31/08/2009

O anjo e a princesa



...Waft me hence to thy owu sphere,
Thy heaven or – ay, even that wit thee.

MOORE, LOVES OF THE ANGELS



Oh que choros vão no paço
Oh que lutos, que tristeza!
Morre, morre a cada instante
A nossa linda princesa.

Os físicos não se entendem,
Vão-se uns e outros vêm;
Mas o mal que ela padece
Não lho descobre ninguém.

Nos olhos que se lhe enturvam,
Já treme a luz derradeira.
Reza o ofício da agonia
Negro monge à cabeceira.

Se inda chegará a tempo
Dessas guerras dalém-mar
O bom do rei que inda possa
A sua filha abraçar!

A filha que ele ama tanto,
Única filha querida,
A menina dos seus olhos,
Bordão da cansada vida!

Pois chegou. Tanto cativo,
Tanto despojo que traz!...
Com vitórias o enganava
Fortuna, que acinte o faz.

Pelas porta do palácio
O real cortejo entrava,
Olha o rei a um lado e outro,
Nem uma voz o aclamava...

Pela filha, que não via,
Não se atreve a perguntar,
Mas ao quarto da princesa
Foi direto sem parar:

- Minha filha, minha filha !
Que tens tu, filha querida?
E ela abria os olhos turvos
Que já não têm quase vida...

«A metade do meu reino,
Da minha c’roa real,
A quem salvar a princesa,
Quem acertar c’o este mal.»

A estas palavras do pai
Meneia a pálida fronte,
Com quem diz: «Não o entendem,
Nem cura o meu mal consente.»

- «São pesares... não se sabe...»
Responde o físico-mor,
Outro mal lhe não descubro...
Só se for o mal d’amor.»

Um rubor desfalecido
Assomou na face lenta
Que já do suor da morte
Se cobria macilenta.

Os olhos que no pai tinha
Cravados desde que o viu,
Com mostras de pejo e medo
Para a terra os descaiu.

- «Não tenhas, filha, receio,
Levanta os olhos, querida;
Seja quem for, será teu:
Jurei-o por tua vida,

Seja ele ou rico ou pobre,
Seja fidalgo ou peão,
Desde já por genro o tomo,
E aqui lhe dou tua mão.»

Como quem o ultimo esforço
De doce mágoa fazia,
Com inefável brandura
Os olhos ao pai erguia;

Suave longo suspiro
Dentre os lábios lhe fugiu...
Era a vida que passava,
Que sem dor se despediu.

Foram para a amortalhar,
No peito um sinal lhe achavam
De letras que ninguém leu,
Que estranhas formas tomavam.

Sete sábios são chamados
Para haver de as decifrar:
Cada um sete línguas sabe,
Não nas podem soletrar.

Só o mais velhos dos sete,
Que andara na Palestina,
Disse: - «Outras letras como estas
Eu já vi numa ruína,

«Junto dos cedros do Líbano,
Já no meio entre a terra e o céus,
Do tempo que às filhas do homem
Falavam anjos de Deus.

«Mas lê-las não sei nem posso:
Nem que soubesse, o fizera:
Segredos são de outro mundo
Que, neste, Deus não tolera.»

No alto daquele monte
Um alto cedro nasceu;
Ou anjos o semearam,
Ou foram aves do céu.

Que ali cresceu de repente,
De uma noite para um dia;
E outro igual em todo o reino
Como aquele não havia;

Foi à noite que a princesa
Ali veio a sepultar;
Era um sítio seu querido
Donde soia de estar,

Aonde horas esquecidas,
Sòzinha, de quando em quando,
Com as estrelas do céu
Parecia estar falando;

E onde, uma noite sem lua
Que as estrelas mais bilhavam,
Houve quem visse nos ares
Umas roupas que alvejavam,

E descer a pouco e pouco,
E ao pé da infanta parar
Um vulto... visão... ou sombra...
Mas sombra de luz sem par:

E foi desde aquela noite
Que a não viu mais rir ninguém.
Anjo era o que lhe falava...
Mas se Deus... ou de quem?...


Romanceiro, Almeida Garrett

O lenhador e Mercúrio

AO CAVALHEIRO DE BOUILLON


Vosso gosto, Senhor cavalheiro,
A este livro de norma serviu;
Meu desvelo em ganhar-vos o voto
A vitória, por fim, conseguiu.

Não quereis vãos ornatos no estilo,
Grande apuro, excessivo limar;
Eu também; não me aprazem requintes:
Muito esmero não pode agradar.

Tudo estraga o poeta, se emprega
Em seus versos cuidado demais;
Não dispenso, porém, certos lances,
Que aprecio e vós mesmo prezais.

Quanto ao alvo, que Esopo fitara,
Menos mal tenho-o sempre atingido;
Se não logro instruir, deleitando,
Valha o pouco por mim conseguido.

Eu, que nunca me dei por valente,
Se não zurzo deveras o vício
Com a clava de Alcides, — ao menos,
Do ridículo o jogo ao flagício.

Nisto só apurei meu engenho;
Se é bastante o que fiz, não no sei;
Quantos quadros de torpes defeitos
Com pincel verdadeiro esbocei!

Uma vez era a estulta vaidade,
De mãos dadas com a inveja aborrecida;
— Duas molas reais em que volve,
Pelos tempos que vão, nossa vida.

Essas pechas, que a gente degradam
Figurei no mesquinho animal,
Que, na altura e no grande tamanho,
Quis de um boi arvorar-se em rival.

Pus, às vezes, em dúplice imagem,
As virtudes dos vícios em face;
— O bom senso ante a fofa estultícia,
O cordeiro ante o lobo rapace;

Acheguei a formiga da mosca;
Sendo assim convertido o meu verso
Em comédia, que encerra cem atos,
E que tem por cenário o universo.

Fazem nela homens, deuses e brutos
O papel que a verdade requer;
Jove até nos desfila ante os olhos,
Fala em cena como outro qualquer.

Trato agora do filho de Maia
Que do céu traz recados às belas;
Mas vem hoje em caráter mais sério;
Não é caso de tais bagatelas.

Um mateiro perdera o machado,
Que lhe dava a ganhar o seu pão.
Seus queixumes, que d'alma nasciam,
Excitavam geral compaixão.

Seu machado! Era tudo o que tinha;
Nem dispunha de mais ferramenta.
Não sabendo onde pôr a esperança,
Deste modo, a chorar, se lamenta:

"Meu machado, meu pobre machado!
Dá-me, Jove, o machado, outra vez!
Eu direi que foi mais um milagre,
Que a bondade celeste me fez".

Nas olímpicas moradas
Foi ouvido este clamor.
"Conheces bem teu machado?
(Diz Mercúrio ao lenhador).

Não está perdido e creio
Tê-lo aqui perto encontrado."
E, isto dizendo, mostrou-lhe
De ouro luzente um machado.

"Não é este." — Outro, de prata,
Mercúrio lhe apresentou.
"É outro; não quero o alheio!"
(O lenhador exclamou).

Afinal, um de madeira
O nume lhe ofereceu.
"Este mesmo é que eu perdera;
Este agora, sim, é meu!"


MERCÚRIO
"A boa fé que mostraste,
Galardão merece ter;
Todos estes três machados
Ficarão em teu poder."

"Aceito (volve o inateiro);
Mil vezes agradecido."
Foi o caso, em poucos dias,
Nos arredores sabido.

Eram sem conta os lenheiros,
Que a ferramenta perdiam;
E aos céus, lha restituíssem,
Em altos brados pediam.

Não sabendo o rei dos deuses
A qual deles acudir.
Mandou, de novo, Mercúrio
Tantos reclamos ouvir.

Mostrando o machado de ouro:
"É meu!" cada qual lhe disse.
Responder doutra maneira
Julgam chapada tolice.

Mercúrio a tais embusteiros
Não faz do machado entrega;
Mas com ele um grande golpe
Na fronte lhes descarrega.

Abandonando a impostura,
E a vil mentira também.
Cada um no mundo viva,
Satisfeito do que tem.

Há quem busque pela fraude
Usurpar os bens alheios;
Embalde; a Deus não se ilude
Por esse ou por outros meios.

Barão de Paranapiacaba (Trad.)

30/08/2009

Isa e os Cépticos

O Mestre Jalaludin e outros contam que, certo dia, Isa, o filho de Míriam, caminhava pelo deserto próximo de Jerusalém com um grupo de pessoas nas quais a cobiça ainda estava muito enraizada. Rogaram a Isa qua lhes revelasse o Nome Secreto com que ele revivia os mortos. E ele respondeu:
- Se lhes disser, abusarão dele.
- Estamos prontos e preparados para receber tal conhecimento; além do mais, irá reforçar nossa fé - foi a resposta dos que acompanhavam Isa.
- Não sabem o que estão pedindo - replicou Isa, mas lhes disse qual era a Palavra.
Pouco depois, aquelas pessoas seguiam por um lugar deserto quando depararam com um monte de osso descarnados.
- Testemos a Palavra - disseram uns aos outros. E assim fizeram.
Mal a Palavra foi pronunciada, os ossos se recobriram de carne e se transformaram novamente numa voraz besta selvagem que os destroçou. Os que forem dotados de razão compreenderão. Aqueles que a possuem em dose reduzida podem instruir-se por meio deste relato.


28/08/2009

A mulher sem mãos

Era uma vez uma linda menina que vivia feliz com seus pais, mas sua mãe morreu quando ela tinha apenas quatro anos. Algum tempo depois, seu pai casou-se novamente, mas sua nova esposa tinha ciúmes da menina e tornava sua vida muito difícil.
A menina cresceu e se tornou uma linda donzela o que levou sua madrasta a odiá-la ainda mais.
Assim, a esposa começou a levar ao marido intrigas sobre sua filha, e aos poucos fez com que o coração dele se voltasse contra a moça.
Logo após a jovem completar quinze anos, a madrasta ameaçou o marido dizendo: - Não posso continuar a viver com sua filha malvada! Vou abandoná-lo!
O marido suplicou que ela ficasse. Então, livre-se de sua filha, ela exigiu. Ele prometeu fazê-lo e elaborou um plano. Convidou a filha para acompanhá-lo numa festa, lhe deu um lindo quimono para vestir. Ela ficou muito contente, mas ao mesmo tempo intrigada, quando o pai a conduziu até a floresta.
- Onde é a festa?, ela perguntou.
- Um pouco mais adiante, ele respondeu.
Então, no meio da floresta, ele parou para almoçarem e a filha caiu no sono. Era o momento que o pai esperava. Pegou um machado que levara, aproximou-se e decepou-lhe as mãos. A jovem acordou e gritou de dor.
- Pai, o que está fazendo?
Ele, rapidamente afastou-se dali e abandonou a pobre moça.
Completamente sozinha, ela rastejou até um riacho e lavou os cotos. Sem lugar para ir, permaneceu na mata, colhendo frutas com os dentes e dormindo no chão.
Um dia, um lindo rapaz foi caçar na floresta. Encontrou a jovem sem mãos e ficou surpreso. Você é um demônio ou fantasma?
Não, ela respondeu, sou uma jovem abandonada. Mas nada disse sobre o pai. O rapaz ficou com pena dela, colocou-a em seu cavalo e levou-a para casa. Encontrei essa criatura na floresta, disse para a mãe. A mulher acolheu a moça sem mãos em sua casa, deu-lhe roupas limpas e refeita a jovem mostrou como era linda e o rapaz caiu de amores por ela. Propôs que se casassem e ela aceitou.
A jovem estava esperando um filho quando o marido teve que partir para uma demorada viagem . Ele confiou a esposa à sua mãe. Cuide dela como se fosse de mim. Cuidarei, disse a mãe. Eu a amo tanto quanto você.
A jovem deu à luz um lindo menino. A avó logo escreveu ao filho contando e dizendo que a esposa passava bem e esperava ansiosa o seu regresso. Pediu a um mensageiro para levar a carta ao filho. Ele andou o dia todo e, já muito cansado, bateu em uma casa pedindo água. Uma mulher deu-lhe de beber e começou a conversar, perguntando onde ele ia com tanta pressa?
Estou levando uma notícia importante para o filho de uma senhora. A nora dela, a mulher sem mãos, deu à luz um menino e ela quer que o filho saiba.
A dona da casa era a madrasta má, e no mesmo instante, ela se deu conta de que a enteada não morrera na floresta. Cheia de ódio pensou num plano. Deu muito vinho ao rapaz, até que ele dormisse e aí abriu a sacola dele e retirou a carta que ele levava e trocou por outra escrita por ela. Disse que a esposa dera à luz um monstro horrível. O que faço? Colocou a carta na sacola e quando o rapaz acordou ela deu-lhe um prato de comida e ele seguiu viagem.
Passe aqui quando voltar, disse ela ao rapaz.
Ao receber a carta o marido leu com horror, e respondeu. Por favor, cuide de minha esposa e de meu filho, seja qual for a aparência dele. Voltarei assim que puder.
O mensageiro voltou e parou na casa da madrasta esperando beber mais vinho. Ela serviu-lhe mais vinho, até ele cair no sono. Pegou a resposta e mudou por outra. Livre-se de minha esposa e de meu filho, não quero ter monstros em minha família. Não voltarei se eles ficarem aí!
Quando o mensageiro entregou a carta à mãe do rapaz, ela ficou incrédula. Mas isso não pode ser! Meu filho não mandaria embora a esposa e o filho! Perguntou ao mensageiro se era essa carta mesmo, e se ele não parou em lugar nenhum.
Não, disse ele.
A mãe resolveu esperar o filho voltar, mas conforme o tempo poassava, ela começou a temer que ele não voltaria mais. Mostrou a carta à nora e ela ficou com o coração partido, mas disse: - Se meu marido não me quer , não ficarei aqui!
As duas choraram muito ao despedir-se e a moça sem mãos partiu com uma sacola às costas onde seu filho estava. A coitada não tinha para onde ir e voltou para a floresta. Estava com sede e ajoelhou-se para beber num riacho, mas inclinou-se demais e o bebê começou a deslizar de sua costas. Socorro! Socorro! Ela gritava, mas não tinha mãos para pegá-lo e o bebê caiu na água do riacho. Ela mergulhava os braços, desesperadamente na água para tentar salvar o filho. De repente, suas mãos reapareceram e ela segurou o filho e o salvou.
Meu filho está salvo e minhas mãos voltaram a ser como antes!, exclamou ela feliz. Ajoelhou-se e agradeceu.
Nesse ínterim, o marido voltou para casa e ficou chocado ao descobrir que a esposa partira com o filho deles. A mãe disse: - foi você mesmo quem mandou que isso fosse feito! O que a senhora está dizendo!, mas logo perceberam que alguém trocara as cartas. Chamaram o mensageiro e fizeram que ele contasse a verdade, sobre sua parada antes de entregar as cartas.
O marido partiu, imediatamente para a floresta em busca da esposa e do filho. Procurou por muito tempo. Então, chegou perto do riacho e viu uma mulher rezando ao lado de um santuário, com uma criança no colo. Olhou e achou-a parecida com a esposa, mas viu que ela tinha mãos. Aproximou-se dela e, muito feliz, descobriu que ela era a sua esposa.
Minha esposa!, disse ele.
Meu marido!, e se abraçaram. Ele explicou da troca das cartas e ela contou como suas mãos tinham voltado milagrosamente. Ela contou-lhe também, que quem tinha feito aquilo com ela, decepar-lhe as mãos, tinha sido seu pai.
Os dois voltaram de mãos dadas para casa com o filho nos braços.
Chegando em casa o marido procurou as autoridades e contou-lhes a verdade sobre a madrasta e o pai da mulher.
Os dois foram punidos e, assim, o casal pode viver feliz, junto do filho e da mãe dele.


Conto do Japão



27/08/2009

O Fariseu e o Publicano



Lucas 18:9 Propôs também esta parábola a alguns que confiavam em si mesmos, por se considerarem justos, e desprezavam os outros:
Lucas 18:10 Dois homens subiram ao templo com o propósito de orar: um, fariseu, e o outro, publicano.
Lucas 18:11 O fariseu, posto em pé, orava de si para si mesmo, desta forma: Ó Deus, graças te dou porque não sou como os demais homens, roubadores, injustos e adúlteros, nem ainda como este publicano;
Lucas 18:12 jejuo duas vezes por semana e dou o dízimo de tudo quanto ganho.
Lucas 18:13 O publicano, estando em pé, longe, não ousava nem ainda levantar os olhos ao céu, mas batia no peito, dizendo: Ó Deus, sê propício a mim, pecador!
Lucas 18:14 Digo-vos que este desceu justificado para sua casa, e não aquele; porque todo o que se exalta será humilhado; mas o que se humilha será exaltado.


25/08/2009

Chang E voa para a Lua



中国国际广播电台


As festas procedem dos mitos, ou vice-versa, os mitos geram as festas. Isto ocorre em todos os países. A China não é uma excepção.
Num país de civilização milenar como a China, todas as festas, sobretudo as tradicionais, têm origem em tradições antiquíssimas ou lendas belas e comoventes.
As festas tradicionais chinesas são geralmente determinadas segundo o calendário lunar. Hoje é a Festa do Meio Outono neste país, e vou falar um pouco sobre a Festa.
Numa civilização milenar da Nação Chinesa, as festas tradicionais têm uma simbologia rica e poderosa.

Dia 15 de Agosto, Festa do Meio Outono

No dia 15 de Agosto segundo o calendário lunar, os chineses comemoram a Festa do Meio Outono que tem origem numa belíssima lenda: Chang E voa para a Lua.
Na noite desse dia, quando a lua cheia levanta-se no horizonte , os velhos, junto com seus filhos e netos, sentam-se ao redor de uma mesa no pátio e contemplam a Lua, comendo melancia, maçã, uva e outras frutas, assim como yuebing, um tipo de bolo especialmente para esta festa.
Nestas ocasiões, os velhos costumam contar a história de Chang E, que voou para a Lua.
Segundo uma tradição, Chang E, sobrinha do Imperador Celestial, casou-se com Hou Yi, outra divindade do céu, e o casal levava uma vida feliz. Naquele tempo, havia dez sóis no Céu. E na terra, as plantas, queimadas, murcharam, reinavam as feras e os bichos venenosos.
O imperador celestial decidiu enviar Hou Yi para ajudar a humanidade a remover nove dos dez sóis do céu e aniquilar as feras e bichos venenosos na superfície da terra. E Chang E acompanhou seu marido. Ao chegar à terra, Hou Yi acomodou sua esposa numa gruta da montanha e foi combater os sóis com arco e flecha e aniquilar as feras e os bichos com sua espada.
Sozinha na gruta, Chang E sentia-se muito solitária. Um dia, ela percebeu que só restara um sol no céu e concluiu que, cumprida a missão dada pelo imperador celestial, Hou Yi voltaria logo. Sem conter a alegria, começou a dançar, queria voar, pois quando vivia no céu, ela viajava entre as nuvens. Mas ali não podia. Ficou aflita.
Quando voltou à gruta, Hou Yi viu que sua mulher chorava e perguntou o que lhe acontecera. Chang E contou o motivo. O marido consolou-a dizendo: "Não fique triste. A imperatriz-mãe do Oeste tem remédio de imortalidade. Vou pedir-lhe tal remédio para nós. Viver no mundo como imortais é muito melhor que levar uma vida solitária no céu."
Chang E concordou e parou de chorar.
Superando mil e uma dificuldades, Hou Yi chegou ao Palácio da Imperatriz-mãe do Oeste, situado em cima da Cordilheira Kun Lun.
Inteirada do caso, ela disse: "Quem toma uma pílula do meu remédio, fica imortal; quem toma duas, pode voar para o céu e tornar-se divindade."
Como havia decidido ficar na terra para continuar a ajudar a humanidade, Hou Yi pediu duas pílulas, uma para ele próprio, e a outra, para sua mulher Chang E.
Depois de uma viagem de alguns meses, Hou Yi retornou à gruta, levando as duas pílulas.
A Chang E ficou muito contente e queria tomar o remédio imediatamente, mas o marido a impediu, dizendo: "Paciência. Tomaremos amanhã, dia 15 de Agosto, com a Lua mais cheia e brilhante."
Alta noite, a Chang E não conseguia dormir. Pensava: uma pílula para ser imortal, e duas para voltar ao céu e levar uma vida de divindade. Por um impulso do momento, ela tomou as duas pílulas e saiu da gruta. A Lua estava lá no céu, redonda e brilhante, como um prato de prata. Chang E sentia-se leve, e começou a voar para o céu.
Inteirado do retorno de Chang E, o imperador celestial baixou uma ordem, dizendo que por ter voltado ao céu sem autorização, Chang E é condenada ao exilo na Lua de onde jamais poderia sair.
Sem se atrever a contrariar a ordem do imperador celestial, Chang E foi morar na Lua onde passou a levar uma vida triste, solitária, mordida de remorsos, acompanhada por um coelho branco que pila ervas medicinais, um sapo e um grande loureiro.



21/08/2009

Hou Yi derriba sóis



中国国际广播电台


Antigamente, havia dez sóis no céu, os quais, com seus raios, não só queimavam as colheitas, como também asfixiavam os homens. Como o calor era tão tórrido, as bestas selvagens tiveram que fugir dos rios secos e os bosques incendiados, atacando os seres humanos.
As queixas do povo comoveram aos deuses celestiais. O imperador celeste mandou Hou Yi quem era um hábil arqueiro, a descer à Terra e ajudar o imperador Yao para livrar os homens da desgraça. Com seu arco e flechas, Hou Yi desceu à Terra junto com sua bela mulher Chang E, sendo aplaudido pela gente.
Ao chegar ao mundo humano, Hou Yi aconselhou os sóis a colocar um plantão por dia, trazendo o calor e a luz à Terra e evitando o aquecimento demasiado. Mas, os sóis recusaram a proposta de Hou Yi. Irritado, Hou Yi inicou sua batalha. Colocou-se no centro da praça, tirou seu arco vermelho, disparou suas flechas brancas para os sóis, derribando em um instante nove deles, deixando apenas um a pedido do imperador Yao, pois o povo o necessitava para seu benefício.
As façanhas de Hou Yi provocaram a inveja de outros deuses, quem denegriam a reputação dele perante o imperador celeste. Como consequência, o soberano deixou de ter confiança nele, mandou-o descer à Terra e não permitiu-o regressar ao céu. A partir do então, Hou Yi viveu com sua mulher Chang E em hermitão ganhando-se a vida como caçador.
Passaram alguns anos. Hou Yi afligia-se porque sua esposa teve que vivir na Terra e decidiu ir à montanha Kunlun pedir o elixir à Rainha Mãe do Oeste com o fim de voltar ao céu. Mas, o elixir era suficiente para uma pessoas apenas. Hou Yi não queria ir ao céu abandonar a esposa nem vice-versa. Voltou para casa e escondeu o remédio.
Sem embargo, Chang E não queria suportar a vida pobre, procurou e achou o elixir quando Hou Yi estava ausente, e tomou o elixir. Pouco a pouco, começou a fluir até o céu e finalmente chegou à Lua.
Hou Yi continuava vivendo da caça na Terra e recebeu vários aprendizes ensinando-os a atirar flecha. Um deles chamava-se Feng Meng e progrediu rapidamente. Este pensava que com o professor vivo, jamais seria o número ! do mundo da arte de arco e flecha, por isso, assassinou-o quando este estava bêbado.
Chang E, na Lua, tinha a seu lado apenas um coelho que pilava ervas medicinais e um velho que cortava árvore e se arrependeu, levando uma vida solitária e triste.



Noie de S. Joãp


Té os moiros da Moirama
Festejam a São João;
São João, São João, São João
Daí-me pêras do vosso balcão.

Cantiga Popular


I

Meia noite já é dada,
São João, meu São João,
Nesta noite abençoada
Ouvi a minha oração!

Ouvi-me santo bendito,
Ouvi a minha oração,
Com ser eu moira nascida
E vós um santo cristão:

Que eu já deixei a Mafona
E a sua lei do Alcorão,
E só quero a vós, meu santo,
Santo do meu Dom João.

II

Como eu queimo esta alcachofra
Em vossa fogueira benta,
Amor queime a saudade
Que no peito me rebenta.

Como arde esta alcachofra
Na vossa fogueira benta,
Assim arda a negra barba
Do moiro que me atormenta.

Como esta fogueira abrasa
A minha alcachofra benta,
Ao meu cavaleiro abrase
A chama de amor violenta.

III

Sacudi do alto do céu
Vossa capela de flores,
Que neste ramo queimado
Renasçam por meus amores.

Orvalhadas milagrosas
Que saram de tantas dores,
Neste coração, meu santo,
Acalmem os meus ardores.

São João, meu São João,
Santo de tantos primores,
Nesta noite abençoada,
Oh! trazei-me os meus amores!

IV

Já se apagava a fogueira,
Já se acabava a oração,
Ainda está de joelhos
A moira no seu balcão.

Os olhos tinha alongados,
Batia-lhe o coração;
Muita fé tem aquela alma,
Grande é a sua devoção!

Ouviu-a o santo bendito:
Que por sua intercessão,
Daquele êxtase acordava
Nos braços de Dom João.


Romanceiro, Almeida Garrett





A borboleta e a minhoca



Era uma vez... todos os dias, em qualquer lugar, uma borboleta muito colorida e uma minhoca da terra que viviam a reclamar. Viviam pelos cantos da mata a choramingar e, de patas e asas cruzadas, observavam a vida passar.
A verdade é que viviam descontentes com o que eram e sonhando com o que queriam ser.
- Se eu fosse borboleta, voaria sempre e sempre, de flor em flor, para tudo ver e tudo tocar. Seria mais que bonita, seria esvoaçante! Mais que colorida, seria dançante!... dizia a minhoca da terra.
- Se eu fosse uma minhoca, rastejaria pelos caminhos e sempre a terra quentinha sob minha barriga sentiria. Seria mais que paciente e tão lenta ao me mover, que mesmo os que me notassem não poderiam vê-lo fazer!... repetia a borboleta.
Diante de tanta tristeza, se apiedou uma Fada que, com encanto e pureza se propôs a ajudá-las.
Era noite... e tanto uma quanto outra já havia muito dormiam. Uma a uma delas a Fada se aproximou e num gesto rápido tocou e falou:
- Quando o dia trouxer a luz do sol, minhoca, serás a borboleta com que sempre sonhaste, e tu, borboleta, a minhoca que sempre tanto te encantou.
O dia raiou... mais limpo do que nunca, mas a descoberta da troca, a princípio tão bem recebida, se tornou uma grande inércia e numa ideia temida. Agora nem borboleta nem tampouco a minhoca saíam do lugar e ambas pareciam mais tristes que antes. Sem entenderem o porquê daquilo, foram a elas perguntar o que havia acontecido com seus sonhos de mudar.
A minhoca disse que dali não saía, porque não sabia como movimentar as asas para voar, e não sabia que flor escolher para se alimentar. Simplesmente porque ela nunca tinha sido uma borboleta antes.
Da mesma forma a borboleta sempre acostumada a ver tudo de cima, agora tão rente ao chão, não conseguia ver que caminho escolher, nem tampouco o que comer ou fazer. Por isso se encontravam tão descontentes com a troca durante tanto tempo desejada. Não sabiam como agir!
A Fada, vendo aquilo, resolveu voltar ao que eram antes as fez retornar. Mas a experiência não havia sido em vão, tinham algo para dizer então:
- Parece que estamos sempre contando vantagens sobre como agiríamos se estivéssemos no lugar de outros, mas, na realidade, quando isso é possível, nós mesmos não sabemos que atitude tomar - disse a minhoca.
- É muito mais fácil dizer o que você faria "SE" isso ou aquilo acontecesse do que REALMENTE fazer, completou a borboleta.
E desse dia em diante... elas voaram e rastejaram felizes como nunca, enquanto mais e mais minhocas e borboletas nascem com a mesma ideia de mudar e descobrem a mesma importância em tentar.

May Christina de Paiva



O Ladrão e a Lua

Ryokan, um mestre Zen, vivia a mais simples e frugal das vidas em uma pequena cabana aos pés de uma montanha. Uma noite um ladrão entrou na cabana apenas para descobrir que nada havia para ser roubado. Entretanto Ryokan voltou e o surpreendeu lá.
- Você fez uma longa viagem para me visitar e você não deveria retornar de mãos vazias. Por favor tome minhas roupas como um presente.
O ladrão ficou perplexo. Rindo de troça, ele tomou as roupas e esgueirou-se para fora. Ryokan sentou-se nu, olhando a lua.
- Pobre coitado, gostaria de poder dar-lhe esta bela lua.

16/08/2009

Kuafu persegue o Sol




中国国际广播电台
Antigamente, um grupo de gigantes ocupava as montanhas do Norte. O chefe do grupo tinha duas serpentes douradas penduradas nas orelhas enquanto segurava outras sem suas mãos. Ele se chamava Kuafu, nome que deu origem à sua etnia. Tratava-se de um grupo de pessoas bondosas, valentes e muito trabalhadoras que viviam em paz.
Um ano, no entanto, uma onda de calor atingiu sua região. O Sol sufocante queimou as árvores e secou os rios, provocando a morte de muitos Kuafu. O chefe da tribo se entristeceu e, observando o Sol, disse: “O Sol é ..... Vou capturá-lo, a fim de que nos obedeça”. Muitos membros, no entanto, tentaram demovê-lo de sua idéia. Alguém disse: “Não vá, pois o Sol está muito longe de nós. Você vai morrer de cansaço”. Outras disseram: “O Sol é tão quente que você vai morrer de calor”. Mas Kuafu estava determinado a realizar a grande façanha e disse a seu povo: “Tenho que ir eno nome de nossa felicidade”.
Assim despediu-se da população. Com uma rajada de vento, seguiu em direção do Sol. O Sol se movia rapidamente no céu, enquanto Kuafu o perseguia. Passou por inúmeras montanhas e rios enquanto a terra fazia “Hong, Hong” sob seus passos. Kuafu, no entanto, sentiu o peso do cansaço e sentou no chão para limpar a terra acumulada em seus sapatos. Logo, elas se transformaram numa grande montanha. Ao cozinhar, Kuafu selecionou três pedras para colocar em sua panela, originando três montanhas com milhares de metros de altura.
Kuafu continuou perseguindo o Sol e, diariamente, se aproximava dele. O fato o enchia de autoconfiança. Finalmente, um dia, ele alcançou o Sol durante o entardecer Bronzeado, Kuafu queria abraçá-lo o Sol, mas sentiu o seu calor sufogante. Sentiu sede e cansaço e foi tomar água no rio Amarelo, esgotando de um gole suas plácidas águas. Ainda sedento, seguiu rumo ao rio Wei e esgotou toda a sua água. Mas, a sede persistiu. Correu rumo ao Norte, onde havia grandes rios e lagos. Mas, Kuafu morreu de sede no meio caminho.
Antes de morrer, no entanto, Kuafu, preocupado com seu povo, lançou sua bengala ao ar. O local de sua queda tornou-se um bosque de exuberantes pessegueiros que sombreavam a árdua jornada dos viajantes e frutos para aqueles que morriam de sede.
A lenda de Kuafu, de fato, trata da luta deste povo para vencer a seca..


A Raiva do Alva


A localidade de Pombeiro da Beira tem na sua história uma disputa entre três rios, o Mondego, o Alva e o Zêzere, todos nascidos na Serra da Estrela. Um dia, os três envolveram-se numa grande discussão sobre quem seria o mais valente. Resolveram combinar uma corrida para acabar com a discórdia: quem chegasse primeiro ao mar seria o vencedor. O Mondego levantou-se cedo e começou a deslizar silenciosamente para não atrair as atenções. Passou pela Guarda e pelas regiões de Celorico, Gouveia, Manteigas, Canas de Senhorim e pela Raiva, onde se fortaleceu junto dos ribeiros seus primos, chegando por fim a Coimbra. O Zêzere, que estava atento, saiu ao mesmo tempo que o seu irmão. Oculto, por entre os penhascos, foi direito a Manteigas, passou a Guarda e o Fundão, mas logo depois se desnorteou e, cansado, veio a perder-se nas águas do Tejo. O Alva passou a noite a contar as estrelas, perdido em divagações de sonhador e poeta. Quando acordou era já muito tarde, mas ainda conseguia avistar os seus irmãos ao longe. Tempestuoso, rompeu montes e rochedos, atravessou penhascos e vales, mas quando pensava que tinha vencido deparou com o Mondego, no momento que este já adiantado chegava ao mar. O Alva ainda tentou expulsar o seu irmão do leito, debatendo-se com fúria e espumando de raiva, mas o Mondego engoliu-o com o seu ar altivo e irónico. Este lugar onde os dois rios lutaram ficou para sempre conhecido como Raiva, em memória da contenda entre os dois irmãos.


Ponte velha



12/08/2009

O dragão e a princesa






Era uma vez um Dragão. Ou melhor, era uma vez um terrível Dragão, todo embolotado, que habitava a tenebrosa caverna negra do Reino das Águas Cantantes.
Todos os habitantes do Reino temiam o Dragão, pois como todo Dragão que se preza, este também soltava fogo pelas ventas. O rei buscava heróis que destruíssem a fera pois as colheitas estavam aos poucos sendo destruídas pelas suas labaredas e o reino empobrecia.
Por anos a fio o Rei procurou corajosos que exterminassem o ameaçador dragão, com ofertas de luxos e riquezas, mas agora, não havendo mais fortuna para premiar quem acabasse com o terrível dragão, o rei prometia casamento com Marinalva, sua filha predilecta.
Mas onde é que andavam os heróis? Todos ocupadíssimos, nenhum se interessava pela oferta. Não que a princesa fosse feia, mas tinha um génio danado! Chegava a ser mais temida do que o dragão. Aliás, não queria se casar com ninguém. Gostava de ser princesa, livre de compromissos, passear em seus cavalos e dar ordem a torto e a direito.
A oferta transtornou Belzabum, bruxo particular do rei, que há muito alimentava a pretensão de desposar Marinalva. Casando-se, assumiria o controle das finanças do reino e aumentaria seu poder. Fingia-se de doce apaixonado, mas Marinalva sempre o repudiava, aliás, como fazia com qualquer pretendente. Agora então, estando a princesa prometida para o destemido que enfrentasse o dragão, Belzabum viu suas esperanças transformadas em pó.
- Já que Marinalva não pode ser minha esposa, não será mais de ninguém!
- gritou Belzabum lançando um terrível feitiço sobre a princesa.
Imediatamente, Marinalva sentiu um impulso irresistível de conduzir-se até a caverna do Terrível Dragão. O feitiço começava a fazer efeito.
Enquanto isso, o Dragão em sua caverna, reclamava:
-How ri! Ri romfry! Vatrsmwiht! Ri dashel! How ri! Tinhr do!!!!
Língua de dragão é muito difícil. Só conhece quem também é dragão, mas acho que ele dizia assim:
- Como dói! Dói tudo! Deve ser gripe! Ou enfarte! A cabeça dói! As costas doem!!!! Como dói!!!
Quando ele ouviu ruídos de passos, gritou:
- Wir, riyiun??? ( Quem está aí???)
Marinalva sentiu o calor. Sua pele tornou-se embolotada de urticária.
- Onde estou? Perguntou ela em voz alta.
- Riuto mtur yuio!!! (Quem é você?) – perguntou o dragão ao perceber a silhueta de Marinalva surgindo da fumaça.
- Uau!!! Quanta luz! Quanta fumaça! – exclamou Marinalva coçando os olhos já vermelhos. A fumaça era tanta que, sem querer, ela pisou na cauda do dragão.
_O#### w##$***!!!!! – Além destas exclamações, o monstro soltou uma labareda que chamuscou os cabelos da princesa que ficaram arrepiados!
- Mas que dragão malcriado! – gritou Marinalva com o dedo em riste em direção do dragão.
- Escute aqui, seu fogão de lenha quebrado, que negócio é este de me queimar? Não gostei nem um pouco. Estou uma fera!!!
O Dragão não resistiu. Vendo-a de perto, com os cabelos em pé, fumaça saindo pelas orelhas, olhos vermelhos e coberta de pelotas, apaixonou-se perdidamente! Finalmente encontrara um par! Usou sua voz mais doce, soltou uns estalidos, piscou três vezes, e disse:
- Howh bjitr etuytr! (Como você é linda!)
Neste momento, Marinalva viu-se refletida em uma poça d´água e deu um grito.
- AAAARGHH!
- Wyrte wiiytrnh pijhg! ( Que voz maviosa!) elogiou o dragão.
Envergonhada de sua aparência, a princesa Marinalva não teve mais coragem de sair da caverna do dragão. Este, muito apaixonado, também enclausurou-se para viver um romance com sua amada e com isso, deixou as colheitas em paz. Não se sabe se viveram felizes, mas nunca mais foram vistos por ninguém!!!!!

11/08/2009

O que Deus faz é pelo melhor

livros03.jpg image by andyluna

Havia um médico, homem bom e sem malícia, na corte de um poderoso rei. Visitando Sua Alteza, ainda que o achasse afligido com qualquer trabalho ou dor, não mostrava entristecer-se. Aplicava os remédios que entendia lhe eram necessários, e consolava o rei, dizendo que não se agastasse e sofresse seu trabalho com paciência, porque tudo o que Deus faz é pelo melhor.
Aconteceu de morrer o príncipe herdeiro do reino, pelo que o rei ficou muito triste. Querendo o médico visitá-lo e consolá-lo, como todos faziam, o fez com as palavras de seu costume, dizendo-lhe:
— Senhor, não vos agasteis tanto, a ponto de prejudicar a vossa pessoa. Tudo que Deus faz é pelo melhor.
O rei não teve paciência ao ouvir este dito em tal ocasião, e pensou:
— O que poderia ser pior para o príncipe meu filho, do que morrer? Vou me vingar deste médico insolente. Vejamos se lhe será melhor a morte que lhe mandarei dar do que deixá-lo viver.
Chamou dois homens, e ordenou:
— Ide atrás do médico que acabou de sair, e dizei-lhe que quereis dar um recado meu. Quando estiverdes diante dele, matai-o, por ordem minha.
Os homens foram à casa do médico, e achando a porta da escada fechada, gritaram que traziam um recado do rei. Alvoroçado com isto, o médico colocou o sobretudo e desceu para abrir a porta. Mas, com a pressa de descer, o sobretudo agarrou no corrimão da escada, ele caiu e quebrou a perna. Ouvindo seus gritos de dor, os servidores da casa vieram e o tiraram dali, levando-o para a cama. A dona da casa explicou aos emissários do rei o que acontecera, e eles voltaram para explicar tudo ao rei.
O médico permaneceu mais de seis meses na cama. Quando sarou, levantou-se e foi mancando à presença do rei. Vendo-lhe o defeito, o rei quis consolá-lo, mas o médico se adiantou e disse:
— Não me aborreço com isso, porque o que Deus faz é pelo melhor.
Ouvindo isso, o rei concluiu que ele aplicava essa norma sábia também a si próprio, e o teve dali por diante por bom homem. Perdeu o rancor que contra ele tinha, e viu também que na verdade foi melhor ele ter quebrado a perna, pois do contrário teria morrido.



A grande ceia



Um certo homem fez uma grande ceia e convidou a muitos.
E a hora da ceia, mandou o seu servo dizer aos convidados: Vinde, porque tudo já está preparado.
E todos à uma começaram a escusar-se. Disse-lhe o primeiro: Comprei um campo e preciso ir vê-lo, rogo-te que me hajas por escusado.
E outro disse: Comprei cinco juntas de bois e vou experimentá-los; rogo-te que me hajas por escusado.
E outro disse: Casei e, portanto, não posso ir.
E voltando aquele servo, anunciou essas coisas ao seu senhor. Então, o pai de família, indignado, disse ao seu servo: Sai depressa pelas ruas e bairros da cidade e traze aqui os pobres e os aleijados, e os mancos e os cegos.
E disse o servo: Senhor, feito está como mandaste, e ainda há lugar.
E disse o senhor ao servo : Sai pelos caminhos e atalhos e força-os a entrar; para que a minha casa se encha.
Porque eu vos digo que nenhum daqueles varões que foram convidados provará a minha ceia.


Parábolas de Jesus
Lucas cap.14 vers. 16-24

O íbis

Um jovem íbis endiabrado, após ter aprendido a correr e a voar, não parava quieto. Estava continuamente procurando alimento e comia tudo o que encontrava.
Porém, certa manhã, o jovem íbis ficou no ninho. Estava com febre e com uma terrível dor de estômago.
Sua mãe, assustada, correu para vê-lo, olhou para ele, tocou-o com o bico e com as patas para ver se estava quente e disse:
- Já sei. Você comeu alguma coisa que não devia, porque você é guloso demais, e foi isso o que fez mal a você.
Em seguida a essas palavras a mãe íbis voou para o poço e encheu o papo de água. Voltando para o ninho, com seu longo bico aplicou-lhe um clister.






Velha Chorona

Há muitos, muitos anos, numa aldeia distante, vivia uma velha que vendia bolinhos caseiros. Na rua e era conhecida por toda a gente como a “velha chorona”, pois ela passava o dia a lamentar-se e a choramingar. Por causa disso a velha acabava por perder muitos clientes que não tinham paciência para lhe aturar as lamúrias.
Um sábio professor que, todos os dias, a caminho do trabalho, passava junto à velha começou a ficar intrigado com tanta choradeira. E perguntou-lhe ao que tal se devia.
- Tenho dois filhos. Um faz delicadas sandálias, o outro guarda-chuvas. Quando faz sol, penso que ninguém comprará os guarda-chuvas de meu filho, e ele e sua família vão passar necessidades. Quando chove, penso no meu outro filho que faz sandálias, e que ninguém vai comprá-las. Então ele também vai ter dificuldade para sustentar sua família. O professor sorriu e disse:
- Mas... o que a senhora tem de fazer é mudar de perspectiva, ver as coisas de outra maneira como vê as coisas. Repare: quando o sol brilha, seu filho que faz sandálias venderá muito, e isso é muito bom. Quando chove, seu filho que faz guarda-chuvas venderá muito, e isso é também muito bom.
Bem, dizem as más-línguas que a velha chorona teve alguma dificuldade em compreender as sugestões do professor. Mas lá acabou por compreender e... aceitar. Desde então, a velha passa todos os dias, quer chova quer faça sol, sorrindo feliz e apregoando os seus bolinhos caseiros. E os clientes, atraídos pela sua boa disposição, são cada vez mais. Os bolinhos já nem dão para as encomendas.

10/08/2009

A Lenda da Noite


Quando a terra era muito jovem a noite e os animais não existiam. Havia somente árvores, plantas e pessoas. Nessa época, o sol brilhava muito forte. As pessoas estavam sempre cansadas porque não podiam dormir bem. As árvores eram murchas devido ao forte calor Somente a Cobra Grande que era uma bruxa podia fazer a noite aparecer. Ela era uma cobra muito grande que vivia perto do rio.
Guardava a noite no fundo do rio, dentro de um coco. A cobra gostava de ver as pessoas cansadas e sonolentas. Os índios imploravam para que ela libertasse a noite, mas era inútil. Um dia, a filha da cobra se casou. Como sua mãe, a bela índia não precisava da noite para descansar. Mas seu marido e as outras pessoas da aldeia viviam cansadas. Ela não gostava de ver este sofrimento. Então disse para seu marido que ela iria pedir a noite para sua mãe. A mãe nunca recusava seus pedidos. O marido da filha da cobra tinha três fiéis empregados. Ele os enviou para que fossem pegar a noite com a cobra. Imediatamente os três índios pegaram uma canoa e foram encontrar a Cobra Grande. Embora os três homens estivessem muito estafados, eles remavam velozmente. Quando as árvores viram a cena, perguntaram onde os índios estavam indo com tanta pressa. Quando as árvores souberam que iriam buscar a noite, começaram a dançar e a gritar de alegria. Os três empregados chegaram ao lugar onde a cobra vivia. Contaram a ela porque estavam ali. Ela não gostou da ideia de entregar a noite, mas a cobra nunca negava um pedido da filha. Outra versão: No começo do mundo só havia o dia. A noite estava adormecida nas profundezas do rio com Boiúna, cobra grande que era senhora do rio. A filha de Boiúna, uma bela, tinha se casado com um rapaz de um vilarejo nas margens do rio. Seu marido, um jovem muito bonito, não entendia porque ela não queria dormir com ele. A filha de Boiúna respondia sempre: - É porque ainda não é noite. - Mas não existe noite. Somente dia! - Ele respondia. Até que um dia a moça disse-lhe para buscar a noite na casa de sua mãe Boiúna. Então, o jovem esposo mandou seus três fiéis amigos ir pegar a noite nas profundezas do rio. Boiúna entregou-lhes a noite dentro de um caroço de tucumã, como se fosse um presente para sua filha. Os três amigos estavam carregando a tucumã quando começaram a ouvir barulho de sapinhos e grilos que cantam à noite. Curiosos, resolveram abrir a tucumã para ver que barulho era aquele. Ao abri-la, a noite soltou-se e tomou conta de tudo. De repente, escureceu. A moça, em sua casa, percebeu o que os três amigos fizeram. Então, decidiu separar a noite do dia, para que esses não se misturassem. Pegou dois fios. Enrolou o primeiro, pintou-o de branco e disse: - Tu serás cujubin, e cantarás sempre que a manhã vier raiando. Dizendo isso, soltou o fio, que se transformou em pássaro e saiu voando. Depois, pegou o outro foi, enrolou-o, jogou as cinzas da fogueira nele e disse: - Tu serás coruja, e cantarás sempre que a noite chegar. Dizendo isso, soltou-o, e o pássaro saiu voando. Então, todos os pássaros cantaram a seu tempo e o dia passou a ter dois períodos: manhã e noite.

Lenda do Brasil

09/08/2009

Bernal Francês

I

Ao mar se foi D.Ramiro
Galé formosa levava;
Seu pendão terror de Mouros
N’alta popa tremulava.

Oh que adeus na despedida!
De saudades vai ralado;
Com tantos anos de amores;
Não tem um de desposado.

Nem há dama em toda a Espanha
Tão bela como é Violante;
Não a houvera igual no mundo
Se ela forma mais constante.

Bate o mar na babaca
Do castelo alevantado,
Só a vela 15 na alta torre
Não cede ao sono pesado.

Tudo o mais repousa e dorme,
Tudo é silencioso ao redor,
Dobra o recato nas portas
Com a ausência do senhor.

Mas a certa hora da noite
Se vê luz numa seteira,
E logo cruzar por perto
Leve barca aventureira.

Muitas noites que passaram,
Manso esteja ou bravo o mar,
A mesma luz, á mesma hora,
A mesma barca a passar.

E isto ignora o bom Rodrigo,
Que tão fiel prometeu
De guardar a seu senhor
Juramento que lhe deu?

Saberá, não saberá:
Mas a c’ravela ligeira,
Que ao pé da torre varada
Jazia ali ribeira,

Uma noite escura e feia
Na praia menos se achou...
Quem n’ela foi não se sabe,
Mas onde foi não tornou.

E o farol que no alto luz
A mesma hora a brilhar...
Só a barca aventureira
Não foi vista hoje passar.

E dum lado ao pé da rocha
Havia um falso postigo:
Só o sabem D.Ramiro,
Violante e o fiel Rodrigo.

Mas alta noite, horas mortas,
Gente que o postigo entrava,
E á porta de Violante
Manso bater se escutava

- «Quem bate á minha porta,
Quem bate, oh! Quem ‘esta aí?»
- «Sou Bernal Francês, senhora,
Vossa porta a amor abri.»

Ao descer do leito d’oiro
A fina Holanda rasgou,
Ao abrir mansinho a porta
A luz que se lhe apagou:

Pela mão tremente o toma,
Ao seu aposentí o guia:
-«Como treme, amor querido,
Esta mão, como está fria!»

E com ósculos ardentes
E no seio palpitante,
Que lhe aquece as frias mãos
A namorada Violante.

-«De longe vens? - De mui longe.»
-«Bravo estava o mar? - Tremendo.»
-«Armado vens!» - Não responde.
Vai-lhe as armas desprendendo.

Em pura essência de rosas
O amado corpo banhou,
E em seu leito regalado
A par de si o deitou.

-«Meia-noite já é dada
Sem para mim te voltares,
Que tens tu, querido amante,
Que me encobres teus pesares?

«Se temes de meus irmãos,
Eles não virão aqui;
Se de meu cunhado temes,
Não é homem para ti.

«Meus criados e vassalos
Por essa torre a dormir
Nem de nosso amor suspeitam,
Nem o podem descobrir.

«Se de meu marido temes,
A longes terras andou:
Por lá a detenham Mouros,
Saudades cá não deixou».

-«Eu não temo os teus criados,
Meus criados também são:
Irmãos nem cunhado temo,
São meus cunhados e irmãos.

De teu marido não temo
Nem tenho de que temer...
Aqui está ao pé de ti
Tu é que deves tremer.»

II

E o sol no oriente erguido
Da torre ameias dourava;
Violante mais bela que ele
Para a morte caminhava:

Alva tela, áspera e dura
Veste o corpo delicado,
Por cintura rijo esparto
Em grosseiro laço atado.

Choram pajens e donzelas,
Que a piedade o crime esquece;
O próprio ofendido esposo
Com tal vista se enternece.

Dá sinal a campa triste,
O algoz o cutelo afia...
«Meu senhor mereço a morte»
A malfada dizia.

«De joelhos, D.Ramiro,
Humilde perdão vos peço;
Perdoai-me por piedade...
A morte não, que a mereço:

«Da afronta que vos hei feito
Por minha triste cegueira,
Dai-me quitação co’a morte
Nesta hora derradeira:

«Mas só eu sou criminosa
Do agravo que vos fiz,
Não tireis, senhor, vingança
Desse misero infeliz...»

Talvez ai perdoar-lhe
O esposo compadecido...
Renovou-se-lhe o ódio todo,
Daqueles rogo ofendido:

O semblante roxo de ira
Para não vê-la torceu;
E co’a esquerda mão alçada
O fatal aceno deu.

Sobre o colo cristalino,
Desmaiado, e inda tão belo,
E golpe tremendo e súbito
Caí o terrível cutelo.

III

Oh! que procissão que sai
Da antiga porta da torre!
Que gente que acode a vê-la.
Que povo que triste corre!

Tochas de pálida cera
Nas trevas da noite escura
Vão dando luz baça e triste,
Luz que guia á sepultura:

Cobertos com seus capuzes
Rezam frades ao redor,
A dobrar desentoados
Os sinos causam terror...

Dias noites são passados,
Já não há luz na seteira,
Mas passado e repassando
Anda a barca aventureira.

Linda barca tão ligeira
Que nenhum mar soçobrou,
O farol que te guiava,
Já não luz, já se apagou.

A tua linda Violante,
O teu encanto tão belo,
Teve por ti feia morte,
Crua morte de cutelo.

Na igreja de San Gil
Ouves a campa a dobrar?
Vê essas tochas ao longe:
Ela que vai a enterrar.

Já se fez o enterramento,
Já cahiu a lousa fria,
Só na igreja solitária
Um cavalheiro se via;

Vestido de dó tão negro,
E mais negro o coração,
Sobre a fresca sepultura
De rojo se atira ao chão:

«Abre-te, ó campa sagrada,
Abre-te a um infeliz!...
Seremos na morte unidos,
Já que em vida o céu não aqui.

«Abre-te, ó campa sagrada,
Que escondes tal formosura,
Esconde também meu crime
Com a sua desventura.

«Vida que eu viver não quero,
Vida que eu só tinha nela,
Recebe-a, ó campa sagrada,
Que não posso já sofrê-la.»

E o pranto de correr,
E os soluços de estalar,
E a mão que leva á espada
Para ali se traspassar.

Mas a mão gelou no punho
Voz que da campa se erguia
Voz que ainda é suave e doce,
Mas tão medonha e tão fria,

Do sepulcro tão cortada,
Que as carnes lhe arripia
E vida deixou parada:
- «Vive, vive, cavaleiro,

Vive tu, que eu já vivi;
Morte que me deu meu crime,
Fui eu só que a mereci.
«Ai, neste gelo de campa,

Onde tudo é frio horror,
Só da existência conservo
Meu remorso e meu amor!
«Braços com que te abraçava

Já não tem vigor em si;
Cobre a terra húmida e dura
Os olhos com que te vi;
«Boca com que te beijava

Já não tem sabor em si;
Coração com que te amava...
Ai! Só nesse não morri!
«Vive, vive, cavaleiro,

Vive, vive e sê ditoso;
E aprende em meu triste fado
A ser pai e a ser esposo.
«Donzela com quem casares

Chama-lhe também Violante;
Não amarás mais do que eu...
Mas - que seja mais constante!
«Filhas que dela tiveres

Ensina-me melhor que a mim.
Que se não percam por homens
Como eu me perdi por ti.»



Romanceiro, Almeida Garrett





06/08/2009

O Homem e a Filha

Era uma vez um casal que teve uma filha. A mulher morreu pouco depois do parto e a criança foi criada pelo pai. Quando a menina cresceu, o pai anunciou-lhe:
- Minha filha, quero casarcontigo!
Mas a menina respondeu:
- Isso não é bom. Seremos descobertos pelos outros, pois no mundo não há segredos!
- Sempre quero ver se no mundo não há segredos, disse o pai.
Foi buscar arroz, vazou duas medidas numa panela e cozinhou-o. Em seguida, levou a panela para o mato e enterrou-a. Ninguém sabia que ele tinha enterrado no mato uma panela cheia de arroz a não ser ele próprio e a filha.
Tempos mais tarde, apareceram homens com redes para caçar no mato. Eles não sabiam que no local onde caçavam, debaixo de uma árvore, estava enterrada uma panela cheia de arroz. Descobriram, admirados, que formigas brancas saídas da terra junto daquela árvore, transportavam grão de arroz.
De imediato cavaram o buraco e encontraram uma panela cheia de arroz cozido.
A filha, então, voltou-se para o pai:
- Está a ver papá? Eu não lhe disse que o mundo não tem segredos?!


Comentário: No mundo não há segredos, a filha bem o sabia!


* Nota: Alusão clara à proibição do incesto.

Eduardo Medeiros (org.).
Contos populares moçambicanos, 1997



02/08/2009

Lenda sobre Niulang e Zhinü


中国国际广播电台

Niulang (boiadeiro) era um pobre e alegre solteiro. Tinha apenas um velho boi e um arado. Diariamente, trabalhava no campo e, quando de volta à sua casa, fazia seus trabalhos domésticos, levando uma vida difícil. Mas, um dia, aconteceu um milagre.
Quando retornava do trabalho, viu tudo em ordem: roupas lavadas, comida quentinha e bem cheirosa sobre a mesa. Niulang, surpreso com o fato, pensou: o que aconteceu em minha casa? Apareceu algum imortal? Mas, não consegui decifrar o mistério...
Diariamente, no entanto, o fato se repetia. Niulang decidiu descobrir o que estava havendo. Um dia, saiu muito cedo de casa, como de hábito, mas se escondeu perto de casa para observar o movimento.
Pouco tempo depois, viu uma linda uma moça entrando em sua casa e a realizar suas tarefas domésticas. Impaciente, Niulang saiu do esconderijo e perguntou à moça: “Quem é você? Porque veio ajudar-me?” A moça, surpresa, murmurou envergonhada: “Chamo-me Zhinü (tecelã). Vi-o levando uma vida difícil e queria ajudá-lo”. Todo contente, Niulang se atreveu a dizer: “Case comigo. Vamos trabalhar e viver juntos”.
Zhinü concordou e os dois se casaram. Daí por diante, enquanto Niulang cultivava a terra, Zhinü tecia. Mais tarde, tiveram um casal de filhos.
Um dia, o céu estava muito nublado e havia muito vento. Dois generais celestes chegaram à casa de Niulang, dizendo que Zhinü era neta do imperador celeste e que havia fugido de casa há anos. Contra a sua vontade, ela foi conduzida ao céu.
Niulang ficou muito triste e jurou procurar a mulher. Mas, na qualidade de simples mortal, como poderia chegar ao céu?
Neste momento, o velho boi disse: “Pode me sacrificar. Tire minha pele e vista-a para voar até o céu”. Niulang seguiu as palavras do velho boi. O sacrificou, vestiu sua pele, pegou dois cestos onde colocou as duas crianças e voou para o palácio celestial. Mas, o imperador recusou o pedido de Niulang para reencontrar-se Zhinü.
Mas, devido à insistência de Niulang e seus filhos, o imperador permitiu-lhes um breve encontro. Vendo o marido e os filhos, Zhinü ficou, ao mesmo tempo, triste e contente. O tempo passou rápido. O imperador ordenou o fim do encontro. Niulang e os filhos corriam querendo alcançá-la. Neste momento, a Rainha Mãe do Céu tirou do cabelo um adorno de ouro e traçou com este uma linha entre Niulang e Zhinü. Logo surgiu um grande rio que Niulang não conseguiu atravessr.
Desde então, quando a noite chega, as pessoas o vêem e o chamam de Via Láctea. Separadas e em lados opostos, duas estrelas cintilam no espaço. Uma é Niulang (Altair) e a outra, Zhinü (Vega). Segundo a lenda, a Rainha Mãe do Céu, no entanto, permitiu que Niulang e Zhinü se encontrem uma vez por ano, no dia sete de julho do calendário lunar. Nessa noite, todas as pegas voariam à Via Láctea formando uma ponte onde eles poderiam encontrar-se.


O fato novo do sultão



Era uma vez um sultão, que despendia em vestuário todo o seu rendimento. Quando passava revista ao exército, quando ia aos passeios ou ao teatro, não tinha outro fim senão mostrar os seus fatos novos. Mudava de traje a todos os instantes, e como se diz de um rei: Está no conselho, dizia-se dele: está-se a vestir. A capital do seu reino era uma cidade muito alegre, graças à quantidade de estrangeiros que por ali passavam; mas chegaram lá um dia dois larápios, que, dando-se por tecelões, disseram que sabiam fabricar o estofo mais rico que havia no mundo. Não eram só extraordinariamente ricos os desenhos e as cores, mas além disso, os vestuários, feitos com esse estofo, possuíam uma qualidade maravilhosa: tornavam-se invisíveis para os idiotas e para todos aqueles que não exercessem bem o seu emprego.
– São vestuários impagáveis, disse consigo o sultão; graças a eles, saberei distinguir os inteligentes dos tolos, e reconhecer a capacidade dos ministros. Preciso desse estufo.
E mandou em seguida adiantar aos dois charlatães uma quantia avultada, para que pudessem começar os trabalhos imediatamente.
Os homens levantaram com efeito dois teares, e fingiram que trabalhavam, apesar de não haver absolutamente nada nas lançadeiras.
Requisitavam seda e oiro fino a todo o instante; mas guardavam tudo isto muito bem guardado, trabalhando até à meia-noite com os teares vazios.
– Necessito saber se a obra vai adiantada.
Mas tremia de medo, lembrando-se de que o estofo não podia ser visto pelos idiotas. E por mais que confiasse na sua inteligência, achou em todo o caso prudente mandar alguém adiante. Todos os habitantes da cidade conheciam a propriedade maravilhosa do estofo, e ardiam em desejos de verificar se seria exacto.
– Vou mandar aos tecelões o meu velho ministro, pensou o sultão; tem um grande talento; ninguém melhor do que ele pode avaliar o estofo.
Entrou o honrado ministro na sala em que os dois impostores trabalhavam com os teares vazios.
– Meu Deus! disse ele para si arregalando os olhos, não vejo absolutamente nada!
Mas no entanto calou-se. Os dois tecelões convidaram-no a aproximar-se, pedindo-lhe a opinião sobre os desenhos e as cores. Mostraram-lhe tudo, e o velho ministro olhava, olhava, mas não via nada, pela razão simplíssima de nada lá existir...
– Meu Deus! pensou ele, serei realmente estúpido? É necessário que ninguém o saiba!... Ora esta! pois serei tolo realmente! Mas lá confessar que não vejo nada, isso é que eu não confesso.
– Então que lhe parece? perguntou um dos tecelões.
– Encantador, admirável! respondeu o ministro, pondo os óculos. Este desenho... estas cores.., magnífico!... Direi ao sultão que fiquei completamente satisfeito.
– Muito agradecido, muito agradecido, disseram os tecelões, e mostraram-lhe de novo as cores e desenhos imaginários, fazendo-lhe deles uma descrição minuciosa. O ministro ouviu atentamente, para ir depois repetir tudo ao sultão.
Os impostores requisitavam cada vez mais seda, mais prata, e mais oiro; precisavam-se quantidades enormes para este tecido. Metiam tudo no bolso, é claro; o tear continuava vazio, e apesar disso, trabalhavam sempre.
Passado algum tempo, mandou o sultão um novo funcionário, homem honrado, a examinar o estofo, e ver quando estaria pronto. Aconteceu a este enviado o que tinha acontecido ao ministro: olhava, olhava e não via nada.
– Não acha um tecido admirável? perguntaram os tratantes, mostrando o magnífico desenho e as belas cores, que tinham apenas o inconveniente de não existir.
– Mas que diabo! Eu não sou tolo! dizia o homem consigo. Pois não serei eu capaz de desempenhar o meu lugar? É esquisito! mas deixá-lo, não o deixo eu.
Em seguida elogiou o estofo, significando-lhes toda a sua admiração pelo desenho e o bem combinado das cores.
– É de uma magnificência incomparável, disse ele ao sultão.
E toda a cidade começou a falar desse tecido extraordinário. Enfim, o próprio sultão quis vê-lo enquanto estava no tear. Com um grande acompanhamento de pessoas distintas, entre as quais se contavam os dois honrados magnates, dirigiu-se para as oficinas, em que os dois velhacos teciam continuamente, mas sem fios de seda, nem de oiro, nem de espécie alguma.
– Não acha magnífico? disseram os dois honrados funcionários. O desenho e as cores são dignos de Vossa Alteza.
E apontaram para o tear vazio, como se as outras pessoas que ali estavam pudessem ver alguma coisa.
– Que é isto! disse consigo mesmo o sultão, não vejo nada! É horrível! serei eu tolo, incapaz de governar os meus estados? Que desgraça que me acontece! Depois, de repente, exclamou: É magnífico! Testemunho-vos a minha real satisfação.
E meneou a cabeça com um ar prazenteiro, e olhou para o tear, sem se atrever a declarar a verdade, Todas as pessoas do séquito olharam do mesmo modo, uns atrás dos outros, mas sem verem coisa alguma, e no entanto repetiam como o sultão:
«É magnífico!» Deram-lhe de conselho que se apresentasse com o fato novo no dia da grande procissão. «É magnífico! é encantador! é admirável!» exclamavam todas as bocas; e a satisfação era geral.
Os dois impostores foram condecorados e receberam o título de fidalgos tecelões. Na véspera do dia da procissão passaram a noite em claro, trabalhando à luz de dezasseis velas. Finalmente fingiram tirar o estofo do tear, cortaram-no com umas grandes tesouras, coseram-no com uma agulha sem fio, e declaram, ao cabo, que estava o vestuário concluído.
O sultão com os seus ajudantes de campo foi examiná-lo, e os impostores levantando um braço, como para sustentar alguma coisa, disseram:
– Eis as calças, eis a casaca, eis o manto. Leve como uma teia de aranha; é a principal virtude deste tecido.
– Decerto, respondiam os ajudantes de campo, sem ver coisa alguma.
– Se Vossa Alteza se dignasse despir-se, disseram os larápios, provar-lhe-íamos o fato diante do espelho.
O sultão despiu-se, e os tratantes fingiram apresentar-lhe as calças, depois a casaca, depois o manto. O sultão tudo era voltar-se defronte do espelho.
– Como lhe fica bem! que talhe elegante! exclamaram todos os cortesãos. Que desenho! que cores! que vestuário incomparável!
Nisto entrou o grão-mestre de cerimónias:
– Está à porta o dossel sob o qual Vossa Alteza deve assistir à procissão, disse ele.
– Bom! estou pronto, respondeu o sultão. Parece-me que não vou mal.
E voltou-se ainda uma vez diante do espelho, para ver bem o efeito do seu esplendor. Os camaristas que deviam levar a cauda do manto, não querendo confessar que não viam absolutamente nada, fingiam arregaçá-la.
É, enquanto o sultão caminhava altivo sob um dossel deslumbrante, toda a gente na rua e às janelas exclamava: «Que vestuário magnífico! Que cauda tão graciosa! Que talhe elegante!» Ninguém queria dar a perceber que não via nada, porque isso equivalia a confessar que era tolo. Nunca os fatos do sultão tinham sido tão admirados.
– Mas parece que vai em cuecas, observou um pequerrucho, ao colo do pai.
– É a voz da inocência, disse o pai.
– Há ali uma criança que diz que o sultão vai em cuecas.
«Vai em cuecas! vai em cuecas!» exclamou o povo finalmente.
O sultão ficou muito aflito, porque lhe pareceu que realmente era verdade. Entretanto tomou a enérgica resolução de ir até ao fim e os camaristas submissos continuaram a levar com o máximo respeito a cauda imaginária.

Contos para a Infância, Guerra Junqueiro


01/08/2009

Morte

Um homem muito rico pediu a um mestre Zen um texto que o fizesse sempre lembrar do quanto era feliz com a sua família. O mestre Zen pegou num pergaminho e, com uma linda caligrafia, escreveu:
- O pai morre. O filho morre. O neto morre.
- Como? - disse, furioso, o homem rico. - Eu pedi-lhe alguma coisa que me inspirasse, um ensinamento que fosse sempre contemplado com respeito pelas minhas próximas gerações, e o senhor dá-me algo tão depressivo e deprimente como estas palavras?
- O senhor pediu-me algo que lhe fizesse lembrar sempre a felicidade de viver junto da sua família. Se o seu filho morrer antes, todos serão devastados pela dor. Se o seu neto morrer, será uma experiência insuportável.