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05/02/2009

A noiva arraiana

- «Deus vos salve, minha tia,
Na vossa roca a fiar!»
- «Venha embora o cavaleiro
Tão cortês no seu falar!»
- «Má hora se ele foi, tia,
Má hora torna a voltar!
Que já ninguém o conhece
De mudado que há-de estar.
Por lá o matassem moiros,
Se assim tinha de tornar!»
- «Ai sobrinho de minha alma,
Que és tu pelo teu falar!
Não vês estes olhos, filho,
Que cegaram de chorar?»
- «E meu pai e minha mãe,
Tia, que os quero abraçar?»
- «Teu pai é morto, sobrinho,
Tua mãe foi a enterrar.»
- «Qu’é da minha armada, tia,
Que eu aqui mandei estar?»
- «A tua armada, sobrinha,
Mandou-a o fronteiro ao mar.»
- «Qu’é do meu cavalo, tia,
Que eu aqui deixei ficar?»
- «O teu cavalo, sobrinho,
El-rei o mandou tomar.»
- «Qu’é de minha dama, tia,
Que aqui ficou a chorar?»
- «Tua dama faz hoje a boda,
Amanhã se vai casar.»
- «Dizei-me onde é, minha tia,
Que me quero lá chegar.»
- «Sobrinho, não digo, não,
Que te podem lá matar.»
- «Não me matam, minha tia;
Cortesia eu sei usar:
E onde faltar cortesia,
Esta espada há-de chegar.»

- «Salve Deus, ó lá da boda,
Em bem seja o seu folgar!»
- «Venha embora o cavaleiro;
- «Salve Deus, ó lá da boda,
Em bem seja o seu folgar!»
- «Venha embora o cavaleiro;

Vindo ela lá de dentro
Toda lavada em chorar,
Mal que viu o cavaleiro,
Quis morrer, quis desmaiar.
- «Se tu choras por me veres,
Já me quero retirar;
Se é os teus gastos que choras,
Aqui estou para os pagar.»
- «Pagar devia co’a vida
Quem me queria enganar,
Quando te deram por morto
Nessas terras de além mar.
Mas que fiquem com a boda
E bem lhes preste o jantar,
Que os meus primeiros amores
Ninguém mos há-de quitar.»

- Venha juiz de Castela,
Alcaide de Portugal;
Que, se aqui não há justiça,
Co’esta espada a hei-de tomar.»

Romanceiro, Almeida Garrett