18/10/2010

Era para ser




Há muitos monstros nesta história. É um aviso, a tempo. Não querendo, não conto.
Estava a apetecer-me, mas desisto. Mudo para uma história sem monstros. Pronto, acabou-se. Ele há tantas histórias por contar...
Por sinal que nesta até havia monstros simpáticos. Coitados. Que culpa tinham eles, se os enfiaram a todos na mesma história, empurrados, varridos, enxotados, expulsos, desterrados das histórias onde estão proibidos os monstros.
A monte, num grande aperto, ogres, lobisomens, monstrengos e gigantones eram um espectáculo desolador. Já não metiam medo. Quanto muito, metiam dó.
- Prestamos para nada - dizia um gigantão, com um olho só, no meio da testa. - É que ninguém, ninguém, ninguém nos liga.
E tinha razão o ciclope. Limpou uma lágrima que lhe escorria do olho único e fungou, que nem um menino amuado.
Como os monstros não se assustam uns aos outros, que préstimo tinham, ali acocorados, de cabeça baixa, a limparem as unhas, feitos monos?
- Só se fizéssemos um concurso. Elegíamos a Miss ou o Mister Monstro, que tinha de ser o mais feio de nós todos - sugeriu um lobisomem horrendo, com uma secreta esperança de ganhar. - Convocávamos a televisão e fazíamos um grande desfile.
Em resposta, um ogre, que estava perto, fez uma pavorosa careta de incredulidade.
- Concursos só se forem de beleza. A televisão não se interessa por concursos de fealdade.
Enganava-se. Este ogre estava pouco a par da programação televisiva. Não há nada mais na moda do que concursos de monstros e de monstruosidades.
Houve logo uma estação que pegou na ideia. E exigiu exclusivo.
- Preparem tudo em segredo, para que não haja fuga de informações nem copianços - recomendou o director do canal televisivo.
- Mas isso não era possível, porque estamos cá todos. Não há mais monstros por fora - disseram os monstros.
- Vocês esquecem-se de que a concorrência é terrível e bem capaz de inventar um concurso de falsos monstros - lembrou o director da estação, que sabia do que falava.
Mas, afinal, não chegou a haver concurso, para grande desolação dos monstros concorrentes. Sabem porquê? Porque não se conseguiu juntar um júri à altura.
Os jurados ou se amedrontavam ou desatavam a rir, para não se amedrontarem. Vieram levas sucessivas, à experiência, de óculos escuros, sem óculos escuros, de lenço ao pescoço, sem lenço ao pescoço, e ninguém ficou para as provas finais.
Em conclusão: os monstros voltaram ao mesmo desânimo. Se os deixassem passear, nem que fosse só um bocadinho, entrada por saída, vou ali e já venho, pelas histórias donde tinham sido expulsos, talvez arribassem, ganhassem melhor parecer, mais verdes, mais escamosos, mais peludos...
Qual quê! Ninguém os pode convidar para semelhante passeio. Até eu, que, às vezes, tenho ganas de contar histórias de monstros, sou sempre obrigado a desistir. Como agora.
Em segredo, aqui para nós, talvez volte a tentar, lá mais para diante.

António Torrado