de alface, disseram-lhe que iam para velhos, não tinham filho varão que sucedesse no trono e por isso estava na hora de lhe arranjar noivo. Dentro de alguns dias, logo que os emissários aos reinos vizinhos regressassem, escolheriam o pretendente que mais lhe conviria.
A princesa quis saber se tinha ela própria alguma palavra a dizer quanto à escolha do seu futuro marido.
O pai calou-se, mas a mãe disse que, embora isso não fosse costume, que quem escolhia o noivo de uma princesa eram os pais, eles teriam em consideração a sua opinião, pois não queriam obrigá-la a casar com quem não gostasse.
– Pois então, quero anunciar-vos – disse ela em tom mais ou menos solene – que já escolhi aquele que será o meu marido e o meu rei.
A mãe ficou com o copo de água no ar e o pai, que no momento desmanchava à dentada uma perna de borrego, deixou a gordura sujar-lhe o bigode. A rainha poisou o copo sem beber e perguntou:
– E quem é ele?
– É o príncipe Gundesindo do Reino Estranho.
A mãe quase ficava histérica de tantos gritos que deu e ao pai quase lhe dava um enfarte devido à estridência dos mesmos gritos.
– Guardas! – chamou o rei depois de se recompor. – Encerrem a princesa na torre do castelo e que não saia de lá sem minha ordem.
Os guardas cumpriram de imediato a ordem.
No dia seguinte, o príncipe Gundesindo compareceu no castelo e pediu uma audiência com o rei. Este recebeu-o na sala do trono um pouco contrariado, mas, como era uma visita diplomática, tinha que engolir e calar. Na troca de cumprimentos, perguntou-lhe como estava D. Fuas, o pai. O príncipe disse-lhe que estava bastante velho e doente e que este o queria ver casado antes que Deus o levassem para o outro mundo. Correndo a notícia de que no Reino Florido havia uma princesa em idade de casar e que os pais procuravam noivo, D. Fuas decidira enviá-lo de embaixada a propor a união por matrimónio dos dois reinos.
O rei desviou um nadinha a coroa da cabeça, coçou onde mais lhe convinha e disse-lhe que ia ponderar no assunto. Voltasse ele ao castelo dentro de sete dias e lhe daria despacho.
O príncipe fez uma vénia e saiu às arrecuas, como era regra do protocolo.
Ficou hospedado por seis noites numa estalagem da cidade e todos os dias saía pelos bosques próximos à procura de Belaflor. Porque nunca a encontrou, começava a temer o dia que se aproximava para o rei lhe dar resposta, que ele desejava fosse negativa, pois decidira correr mundo até encontrar a donzela que lhe roubara o coração com uma só mirada. Não se queria casar com uma princesa que nunca vira.
Ildefredo, o criado, que nem sempre acompanhava o príncipe nas buscas tresloucadas e suspirosas pelos bosques, numa tarde que ficou pela cidade, deu de caras com a criada de Belaflor. Esta, que tinha ido comprar agulhas e linhas para os bordados da princesa, tentou escapar-se por entre a multidão que atravancava as ruas. Mas o criado foi sair-lhe numa rua mais à frente.
– Foges de mim? – perguntou-lhe com ar ofendido.
– Não é conveniente que alguém nos veja – respondeu-lhe olhando para todos os lados.
– Mas se anda na rua um ror de gente!
– Esperemos que ninguém me reconheça.
– E de que tens medo? De mim?
– De ti? Oh, não. Não tenho medo ti – disse sorrindo.
Ildefredo, muito galante, pois não lhe era indiferente o bom porte da criada, disse-lhe com alguma comoção:
– As minhas noites e os meus dias têm sido difíceis. Desde aquele dia no bosque que me não sais do pensamento. Precisava de te ver.
– Pois cá me tens – disse ela em tom de desafio, com as mãos nas ancas.
Como a resposta fosse desconcertante, o criado desviou o assunto da conversa:
– O príncipe, meu senhor, gostava de saber onde vive Belaflor, a tua senhora.
– Toda a gente sabe onde vive Belaflor.
– E onde isso é?
– No castelo, onde é que haveria de ser?
– No castelo? E que faz ela no castelo?
– Belaflor é a princesa.
O criado ficou sem fala.
– Diz ao teu príncipe que ela o espera, ansiosa. Mas que não demore.
Antes que Ildefredo pudesse reagir, Astromila tinha desaparecido na multidão.
Quando o príncipe regressou das suas buscas, o criado contou-lhe o que acontecera. Gundesindo ficou de tal forma entusiasmado que quis naquele momento ir ao castelo. Mas o criado, com sensatos conselhos, convenceu-o a esperar pela recepção no dia seguinte, onde o rei lhe daria resposta.
– E se ele disser que não?
– Se disser que não, raptamos a princesa – sugeriu o criado.
– Não podemos correr esse risco – respondeu o príncipe.
Enquanto eles conjecturavam o que poderia ou não acontecer e o que deveriam ou não fazer, o rei e a rainha discutiam mais uma vez à mesa do jantar o futuro da princesa. Por aqueles dias, todos os emissários, menos um, regressaram dos reinos vizinhos e não conseguiram encontrar um príncipe em idade de casar. Havia príncipes, e muitos. Mas, ou eram meninos de mama, ou demasiado imberbes.
O rei começava a convencer-se de que, face à escassez de pretendentes, talvez a melhor decisão a tomar fosse casar a filha com Gundesindo, herdeiro do Reino Estranho. Afinal, na audiência, não lhe pareceu que o rapaz tivesse a torpeza e a malvadez do pai. Mas a rainha não concordava. Entendia que deveriam esperar até que chegasse o último emissário. E só no caso de ele vir de mãos a abanar é que poderiam ponderar na remota possibilidade de darem a mão da filha a Gundesindo.
Na audiência do dia seguinte, a rainha fez questão de estar presente, ao lado do rei. Ouviram queixas, pendências e petições de uma dúzia de cortesãos, governadores e alcaides do reino e a tudo foi dado despacho conforme o bom senso do rei, a qualidade do peticionário e a importância do assunto. A audiência chegou ao fim e o príncipe Gundesindo não se fizera anunciar. O rei, que estava com fome, embora achasse um ultraje à sua dignidade a falta do príncipe a uma audiência marcada, ficou todavia satisfeito, pois considerava o assunto encerrado sem ter que decidir sobre ele.
A essa hora, porém, já Belaflor ia longe, bem agarrada às costas do príncipe, que guiava o cavalo pela floresta, à frente de Ildefredo, o criado, que levava agarrada a si Astromila. Com receio da resposta negativa do rei, Gundesindo decidira assaltar o castelo. Belaflor e Astromila já os esperavam. Com o pretexto de que tinham ordens do rei para acompanhar a princesa à sala do trono, ludibriaram os guardas e conseguiram escapar-se.
Casaram-se dez dias depois, na catedral do Reino Estranho. Os pais de Belaflor, quando souberam, não ficaram muito satisfeitos, mas acabaram por se adaptar às circunstâncias. Com a morte de D. Fuas, alguns meses mais tarde, Gundesindo tornou-se rei. Belaflor estava muito feliz, tanto mais que ficara grávida, e os piores receios dos pais não se realizaram. O príncipe não tinha o mau feitio nem o mau hálito de D. Fuas, embora cheirasse mal dos pés, como toda a gente.


Contos Infantis, José Leon Machado


O menino que não sabia abraçar



Era uma vez um menino que não sabia abraçar. Ele morava com os pais numa cidade muito grande. Nessa cidade as pessoas usavam os braços e as mãos para fazer um monte de coisas
Para escrever, dirigir, limpar a casa, fazer comida, digitar textos, carregar as coisas... Essas pessoas sempre estavam com muita pressa e ocupavam tanto os braços e as mãos que não sobrava tempo para abraçar.
Em dia de festa de aniversário, eles cantavam parabéns e batiam palmas. Depois as crianças iam brincar e os pais corriam para arrumar as coisas e não encontravam tempo para carinhos.
Quando o menino tirava notas boas na escola, os professores sempre o elogiavam, mas as mãos e os braços estavam ocupados, carregando livros ou escrevendo na lousa.
O tempo foi passando e ele acabou aprendendo que os braços e as mãos serviam para muitas coisas.
Mas sentia uma falta não sei de quê. Uma dorzinha no coração, uma saudade de algo que não conhecia. Quando ficava triste de verdade, dançava músicas agitando os braços e um pouco de alegria chegava em seu coração.
Um dia, a família do menino precisou mudar de cidade. A escola e os amigos eram diferentes. Ele conheceu uma menina que vivia abraçando os outros e não entendia bem aquilo. Ela era tão pequenininha, mas tinha braços do tamanho do mundo. Abraçava até gente grande.
Certa vez, quando ela tentou enrolar aqueles braços nele, o menino sentiu algo esquisito. Não conseguia se mover e ficou quietinho, sem jeito.
Ela achava que aquele menino era tímido demais e nem adivinhou que ele nunca tinha abraçado alguém.
O menino passou a olhar com curiosidade para ela, que chegava todo dia sorrindo e já ia enrolando os braços nas pessoas. Primeiro na mãe, depois no porteiro da escola, na professora, na faxineira, nos amigos e nele.
Começou a ter com medo. Contou tudo para os pais, que ficaram preocupados com o que estava ocorrendo na escola.
As outras crianças não se importavam com a mania daquela menininha. Aliás, aquilo parecia contagioso. Todos começaram a imitá-la. De uma hora para a outra, enrolaram os braços uns nos outros e parecia que havia mais sorrisos pelo caminho. Talvez fosse uma doença estranha.
Entretanto, seus pais estavam sempre muito ocupados para conhecer a menina.
Um dia, o pai do menino saiu correndo do trabalho e sofreu um acidente no trânsito. No hospital, os médicos estavam cuidando de tudo.
O menino sentiu a maior tristeza do mundo dentro dele. Os dias passaram e seu pai ainda continuava no hospital. Sempre com os braços ocupados, pensava. Agora com gesso e ataduras. Ele sentava-se ao seu lado e sentia que aquela dorzinha tinha se transformado numa dorzona dentro do coração. Ficava com os braços caídos ao lado do corpo e não sabia direito o que fazer com eles.
A mãe resolveu mandá-lo de volta à escola. Chegando lá, ficou sozinho, num cantinho da sala, e começou a chorar bem baixinho aquela dorzinha que foi crescendo e crescendo e virando dorzona.
Sentiu alguém chegando perto e quando percebeu, aqueles bracinhos se enrolaram e abraçaram. E pela primeira vez na vida, o menino ergueu os braços e os enrolou na menina.
E chorou toda dor que sentia. Todo medo de ficar sem o pai. Ela ficou quietinha, só ouvindo aquela dor indo embora junto com as lágrimas que não paravam de cair.
De repente, seus olhos se encontraram. Ele entendeu para que serviam os braços. Serviam para ajudar o outro a não sentir solidão, para consolar, acalmar, aliviar e compartilhar a dor e também a amizade.
E os dois saíram abraçados pela escola. Os professores olhavam espantados para o menino que não sabia abraçar.
Lá no portão, a mãe o estava esperando no carro e, quando olhou no banco do passageiro, viu o pai.
Abriu um sorriso e jogou-se nos braços dele, assustando-o. Percebeu, pela primeira vez, que havia um braço livre que não estava com gesso e com nenhuma outra coisa ‘importante’. Sentiu uma vontade estranha subindo pelo coração, explodindo em choro e sorrisos. A mãe se juntou a eles e a menina também.
Nunca mais o menino que não sabia abraçar ficou sem um abraço.
E a partir desse dia, todos entenderam que há muitas utilidades para nossos braços e mãos, mas a principal delas é para sentir que, mesmo estando em duas ou três pessoas, podemos ser apenas um.


Contos Infantis, Fernanda Macahiba


O Leão e o Ratinho



Um leão, cansado de tanto caçar, dormia espichado à sombra de uma boa árvore. Vieram uns ratinhos passear em cima dele e ele acordou.
Todos conseguiram fugir, menos um, que o leão prendeu debaixo da pata.
Tanto o ratinho pediu e implorou que o leão desistiu de esmagá-lo e deixou que fosse embora.
Algum tempo depois, o leão ficou preso na rede de uns caçadores. Não conseguia se soltar, e fazia a floresta inteira tremer com seus urros de raiva.
Nisso, apareceu o ratinho. Com seus dentes afiados, roeu as cordas e soltou o leão.
Uma boa acção ganha outra.

Açai



Há muito tempo atrás, quando ainda não existia a cidade de Belém, vivia neste local uma tribo indígena muito numerosa.
Como os alimentos eram escassos, tornava-se muito difícil conseguir comida para todos os índios da tribo. Então o cacique Itaki tomou uma decisão muito cruel. Resolveu que a partir daquele dia todas as crianças que nascessem seriam sacrificadas para evitar o aumento populacional de sua tribo.
Até que um dia a filha do cacique, chamada Iaça, deu à luz uma bonita menina, que também teve de ser sacrificada.
Iaça ficou desesperada, chorava todas as noites de saudades de sua filhinha. Ficou vários dias enclausurada em sua tenda e pediu à Tupã que mostrasse ao seu pai outra maneira de ajudar seu povo, sem o sacrifício das crianças.
Certa noite de lua Iaça ouviu um choro de criança. Aproximou-se da porta de sua oca e viu sua linda filhinha sorridente, ao pé de uma esbelta palmeira. Inicialmente ficou estática, mas logo depois, lançou-se em direção à filha, abraçando - a . Porém misteriosamente sua filha desapareceu.
Iaça, inconsolável, chorou muito até desfalecer. No dia seguinte seu corpo foi encontrado abraçado ao tronco da palmeira, porém no rosto trazia ainda um sorriso de felicidade e seus olhos negros fitavam o alto da palmeira, que estava carregada de frutinhos escuros.
Itaki então mandou que apanhassem os frutos em alguidar de madeira, obtendo um vinho avermelhado que batizou de açai, em homenagem a sua filha (Iaça invertido). Alimentou seu povo e, a partir deste dia, suspendeu sua ordem de sacrificar as crianças.

Lenda do Brasil

19/06/2010

Oisin


Um dos poucos mortais a ser convidado para visitar Tir Nan Og foi Oisin (Isheen), filho de Finn, chefe dos legendários guerreiros fenianos da Irlanda. Um dia, os fenianos estavam caçando quando uma dama muito bonita se aproximou deles. Ela era Niamh dos cabelos dourados, filha de Manannan e acolhera Oisin, dentre todos eles, para ser seu amante. Ela lhe ofereceu montaria em seu corcel encantado e eles cavalgaram pelo reino até o mar, atravessando os topos das ondas em direção à terra encantada de Tir Nan Og, o país mais maravilhoso e o de melhor reputação sob o sol. A vista era extraordinária. Os palácios encantados apareciam sobre a superfície do mar. Em um desses palácios, Niamh pediu a Oisin para libertar uma donzela tuatha de danann que era prisioneira de um Fomor, um dos demónios das profundezas do mar. Oisin lutou contra o Fomor e libertou a moça.

Logo, eles chegaram à Terra dos Jovens e Oisin lá permaneceu com sua amada.

Muitas lendas recontam como St. Patrick encontrou Oisin, contorcendo-se no chão em sua velhice desamparada e o levou para sua casa. O santo fez o melhor que pôde para converter Oisin ao cristianismo, descrevendo as maravilhas do céu que poderia ser seu se ele apenas se arrependesse. Mas Oisin respondeu que ele não poderia conceber um paraíso que não se orgulhasse em receber os fenianos, caso eles quisessem entrar, ou um Deus que não estivesse honrado em tê-los entre seus amigos. No entanto, se esse fosse o caso, de que valeria uma vida eterna sem caçadas ou namorar mulheres bonitas? Ele preferiria ir para o inferno onde, segundo Sr. Patrick, seus camaradas fenianos agonizavam.

Lendas Celtas

Parsifal, cavaleiro da Távola Redonda

Também conhecido como Perceval ou Parzifal, era um herói gaulês, pertencente ao Ciclo Arturiano e filho de Sir Lancelot.
O seu pai e os seus dois irmãos morreram combatendo e a mãe, profundamente desgostosa, decidiu educar Parsifal na ignorância da identidade do pai e de todas as coisas da cavalaria. Parsifal cresceu forte, destro e belo, todavia com uma educação e inteligência muito deficientes. Foi mais tarde para a corte do Rei Artur depois de se juntar a um grupo de cavaleiros que encontrou. Ali, surpreende tanto pela beleza e coragem como pela incivilidade e rudeza. Derrota depois um inimigo do Rei Artur, o Cavaleiro Vermelho, e ganha o direito de se sentar na Távola Redonda.
A mais importante das suas aventuras foi a denominada Demanda - ou procura - do Santo Graal: uma vez, chega à margem de um rio demasiado largo para atravessar e quando ia voltar para trás ouve o chamamento de duas personagens que estavam num barco. Depois de subir a bordo, o barco desce o rio até um castelo que estava dissimulado pela floresta. Então, uma das pessoas que estava no barco identifica-se como sendo o rei Anfortas e diz que tinham chegado ao seu castelo Corbenic. Justifica a sua presença no barco dizendo que estava ferido e não podia caçar, por isso entretinha-se a pescar.
A meio do banquete que o rei Anfortas ofereceu a Parsifal entrou uma procissão encabeçada por um pagem que trazia uma lança a escorrer sangue, seguido por dois criados que portavam candelabros em ouro, por uma donzela que segurava um cálice resplandecente em ouro ornado com pedras preciosas e por fim por outra que levava um prato em prata. Parsifal contém-se e nada pergunta, por conselho de Gornemant, um sábio.
Quando se levanta na manhã seguinte Parsifal encontrou o seu cavalo e as suas armas preparados para a viagem, estando o castelo deserto. Partiu então, e ao terceiro dia depois da sua chegada à corte de Artur aparece uma mulher que acusa Parsifal de nada perguntar sobre a procissão que vira no banquete e por isso de ser causador de tremendas infelicidades. Sem o saber vira o Santo Graal. Então, o cavaleiro propõe-se o objectivo de voltar a Corbenic e perguntar ao rei Anfortas qual o significado da procissão.
Passou por muitas aventuras na Demanda do Graal, até que um dia, depois muitos anos, viu um grupo de cavaleiros descendo loucamente a encosta de uma montanha, entre os quais estavam alguns da Távola Redonda. Ao cruzar-se com uma donzela que fugia, esta disse-lhe para não subir a encosta sob pena de perder a vida ou a razão.
De imediato Parsifal se encaminha para o cume, onde depois de várias provações encontra finalmente Corbenic. Repetiu-se a acolhedora recepção que tinha tido da primeira vez, e quando chegou a altura da procissão perguntou ao rei Anfortas qual o seu significado. O rei disse-lhe que saberia se conseguisse unir as duas partes em que estava partida uma espada. Depois de Parsifal unir os dois fragmentos ficou a saber que a lança transportada pelo pajem era a de Longinus, o soldado romano que tinha perfurado o lado de Jesus e que o cálice era o Santo Graal, taça pela qual Cristo tinha celebrado a Última Ceia e que continha o seu sangue.
O rei Anfortas explicou então que estava encarregado de guardar as relíquias mas que devido ao seu ferimento não podia cumprir a missão. O castelo estava também encantado, e para curar o rei e livrar o castelo do feitiço era preciso punir Pertinax, o cavaleiro renegado que assassinou um irmão do rei. Depois de cumprida a missão volta à corte do Rei Artur e pede para se sentar na cadeira onde só o mais imaculado dos cavaleiros se podia sentar sob pena de castigo, a Siege Perilous, ou Cadeira do Perigo. Deste modo se cumpriu a profecia que tinha feito Merlim, de que haveria um dia um cavaleiro suficientemente puro para nela se sentar.



A Raposa e as Uvas

´

Uma raposa passou em baixo de uma parreira carregada de lindas uvas.
Ficou com muita vontade de comer aquelas uvas.
Deu muitos saltos, tentou subir na parreira, mas não conseguiu.
Depois de muito tentar foi-se embora, dizendo:
— Eu nem estou ligando para as uvas. Elas estão verdes, mesmo…

Moral: É fácil desdenhar daquilo que não se alcança

Fábulas de Esopo

Lenda de Eco

Eco foi personagem principal de numerosas lendas que tinham como objectivo explicar a origem do eco.
Eco era uma ninfa, reconhecida pelo seu encanto, juventude e beleza, que vivia nas montanhas e nas grutas. Foi uma das ninfas que acompanhou a deusa Hera quando esta se casou com Zeus. Eco tinha a tarefa de distrair a atenção de Hera, com conversas e cantos, sempre que Zeus se ausentava nas suas aventuras amorosas com deusas e mortais. Quando Hera descobriu a artimanha, castigou Eco, retirando-lhe a voz e fazendo-a repetir sempre a última sílaba das palavras que eram faladas na sua presença. A ninfa Eco ficou conhecida como "aquela que não sabe falar em primeiro lugar, que não pode calar-se quando se fala com ela, que repete apenas os últimos sons da voz que lhe chega" (Ovídio, Metamorfoses).
Pouco tempo depois, Eco apaixonou-se por Narciso, mas impossibilitada de lhe confessar o seu amor e ignorada por ele, refugiou-se nas cavernas, onde morreu de desgosto e onde ainda hoje se consegue ouvir o eco da sua voz. Quanto a Narciso, este foi castigado pelos deuses por ter recusado Eco. Condenado a apaixonar-se pela sua própria imagem, Narciso morreu a olhar para o rosto reflectido nas águas de um lago.
Outra lenda conta ainda que a morte de Eco foi causada pelo deus Pã a quem ela recusou o amor. Pã mandou que os pastores matassem Eco, a desfizessem em bocados e que os espalhassem pelo mundo inteiro. Gaia, a deusa da terra, recebeu os pedaços e guardou a sua voz e o seu talento de repetir qualquer som.


18/06/2010

A Pastora e o Limpa-chaminés

Alguma vez viram um armário muito velho, enegrecido pela idade, todo esculpido com caules e folhas de trepadeiras?
Havia numa sala de estar um armário deste género que tinha pertencido à trisavó da família. Estava coberto, de cima a baixo, com rosas e túlipas esculpidas na madeira, rodeadas por grinaldas arredondadas; e, por entre tudo isso, apareciam umas cabecinhas de veados com as suas hastes.
Mas, no meio, havia uma figura de um homem — de um tipo bem estranho. Era bastante cómico, porque tinha pernas de bode, pequenos cornos na testa, uma barba comprida e um esgar peculiar, que mal podia chamar-se sorriso. As crianças da casa chamavam-lhe Brigadeiro-General-de-Brigada-Capitão-Sargento-Cabo-Pernas-de-Bode. O nome ficava-lhe bem, achavam elas, por ser difícil de dizer. Além disso, quem mais, vivo ou esculpido, teria alguma vez merecido tal título?
Seja como for, lá estava ele, com os olhos sempre voltados para a mesa por baixo do espelho, porque em cima da mesa estava uma linda pastorinha de loiça. Tinha uns sapatos dourados e um vestido enfeitado com uma rosa de loiça; tinha ainda um chapéu dourado e segurava um cajado de pastora. Oh, era realmente linda!
Mesmo a seu lado, estava um pequeno limpa-chaminés, também de loiça. Era todo preto, excepto a cara, que era cor-de-rosa e branca como a de uma rapariga; na verdade, estava tão limpo e bem arranjado como outra pessoa qualquer, porque era apenas um limpa-chaminés a fingir. O artista também podia ter feito dele um príncipe. E lá estava ele, com o seu escadote e o seu belo rosto, que não tinha uma única partícula de fuligem. E como o limpa-chaminés e a pastora tinham estado sempre junto um do outro, em cima da mesa, tinham ficado noivos, o que era a coisa mais natural do mundo. Estavam realmente muito bem um para o outro. Ambos eram jovens, ambos eram feitos do mesmo material, e cada um era tão frágil como o outro.
Não longe dali havia uma figura muito diferente, cerca de três vezes maior do que eles. Era um velho chinês, um mandarim, que abanava a cabeça. Também era de loiça, e dizia sempre que era avô da pastora. Não podia prová-lo, mas insistia em que era o seu protector, de maneira que o Brigadeiro-General-de-Brigada-Capitão-Sargento-Cabo-Pernas-de-Bode lhe pediu a mão dela em casamento, e ele consentiu, acenando.
— Aí está um belo marido para ti — disse ele à pastora. — É de mogno, tenho quase a certeza, e vais ser a Senhora Brigadeira-Generala-de-Brigada-Capitoa-Sargenta-Caba-Pernas-de-Bode. Ele é dono de um armário cheio de pratas e de outras coisas que lá tem escondidas.
— Não quero viver naquele armário escuro — disse a pastorinha. — Ouvi dizer que ele já lá tem onze mulheres de loiça.
— E tu serás a décima segunda! — retorquiu o mandarim — Esta noite, assim que o armário começar a estalar, vocês vão casar, tão certo como eu ser chinês!
E, com isto, acenou com a cabeça e adormeceu.
Mas a pastorinha começou a chorar e olhou para o seu bem-amado limpa-chaminés.
— Acho que tenho de te pedir que partas à aventura comigo — disse ela —, porque não podemos ficar aqui.
— Faço o que tu quiseres — respondeu o pequeno limpa-chaminés. — Vamos já; tenho a certeza de ser capaz de ganhar o suficiente para te manter com a minha profissão.
— Ai, se ao menos pudéssemos descer da mesa!... — exclamou ela. — Só serei feliz quando partir à aventura!
Então ele confortou-a e mostrou-lhe como devia colocar os pezinhos nos entalhes da perna da mesa. Levou o escadote para a ajudar e, por fim, encontraram-se no chão. Mas, quando olharam para o velho armário escuro, que agitação! Todos os veados esculpidos deitavam as cabeças ainda mais de fora, espetando os galhos e voltando os pescoços de um lado para o outro. E o Brigadeiro-General-de-Brigada-Capitão-Sargento-Cabo-Pernas-de-Bode estava aos pulos e a gritar, todo zangado, para o chinês:
— Estão a fugir! Estão a fugir!
Aquilo assustou os namorados, que se esconderam rapidamente na gaveta do banco da janela. Encontraram três ou quatro baralhos de cartas — nenhum deles completo — e um pequeno teatro de brincar. Estava em cena uma peça, e todas as rainhas das cartas — ouro, copas, paus e espadas — ocupavam a primeira fila, a abanar-se com as suas túlipas. Por detrás delas estavam todos os valetes com as suas cabeças, uma em cima e outra em baixo (todas as cartas de jogar são assim). A peça que estavam a ver era sobre um par de namorados a quem não deixavam casar. E a pastora começou outra vez a chorar, porque era tal e qual a história dela.
— Não suporto isto — dizia ela. — Tenho de sair desta gaveta.
Mas, quando chegaram ao chão e olharam para cima da mesa, o velho chinês tinha acordado e estava a abanar o corpo para trás e para a frente; tinha de andar assim, porque, à excepção da cabeça, era todo feito de uma só peça.
— Vem aí o velho chinês! — gritou a pastorinha.
E estava tão aterrorizada que caiu nos seus joelhos de loiça.
— Tenho uma ideia — disse o limpa-chaminés. — Vamos meter-nos ali dentro da grande jarra do canto; podemos esconder-nos entre as rosas e a alfazema e atirar-lhe sal aos olhos se ele se aproximar.
— Isso não ajuda nada — respondeu ela. — Além disso, sei que o velho chinês e a jarra já estiveram noivos; e fica sempre algum sentimento quando as pessoas foram íntimas. Não, a única coisa a fazer é partir à aventura.
— Tens realmente coragem para isso? — perguntou o limpa-chaminés. — Fazes ideia de como é o Mundo? E já pensaste que não podemos voltar para aqui?
— Sim, já pensei nisso — respondeu ela.
O limpa-chaminés deitou-lhe um olhar sério e penetrante e depois disse:
— O único caminho que conheço é pela chaminé. Tens a certeza que possuis a coragem suficiente para ires atrás de mim pelo fogão e pelo túnel escuro? É por aí que se vai para a chaminé, e depois já sei o que fazer. Trepamos tão alto que ninguém nos apanha; e, lá mesmo no cimo, há uma abertura por onde podemos sair para a nossa aventura.
E conduziu-a pela porta do fogão.
— Está muito escuro — exclamou ela.
Mas, apesar disso, foi com ele, através dos tijolos refractários e do cano da chaminé, onde estava escuro como a noite.
— Já chegámos à chaminé — exclamou ele. — Olha! Que linda estrela ali por cima de nós!
Realmente havia uma verdadeira estrela no céu por cima deles, a iluminá-los com o seu brilho, como se quisesse indicar-lhes o caminho. Lá continuaram a trepar e a rastejar, para cima, cada vez mais para cima; foi uma viagem horrível. Mas o pequeno limpa-chaminés ajudava-a sempre, mostrando-lhe os melhores sítios para ela colocar os seus pezinhos de loiça, até que por fim chegaram ao cimo da chaminé, onde se sentaram, porque estavam cansados, o que não admira.
Lá no alto estava o céu cheio de estrelas; em baixo, ficava a cidade com todos os seus telhados. Eles podiam ver até bem longe à sua volta, por esse mundo fora. A pobre pastora nunca tinha imaginado nada como aquilo; deitou a sua cabecinha no ombro do limpa-chaminés e chorou tão amargamente que o ouro da faixa da cintura desbotou.
— Isto é de mais — chorava ela. — Não aguento. O Mundo é demasiado grande. Oh, quem me dera estar outra vez na mesa debaixo do espelho! Só serei feliz outra vez quando voltar para lá. Vim contigo, mas, se realmente gostas de mim, leva-me para casa.
O limpa-chaminés falou calmamente com ela; recordou-lhe o chinês e o Brigadeiro-General-de-Brigada-Capitão-Sargento-Cabo-Pernas-de-Bode, mas ela continuava a chorar, desesperada, e beijava-o e agarrava-se a ele, até que este acabou por ceder, apesar de ser uma patetice.
Então, tornaram a rastejar pela chaminé, desta vez para baixo — uma tarefa dura e perigosa; esgueiraram-se pelo cano (uma das piores partes da viagem) e, por fim, chegaram à caverna escura do fogão. Ficaram encostados à porta durante um bocadinho, para ouvirem o que se passava na sala. Tudo parecia bastante calmo, de maneira que espreitaram — mas, oh!, mesmo no meio do chão estava o chinês! Ao tentar correr atrás deles, tinha caído da mesa, e agora estava feito em três pedaços — a parte de trás, a parte da frente e a cabeça, que tinha rebolado para um canto. O Brigadeiro-General-de-Brigada-Capitão-Sargento-Cabo-Pernas-de-Bode estava no seu lugar de sempre, absorto em pensamentos.
— Que horror! — exclamou a pastorinha. — O meu pobre avô está todo partido e a culpa é nossa. Nunca hei-de esquecer isto!
E torcia as mãozinhas.
— Pode muito bem ser consertado — afirmou o limpa-chaminés. — É fácil. Vá, não fiques tão preocupada. Depois de ser colado e de lhe porem um gato no pescoço, fica como novo, e ainda vai dizer-te muitas coisas aborrecidas.
— Achas que sim? — perguntou ela.
E treparam para a mesa onde sempre tinham estado.
— Bem, fartámo-nos de andar — suspirou o limpa-chaminés —, e cá estamos de novo no mesmo sítio. Podíamos ter poupado a viagem.
— Ai, quem me dera que o meu avô já estivesse consertado! — disse a pastora. — Achas que vai ser muito caro?
O chinês foi consertado. A família mandou colar os pedaços e pôr um gato no pescoço; ficou como novo, mas já não abanava a cabeça.
— Estás muito importante desde que te partiste! — disse-lhe o Brigadeiro-General-de-BrigadaCapitão-Sargento-Cabo-Pernas-de-Bode. — Mas por que é que estás tão orgulhoso? Responde-me! Posso ou não ficar com a pastora?
O limpa-chaminés e a pastora olharam ansiosamente para o velho chinês, com medo que ele acenasse com a cabeça. Mas ele não conseguia e também não queria admitir que lhe tinham posto um gato no pescoço. E assim os namoradinhos de loiça ficaram juntos e continuaram a amar-se, na maior felicidade, até se partirem.


Hans Christian Andersen




17/06/2010

Guinivere



Guinevere (Gwenwyfar ou Gwen) e Lancelot são duas personagens muito importantes em toda essa lenda de Camelot. De um lado, a grande rainha e mulher de Arthur, o mais justo dos reis, e, do outro lado, o grande herói, o melhor cavaleiro, o chefe da cavalaria real: Sir Lancelot. Esse amor nasceu de uma visita de Lancelot ao reino do pai de Guinevere para cogitar se a herdeira daquele reino era digna de se sentar ao lado do grande rei da Bretanha, Arthur. Os dois se olharam e trocaram sorrisos, e a partir daí nasceu o amor tão comentado e polêmico que decreta a ruína de Camelot. Depois de muitos anos, Lancelot se casa e some de vez do reino de Arthur, mas, com o retorno do grande cavaleiro à Camelot, Gwen e Lancelot voltam a se encontrar e, guiados por Mordred , os Cavaleiros da Távola Redonda armam uma emboscada afim de desmascarar toda essa traição ao seu grande Rei. Lancelot é descoberto, e numa luta contra os cavaleiros ele acaba fugindo, mas antes mata Gareth, o filho de Morgause e o maior fã de Lancelot, que o tinha como um filho. Arthur descobre, manda Gwen para um convento e decreta a expulsão de Lancelot de seu reino. Existe uma outra versão que diz que Arthur condenou Gwen à fogueira e Lancelot veio em seu auxílio e a livrou da morte lutando com muitos soldados do Rei e decretando guerra a Arthur, mas isso é por mim visto como muito romântico e fantasioso, cabe ao leitor acatar a versão da lenda que lhe é mais apropriada, lembrem-se que o meu objectivo é narrar os fatos e não impor qual é o certo e o errado. Por fim, Gwen acaba voltando para Camelot depois de um pedido de perdão de Lancelot e a sua promessa de nunca mais voltar ao reino de Arthur enquanto os dois viverem.

O Patinho Feio




Estava muito agradável no campo. O ar rescendia a Verão; o milho estava amarelo; a aveia estava pronta a ser ceifada; as medas de feno nos prados pareciam pequenas colinas de erva e a cegonha passeava por cima delas com as suas longas pernas vermelhas. A toda a volta dos campos havia bosques e florestas com fundos lagos de água fresca. Sim, estava mesmo muito agradável no campo. E, brilhando ao sol, podia ver-se uma velha mansão rodeada por um fosso. Grandes folhas de azedas cresciam nas paredes até à água; algumas eram tão grandes que uma criança podia ficar de pé debaixo delas. À sombra podia-se até pensar que se estava numa florestazinha secreta e primitiva.
Era aí que uma pata chocava os seus ovos no ninho. Porém, já estava a ficar bastante farta, porque os patinhos nunca mais apareciam; quanto a visitas, quase não as tinha; os outros patos preferiam nadar no fosso a ir ter com ela debaixo das grandes folhas para conversar.
Por fim, os ovos começaram a estalar, um a seguir ao outro.
— Pip, pip!
O ninho ficou cheio de avezinhas que deitavam as cabeças fora das cascas.
— Quac, quac! — disse a mãe. — Depressa, depressa! E as criaturinhas saíram o mais depressa que puderam e olharam à sua volta, no abrigo de folhas verdes; e a mãe deixou-as olhar à vontade, porque o verde faz bem aos olhos.
— Como o mundo é grande! — disseram os pequenos.
É claro que agora tinham muito mais espaço do que dentro dos ovos.
— Pensam que o mundo é só isto, seus patetas? — perguntou a mãe. — Ora! O mundo estende-se muito para além do outro lado do jardim, mesmo até ao campo do vigário. Embora, verdade seja dita, eu nunca tenha lá estado. Já cá estão todos, não estão? — Levantou-se do ninho. — Não, tu ainda não. Ainda falta o ovo maior. Quanto tempo demorará ainda? Estou mesmo farta disto, se querem saber.
E lá tornou a deitar-se.
— Bem, que tal vão as coisas? — perguntou uma velha pata que veio visitá-la.
— Este ovo está a demorar um tempo horrível — disse a mãe pata. — Não há meio de estalar! Mas olhe para os outros! São os patinhos mais bonitos que já vi, tal e qual o pai, aquela peste, que nunca vem visitar-me!
— Deixe lá ver o ovo — disse a velha pata. — Ah! Acredite no que lhe digo, isso é um ovo de peru. Uma vez aconteceu-me a mesma coisa e nem calcula o trabalho que tive com os miúdos! Como eram perus, tinham medo da água, e não consegui metê-los lá. Deixe ver. É, é um ovo de peru. Deixe-o ficar e vá ensinar os outros a nadar.
— Bem, vou aguentar um pouco mais — respondeu a pata. — Já aqui estou há tanto tempo que mais vale acabar o trabalho.
— Está bem, faça como quiser — respondeu a velha pata, e foi-se embora.
Por fim, o grande ovo estalou.
—Pip, pip! — disse o jovem, saindo cá para fora.
Mas que grande e que feio que ele era! A mãe olhou para ele.
— Que grande patinho! — pensou. — Será mesmo um peru? Bem, já vamos ver; há-de ir para a água, nem que eu tenha de o empurrar.
No dia seguinte, o tempo estava lindo, e a mãe pata saiu com todos os filhos e desceu até ao fosso, onde mergulhou.
— Quac, quac! — chamou ela.
E, um atrás do outro, os patinhos saltaram para a água. Ficaram com as cabeças debaixo de água, mas vieram logo à tona, e em breve nadavam afanosamente. As suas patinhas mexiam-se naturalmente, e lá estavam todos — até o feio cinzento nadava com os outros.



— Não, isto não é um peru! — exclamou a mãe. — Que bem que ele usa as patas e que direito que nada. É meu filho, isso não há dúvida. Realmente, é bem bonito, se virmos bem. Quac, quac! Venham comigo, meninos; venham conhecer o mundo e as outras aves da quinta; mas fiquem perto de mim, para ninguém os pisar. E cuidado com o gato!
E lá foram para o pátio da quinta. Aí havia um barulho horrível e grande agitação, porque duas famílias discutiam por causa da cabeça de uma enguia — e afinal quem a apanhou foi o gato.
— O mundo é assim — disse a mãe pata.
Ficou com água no bico, porque também ela teria gostado de apanhar a cabeça da enguia.
— Vá, usem as pernas; despachem-se e façam uma vénia à velha pata que está ali! E a pessoa mais importante da quinta; os antepassados dela vieram da Espanha e, como vêem, tem um pedacinho de pano vermelho atado a uma pata. Isso é uma coisa muito especial: significa que ninguém a pode matar e que tanto os homens como os animais têm de a tratar com respeito. Venham! Não metam os pés para dentro! Um patinho bem educado anda com os pés bem afastados, como o pai e a mãe. Vá! Façam uma vénia e digam: «Quac!».
Os patinhos fizeram o que ela lhes disse, mas os outros patos do pátio olharam para eles e disseram em voz alta:
— Lá vamos ter de aturar estes, como se já não fôssemos bastantes! E, meu Deus!, que patinho tão esquisito aquele! Não o queremos com certeza por aqui.
E um pato esvoaçou em direcção ao patinho cinzento e deu-lhe uma bicada no pescoço.
— Deixa-o em paz — disse a mãe. — Ele não está a incomodar ninguém.
— Pois não, mas é muito grande e tem um ar esquisito — respondeu o pato que o tinha bicado. —Tem de ser metido na ordem.
— Bela família — comentou a velha pata com o paninho vermelho à volta da perna. — Os patinhos são todos bonitos, excepto aquele, não pode ser. Se ao menos a mãe pudesse tornar a fazê-lo!
— Isso é impossível, Vossa Senhoria — disse a mãe pata. — É verdade que não é bonito, mas tem bom feitio e nada tão bem como os outros. Atrevo-me até a dizer que, quando for crescido, é capaz de vir a ser mais bonito e talvez, com o tempo, um pouco mais pequeno. Ficou tempo de mais dentro do ovo e foi isso que lhe estragou o aspecto. — Ajeitou-lhe a penugem do pescoço e alisou-lhe uma penita ou outra. — Além disso — acrescentou —, é um pato, por isso não tem muita importância se é bonito ou feio. É saudável, tenho a certeza, e há-de vingar neste mundo.
— Seja como for, os outros patinhos são encantadores — retorquiu a velha pata. — Bom, estejam à vontade, e se encontrarem uma cabeça de enguia podem trazer-ma.
Isto foi o primeiro dia; depois, a sina do patinho cinzento piorou. Que infeliz se sentia por ser tão feio! Era perseguido por todos. Os patos tentavam dar-lhe bicadas; as galinhas também; e a rapariga que dava de comer aos animais empurrava-o com o pé. Até os irmãos e as irmãs estavam contra ele e diziam:
— Feio! Era bem feito que o gato te apanhasse!
A mãe também dizia em voz baixa:
— Quem me dera que estivesses longe...

E então ele foi-se embora. Primeiro, voou por cima da sebe — e os passarinhos nos arbustos voaram alarmados.
«É por eu ser tão feio», pensou o patinho, fechando os olhos.
Mas continuou o seu caminho. Por fim, chegou aos charcos onde vivem os patos bravos e ficou lá deitado toda a noite, porque estava muito cansado e triste.
De manhã, os patos bravos apareceram e observaram o seu novo companheiro.
— Que espécie de criatura és tu? — perguntaram.
O patinho virou-se para cada um e cumprimentou-os o mais amavelmente que pôde.
— És mesmo feio, lá isso és! — disse um pato bravo. — Mas isso pouco importa, desde que não cases com nenhuma das nossas filhas.
Pobrezinho do patinho. A ideia de casar nem sequer lhe tinha vindo à cabeça. Tudo o que queria era deitar-se e descansar nos juncos e beber um pouco da água do charco.
Ali ficou durante dois dias, até que apareceram dois gansos selvagens — dois jovens machos. Também tinham nascido há pouco, mas eram muito vivos e descarados.
— Olá, amigo — disseram. — És tão feio que gostamos de ti. Que tal vires connosco quando voarmos para mais longe? Num charco perto daqui há umas lindas gansas, belas raparigas, com um «quac!» que vale a pena ouvir. Com o teu aspecto esquisito pode ser que tenhas sorte com elas.
Nesse momento ouviu-se «bang!, bang!» e ambos os alegres gansos caíram mortos nos juncos. A água ficou vermelha de sangue. Outra vez «bang!, bang!» — e um bando de gansos selvagens levantou voo dos juncos. Era uma grande caçada. Os desportistas estavam a toda a volta do charco; alguns estavam mesmo empoleirados nas árvores. Fumo azul subia como nuvens dentro e fora dos ramos escuros e ficava a pairar sobre a água. Os cães faziam tchac!, tchac!, pela lama, esmagando os juncos. O pobre patinho estava aterrorizado; quando tentava precisamente esconder a cabeça debaixo da asa um cão enorme e assustador parou em frente dele com a língua de fora e os olhos a brilharem de uma maneira horrível. Encostou o focinho ao patinho, arreganhou os dentes aguçados e depois — tchac!, foi-se embora sem lhe tocar.
— Oh, graças a Deus! — suspirou o patinho. — Sou tão feio que até o cão pensa duas vezes antes de me morder. E ficou muito quieto enquanto ouvia os tiros, um após outro, guincharem e troarem pelos juncos. O dia já ia longo quando o barulho parou; mas a pobre criatura nem então se atreveu a mexer-se. Por fim, levantou a cabeça, espreitou cautelosamente em redor e apressou-se a fugir do charco tão depressa quanto pôde. Correu por campos e prados, mas o vento soprava tão forte contra ele que era difícil avançar.

Perto da noite, chegou a um casinhoto miserável; estava em tal estado que nem sabia para que lado havia de cair, de modo que continuava de pé. O vento soprava com tanta força que o patinho teve de se sentar para não ser levado por ele, mas o vento parecia ficar cada vez mais forte. Então notou que a porta já não tinha uma dobradiça e estava pendurada de tal modo que ele conseguia esgueirar-se lá para dentro, e foi isso mesmo que fez.
No casinhoto vivia uma velhota com um gato e uma galinha. O gato, a quem ela chamava Filhinho, sabia arquear as costas e fazer ronrom; também fazia faíscas, mas só quando lhe faziam festas ao contrário. A galinha tinha umas pernitas curtas e por isso chamava-se Pinta-Pernas-Curtas. Punha muitos ovos, e a velhota gostava dela como se fosse sua filha.
Quando amanheceu, repararam logo no estranho pequeno visitante. O gato começou a fazer ronrom, e a galinha a cacarejar.
— O que é que aconteceu? — perguntou a velhota, olhando a toda a volta.
Mas já não via muito bem, de modo que tomou o pequeno recém-chegado por uma pata adulta.
— Ora isto é que é sorte! — exclamou ela. — Agora vou ter ovos de pata... desde que não seja um pato. Bem, veremos...
E o patinho ficou à experiência durante três semanas, mas não apareceram ovos.
O gato era o senhor da casa, e a galinha a senhora. Passavam a vida a dizer «Nós e o mundo...», porque pensavam que eram metade do mundo e, claro, a metade melhor. O patinho achava que podia haver outras opiniões sobre o assunto, mas a galinha não queria ouvir falar nisso.
— Sabes pôr ovos? — perguntou. — Não? Então, faz o favor de guardar as tuas opiniões para ti próprio!
O gato perguntou:
— Sabes arquear as costas e fazer ronrom ou soltar faíscas? Não? Então o melhor que tens a fazer é ficares calado quando as pessoas sensatas estão a falar.
De maneira que o patinho se sentava a um canto e aborrecia-se. Vinham-lhe à ideia pensamentos sobre o ar livre e o sol, e depois uma saudade extraordinária de flutuar na água. Por fim, não pôde deixar de falar nisso à galinha.
— Que ideia tão disparatada! — exclamou ela. — O teu mal é não teres nada que fazer; por isso é que tens essas fantasias. Põe mas é uns ovos ou tenta fazer ronrom que isso passa-te.
— Mas é tão delicioso flutuar na água — disse o patinho. — É tão bom baixar a cabeça e mergulhar até ao fundo!
— Deve ser óptimo! — disse a galinha sarcasticamente. — Não deves estar bom da cabeça! Pergunta ao gato, que é a pessoa mais inteligente que conheço, se ele gosta de flutuar na água ou de mergulhar até ao fundo. Não faças caso da minha opinião; pergunta à nossa dona, a velhota: não há ninguém mais sábio no mundo inteiro. Achas que ela quer flutuar ou meter a cabeça dentro de água?
— Não compreendes... — disse o patinho tristemente.
— Bem, se nós não te compreendemos, ninguém compreenderá. Nunca saberás tanto como o gato ou a velhota, para já não falar de mim. Não tenhas peneiras, miúdo, e agradece as coisas boas que te têm acontecido. Não encontraste um quarto quente e companheiros elegantes, com quem podes aprender muito se prestares atenção? Mas tu só dizes disparates; nem sequer és uma companhia alegre. Acredita que o que te digo é para teu bem. Vá, faz um esforço e põe uns ovos ou, pelo menos, aprende a fazer ronrom e a deitar faíscas.
— Acho que o melhor é ir por esse mundo fora — respondeu o patinho.
— Então vai — exclamou a galinha.



E o patinho lá foi. Boiou na água e mergulhou; mas parecia-lhe que os outros patos não faziam caso dele por ele ser feio.
Até que chegou o Outono: as folhas do bosque ficaram castanhas e amarelas; o vento apanhava-as e fazia-as rodopiar como loucas; até o céu parecia gelado; as nuvens pairavam, pesadas com granizo e neve, e o corvo, empoleirado numa sebe, gritava «crá, crá» por causa do frio. Só de olhar para aquilo ficava-se logo a tremer. Foi um tempo difícil também para o patinho.
Uma tarde, com o céu avermelhado pelo pôr do Sol, um bando de grandes aves maravilhosas ergueu-se dos juncos. O patinho nunca tinha visto aves tão belas. Eram de um branco brilhante, com longos pescoços graciosos — na verdade, eram cisnes. Emitindo um estranho som, abriram as esplêndidas asas e voaram para longe, para terras mais quentes e lagos que não gelavam. Voaram até bem alto e o patinho feio ficou muito excitado; andava à roda, à roda, na água, e chamou-os com uma voz tão alta e estranha que até ele próprio se assustou. Oh, nunca esqueceria aquelas aves maravilhosas, aquelas aves felizes! Assim que a última desapareceu, mergulhou mesmo até ao fundo e, quando voltou de novo à superfície, estava excitadíssimo. Não sabia como se chamavam as aves; não sabia de onde tinham vindo nem para onde voavam — mas sentia-se mais atraído por elas do que por qualquer outra coisa.
No Inverno ficou ainda mais frio. O patinho tinha de nadar às voltas na água para esta não gelar, mas cada noite a parte sem gelo se tornava mais pequena. Depois, tinha de bater com os pés a toda a hora, para quebrar a superfície; por fim, acabou por ficar estafado. Parou e depressa gelou completamente.
De manhã cedo apareceu um camponês. Vendo a ave, foi até lá, partiu o gelo com os socos de madeira e levou-a para casa, para a mulher. Pouco tempo depois, o patinho reanimou-se. As crianças queriam brincar com ele, mas ele julgava que queriam fazer-lhe mal e, assustado, voou para dentro da selha do leite. O leite salpicou a sala toda; a mulher deu um grito e deitou as mãos à cabeça; depois, o patinho voou para dentro da cuba da manteiga, depois para o barril da farinha, e depois saiu. Meu Deus, que espectáculo! A mulher, ainda aos gritos, atirou-lhe o atiçador da lareira; as crianças, rindo e guinchando, caíam umas por cima das outras, tentando apanhar o patinho. Felizmente, a porta estava aberta; lá foi ele a correr para os arbustos e para a neve recém-caída e aí ficou meio entontecido.
Mas seria demasiado triste contar-vos todas as dificuldades e infelicidades por que ele teve de passar durante aquele Inverno cruel. Um dia, estava a tentar aconchegar-se entre os juncos do charco quando o Sol começou a enviar novamente raios quentes; as cotovias cantavam; que maravilha! Tinha chegado a Primavera. O patinho ergueu as asas. Pareciam mais fortes do que antes, e levaram-no velozmente para longe; antes de perceber o que estava a acontecer, encontrou-se num lindo jardim cheio de macieiras em flor, com lilases perfumados que pendiam dos seus longos ramos mesmo até um riacho sinuoso. E então, mesmo em frente dele, saindo das sombras das folhas, apareceram três magníficos cisnes brancos, agitando as penas enquanto deslizavam pela água. O patinho reconheceu as maravilhosas aves e sentiu uma estranha tristeza.
— Vou voar até àquelas nobres aves, mesmo que me matem à bicada por me atrever a aproximar-me, feio como sou. Mas não me importo... é melhor ser morto por umas criaturas tão esplêndidas do que apanhar bicadas de patos e galinhas e pontapés da rapariga da quinta ou ter de aguentar outro Inverno como o último.
Voou para a água e nadou em direcção aos magníficos cisnes. Estes viram-no e vieram ter com ele a toda a velocidade, agitando a plumagem.
—Vá, matem-me — disse o pobre patinho curvando a cabeça mesmo até à água enquanto esperava pelo fim.
Mas o que é que viu ele reflectido em baixo? Observou-se bem — já não era uma desajeitada ave feia e cinzenta. Era igual às orgulhosas aves brancas ali ao pé: era um cisne!
Não interessa nascer num terreiro de patos quando se sai de um ovo de cisne.
Sentiu-se feliz por ter sofrido tantas dificuldades, porque agora dava valor à sua boa sorte e ao lar que finalmente tinha encontrado. Os majestosos cisnes nadaram à sua volta e acariciaram-no com admiração com os bicos. Umas criancinhas apareceram no jardim e atiraram pão para a água e a mais pequenina gritou alegremente:
— Há mais um!
E as outras disseram, encantadas:
— E verdade, apareceu mais um cisne!
Bateram palmas e dançaram de contentamento; depois foram a correr contar aos pais. Deitaram mais pão e bolo para a água e todos disseram:
— O novo é o mais bonito de todos. Olhem que belo que é, aquele novo!
E os cisnes mais velhos curvaram as cabeças diante dele.
Ele sentia-se muito envergonhado e escondeu a cabeça debaixo de uma asa; não sabia o que fazer. Estava quase feliz de mais, porque um bom coração nunca é orgulhoso nem vaidoso. Lembrava-se dos tempos em que tinha sido perseguido e desprezado, e agora ouvia toda a gente dizer que era a mais bela de todas aquelas maravilhosas aves brancas. Os lilases curvaram os ramos até à água para o saudarem; o Sol enviou o seu calor amigo, e a jovem ave, com o coração cheio de alegria, agitou as penas, ergueu o pescoço esguio e exclamou:
— Nunca pensei que alguma vez pudesse sentir tamanha felicidade quando era o patinho feio!


Hans Christian Andersen