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08/01/2011

Hóspedes indesejáveis



Depois do almoço, altura de menor movimento na estalagem, o senhor Pestana, protegido pelo balcão da entrada, lia tranquilamente o seu jornal. Às vezes dormitava, o que não era de censurar. Se, nos respectivos quartos, os hóspedes faziam a sua sesta, porque não havia o hospedeiro de fazer o mesmo?
Foi numa ocasião destas que uma vozinha sobre o balcão perguntou:
- Tem quartos livres?
O senhor Pestana levantou os olhos do jornal, mas não viu ninguém. Debruçou-se do balcão e espreitou para o outro lado, não fosse o cliente de baixa estatura. Nem sombra. ?Adormeci, foi o que foi, e já estava a sonhar com mais hóspedes", pensou, resignadamente, o senhor Pestana.
- Afinal, tem ou não tem quartos disponíveis? - voltou a perguntar a vozinha, já com alguma impaciência.
Quem tem voz, tem corpo. Para não prolongar o mistério, vamos já esclarecer que o corpo desta voz tinha o tamanho de uma pulga. Era efectivamente uma pulga a causadora da confusão.
- Pretende um quarto com vista para o lago? - perguntou o senhor Pestana, que não se perturbava por tão pouco.
- A vista é o menos - respondeu a pulga. - Mas queremos sossego.
- Queremos? - estranhou o senhor Pestana. - Quantas são?
- Vinte e cinco, contando comigo. É um grupo de excursionistas.
O senhor Pestana estava desolado. Não tinha quartos que chegassem. Mas não quis perder a oportunidade:
- Se coubessem todas em três quartos...
A pulga aceitou a sugestão. Não tencionavam demorar-se muito. Duas noites, se tanto.
- Também precisamos de instalações para o nosso transporte - lembrou a pulga. - Uma casota chega.
- Casota para a camioneta? - admirou-se o senhor Pestana.
A pulga riu-se. Tinha um riso fininho, irritante esta pulga.
- Nos nossos passeios, deslocamo-nos sempre de cão. Temos um cão privativo e muito felpudo, que nós guiamos para onde queremos.
O senhor Pestana começava a arrepender-se de ter dado hospedagem aquelas pulgas presumidas.
Na manhã seguinte, mais se arrependeu. Vieram ter com ele hóspedes antigos e respeitáveis queixar-se de que tinham dormido mal, assaltados durante a noite por cócegas e picadas esquisitas, inconvenientes. Estão a entender, não é verdade? Efectivamente, algumas excursionistas tinham-se enganado no número do quarto...
O senhor Pestana, muito incomodado, foi ter com a responsável pela excursão:
- Desculpem, mas não podem continuar cá. Está em jogo a reputação da minha estalagem.
As pulgas compreenderam a situação. Pagaram a conta e chamaram o transporte privativo, para mudarem de poiso. Quando foram fazer a contagem, eram vinte e oito.
O senhor Pestana preocupou-se:
- Como apareceram essas três a mais?
- Dizem que são inglesas - esclareceu a pulga chefe. - Parece que as viram num fox-terrier, pêlo de arame, de um ?mister" qualquer. Agora querem acamaradar connosco. Nós não nos importamos.
O senhor Pestana também não se importava. Desde que deixassem a estalagem, era-lhe indiferente, mas pelo sim pelo não, andou a espalhar insecticida por baixo das camas de todos os quartos.