( 391x375 , 253kb)


11/02/2009

O cativo





Eu vinha do mar de Hamburgo
Numa linda caravela;
Cativaram-nos os moiros
Entre la paz e la guerra.
Para vender me levaram
A Salé, que é sua terra.
Não houve moiro nem moira
Que por mim nem branca dera;
Só houve um perro judio
Que ali comprar-me quisera;
Dava-me uma negra vida,
Dava-me uma vida perra;
De dia pisar esparto,
De noite moer canela,
E uma mordaça na boca
Para lhe eu não comer dela.
Mas foi minha fortuna
Dar c’uma patroa bela,
Que me dava do pão alvo,
Do pão que comia ela.
Dava-me do que eu queria,
E mais do que eu não quisera,
Que nos braços da judia
Chorava – que não por ela.

Dizia-me então: - «Não chores,
Cristão, vai-te à tua terra.»
- «Como me hei-de eu ir, senhora,
Se me falta la moeda?»
- «Se fora por um cavalo,
Eu uma égua te dera;
Se fosse por um navio,
Dera-te uma caravela.»

- «Não fora por um cavalo,
Não fora, senhora bela,
Que está longe Mazagão,
Ceuta tem voz de Castela.
Nem por navio não fora,
Que eu fugir não quisera,
Que era roubar a teu pai
Dinheiro que por mim dera.»
- «Toma esta bolsa, cristão,
Feita de seda amarela66;
Minha mãe, quando morreu,
Me deixou senhora dela.
Vai-te, paga o teu resgate;
E às damas de tua terra
Dirás o amor da judia
Quanto mais vale que o delas.»

Palavras não eram ditas,
O patrão que era chegado.
- «Venhais embora, patrão,
E vinde com Deus louvado,
Que agora tenho recado
Que o meu resgate é chegado.»
- «Cristão, cristão, que disseste!
Olha que é muito cruzado.
Quem te deu tanto dinheiro
Para seres resgatado?»
- «Duas irmãs mo ganharam,
Outra mo tinha guardado
E um anjo do céu mo trouxe.
Um anjo por Deus mandado.»
- «Dize-me, ó cristão, dize
Se queres ser renegado,
Que te hei-de fazer meu genro,
Senhor de todo o meu estado.»
- «Eu não quero ser judio
E nem turco arrenegado,
E não quero ser senhor,
De todo esse teu estado,
Porque trago no meu peito
A Jesus crucificado.»

- «Que tens tu, filha Raquel?
Dize-me cá, filha amada,
Se é pelo cristão maldito
Que ficaste desgraçada.»
- «Meu pai deixe o cristão, deixe,
Que ele não me deve nada:
Deve-me a flor de meu corpo,
Mas de vontade foi dada.»

Mandou fazer-lhe uma torre
De pedraria lavrada;
Que não dissessem os moiros:
- «A judia é desonrada.»
Viola, minha viola,
Fica-te aqui pendurada
Que lá vão os meus amores
Por essa água salgada.

Romanceiro, Almeida Garrett