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30/07/2009

Gun e Yu controlam os rios


Na China, a história sobre o controle dos rios por Yu, o Grande, é muito famosa. Yu é considerado um herói que agia em benefício da população.

Antigamente, ocorreu uma grande inundação que durou 22 anos. A terra tornou-se um oceano; a população não tinha onde se abrigar ou como se alimentar. O número de pessoas caiu radicalmente. O rei Yao estava muito preocupado com a situação e convocou uma reunião dos chefes tribais. A reunião decidiu enviar Gun para controlar os rios.

Uma vez recebeu a ordem, Gun começou a planejar o controle das inundações e lembrou-se de um dito popular: “Na guerra usam-se soldados; Nas inundações, terra”. Gun considerou: se construir alguns diques em torno das aldeias, elas serão protegidas contra as inundações. Mas, durante as inundações, onde poderemos encontrar tal volume de terra e de pedras para se construir os diques necessários? Neste momento, uma tartaruga mágica saiu das águas e disse a Gun: “No palácio celestial há um tesouro chamado Xirang. Pode lançar o tesouro nas águas e ele crescerá rapidamente formando montes e diques”. Muito contente, Gun se despediu da tartaruga e foi ao Oeste em busca do tesouro.

Vencidas muitas dificuldades, Gun chegou à montanha Kunlun do Oeste e pediu ao imperador celestial o tesouro Xirang para salvar a população. No entanto, o imperador celestial recusou o pedido de Gun. Sem outra saída, Gun roubou Xirang e voltou à terra natal. Lançou Xirang às águas e este começou a crescer rapidamente. O nível das inundações subiu um metro, Xirang também subiu um metro e passou a acompanhá-lo sucessivamente. Os aldeãos se livraram das inundações e começaram a cultivar a terra.

Inteirado do roubo praticado por Gun, o imperador celestial enviou suas tropas para recuperar seu tesouro. Sem a proteção de Xirang, as inundações tornaram a destruir os diques e as terras cultivadas, matando afogadas milhares de pessoas. O rei Yao ficou muito zangado e ordenou: “Gun só pensa em impedir as inundações. Mas, quando os diques se rompem, as inundações causam maiores calamidades. Já se passaram nove anos e ele não obteve nenhum êxito. Por isso, deve ser executado”. Gun foi aprisionado e levado para a montanha Yu. Depois de três anos, acabou decapitado.

Vinte anos se passaram. O rei Yao abdicou do trono em favor de Shun. Este mandou Yu, o Grande, filho de Gun, para controlar as inundações. Desta vez, o imperador celestial entregou o seu tesouro Xirang a Yu. No início, Yu mandou construir diques para impedir o alastramento das inundações tal como o seu pai tinha feito. Mas, depois de vários fracassos, Yu entendeu que além da construção de diques, o combate às inundações exige ainda um sistema de drenagem. Então, mandou a tartaruga mágica carregar Xirang e acompanhar a sua viagem pelo país. Lançou Xirang nas zonas baixas para elevar o terreno e, ao mesmo tempo, adotou como guia o dragão mágico para ordenar os rios e canalizar as inundações rumo ao mar.

Dizem que Yu se despediu de sua noiva quatro dias depois do casamento para controlar as inundações. Durante 13 anos, passou pela porta da casa três vezes, mas não entrou. Por sua inteligência e diligência, as inundações foram controladas e os rios foram ordenados, com o que a população passou a viver em paz e felicidade. Para agradecer Yu, o povo o respeitava como rei, obrigando o rei Shun a abdicar do trono em seu favor.



A princesa Peônia

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Há muitos e muitos anos, em Gamo-Gun, na província de Omi, havia um castelo chamado Azuchi. Era um lugar antigo e magnífico, cercado por uma alta parede de pedras e um fosso cheio de lótus. O senhor feudal era um homem muito rico, porém mau humorado, chamado Yuki Naizen no Jô. Sua esposa tinha estado doente por alguns anos e teve uma única filha, que todos chamavam carinhosamente de Aya Hime (princesa Aya).
Na época, o Japão vivia um longo período de paz e tranquilidade, e os senhores feudais haviam abandonado a idéia de guerrear constantemente para conquistar novos territórios. Como os feudatários mantinham relacionamento amigável, Naizen no Jô percebeu, então, que a época era oportuna para encontrar um bom marido para sua filha.
Depois de vários contatos, ele optou pelo segundo filho do senhor do castelo de Ako, da província de Harima, para ser o marido de sua filha. Os dois feudatários ficaram muito satisfeitos com a possibilidade de que seus filhos viessem a se casar, pois a aliança matrimonial fortalecia sobremaneira o poder bélico de ambos.
Nessa época, no Japão, as famílias ricas marcavam os casamentos de seus filhos sem que estes tivessem prévio conhecimento um do outro. Já que era obrigada a aceitar a determinação de seu pai, a princesa Aya fez grande esforço mental para amar seu futuro marido, falando e pensando nele positivamente, mesmo sem nunca tê-lo visto.
Certa ocasião, junto com sua dama de companhia, Aya Hime caminhava pelo enorme jardim do castelo e foi até o canteiro das peônias. Daquele local, ela adorava apreciar o reflexo da lua, projetada nas águas do lago, e fazia isso principalmente em noites de lua cheia, que lhe trazia belas inspirações para compor poesias.
Naquela noite, quando Aya Hime estava passeando distraidamente na beira do lago, tropeçou em uma raiz exposta e desequilibrou-se em direção à água. De repente, foi amparada por um jovem que surgiu como num passe de mágica, evitando milagrosamente que ela afundasse lago adentro.
Em seguida, assim que a colocou no chão, o rapaz desapareceu tão rapidamente como apareceu. A dama de companhia viu, quando ela tropeçou, um clarão de luz em torno da princesa refletido na água, mas não chegou a ver claramente nenhum rapaz protegendo-a da queda. Já Aya Hime tinha visto perfeitamente o rosto de seu salvador.
– Um belo moço de semblante nobre, que parecia um príncipe. Vestia roupas com peônias bordadas a fios de ouro. Gostaria que estivesse aqui para agradecer por me salvar a vida, evitando minha queda na água...
– Mas princesa, como ele teria chegado ao jardim, se todo o castelo está cercado pelo fosso e existem muitos guardas no portão? Acho melhor não comentar nada a ninguém, pois seu pai pode ficar zangado, se souber que um estranho esteve no jardim.
A partir daquela noite, Aya não conseguiu esquecer o misterioso rapaz. Várias vezes esteve no jardim, mas nunca mais o viu.
Tempos depois, ela ficou muito doente e com dificuldades para comer e dormir. Cada dia foi ficando mais pálida e tornou-se impossível realizar seu casamento com o príncipe de Ako na data marcada.
Vários médicos vieram de Quioto para examinar Aya Hime, porém ninguém conseguiu diagnosticar de que doença se tratava. Como último recurso, o senhor feudal Naizen no Jô, interrogou com veemência Sadayo, a dama de companhia de sua filha, pois sabia que ela era a confidente da princesa.
– Os médicos chegaram a pensar que ela estava fingindo estar doente, só para não se casar com o prometido príncipe de Ako. Se você sabe de algum amor secreto dela, me diga, pois, se continuar assim, ela vai acabar morrendo. Você não quer que ela morra, quer? – perguntou o feudatário.
– Senhor, prometi à sua filha que jamais revelaria seu segredo. Porém, diante do risco de vida que ela está correndo por causa de sua enfermidade, sou forçada a revelá-lo, se é que isso contribuirá para sua salvação.
Assim, Sadayo contou detalhadamente o que aconteceu na noite de lua cheia no canteiro das peônias...
– Senhor, acho que a doença da princesa Aya é uma doença de amor. Ela está profundamente apaixonada pelo jovem que viu por alguns instantes e depois desapareceu misteriosamente. Tenho medo de que, se não conseguirmos encontrar o tal jovem, ela definhe dia a dia até morrer – disse Sadayo, a dama de companhia da princesa.
– Mas o nosso castelo é muito vigiado, é humanamente impossível que alguém consiga entrar e sair sem ser visto pelos guardas dos portões... – murmurou o pai de Aya, Naizen no Jô.
– Está sugerindo alguma coisa senhor?! Bem sabes que raposas e texugos têm o poder de se transformar em seres humanos e nos enganar. Será possível que algum desses bichos tenha entrado no castelo por alguma pequena abertura no muro?!
Nessa noite, para tentar reanimar a princesa, foi trazido da capital o famoso músico Yashakita Kengyo, mestre num instrumento de cinco cordas chamado biwa. A noite estava quente, e o concerto musical foi ao ar livre. Os acordes espalharam-se pelo ar, tomando conta do belo jardim do castelo. De repente, no canteiro das peônias, um jovem de ar nobre apareceu para ouvir a música. Desta vez todos o viram, e ele trajava a mesma roupa com bordados de peônias em fios de ouro.
– É ele! – gritaram todos os que assistiam o concerto. Diante da reação das pessoas, o jovem desapareceu instantaneamente.
A princesa ficou visivelmente excitada. Levantou-se e foi procurar pelo moço no jardim, mas nada encontrou. O pai dela, senhor do castelo, ficou muito confuso com a situação. No dia seguinte, mandou fazer uma busca minuciosa no jardim, revirando pedras, removendo canteiros de arbustos e procurando em cima das árvores, porém, não encontrou ninguém escondido, nem mesmo raposa ou texugo.
Nessa mesma noite, quando dois músicos da castelo, Yaesan e Yakumo tocavam seus instrumentos, respectivamente a shakuhachi (flauta) e o koto (instrumento de cordas), o jovem novamente apareceu e desapareceu ao ser notado. O mistério aumentou, pois a vigilância tinha sido triplicada, e tudo no castelo foi vasculhado palmo a palmo.
Yuki Naizen no Jô resolveu chamar, então, o renomado Maki Hyogo, um veterano oficial do exército que atuava como conselheiro na corte do Shogun, para capturar o jovem misterioso. O astuto Maki, que adorava desafios, aceitou prontamente a missão. Vestiu-se de preto, como um ninja, para fazer-se invisível e escondeu-se no canteiro das peônias.
Todos tinham percebido que a música exercia certo fascínio sobre o jovem misterioso. Conseqüentemente, os músicos Yaesan e Yakumo fizeram um concerto naquela noite. O público presente prestou mais atenção no canteiro das peônias do que na música. A certa altura, um belo jovem surgiu no jardim, com magnífica veste ornada de peônias bordadas.
Maki Hyogo levou um susto, pois o jovem surgiu do nada exatamente a um passo de onde ele estava escondido. Em seguida, agarrou o jovem por trás, na altura da cintura. Manteve-o apertado por alguns segundos, quando sentiu uma baforada de vapor na cara e caiu no chão agarrado firmemente ao jovem.
Os guardas e o pessoal do castelo que assistiram à cena correram para o canteiro e deparam-se com Maki Hyogo no chão:
– Vejam, consegui agarrá-lo – disse Maki, mas, vendo o que estava abraçando, descobriu que se tratava apenas de uma enorme peônia. Como Hiogo também era astrólogo, logo descobriu do que se tratava.
– Raposas e texugos não conseguiriam passar pelos portões e os guardas do castelo, porém, o jovem sim, pois ele é o espírito da peônia e nasceu aqui mesmo.
Os videntes que estavam no local concordaram plenamente com Maki Hiogo. O espírito da peônia manifestava-se sob aparição de um belo jovem, porém não era na verdade um ser material.
Esclarecido o caso, a princesa Aya levou a grande flor de peônia para seu quarto e colocou-a num vaso com água. Dia a dia, ela foi melhorando de saúde, até recuperar-se completamente. Inexplicavelmente, a grande peônia do vaso também ficava cada vez mais radiante, não dando nenhuma mostra de murchar, apesar de o tempo ir passando.
Como a princesa estava agora com ótima aparência, seu pai não via nenhum motivo para continuar adiando o casamento dela. Então, dias depois, o senhor de Ako e sua família chegaram com uma luxuosa comitiva, para realizar o casamento de seu segundo filho.
A princesa Aya despediu-se da grande peônia e foi para a cerimônia de casamento. Após o ofício, seguiu com seu marido para o castelo de Ako. As camareiras que acompanharam a princesa viram a incomparável beleza da flor quando foram para a cerimônia. E, após o evento, quando passaram pelo quarto da princesa novamente, viram a peônia murchar e despetalar-se. A alma da flor, não suportando a dor de ver sua amada princesa casando-se com outro, despedaçou-se de tristeza.
O povo local, quando contava o caso da princesa Aya ou Aya Hime, passou a referir-se a ela como Botan Hime, ou princesa Peônia.

29/07/2009

Jade do Senhor He



Bian He do reino Chu obteve uma pedra de jade não trabalhada na montanha Chu e ofereceu-a ao rei Li, soberano do reino Chu. O rei Li chamou um artesão para identificar a pedra. Este disse: “´´É uma pedra comum”. O rei Li considerou que Bian He era um mentiroso e mandou cortar-lhe o pé esquerda.
Depois da morte do rei Li, Bian He ofereceu o jade ao novo rei Wu. Este chamou de novo um artesão para avaliar a pedra. Igual ao artesão anterior, este considerou a pedra comum. O rei Wu achou Bian He um mentiroso e mandou cortar-lhe o pé direito.
Depois da morte do rei Wu, o rei Wen subiu ao trono. Bian He levou sua pedra preciosa à montanha Chu e chorou durante três dias e três noites, as lágrimas foram esgotadas e saiu sangue dos olhos. Inteirado do caso, o rei Wen mandou perguntar a Bian He: “A muitas pessoas foram cortados os pés, porque você chorou tão triste?”
Bian He respondeu: “Não estou triste com os meus pés cortados. Estou triste porque a minha pedra preciosa é considerada como uma pedra comum e boa pessoa é considerada como mentiroso!” O rei Wen mandou trabalhar com a pedra e obteve uma jade muito preciosa e baptizou-o como Jade do Senhor He.
Nesta lenda, o autor Han Fei (280 – 233 a. C) comparou a sorte de Bian He com sua própria sorte: Sua estratégia não foi aceita pelo soberano e ele próprio, afastado pelo rei. Entende-se ainda da história: o artesão deve conhecer o jade, o soberano de um país deve conhecer sua gente e o oferecedor do tesouro deve preparar-se para morrer pelo seu tesouro.



28/07/2009

A jovem sem mãos

Um moleiro que havia pouco a pouco caído na miséria não possuía nada mais senão seu moinho e uma grande macieira que ficava atrás da construção. Um dia em que o moleiro foi à floresta pegar lenha, encontrou um velho que nunca tinha visto, e que lhe disse: "Para que se extenuar cortando lenha? Eu posso torná-lo rico se me prometer o que está atrás do seu moinho." O moleiro, que pensou que só poderia ser a macieira, respondeu: "Está combinado", e assinou um compromisso que o estrangeiro recebeu com um sorriso sarcástico, dizendo: "Daqui a 3 anos, voltarei para levar o que me pertence". E foi embora.
Quando o moleiro estava voltando para casa, a mulher veio ao seu encontro e disse: "Quero que você me explique, moleiro, de onde veio essa súbita riqueza em casa. De repente baús e armários ficaram repletos, sem que ninguém tivesse vindo trazer o que quer que seja; não consigo compreender como isso aconteceu". Ele respondeu: "Essas coisas vieram de um desconhecido que encontrei na floresta e que me prometeu grandes riquezas; em troca, eu me comprometi por escrito a ceder-lhe o que está atrás do moinho. Podemos muito bem dar a grande macieira em troca de tudo isso". "Ai, meu homem, - exclamou a mulher apavorada - era o Diabo, e não se tratava da macieira, mas de nossa filha que estava atrás do moinho varrendo o quintal".
A filha do moleiro, uma menina bela e piedosa, viveu esses 3 anos no temor de Deus, sem cometer pecado. Esgotado o prazo e chegado o dia em que o Diabo deveria levá-la, banhou-se e, inteiramente purificada, traçou um círculo de giz ao seu redor. O Diabo apareceu bem cedo mas não pôde aproximar-se. Furioso, ordenou ao moleiro: "Prive-a de água para que ela não possa se lavar; senão não tenho nenhum poder sobre ela". Temeroso, o moleiro obedeceu. Na manhã seguinte o Diabo voltou, mas a jovem havia chorado tanto sobre as mãos, que elas estavam puras. Ainda sem poder aproximar-se, disse, cheio de raiva, ao moleiro: "Corte-lhes as mãos, senão não posso nada contra ela". O moleiro, aterrorizado, respondeu: "Como posso cortar as mãos de minha própria filha?" O Maldoso o ameaçou, dizendo: "Se não o fizer, me pertencerá e o levarei". O pai teve medo e prometeu obedecer. Aproximou-se da filha e disse: "Minha filha, se eu não cortar as suas mãos, o Diabo me levará; como tinha medo, prometi-lhe que o faria. Auxilia-me na minha infelicidade, e perdoe-me o mal que lhe faço!" "Caro pai, - ela respondeu - faça o que quiser comigo; sou sua filha." Estendeu as duas mãos e deixou que ele as cortasse. Quando o Diabo voltou pela terceira vez, ela havia chorado tanto e por tanto tempo sobre os punhos cortados que eles estavam perfeitamente puros. O Diabo teve de renunciar, perdendo todo direito sobre ela.
O moleiro disse então à filha: "Graças a você ganhei tantos bens, que poderei mantê-la no maior luxo por toda a vida." Ela respondeu-lhe: "Eu não poderia ficar aqui. Quero ir embora; pessoas caridosas me darão o necessário." Fez com que amarrassem seus braços mutilados às costas e partiu ao amanhecer; caminhou o dia inteiro sem para até a noite. Chegou então perto de um jardim real onde viu, à claridade do luar, árvores cobertas de belos frutos. Mas não podia entrar, porque estava cercado de água. Como havia caminhado o dia inteiro sem comer nada e estava faminta, pensou: "Ah, se eu pudesse entrar nesse jardim e comer dessas frutas! Caso contrário, morrerei de inanição." Ajoelhou-se , invocou o Senhor Deus e rezou. De repente apareceu um Anjo que manobrou uma comporta, de maneira que a água se escoou e o fosso secou, permitindo a sua passagem. Entrou então no jardim, acompanhada pelo Anjo, chegou a uma árvore coberta de magníficas pêras, todas contadas. Com a boca, pegou uma pêra e a comeu para amenizar a fome, mas não mais do que uma. Foi vista pelo jardineiro que, ao perceber o Anjo ao seu lado, teve medo; pensando que a jovem fosse um Espírito, calou-se, não ousando chamá-la ou dirigir-lhe a palavra. Depois de comer a pêra, aplacada a fome, foi esconder-se sob as folhagens. O rei, a quem o jardim pertencia, foi lá na manhã seguinte; ao contar as frutas, percebeu que estava faltando uma pêra. Perguntou ao jardineiro o que tinha acontecido, pois não a encontrava nem na árvore nem caída no chão. O jardineiro respondeu-lhe: "Na noite passada, um Espírito esteve aqui; porque não tinha mãos, tirou a pêra da árvore com a boca." "Como o Espírito pôde passar pela água - perguntou o rei - e para onde foi depois de ter comido a pêra?" O jardineiro respondeu: "Alguém que veio do Céu, numa veste branca como a neve, fechou a comporta e deteve a água para que o Espírito pudesse atravessar o fosso. E como só poderia seu um Anjo, tive medo e não disse nada. Quando o Espírito acabou de comer a pêra, foi embora." O rei disse então: "Se as coisas aconteceram como está dizendo, passarei a próxima noite velando com você."
Quando escureceu, o rei desceu ao jardim acompanhado de um Padre, que deveria dirigir-se ao Espírito. Os três se instalaram debaixo da árvore e ficaram à espreita. Por volta da meia noite, a jovem saiu de seu esconderijo, foi até a árvore, tomou outra pêra com a boca a comeu; ao seu lado estava o Anjo, com sua veste branca. O Padre aproximou-se e disse: "Você é de Deus ou desse mundo? Um Espírito ou um ser humano?" Ele respondeu: "Não sou um Espírito, mas um pobre ser humano abandonado por todos, menos por Deus." O rei disse então: "Se você foi abandonada pelo mundo inteiro, eu não a abandonarei." Levou-a para o castelo real e, como era bela e piedosa, a amou de todo o seu coração. Mandou que lhe fizessem mãos de prata e a tomou por esposa.
No final de um ano, o rei partiu para a guerra; recomendou a jovem esposa à sua mãe, dizendo: "Na hora do parto fique ao seu lado e cuide bem dela; escreva-me logo em seguida." A jovem rainha pôs no mundo um belo menino e a mãe escreveu imediatamente ao rei, comunicando-lhe a boa notícia. Mas o mensageiro parou no caminho à beira de um riacho e, fatigado pela longa etapa, adormeceu. Veio então o Diabo, que não desistira de prejudicar a piedosa rainha; substituiu a mensagem por outra carta, que dizia que a rainha dera à luz um gnomo. Quando o rei recebeu a carta ficou muito assustado e sentiu uma grande dor, mas escreveu em resposta que cuidassem bem da rainha e a velassem até a sua volta. O mensageiro partiu com a missiva do rei, parou para descansar no mesmo lugar e, mais uma vez, adormeceu. O Diabo voltou e colocou em seu bolso uma outra carta, que dizia que a rainha e a criança deveriam ser mortas. A velha mãe ficou aterrorizada ao ler essa mensagem; acreditando nela, escreveu outra carta ao rei. Mas teve a mesma resposta porque o Diabo sempre substituía a carta verdadeira por outra; a última acrescentava mesmo que a língua e os olhos da jovem rainha deveriam ser conservados como prova.
A velha mãe, chorando sobre o sangue inocente que devia derramar, ordenou que trouxessem uma corça na calada da noite, fez com que lhe cortassem a língua e arrancassem os olhos, guardando-os em seguida. Depois, disse à jovem rainha: "Não posso mandar matá-la, como ordenou o rei, mas não pode continuar aqui por mais tempo: vá embora com seu filho por este vasto mundo e não volte mais." Prendeu a criança nas costas da infeliz mulher, que partiu chorando. Quando chegou numa grande floresta, pôs-se de joelhos para orar a Deus; apareceu então um Anjo do Senhor que a conduziu até uma pequena casa, onde estava escrito: "Aqui, todos podem alojar-se livremente." Da casa surgiu uma jovem virgem, branca como a neve, que lhe disse: "Seja bem vinda, Senhora Rainha", e a fez entrar. Desamarrando a criança das costas da rainha, deixou que mamasse no seio da mãe, e a colocou em seguida numa bela caminha, anteriormente preparada. A infeliz mulher perguntou-lhe então: "Como sabia que eu era rainha?" A virgem branca respondeu: "Sou um Anjo enviado por Deus para cuidar de você e de seu filhinho." Por 7 anos a rainha ficou naquela casa, onde foi muito bem tratada. Pela graça de Deus, e em virtude de sua grande piedade, suas mãos cortadas se restauraram.
Quando orei voltou enfim da guerra e chegou em casa, sua primeira preocupação foi a de ver a mulher e o filho. A velha mãe se pôs a chorar e disse: "Homem mau, como pôde me escrever para que tirasse a vida dessas duas almas inocentes?" Mostrou-lhe as cartas que o Diabo havia falsificado, e acrescentou: "Fiz o que mandou", mostrando-lhe, como prova, a língua e os olhos. O rei pôs-se então a chorar tão amargamente sua pobre mulher e seu jovem filho, que a mãe se compadeceu e disse: "Console-se, ela ainda está viva. Ordenei que matassem uma corça em segredo, para dela tirar as provas exigidas; quanto à sua mulher, amarrei a criança em suas costas e a enviei por este vasto mundo, fazendo com que prometesse que nunca mais voltaria aqui, por causa de sua cólera contra ela." O rei disse então: "Quero partir e ir até onde se estende o azul do Céu, sem comer ou beber, até que tenha encontrado minha querida mulher e meu filho, se ainda não morreram num acidente ou foram vítimas da fome."
O rei percorreu o mundo durante 7 anos, procurando-os em todas as fendas de rochedos e cavernas; não os encontrando, pensou que haviam morrido de esgotamento. Durante todo esse tempo não comeu nem bebeu, mas Deus o susteve. Enfim, entrou numa grande floresta onde encontrou a pequena casa com a placa que dizia: "Aqui, todos podem alojar-se livremente." A virgem branca saiu, tomou-o pela mão, fez com que entrasse, e disse: "Seja benvindo, Senhor Rei." Depois, perguntou-lhe de onde vinha. Ele respondeu: "Vai fazer 7 anos que erro em busca de minha mulher e de seu filho, mas não os encontro em parte alguma." O Anjo ofereceu-lhe o que beber e comer, mas ele recusou, desejando apenas descansar um pouco. Deitou-se para dormir, cobrindo o rosto com um lenço.
O Anjo entrou então no quarto onde estava a rainha com o filho, que ela se habituara a chamar de Rico-em-Dores, e lhe disse: "Venha com seu filho, seu marido está aqui." Ela foi até onde ele estava deitado, e o lenço caiu no chão. Disse ao filho: "Rico-em-Dores, pegue o lenço de seu pai e cubra o seu rosto." A criança recolheu o lenço e o recolocou sobre o rosto do rei. Este havia ouvido tudo em seu sono e fez com que o lenço caísse novamente. Impaciente, o menino disse à mãe: "Minha mãe querida, como posso cobrir o rosto de meu pai, se não tenho pai neste mundo? Quando aprendi a oração "Pai nosso que estás nos Céus", você me disse que meu pai estava no Céu e que era o bom Deus - como eu poderia conhecer um homem tão selvagem? Este não é meu pai." Ouvindo isso, o rei levantou-se e perguntou à jovem mulher quem era ela. Ela respondeu: "Sou sua mulher, e este é seu filho Rico-em-Dores." Vendo suas mãos vivas, ele disse: "Minha esposa tinha mãos de prata", ao que ela respondeu: "Minhas mãos naturais foram recompostas novamente pela graça de Deus", o Anjo foi então ao quarto vizinho, de onde voltou com duas mãos de prata para mostrar ao rei. Este viu então que se tratava na verdade de sua querida mulher e de seu filho amado; abraçou-os com alegria e lhes disse: "Uma pesada pedra foi retirada de meu coração." O Anjo de Deus lhes serviu uma última refeição juntos, e eles voltaram para casa, para perto da velha mãe. Houve por toda a parte uma grande alegria: o rei e a rainha celebraram suas núpcias pela segunda vez e viveram felizes até o fim de seus dias abençoados.





26/07/2009

O leão

Os filhotes não haviam ainda aberto os olhos. Estavam há três dias juntinho a mãe leoa, movendo-se apenas para tatear em busca de leite, sem nada ver ou ouvir.
Um pouco afastado, o leão observava-os orgulhosamente.
Subitamente pôs-se em pé e, sacudindo a linda juba, soltou um rugido que parecia um trovão.
Imediatamente os filhotes abriram os olhos, enquanto que todos os animais selvagens da floresta fugiram aterrorizados.
Assim como o leão acorda seus filhos com um grito alto, também o elogio desperta a virtude adormecida de nossos filhos. Encoraja-os a estudar e a lutar pela honra, e afasta tudo o que é indigno deles.






25/07/2009

A tennin e o pescador



Era primavera na bela praia de Miho no Matsubara, na região costeira de Suruga (hoje Shizuoka). E, por ser primavera, os pássaros cantavam alegremente nas formosas árvore de matsu (pinheiro) e davam um encanto todo especial àquela praia. O mar azul dançava ao sabor das ondas, iluminado pela luz do sol, fazendo brilhar pontos luminosos, como vaga-lumes cintilantes em pleno dia. Ao fundo, o imponente Monte Fuji, com seu topo nevado.
Hakuryo, um pescador que morava nas proximidades, vinha andando pelas brancas areias da praia e, de repente, sentiu um agradável perfume.
– Ah! Que perfume maravilhoso! – tentando localizar de onde vinha, viu algo cintilante movendo-se no galho de um pinheiro. Apurou bem os olhos e viu que se tratava de um tecido leve flutuando com o sopro da brisa. O pescador apanhou o tecido e percebeu que era um manto branco tecido com fios de penas. O perfume agradável vinha daquele delicado pedaço de tecido.
A peça era realmente deslumbrante e, a cada movimento, mudava de tonalidade, revelando-se algo de grande valor.
– Este manto deve ter caído do céu. É bonito demais para ser algo terrestre. Acho que encontrei algo muito precioso, digno de ser guardado como um tesouro do Japão – pensou o pescador.
Ato seguinte, Hakuryo foi para casa exalando o gostoso perfume que o véu desprendia. Resolveu que, naquele dia, não iria mais pescar. O achado era mais valioso que qualquer quantidade de peixe que conseguisse pescar. De repente, ouviu uma voz feminina, que pedia:
– Por favor, devolva-me esse véu, que é meu.
O pescador olhou para trás e viu uma jovem de admirável beleza.
– Eu encontrei esse manto, por isso ele vai ficar comigo. Pretendo levá-lo ao palácio imperial, para ser colocado junto aos tesouros sagrados do Japão. Portanto, é impossível dar a você esse véu de rara beleza.
– Sem o véu tecido com fios de pena, eu não posso voltar à Alta Planície Celeste. Ficarei presa na terra para sempre. Por favor, devolva meu véu.
Foi então que o pescador notou que a bela garota era uma tennin (habitante do céu). Seus cabelos negros e longos desciam pelo ombro dançando sobre sua veste prateada. Nunca, em toda sua vida, Hakuryo havia imaginado que pudesse existir uma criatura tão bela.
– Por favor, devolva meu hagoromo (véu de fios de penas) – disse, chorando, a ninfa celeste.
O pescador sentiu grande emoção ao ver as lágrimas rolarem pela alva e macia face da ninfa. Ela parecia ainda mais bonita derramando lágrimas.
– Está bem, vou devolver o véu, mas, antes, quero que dance para mim. Ouvi dizer que as ninfas celestes dançam maravilhosamente bem.
– Sim, eu dançarei para você, mas, por favor, devolva-me o véu, pois sem ele não poderei dançar.
– Oh, não! Se eu devolver o véu, você vai embora voando para o céu sem dançar para mim. Não sou idiota como você imagina – protestou o pescador.
– Nós, habitantes do céu, não mentimos jamais. Se eu disse que vou dançar para você, com certeza assim vou fazer. Esse tipo de desconfiança só existe aqui na terra. E, sem o véu, como posso dançar?
Hakuryo ficou envergonhado de ter desconfiado da bela tennin e devolveu, então, o véu, com pedidos de desculpas.
Assim que recebeu o véu, a bela ninfa celeste colocou-o sobre seus ombros e começou a dançar. Aos poucos, ela começou a flutuar, encantando o pescador com o ritmo harmonioso de seus gestos. Um indescritível perfume envolveu Hakuryo, que, hipnotizado pelo encanto da tennin, apreciava admirado aquele belo espetáculo. Dançando e dançando, a garota foi subindo em direção ao céu. Subiu mais alto que os pinheiros da praia de Miho, continuando sempre a dançar, e atingiu o sagrado Monte Fuji, desaparecendo nas nuvens que envolvem seu topo.


Lenda do Japão




24/07/2009

O administrador desonesto




Havia um homem rico que tinha um administrador. Foram dizer a esse homem que o administrador estava desperdiçando o dinheiro dele. Por isso ele o chamou e disse:
- É verdade o que estão falando de você? Preste contas da sua administração porque você não pode mais continuar como meu administrador.
Aí o empregado pensou: “O meu patrão está me despedindo. E, agora, o que eu vou fazer? Não tenho força bastante para cavar a terra e tenho vergonha de pedir esmola. Ah! Já sei o que vou fazer... Assim, quando for mandado embora, terei amigos que me receberão nas suas casas.”
Então ele chamou todos os devedores do patrão e disse ao primeiro:
- Quanto é que você deve ao meu patrão?
- Cem barris de azeite – respondeu ele.
- Aqui está a sua conta. Sente-se e escreva cinqüenta – disse o administrador.
Para o outro disse;
- E você quanto deve?
-Mil medidas de trigo – respondeu ele.
- Escreva oitocentas – mandou o administrador.
E aquele administrador foi elogiado pela sua esperteza.
Quem è fiel nas coisas pequenas também será nas grandes; E quem è desonesto nas coisas pequenas também será nas grandes.
Você é de confiança? Deve demonstrar isso desde cedo, mesmo nas menores coisas.


Parábolas de Jesus
Lucas 16:1-12



A bailarina



Uma patinha estava ensaiando balé ao som de "O Lago dos Cisnes" , quando sua colega de equipe a surpreendeu usando uma de suas sapatilhas preferidas...
- Quem lhe deu permissão para usar o que é meu? - perguntou a proprietária, autoritária. - Ninguém - respondeu humildemente a patinha, retirando as sapatilhas - eu só estava tentando sentir aquilo que você deve sentir quando está diante do público, sentindo o calor das luzes da ribalta...
- Quanta ingenuidade! - exclamou a outra patinha.
- Não pensei que você se zangasse...
Nisso, surgiu o patinho que contracenava com as duas; pondo, assim, fim às divergências.
- O que é meu, é meu. Tenho ciúmes, e pronto - dizia a patinha ofendida. E ficou a grasnar sozinha.
Todavia, o destino lhes havia reservado uma surpresa. Depois dos ensaios, quando saíam do teatrinho improvisado à beira do lago, a renitente patinha sofreu um acidente, e torceu uma de suas patinhas.
- Ai, que dor! - grasnou a pobrezinha, contorcendo-se toda - ai!... sem que alguém lhe solicitasse, a patinha, que anteriormente era repreendida, foi ao socorro de sua colega, aplicando-lhe, imediatamente, algumas massagens no machucado, fazendo desaparecer aquelas dores horríveis; alegando que tinha feito um curso de enfermagem, e que aprendera a fazer uso de seus conhecimentos...
Foi assim que a outra patinha aprendeu uma grande lição: que todos nós vivemos em função um do outro; que de nada vale alimentarmos sentimentos contrários dos grandes sábios, pois o próximo que um deles se referiu, é todo aquele que vive ao nosso lado: rindo quando sorrimos, chorando quando choramos e sofrendo quando a dor nos visita, sabendo que, no final de tudo, o amor sempre é vitorioso.
Até pareceu-me que aquela patinha conhecia os ensinamentos de Jesus!

Nilson Mello



22/07/2009

A Lenda da Atlântida e dos Açores


Segundo a lenda, há muito tempo teria existido um grande continente, chamado Atlântida.Situava-se no meio do oceano que recebeu o seu nome-o Atlântico- em frente às Portas de Hércules de que nos fala a Mitologia Grega. Essas portas erguiam-se no sítio onde hoje está o Estreito de Gibraltar, fechando por completo o Mar Mediterrânico.

A História ...

A Atlântida teria sido um paraíso, feito de exóticas paisagens, com um clima suave, e florestas de árvores gigantescas , ao lado de extensas e férteis planícies. Os animais eram dóceis mas fortes. E havia as cidades, grandes e pequenas Os atlantes, eram senhores de uma civilização muito avançada. Palácios e templos cobertos a ouro e outros metais preciosos destacavam-se numa paisagem onde o campo e a cidade conviviam em harmonia. Jardins, fontes, ginásios, estádios, estradas, aquedutos, pontes... estavam por todo o lado e á disposição de toda a gente. E da abundância nasceram e prosperaram as artes e as ciências. Eram muitos os artistas, músicos e grandes sábios.



Mas não podiam estar completamente tranquilos. Não estavam sózinhos no mundo. Por isso apesar de prezarem a paz nunca deixaram de praticar as artes da guerra, já que vários povos, movidos pela inveja, cobiçando a sua riqueza, tentavam conquistar o continente. As vitórias obtidas contra os invasores foram tão grandiosas que logo despertaram o orgulho e a ambição de passar ao contra ataque. Já não para defender mas para aumentar o território da Atlântida. Assim o poderoso exército Atlante preparou-se para a guerra e aos poucos foi conquistando grande parte do mundo conhecido de então, dominando vários povos e várias ilhas em seu redor, uma grande parte da Europa Atlântica e parte do Norte de África. Os seus corações até ali puros foram endurecendo como as suas armas. Enquanto se perdia a inocência nasciam o orgulho, a vaidade, o luxo desnecessário, a corrupção e o desrespeito para com os deuses. Poséidon, o maior de entre todos, convocou então os outros deuses para julgar os atlantes tendo decidido aplicar-lhes um castigo exemplar. Como consequência deram-se terriveis desastres naturais.



As terras da Atlântida tremeram violentamente, o dia fez-se noite, e de seguida apareceu o fogo que queimou florestas e campos de cultivo. O mar inundou a terra com ondas gigantes, engolindo aldeias e cidades. Em pouco tempo a Atlântida desaparecia para sempre. No entanto, as suas grandes montanhas não teriam sido completamente cobertas pelas águas. Os altos cumes ficaram acima da superfície dando origem, segundo a lenda, às nove ilhas dos Açores. Nesses cumes teriam sobrevivido alguns atlantes, que se espalharam pelo mundo fora, deixando descendência...



O Rabequista



Em tempos muito remotos, os habitantes de urna grande cidade levantaram uma igreja magnífica a Santa Cecília, padroeira dos músicos.
As rosas mais vermelhas e os lírios mais cândidos enfeitavam o altar, O vestido da santa era de filigrana de prata e os sapatinhos eram de oiro, feitos pelo melhor ourives que havia na cidade. A capela estava constantemente cheia de peregrinos e devotos.
Uma vez foi lá em romaria um pobre rabequista, pálido, magro, escaveirado. Como a jornada tinha sido muito longa, estava cansado, e já no seu alforge não havia pão, nem dinheiro no bolso para o comprar.
Assim que entrou na capela, começou a tocar na sua rabeca com tal suavidade, com tanta expressão, que a santa ficou enternecida ao vê-lo tão pobre e ao escutar aquela música deliciosa. Quando terminou, Santa Cecília abaixou-se, descalçou um dos seus ricos sapatos de oiro e deu-o ao pobre músico, que tonto de alegria, dançando, cantando, chorando, correu à loja de um ourives para lho vender. O ourives reconhecendo o sapato da santa, prendeu imediatamente o rabequista e conduziu-o à presença do juiz. Instauraram-lhe processo, julgaram-no, e foi condenado à morte.
Chegara o dia da execução. Os sinos dobravam lastimosamente, e o cortejo pôs-se em marcha ao som dos cânticos dos frades, que ainda assim não chegavam a dominar os sons da rabeca do condenado, que pedira, como última graça, o deixarem-lhe tocar na sua rabeca até ao último momento. O cortejo chegou defronte da capela da santa e, quando pararam, suplicou o triste desgraçado que o levassem lá dentro para tocar a sua derradeira melodia.
Os padres e os chefes das escoltas consentiram e o rabequista entrou, ajoelhou aos pés da santa, e debulhado em lágrimas começou a tocar. Então o povo, maravilhado e aterrado, viu Santa Cecília curvar-se de novo, descalçar o outro sapato e metê-lo nas mãos do infeliz músico. A vista deste milagre, todos os assistentes levaram em triunfo o rabequista, coroaram-no de flores, e os magistrados vieram solenemente prestar-lhe as mais honrosas homenagens.


Contos para a Infância, Guerra Junqueiro



A ilha deserta

Certa vez um homem muito rico, de natureza boa e generosa, queria que o seu escravo fosse feliz. Para isso lhe deu a liberdade e um navio carregado de mercadorias.
- Agora você está livre - disse o homem. - Vá e venda esses produtos em diversos países e tudo o que conseguir por eles será seu.
O escravo liberto embarcou no navio e viajou através do imenso oceano. Não havia viajado muito tempo quando caiu uma tempestade. O barco foi arremessado violentamente contra os rochedos e se fez em pedaços. Tudo o que havia a bordo se perdeu. Somente o ex-escravo conseguiu se salvar, porque, a nado, pôde alcançar a praia de uma ilha próxima. Triste, abatido e só, nu e sem nada, o ex- escravo caminhou até chegar a uma cidade grande e bonita. Muita gente se aproximou para recebê-lo, gritando:
- Bem-vindo! Bem-vindo! Longa vida ao rei!
Trouxeram uma rica carruagem, onde o colocaram e escoltaram-no até um magnífico palácio. Lá muitos servos se reuniram ao seu redor, vestiram-no com roupas reais e todos se dirigiam a ele como soberano, em total obediência à sua vontade. O ex-escravo, naturalmente, ficou feliz e, ao mesmo tempo, confuso. Ele desejava saber se estava sonhando ou se tudo o que via, ouvia ou experimentava não passava de uma fantasia passageira. Convenceu-se, finalmente, de que o que estava acontecendo era real. E perguntou a algumas pessoas que o rodeavam, de quem gostava, como havia chegado àquela situação.
- Afinal - disse, - sou um homem de quem vocês nada conhecem, um pobre e despido vagabundo que nunca viram antes. Como podem transformar-me em seu governante? Isto me causa muito mais espanto do que possa dizê-lo.
- Senhor - responderam - esta ilha é habitada por espíritos. Há muito tempo eles rezaram para que lhes fosse enviado um filho do homem para governá-los, e suas preces foram ouvidas. Todos os anos é enviado um filho do homem. Eles o recebem com grande dignidade e o colocam no trono. Porém seu 'status' e seu poder acabam quando se completa o ano. Então lhe tiram as vestes reais e o põe a bordo de um barco que o leva para uma grande ilha deserta. Lá, a não ser que antes tenha sido sábio e tenha se preparado para esse dia, não encontra amigos, não encontra nada: vê-se obrigado a passar uma vida aborrecida, solitária e miserável. Elege-se então um novo rei, e assim acontece ano após ano. Os reis que o antecederam foram descuidados e não pensaram. Desfrutaram plenamente do seu poder, esquecendo- se do dia em que tudo acabaria.
Essas pessoas aconselharam ao ex-escravo a ser sábio e permitir que suas palavras permanecessem dentro do seu coração. O novo rei ouviu tudo atentamente, e lamentou ter perdido o pouco tempo que havia passado desde que chegara à ilha. Pediu ao homem de conhecimento que havia falado:
- Aconselhe-me, ó Espírito da Sabedoria, como devo preparar-me para os dias que chegarão no futuro.
- Nu você chegou até nós - disse o homem - e nu será enviado à ilha deserta da qual lhe falei. Agora você é rei e pode fazer o que quiser. Por isso mande trabalhadores à ilha e permita-lhes que construam casas, preparem a terra e tornem belas as redondezas. Os terrenos áridos devem ser transformados em campos frutíferos. As pessoas deverão ir viver lá e você estabelecerá um reino para si mesmo. Seus próprios súditos estarão esperando quando você chegar para dar-lhe as boas-vindas. O ano é curto, o trabalho é longo: seja diligente e enérgico.
O rei seguiu o conselho. Mandou trabalhadores e materiais para a ilha deserta, e antes de findar a vigência de seu poder a ilha se transformou num lugar fértil, aprazível e atraente.
Os governantes que o tinham precedido haviam antecipado o fim de seu tempo com medo, ou afastavam este pensamento se divertindo. Ele, porém, o aguardava com alegria, uma vez que então poderia começar sobre uma base de paz permanente e felicidade.
O dia chegou. O escravo liberto que tinha sido feito rei foi despojado de sua autoridade. Ao perder seus trajes reais, perdeu também seus poderes. Nu, foi colocado num barco, e as velas inflaram em direcção à ilha. Porém quando se aproximou da praia as pessoas que tinham sido enviadas antes para lá vieram para recebê-lo com música, canções e muita alegria. Fizeram- no seu governante, e ele viveu em paz.


21/07/2009

A biblioteca viva



Era uma vez, na Roma antiga, um homem muito rico, que gostava de exibir a sua riqueza em festas fabulosas. Mas havia um inconveniente.
Como o ricaço tivesse pouca instrução, com dificuldade acompanhava as conversas dos seus convidados, que apreciavam falar de literatura e de outros assuntos desenvolvidos em livros, que ele desconhecia.
Apercebendo-se disso, ordenou ao governante do seu palácio que escolhesse uns tantos escravos inteligentes e de boa memória. Para quê? Para obrigar cada um deles a decorar um livro. Queria assim provar que os livros eram dispensáveis, desde que se dispusesse de escravos capazes
de os saber de cor e salteado.
A aprendizagem dos escravos demorou, mas ao fim de algum tempo este homem muito rico podia orgulhar-se de possuir a única biblioteca viva de todo o Império romano.
Sempre que queria mostrar que não ficava atrás dos seus convidados mais cultos, o homem muito rico batia palmas e chamava, pelo nome da obra, o escravo que a tinha
decorado. Tanto podia ser a "Ilíada", como a "Odisseia" ou a "Eneida". O escravo recitava-a, fosse do princípio, fosse do meio, fosse do fim para o princípio.
De uma vez, estava o homem muito rico à conversa com alguns poetas e escritores, e quis embasbacá-los.
– Conheço uma passagem da "Ilíada", que vem a propósito do que estávamos a conversar – disse ele, enquanto batia palmas – Chamem o "Ilíada".
Mas o escravo que sabia a "Ilíada" não apareceu.
– Que se passa? – perguntou o homem muito rico, estranhando a demora.
O governante do palácio, aflito, ajoelhou-se aos pés do seu exigente patrão e balbuciou:
– Perdoai-me, senhor, mas o "Ilíada" está com dores de barriga.
Parece que foi a partir deste incidente que o homem muito rico se resolveu a ganhar instrução pelos seus próprios meios.



19/07/2009

Cinco Montanhas Sagradas

中国国际广播电台
Segundo a mitologia chinesa, os seres humanos foram criados por Nü Wa. O mundo conheceu tempos de paz, após a conclusão de sua façanha. Mas, um dia, ocorreu um grande choque entre o céu e a terra. O céu tornou-se um enorme buraco e a terra conheceu muitas crateras que espargiam labaredas de fogo que destruíam as imensas florestas; as montanhas submergiam sob as águas; as bestas e animais malignos andavam às soltas, enquanto os seres humanos eram maculados pelo sofrimento.

Nü Wa ouviu o apelo dos seres humanos. Ela matou as bestas e animais malignos, amenizou as inundações e começou a reconstituir o céu.
Nü Wa recolheu montanhas de lenhas na terra e transportou-as até o buraco celeste. Além disso, selecionou pedras azuis idênticas ao céu anil. Além disso, recolheu pedras brancas, vermelhas, pretas e amarelas e as colocou em cima dos gigantescos feixes de lenhas. Depois, a incendiou. O fogo iluminou o Cosmos. Pouco a pouco, as pedras se derreteram, se tornaram lama e taparam o buraco no céu.
Nü Wa reconstituiu o céu, mas não conseguiu recuperar sua forma original. Assim, permaneceu inclinado ao Noroeste, fazendo com que tanto o Sol quanto a Lua caíssem sempre no Oeste; a terra ficou com uma grande cratera ao Sudeste que traga todos os rios que correm na terra, formando-se os grandes oceanos.
A leste do mar Bo, havia um profundo vale Guixu, onde as águas se acumulavam. Em Guixu, encontravam-se cinco montanhas sagradas, que se chamavam respectivamente Daiyu, Yuanqiao, Fanghu, Leizhong e Penglai. Todas elas tinham uma altura de 30 mil lis (dois lis equivalem a um quilômetro) e se distanciavam por 70 mil lis. Os imortais viviam nas montanhas.
Todos os pássaros e animais nas montanhas eram brancos e as árvores davam saborosas frutas que imortalizavam as pessoas comuns. Os imortais vestiam roupas brancas e possuíam pequenas asas às costas. Voavam como pássaros entre as montanhas para visitar seus parentes ou amigos e levavam uma vida muito feliz.
Mas, estavam aborrecidos com uma coisa: as montanhas permaneciam rodeadas pelo mar. Elas eram transportadas pelas ondas provocadas pelas tempestades, dificultando as “viagens” dos imortais. Estes, então, resolveram enviar um representante para apresentar suas queixas ao imperador celestial. Preocupado com o mesmo problema, o imperador celestial enviou 15 grandes tartarugas para carregar as cinco montanhas: uma carregava a montanha, enquanto duas aguardavam a troca de turno, prevista para cada 60 mil anos. O problema foi resolvido e os imortais sentiram grande satisfação.
Um ano, um habitante do País dos Gigantes foi a Guixu pescar. O corpo do gigante se assemelhava ao de uma montanha e pescou, uma após outra, as seis tartarugas que se responsabilizavam pelas duas montanhas. Assim as montanhas Daiyu e Yuanqiao foram levadas pelo vento ao pólo Norte e afundaram no mar. Os seus habitantes, apavorados, tinham que mudar de casa e ficaram exaustos por transportar seus bens voando.
Inteirado da desgraça, o imperador celestial ficou zangado com o País dos Gigantes e reduziu a estatura de seus habitantes, a fim de evitar a repetição da tragédia.
As outras três montanhas sagradas carregadas pelas tartarugas permanecem no litoral chinês até hoje.




18/07/2009

A princesa Marya e Blénio




Certa vez, numa terra muito distante, vivia uma princesa tão bela que muitos príncipes vieram pedir sua mão em casamento. Mas seu pai, o czar, recusou-os todos, achando que nenhum era bom o bastante para ela. Um dia, um velho pergunto ao czar, se seu filho poderia casar-se com a princesa.
- Quem é seu filho?, perguntou o czar.
- Majestade, respondeu o velho, “meu filho é um blênio”.
Mas esse é um peixe que vive no fundo do rio!, o czar exclamou. O que você está dizendo é ridículo!
Sim, de fato, persistiu o velho. Durante muitos anos minha mulher e eu sofremos porque não tínhamos filhos. Então, certo dia, enquanto eu pescava, encontrei Blênio na ribanceira do rio. O peixe pediu-me que lhe poupasse a vida e prometeu que seria um filho para mim e minha esposa, e então o levei para casa. Agora, como ele cresceu, pediu-me que lhe arranjasse o casamneto com sua filha.
Por que eu deixaria que a princesa se casasse com ele?, perguntou o czar.
Naquele momento, detrás de uma cortina, a filha se manifestou.
- Pai, por que você não dá uma tarefa ao Blênio? Se ele obtiver êxito, casar-me-ei com ele, mas se ele fracassar, será morto. É assim que os russos fazem, disse ela.
O czar pensou por um instante. Bom, meu velho, o seu filho pode se casar com minha filha se ele construir um novo palácio para ela, melhor que o meu. E deve fazer isso atá amanhã de manhã, do contrário cortar-lhe-ei a cabeça e a sua também, para que sirva de lição!
O velho quase morreu de terror, mas ao voltar para casa e contar ao filho qual era a exigência do czar, Blênio disse: Não tema pai. Vá dormir, e “amanhã veremos o que tivermos de ver”.. Naquela noite, Blênio deslizou até a porta da casa, saltou o muro, e transformou-se num lindo rapaz. Ergueu um bastão de ferro e fincou sua ponta no chão. Instantaneamente, surgiram trinta homens armados que lhe perguntaram: Qual é o seu desejo?
Construam-me um palácio vizinho ao do czar, ainda mais belo que o dele.
Os homens responderam que fariam o serviço e ele voltou para casa como peixe. Na manhã seguinte, ele acordou o pai e disse: Pegue um machado, vá ao palácio do czar, depois volte e diga-me o que viu.
O velho fez o que o filho pediu e não conseguiu acreditar no que seus olhos viam. O palácio era mais lindo do que o do czar e o velho pegou o machado e atingiu suas paredes, mas nem uma só lasca saiu das paredes. Voltou para casa e disse o que vira ao filho.
Agora, disse o filho,vá até o czar e peça a mão de sua filha, novamente.
Nesse ínterim, o czar tinha visto o novo palácio e ficou intrigado. Pensou: - “O filho deste velho não é um homem comum!” Entretanto, odiava a idéia de sua filha casar-se com um peixe. Quando o velho chegou, o czar disse: - Tenho outra tarefa para seu filho. Ele deve construir uma igreja , tão linda como a catedral. E tem que construir três pontes : uma que vá da velha catedral até a nova, outra da nova igreja até o palácio e a terceira da minha casa até o palácio dele. Se ele não construir até amanhã vocês morrerão.
O velho tremeu e pensou: - Eu devia ter matado Blênio no rio! Mas quando contou ao filho a nova tarefa ele sorriu e disse: - Não tema pai. Vá dormir e “amanhã veremos o que tivermos de ver.”
Naquela noite, depois do velho ir dormir, ele novamente saiu de casa e virou um rapaz e quando seus homens apareceram ele mandou que construissem a catedral e as três pontes. Ele voltou para casa e foi dormir.
No dia seguinte ele acordou o pai e disse novamente para ele pegar o machado e ir até o palácio do czar. O velho foi, e quando chegou perto viu a linda catedral que fora erguida e as três pontes. O velho tentou atingir a Igreja com o machado, mas nem uma só lasca saiu. Voltou para casa contando tudo para o filho.
Meu pai, vá até o palácio e veja o que o czar dirá desta vez. Quando chegou, o velho viu o czar admirando assombrado a catedral e as três pontes. Mas ele disse ao velho que tinha uma última tarefa para seu filho. Diga a ele que quero que me traga um trenó e três cavalos melhores do que todos os que possuo.Se ele conseguir casar-se-a com a princesa, mas se fracassar terão as cabeças cortadas. Mas quando o velho voltou para casa e contou ao filho este sorriu e mandou o pai dormir. “Amanhã veremos o que tivermos de ver.”
Mais tarde, saiu de casa e ordenou aos seus homens que achassem um trenó com três cavalos mais maravilhosos do que os do czar.
No dia seguinte, ele novamente acordou o pai e mandou que ele fosse até o palácio e depois voltasse para contar o que vira.O velho quando chegou perto, viu assombrado o trenó com os três lindos cavalos. Ele voltou para casa e contou ao filho, que mandou que ele voltasse e pedisse a mão da princesa. O czar que já tinha visto o trenó, declarou que como seu filho cumpriu as tarefas, eu manterei minha promessa. Traga-o até aqui e a princesa se casará com ele, hoje mesmo, não importando o que o povo diga.
O velho correu para casa e contou as novidades ao filho, e este lhe disse: - Coloque-me num saco e leve-me até o palácio para a festa de casamento. Todos riam porque a princesa ia se casar com um peixe. O velho chegou ao palácio e colocou Blênio numa banqueta, aí começou a comemoração das bodas. Por fim, foram todos para a Igreja onde os dois se casaram. Depois das festas o casal recolheu-se à sua nova casa.
Eles viveram juntos por três anos, mas toda noite Blênio transformava-se num rapaz. A cada manhã ele voltava a ser peixe, só a princesa sabia da verdade.
Certa manhã a princesa acordou mais cedo e sentiu-se sozinha e triste, pois todos riam dela por ter se casado com um peixe. Ela teve uma idéia. Resolveu queimar a pele de peixe do marido antes que ele acordasse, assim ele ficaria homem para sempre. Ela queimou o traje e quando entrou no quarto, seu marido havia sumido. Naquele mesmo instante, um pequeno pássaro entrou voando pela janela.
Que pena, princesa Marya, disse a ave. Se você tivesse esperado mais três dias, seu marido teria ficado livre de um feitiço. Teria ficado humano para sempre, mas agora você o perdeu. Falou e saiu voando pela janela.
Ela ficou desesperada pensando porque tinha feito aquilo. Durante uma semana ela sofreu, mas depois levantou-se e jurou que iria em busca do marido e o salvaria. Naquele mesmo dia saiu do palácio, partindo sem saber para onde. Sua única pista era a avezinha. Quando chegou nos limites da cidade ela encontrou uma velha debruçada numa janela de uma pequena cabana.
- Por que esse ar tão triste, princesa Marya?, perguntou a velha.
- Estou procurando por meu marido. Queimei a pele dele e o perdi para um feitiço.
Você jamais irá encontrá-lo viajando do modo como está. Volte para casa e peça ao ferreiro que lhe prepare três pares de botas de ferro, três chapéus de ferro e três pães de ferro. Então volte aqui e eu lhe direi onde ir em busca do seu marido.
A princesa agradeceu pelos conselhos da velha e voltou para casa. Pediu aos ferreiros que fizessem tudo que a velha mandara. Depois ela foi encontrar-se com a velha. Hoje está muito tarde para você seguir viagem, disse a velha. Jante comigo e descanse. Amanhã poderá partir. No dia seguinte, ao amanhecer, a velha ofereceu-lhe alguns conselhos.
Depois de sair daqui, procure um grande buraco na terra , disse a velha. Quando chegar ao abismo, coloque um dos pares de botas, um dos chapéus e coma um pão. Então desça. Você encontrará lá muitas pessoas gritando, cantando e chorando, e elas lhe pedirão que fique com elas, entretanto você deve seguir em frente sem demora. Se parar, jamais sairá desta caverna. Quando tiver gasto os três pares de botas, os três chapéus e comido os três pães de ferro, chegará ao fim da passagem. Do outro lado vive minha irmã, e ela lhe dirá o que fazer a seguir.
A princesa ficou hororizada por tudo que teria que passar, mas agradeceu e partiu. Depois de muito andar, seu caminho terminou repentinamente na beira de um abismo. Ela espiou lá embaixo e não viu o fim. Destemida ela colocou o par de botas, o chapéu e comeu um pão de ferro. Depois começou a descer no vazio. Desceu, desceu, desceu, até que chegou num túnel sombrio. Lá ouviu pessoas que gritavam, cantavam e choravam, as quais lhe pediam que ficasse com elas. Mas ela os ignorou e foi em frente. A cada passo ela sangrava , pois o chão tinha lâminas de ferro e penduradas no teto também havia lanças de ferro, e sua cabeça as tocava e fios de sangue corriam em seu rosto.
Conforme ela afundava, mais e mais na escuridão, mais estridentes eram os gritos à sua volta. Ela lutou muito e, quando comeu seu derradeiro pão, usou o último par de botas e o último chapéu, viu um lampejo de luz ao longe. Chegou no final da caverna e arrastou-se até a luz do sol e despencou numa encosta gramada. Por uma semana ficou imóvel, fraca demais para se movimentar.Levantou-se ainda enfraquecida e andou aos tropeções, chegando numa casa que bateu na porta. Baba Yaga, a grande bruxa apareceu para recebê-la.
- Princesa Marya! Aonde vai nesse estado? Minha irmã deve tê-la mandado aqui!
Marya contou o que acontecera com seu marido por sua culpa, mas que por amá-lo muito estava a sua procura.
Baba Yaga suspirou, e disse: Já se passaram dez anos desde que seu marido passou por minha casa. Agora ele é humano, mas nesse intervalo, casou-se com a filha do Rei de Fogo e agora vive com ela em seu palácio. Eu lhe direi como encontrá-lo e conquistá-lo de novo, mas antes descanse e coma.
Por uma semana a princesa ficou com BabaYaga, recuperando as forças. Então a bruxa lhe disse: Chegou a hora de você ir ver seu marido.Eis o que você deve fazer. No jardim em torno do palácio em que ele vive, há uma pequena encosta. Sente-se no chão gramado desse morro e penteie-se com este pente de ouro. A filha do rei sairá do palácio ao vê-la e pedirá para comprar o pente de ouro. Ela estará acompanhada de duas mulheres, e elas têm exatamente a mesma aparência. Por isso, você deve cuidar para escolher a mulher certa, que será a do meio. Diga-lhe que você troca o pente por uma noite a sós com Blênio, mas não lhe dê o pente antes de estar com seu marido.
A princesa Marya agradeceu a BabaYaga pela sua ajuda e saiu da casa dela.
Chegou a um grande palácio, parou à entrada do jardim e sentou-se na encosta gramada. Começou a pentear os cabelos e logo as três mulheres acercaram-se dela. A do meio exclamou: - Nunca vi pente tão lindo. Você o venderia para mim? Posso pagar do jeito que você quiser.
Não o vendo por dinheiro, mas posso trocá-lo por outra coisa.
O que você deseja? , perguntou a outra . Ela disse: Apenas passar uma noite sozinha com seu marido.
Ora , isso não é nada, disse a filha do rei. Você pode fazê-lo hoje mesmo. Agora dê-me o pente.
Não disse Marya, ele será seu somente quando eu pisar dentro do quarto do seu marido.
Muito bem, disse a outra. Vamos, venha comigo. Chegando à porta do palácio ela entrou, e deixou Marya esperando, mas logo depois reapareceu. Você pode vir comigo agora e guiou a moça para o quarto. Pegou o pente de ouro das mãos de Marya e deixou-a sozinha com Blênio. Marya correu até o marido e chamou-o pelo nome, mas ele estava dormindo e não se moveu. Ela chorou e contou-lhe, mesmo assim, da longa viagem que vinha fazendo para encontrá-lo, mas nem assim ele se mexeu.Quando amanheceu a mulher expulsou a moça do quarto.
Marya voltou até BabaYaga, com o coração partido e desencorajada, e por uma semana ela chorou. Então, BabaYaga deu-lhe um lindo anel de ouro. Use esse anel e vá novamente ao palácio e sente-se no jardim. As três mulheres virão novamente até você e a do meio vai querer comprar o anel. Faça igual da outra vez, mas só entregue o anel quando estiver dentro do quarto. Assim ela fez e a mulher levou-a até seu marido. Ela novamente chamou-o pelo nome, mas ele dormia e não se mexeu. Mais uma vez a mulher colocou-a para fora do quarto e do palácio.
Ela voltou até BabaYaga dizendo que fracassara mais uma vez. A bruxa disse que a outra dera uma poção para que ele dormisse porque era esperta. Mas a bruxa não deixou que ela desistisse e tirou do armário um lenço muito bonito. Disse que essa seria a última chance dela recuperar o marido. Use este lenço e faça tudo como das outras vezes, mas se você não conseguir acordá-lo nada mais posso fazer por você. Esta é a última vez que a ajudo.
Marya agradeceu e seguiu seu rumo. Como antes , tudo aconteceu igual, mas Marya disse que só daria o lenço quando estivesse do lado do rapaz. Mais uma vez ele dormia e ela não conseguia acordá-lo. Quando amanheceu ela estava desesperada e chorou muito, mas naquele momento que a outra já a expulsava do quarto, uma lágrima dela caiu no rosto de Blênio que acordou sobressaltado.
A mulher gritava para que Marya saísse do quarto, mas quando ele a viu em pé ao seu lado logo a reconheceu e disse:” finalmente você chegou!”
A mulher gritava para tirar Marya do quarto, mas ele disse que a deixasse ficar. Ela é Marya minha primeira e verdadeira esposa. Ele abraçou-a e ela lhe contou por tudo que passara desde que ele desaparecera.
Blênio reuniu todos os anciãos do reino, ofereceu um festa e perguntou-lhes: Qual destas mulheres é minha verdadeira esposa? A que arriscou a vida para me encontrar, usando botas, chapéus e comendo pães de ferro, ou a que me trocou por um pente, um anel e um lenço? Os anciãos responderam que sua verdadeira esposa era Marya, e é com ela que você deve viver.
Blênio concordou e voltando-se para Marya chamou-a para voltarem para casa. Ele pegou uma pequena caixa enferrujada e disse: Marya feche os olhos. Assim ela o fez, e no mesmo instante sentiu um vento soprando em seu rosto, ele aí sussurrou: Agora pode abrir os olhos. Quando ela olhou em volta, ficou atônita. Eles estavam num campo ao ar livre, e diante deles uma cidade fervilhava.
-Você reconhece esse lugar? ,disse ele.
- Sim, penso que sim.
- É o reino do seu pai disse ele, enquanto abria de novo a caixa.
Marya desfaleceu e acordou no palácio que fora construído por Blênio para conquistá-la. Ao seu lado estava seu marido dormindo. Alguns instantes depois ele acordou e disse: Você me deu três tarefas antes de casarmos, essa é a razão de você ter sofrido tanto. Porém, agora estamos juntos mais uma vez. Enquanto os dois se abraçavam, os pais de Blênio entraram, seguidos pelos pais de Marya. Todos comemoraram juntos o reencontro dos dois, com uma grande festa.


(conto da Sibéria)


16/07/2009

A Senhora da Lapa


Diz a lenda que a imagem de Nossa Senhora da Lapa apareceu num penedo de difícil acesso, na Beira Alta. Os devotos construíram-lhe um templo num local mais acessível, mas a imagem da Senhora fugia para o seu penedo sempre que a punham na nova capela. Este facto insólito ocorreu tantas vezes que os devotos fizeram a vontade à Virgem e construíram-lhe uma capela no penedo, num sítio em que para a ver o crente tem de entrar de lado, por mais magro que seja.
Conta-se ainda que, um dia, um caminhante adormeceu junto à capela e uma cobra entrou-lhe pela boca. O homem acordou e, aflito, invocou no seu pensamento a Senhora da Lapa. A cobra imediatamente virou a cabeça para fora da boca e saiu, sendo depois apanhada e morta.





O rico sem juízo





Havia um homem rico, cujas terras deram uma grande colheita. Então ele começou a pensar: “Eu não tenho lugar para guardar todas estas colheitas. O que é que vou fazer? Ah! Já sei, disse para si mesmo. “Vou derrubar os meus depósitos de cereais e construir outros maiores ainda. Neles guardarei todas as minhas colheitas junto com tudo o que tenho. Então direi a mim mesmo: Homem feliz! Você tem tudo de bom que precisa para muitos anos. Agora descanse. Coma, beba e alegre-se!”
Mas Deus lhe disse:
- Seu tolo! Esta noite você vai morrer, e que ficará com tudo o que você guardou?
Isso é o que acontece com aqueles que juntam riquezas para si mesmos, mas não são ricos diante de Deus.



Parábolas de Jesus
Lucas 12-16 a 21


15/07/2009

Yao abdica trono a Shun


Na longa história antiga da China, o trono de imperador era hereditário. Mas, os três mais antigos reis na mitologia chinesa não tinham relações de sangue.
Yao foi o primeiro imperador chinês na mitologia. Na velhice, queria escolher um sucessor e convocou uma reunião dos chefes tribais apresentando suas ideias.


Um homem que se chamava Fangqi, disse: “seu filho Danzhu é apropriado para suceder o tronco”. Muito sério, Yao respondeu: “Ele não dá para suceder meu trono porque costuma brigar.” Outra pessoa disse: “Gonggong, que administra obras hidráulicas, seria um bom candidato”. Yao disse abanando a cabeça: “Gonggong é falador e mostra-se respeitante, mas tem outras ideias no coração. Com pessoas dessa, não posso ficar tranquilo”. A discussão ficou sem resultado e o imperador Yao continuava procurando seu sucessor.
Tempo passado, Yao voltou a convocar reunião dos chefes tribais sobre o assunto. Esta vez, várias pessoas recomendaram um jovem comum com o nome Shun. Acenando afirmativamente a cabeça, Yao disse: “Já ouvi falar do jovem. Poderiam apresentá-lo com mais detalhes?” Começaram a falar de Shun: o pai de Shun era um homem muito confuso, por isso era chamado de Gu Sou, velho cego. A mãe de Shun morreu cedo e a madraste o odeava. O irmão de Shun, que nasceu da madraste, chamava-se Xiang. Trata-se de um homem muito insolente, mas Gu Sou o adorava muito. No entanto, Shun tratavam bem todos os membros da família, por isso, todos diziam que Shun era um homem com virtude.
Yao decidiu fazer examinação: casou suas duas filhas a Shun, construiu um celeiro para ele e distribuiu-lhe muitos bois e ovelhas. A madraste e o irmão de Shun invejavam-no e junto com Gu Sou, pretendiam assassiná-lo.
Um dia, Gu Sou mandou Shou a reparar o telhado do celeiro. Mas quando Shou subiu ao telhado, Gu Sou começou a lançar fogo em baixo. Shun queria descer pela escadaria, mas esta desapareceu. Felizmente, ele tinha a mão dois chapeus de palha e chegou ao chão são e salvo, abanando os chapeus tal como pássaro batendo as asas.
Gu Sou e Xiang não se conformou com o acontecido e mandou Shun a limpar poço. Quando Shun chegou ao fundo do poço, Gu Sou e Xiang lançaram pedras e terra ao poço com a intenção de enterrar Shun ao vivo. Mas, Shun fez um canal ao descer no poço e conseguiu sair.
Xiang não sabia que Shun tinha fugido do poço, voltou para casa e com todo contento, disse a Gu Sou: “esta vez, meu irmão vai morrer com certeza. Vamos dividir os seus bens”. Dito isto e foi ao quarto de Shun. Ao entrar no quarto, viu Shun tocando um instrumento musical. Xiang ficou surpreendido, mas disse gaguejando: “Tenho muia saudade de você e vim para o visitar”.
Shun, como se não tivesse acontecido nada, disse: “Veio na hora oportuna. Tenho muitos assuntos que precisam de sua ajuda”. Depois, Shun continuava tratando os pais e o irmão como antes. E Gu Sou e Xiang não se atreveram a mais tentar matar Shun.
Depois de muitas investigações, Yao considerava Shun um homem com virtude e competência e decidiu abdicar-lhe o o trono.
Como imperador, Shun governava o país com diligência e economia e obteve a confinaça da população. Na sua velhice, abdicou o trono a seu sucessor, como Yao fazia com ele.





Homem do Fogo




中国国际广播电台
A mitologia chinesa é repleta de sábios, audazes e perseverantes heróis que atuam em defesa da população. Sui Ren é um deles.
O conto versa sobre o período em que os homens ainda não dominavam o fogo. Na penumbra da noite, os seres humanos agrupavam-se atemorizados pelos uivos de animais selvagens. Além disso, os homens consumiam alimentos crus, eram dizimados por doenças e tinham uma baixa expectativa de vida.

Um imortal Fu Xi, que vivia no céu, nutria uma profunda compaixão pelas cotidianas dificuldades dos seres humanos. Ele ansiava que eles dominassem o uso do fogo e mandou uma tempestade com trovões. Após um grande “brrum”,os raios cortaram as árvores, incendiaram seus galhos e tornaram os bosques um mar de fogo. As pessoas fugiram apavoradas. Pouco depois, a tempestade cessou enquanto a noite vinha chegando e a terra e o ar exalavam um cheiro de umidade. As pessoas se agruparam defronte às árvores queimadas. Neste momento, um jovem percebeu que não havia mais os uivos de animais selvagens e pensou: “será que os animais têm medo dessa coisa brilhante?”Aproximou-se com coragem do fogo e sentiu-se aquecido. Animado, chamou seus companheiros: “Venham cá. O fogo nos trouxe luz e calor “.
Enquanto isso, outras pessoas descobriram animais mortos, cujas carnes exalavam um cheiro gostoso. As experimentaram e gostaram. Conhecendo o uso de fogo, começaram a recolher ramos de árvores para manter acesa as chamas e um plantão para guardá-la todo o dia. Mas, um dia, o plantão dormiu no seu posto e a chama apagou-se. A humanidade voltou a cair na escuridão.
Fu Xi acompanhou tudo isso no céu e entrou no sonho do jovem que descobriu o uso de fogo, dizendo: “No Ocidente existe um país da Luz. Pode ir lá para buscar sua chama ”. Ao acordar, o jovem lembrou-se das palavras do imortal e decidiu buscar a chama no País da Luz.
Atravessando altas montanhas, grandes rios e imensas florestas, o jovem chegou finalmente ao País da Luz. Mas, não havia lá nem luz solar nem qualquer chama acesa. O mundo, ali, era escuro. Decepcionado, o jovem sentou-se em baixo de uma grande árvore. De repente, descobriu uma coisa cintilante à sua frente. O jovem levantou-se, começou a procurar a fonte da luz e viu alguns pássaros comendo pequenos insetos na árvore. O atrito entre o bico das aves e o tronco das árvores provocava faíscas. Inspirado pela cena, o jovem pegou um galho e começou a perfurar o tronco da árvore. Surgiram faíscas, mas não obteve fogo. O jovem insistiu em tentar o fogo friccionando os galhos nas árvores. Pouco a pouco, as fricções provocaram fumaça e, finalmente, o fogo. O jovem, emocionado, chorou.
O jovem voltou à terra natal e ensinou a técnica de produzir fogo com fricções. A população, admirando a valentia e sabedoria do jovem, elegeu-o como seu líder e chamou-o Sui Ren, “Homem do Fogo”.


Lenda de Almorolon



No longínquo séc. XII, pouco antes da chegada de D. Afonso Henriques e seus cavaleiros ao Tejo, o Castelo de Almourol tinha como senhor um emir árabe, de seu nome Almorolon. Terá sido por causa do seu nobre gesto que o castelo ficou com o nome que tem.
O emir habitava no castelo com a sua filha, uma formosa donzela, que enchia de beleza não só o castelo como toda a paisagem à sua volta.
Mas um dia, tão formosa dama apaixonou-se por um jovem cavaleiro cristão, e cega pela paixão, ensinou-lhe como poderia entrar no castelo, durante a noite, para repetidas visitas amorosas.
Numa dessas noites, o jovem cristão, não foi sozinho, e abriu as portas do castelo para um exército invadir esse bastião dos mouros.
Foi de forma traiçoeira que o castelo foi conquistado.
Mas no final, o amor de pai foi mais forte e perdoou a inconsciência de sua filha. Preferindo a morte ao cativeiro, Almorolon e sua filha, lançaram-se abraçados das muralhas do castelo ao rio.

Lenda de Almourol



13/07/2009

Natan, o lenhador

Gaspar, Belchior e Baltazar iam seguindo a estrela que os conduzia a Belém. Acamparam, uma noite, perto de uma cabana e pediram hospedagem. Natan disse-lhes que apenas tinha para sua família, mas que lhes causava pena vê-los expostos ao mau tempo. Mandou que entrassem, em seguida trouxe-lhes umas braçadas de capim seco para que lhes servissem de cama.
No outro dia, ao despedirem-se de Natan, disseram-lhe os Magos:
— Olha! Não temos dinheiro, mas deixamos-te esta singela lembrança.
E Baltazar entregou-lhe um pífaro (pequena flauta), dizendo:
— Toca-o, e os teus desejos se cumprirão. Será para ti uma fonte de riquezas enquanto tratares bem os pobres.
Tendo partido os Reis, disse Natan à esposa:
— Disseram que não tinham dinheiro, e eu o vi em tamanha abundância! E ainda me pagaram com uma flauta.
— Mas eles não te disseram que a tocasse, que se cumpririam os teus desejos?
— Ah! Isso é verdade! Vamos experimentar.
Natan tocou o pífaro, dizendo:
— Quero um riquíssimo almoço.
Como por encanto apareceu ali o almoço, deixando-os boquiabertos. E os desejos não tiveram mais limites. Foi pedindo e recebendo: palácios, roupas, riquezas imensas.
Mandou logo convidar os amigos para um lauto banquete, e apareceram muitos para ver as riquezas de Natan. Durante a festa apresentaram-se os Reis, que regressavam de Belém humildemente vestidos, e pediram que fossem conduzidos à presença de Natan. Porém o escravo zombou deles, e disse que recebera ordem de não deixar entrar ninguém. Os reis insistiram em entrar. O escravo pediu socorro, e Natan, indignado, ameaçou soltar os cães contra eles. Os Magos retiraram-se.
Depois de tomarem suas vestes reais, apresentaram-se de novo, assentados em suas liteiras e acompanhados de todo o seu séquito. Natan saiu a recebê-los e quis fazê-los sentarem à sua mesa.
— Não — disse Gaspar —, não podemos sentar com quem não tem honra.
— Recusamos tua amizade, porque não sabes cumprir a tua palavra — disse Belchior.
— Não podemos sentar-nos ao lado de um lenhador sem honra — disse Baltazar.
Enfurecido, Natan ia despejar sobre eles cobras e lagartos, quando Baltazar tocou um pífaro, e no mesmo instante desapareceram palácios, banquetes, riquezas e tudo quanto havia. Natan lembrou-se de tocar o seu pífaro, mas ele também havia desaparecido. O lenhador encontrava-se, pois, tão pobre quanto antes, e ainda com o coração cheio de remorsos.




O olho do dono


Em um curral de vacas
Abriga-se um veado
"Buscai melhor asilo",
Diz-lhe o bovino gado.

"Filhos (responde o cervo).
Não me denuncieis;
Eu sei de férteis pastos,
Onde vos fartareis.

Bem pode aproveitar-vos
Um dia este serviço.
Valei-me; e nunca, eu juro,
Haveis pesar-vos disso".

A todo o transe as vacas
Prometem-lhe segredo;
Some-se a um canto o cervo,
Respira, espanca o medo.

À tarde, qual costumam
Fazer em cada dia,
Forragem, erva fresca
Trazem à estrebaria.

Os servos dão cem voltas;
Não param no vaivém;
Girando em grande lida
Anda o feitor também.

E por um raro acaso
Nenhum feitor ou servo
Deu fé dos altos galhos,
Nem viu sinal do cervo.

O filho das florestas
Agradecendo aos bois,
Dizia: "Estou com vida
Porque discretos sois".

Espera pôr-se ao fresco
Na crástina manhã.
Na hora em que saírem
De Ceres para o afã.

"Vais bem por ora (disse
Um boi a ruminar);
Mas o homem de cem olhos
Não veio inda rondar.

Muito por ti receio
Essa visita, amigo;
Até lá não te suponhas
A salvo de perigo".

E nisto vinha o dono
Fazer sua inspeção.
"Acrescentai (diz ele)
Das vacas a ração.

Enchei as manjedouras;
A palha renovai;
Melhor desde hoje em dia
Do gado meu tratai.

Que custa pôr em ordem
Os jugos e as coleiras,
E destes aranhiços
Limpar as cumeeiras?!"

Olhando para tudo,
Avista de repente
Uma cabeça nova,
Das outras diferente;

O cervo é descoberto
E, a chuço perseguido,
De numerosos golpes
Por terra cai ferido.

As lágrimas não podem
Do triste fim salvá-lo.
Os servos o esquartejam
E logo vão salgá-lo.

Depois de preparado.
Figura num bufete
Como iguaria, própria
De opíparo banquete.

Fedro tratou deste assunto
Nestas frases elegantes:
"Olhares como o do dono
Outros não há vigilantes".

Só lhes ponho em paralelo
Os olhares dos amantes.


Barão de Paranapiacaba (Trad.)

Nada Existe

Yamaoka Tesshu, quando um jovem estudante Zen, visitou um mestre após outro. Ele então foi até Dokuon de Shokoku. Desejando mostrar o quanto já sabia, ele disse, vaidoso:
- A mente, Buddha, e os seres sencientes, além de tudo, não existem. A verdadeira natureza dos fenómenos é vazia. Não há realização, nenhuma delusão, nenhum sábio, nenhuma mediocridade. Não há o Dar e tampouco nada a receber!
Dokuon, que estava fumando pacientemente, nada disse. Subitamente ele acertou Yamaoka na cabeça com seu longo cachimbo de bambu. Isto fez o jovem ficar muito irritado, gritando xingamentos.
- Se nada existe," perguntou, calmo, Dokuon, "de onde veio toda esta sua raiva?

12/07/2009

Os Pêssegos





Um lavrador que Unha quatro filhos, trouxe-lhes um dia cinco pêssegos magníficos. Os pequenos, que nunca tinham visto semelhantes frutos, extasiaram-se diante das suas cores e da fina penugem que os cobria. À noite o pai perguntou-lhes:
– Então comeram os pêssegos?
– Eu comi, disse o mais velho. Que bom que era! Guardei o caroço, e hei-de plantá-lo para mais tarde nascer uma árvore.
– Fizeste bem, respondeu o pai, é bom ser económico e pensar no futuro.
– Eu, disse o mais novo, o meu pêssego comi-o logo, e a mamã ainda me deu metade do que lhe tocou a ela. Era doce como o mel.
– Ah! acudiu o pai, foste um pouco guloso, mas na tua idade não admira; espero que quando fores maior te hás-de corrigir.
– Pois eu cá, disse o terceiro, apanhei o caroço que o meu irmão deitou fora, quebrei-o e comi o que estava dentro, que era como uma noz. Vendi o meu pêssego, e com o dinheiro hei-de comprar coisas quando for à cidade.
O pai meneou a cabeça.
– Foi uma ideia engenhosa, mas eu preferia menos cálculo. E tu, Eduardo, provaste o teu pêssego?
– Eu, meu pai, respondeu o pequeno, levei-o ao filho do nosso vizinho, ao Jorge, que está, coitadinho, com febre. Ele não queria, mas deixei-lho em cima da cama, e vim-me embora.
– Ora bem, perguntou o pai, qual de vós é que empregou melhor o pêssego que eu lhe dei?
E os três pequenos disseram à uma:
– Foi o mano Eduardo.
Este no entanto não dizia palavra, e a mãe abraçou-o com os olhos arrasados de lágrimas.


Contos para a Infância, Guerra Junqueiro




10/07/2009

Os gigantes da montanha e os anões da planície

Era uma vez uma família de gigantes, que viviam num castelo na montanha: um dos gigantes tinha uma filha de seis anos, da altura dum álamo. Era curiosa e andava com vontade de descer à planície a ver o que faziam lá em baixo os homens, que de cima do monte lhe pareciam anões. Um belo dia, em que seu pai o gigante tinha ido à caça e sua mãe estava dormindo, a jovem giganta desatou a correr para um campo, onde os jornaleiros trabalhavam. Parou surpreendida a ver a charrua e os lavradores, coisas inteiramente novas para ela. «Oh! que lindos brinquedos!» exclamou. Abaixou-se e estendeu por terra o avental, que quase que cobriu o campo. Lançou-lhe dentro os homens, os cavalos, a charrua; de dois passos tornou a subir a montanha, e entrou no castelo, onde seu pai estava a jantar.
— Que trazes aí, minha filha?» perguntou ele.
— Olhe, disse ela, abrindo o avental, que lindos brinquedos. São os mais bonitos que tenho visto.»
E pô-los em cima da mesa, a um e um,—os cavalos, a charrua e os trabalhadores, que estavam todos espantados, como formigas a quem tivessem transportado dum formigueiro para um salão. A gigantinha pôs-se a bater as palmas e a rir com uma alegria doida, mas o gigante fez-se sério e franziu o sobrolho. «Fizeste mal, disse-lhe ele. Isso não são brinquedos, mas coisas e pessoas que devem estimar-se e respeitar-se. Mete tudo isso com cuidado no teu avental, e põe-no imediatamente onde o achaste; porque fica sabendo que os gigantes da montanha, morreriam de fome, se os anões da planície deixassem de lavrar a terra e de semear o trigo.

Guerra Junqueiro, Contos para a Infância



09/07/2009

A Gazela e o Caracol



Uma gazela encontrou um caracol e disse-lhe:
- Tu, caracol, és incapaz de correr, só te arrastas pelo chão.
O caracol respondeu:
- Vem cá no Domingo e verás!
O caracol arranjou cem papéis e em cada folha escreveu: «Quando vier a gazela e disser "caracol", tu respondes com estas palavras: "Eu sou o caracol"». Dividiu os papéis pelos seus amigos caracóis dizendo-lhes:
- Leiam estes papéis para que saibam o que fazer quando a gazela vier.
No Domingo a gazela chegou à povoação e encontrou o caracol. Entretanto, este pedira aos seus amigos que se escondessem em todos os caminhos por onde ela passasse, e eles assim fizeram.
Quando a gazela chegou, disse:
- Vamos correr, tu e eu, e tu vais ficar para trás!
O caracol meteu-se num arbusto, deixando a gazela correr.
Enquanto esta corria ia chamando:
- Caracol!
E havia sempre um caracol que respondia:
- Eu sou o caracol.
Mas nunca era o mesmo por causa das folhas de papel que foram distribuídas.
A gazela, por fim, acabou por se deitar, esgotada, morrendo com falta de ar. O caracol venceu, devido à esperteza de ter escrito cem papéis.


Comentário do narrador : «Como tu sabes escrever e nós não,nós cansamo-nos mas tu não. Nós nada sabemos!».


Eduardo Medeiros (org.).
Contos populares moçambicanos, 1997


05/07/2009

Kitsune tokoya




No folclore japonês, a raposa e o texugo eram considerados ilusionistas e viviam pregando peças. Conta uma antiga lenda que, nos arredores de uma pequena cidade, vivia uma família de raposas. Elas eram famosas pelo modo original de iludir as pessoas. Muito criativas, ninguém conseguia escapar de suas artimanhas.
Uma dessas raposas transformava-se em um homem barbeiro e deixava careca todos os clientes que o procuravam para fazer penteados ou aparar os cabelos. Assim, todos os homens da cidade ficaram de cabeças raspadas. Por isso, o animal encantado acabou ganhando o apelido de kitsune tokoya, ou seja, “raposa barbeira”.
Certo dia, houve, na casa do conselheiro da cidade, uma reunião para por fim àquela situação. Afinal, numa época em que os penteados estavam na moda para homens em todo o Japão, não era admissível que só aqueles da pequena cidade não pudessem andar de cabeça erguida. Apesar de haver unanimidade na decisão de fazer a raposa parar com a brincadeira, ninguém tinha sugestão de como fazer isso. Então, descobriram que, entre todos os homens da cidade, havia um que ainda mantinha seu belo penteado. Era um samurai jovem e esperto chamado Saizoemon. Diziam que seu único defeito era ser convencido.
Assim, o conselho de cidadãos resolveu chamá-lo para saber como havia conseguido safar-se da ardilosa brincadeira da raposa barbeira.
Chegando ao local da reunião, o samurai foi logo dizendo:
– Sabem por que se deixaram enganar por uma raposa? Simples, porque vocês são tolos. Sendo assim, não adianta ficar discutindo o dia todo, porque não vão chegar a conclusão alguma. No entanto, eu sei como dar um jeito. Então, o que estão esperando? Admitam a incompetência e me implorem para castigá-la.
Apesar de a arrogância irritar os presentes, ninguém viu outra alternativa senão pedir humildemente para que Saizoemon desse um jeito na atrevida raposa.
O samurai pegou uma lança e foi para o bosque, onde todos diziam que havia esconderijos de raposas. Quando caminhava por uma trilha entre árvores de pinho, cruzou com uma bela garota de olhar malicioso, que o cumprimentou:
– Boa tarde, Saizoemon, está passeando pelo bosque?
O samurai logo desconfiou que era um truque ilusionista da raposa e atacou com sua afiada lança. A moça, assustada, esquivou-se do golpe deixando aparecer uma cauda branca.
– Eu tinha razão, sua raposa safada. Agora, você não vai escapar de meu golpe – assim dizendo, atacou a raposa, que voltou ao seu formato e fugiu apavorada.
Vitorioso na primeira investida, ele ficou mais convencido de sua esperteza e foi caminhando mata adentro.
Numa clareira do bosque, viu outra mulher que parecia estar descansando. Logo desconfiou de que se tratava de outra raposa.
Assim que a mulher saiu andando, ele a seguiu, escondendo-se atrás das árvores enquanto observava-a.
Num momento, a mulher agachou e juntou um punhado de capim seco. Dobrou os capins e, com eles, fez um boneco.
Saizoemon segurou a respiração e observou atentamente.
A mulher esticou os braços levantando o boneco e assoprou com força. Como num passe de magia, o boneco ganhou vida, transformando-se num bebê humano. Embora espantado, o samurai não tinha mais dúvida de que se tratava de uma raposa.
Com o bebê no colo, a mulher entrou na casa de um lenhador e foi recebida por uma velhinha com grande alegria.
– Nossa – pensou Saizoemon – a raposa está tentando enganar a pobre velhinha. Preciso agir imediatamente. Assim dizendo, adentrou a casa derrubando a porta com o pé. Encostando a lança no pescoço da mulher, ele disse:
– Cuidado, minha senhora, esta raposa está tentando lhe enganar. Este bebê é um punhado de capim seco, vi com meus próprios olhos quando ela fez a magia – dizendo isso, o samurai apanhou uma corda e amarrou a mulher. A velhinha, que não estava entendendo nada, protestou:
– Senhor samurai, o que está fazendo com a minha nora, o senhor é um maluco?
– Santa ignorância a sua, minha senhora! Será que não percebe que esta é uma raposa astuta?! Fique olhando calada que vou provar o que estou dizendo.
– Pare, senhor, está completamente enganado. Meu neto não é um punhado de palha, veja é uma criança de carne e osso.
– Minha senhora, quando uma raposa se faz passar por gente, para quebrar o encanto, é necessário fazer fumaça com folha de cedro. Assim que a fumaça encobrir a raposa encantada, logo aparece um rabo branco e, depois, ela volta ao seu formato original.
Assim dizendo, Saizoemon arrastou a mulher amarrada para fora da casa, fez um monte de folhas de cedro e botou fogo para fazer fumaça.
A velhinha gritava desesperada para que Saizoemon parasse com aquele ato bárbaro.
– Por favor, pare com isso, o senhor vai matar a minha nora, a mãe de meu querido netinho.
Sem se importar com as súplicas da velha senhora, o samurai deixou a mulher coberta de fumaças, o que provocou muitas tosses.
– Não se preocupe, senhora, assim que quebrar o encanto, seu netinho vai voltar a ser um simples punhado de capim.
Por mais que a fumaça envolvesse a mulher, não aparecia nenhum rabo de raposa e ela continuava tossindo desesperadamente.
– Pare com isso, ela está morrendo, não está vendo o mal que está fazendo?
Saizoemon não parava. Estava convicto que aquela era uma raposa encantada. De repente, a mulher caiu e ficou esticada no chão.
– Minha nora morreu! Você matou a minha nora! Meu netinho vai ficar órfão! Quanta crueldade!
Saizoemon levou um susto. Balançou e desamarrou a mulher desesperadamente. Todas as tentativas para reanimá-la pareciam inúteis. O samurai foi tomado de um grande arrependimento e, prostrado no chão, reconheceu seu engano.
– Matei essa pobre mulher por engano. Que erro terrível cometi! Não sou digno de continuar sendo um samurai.
Nesse exacto instante, apareceu um monge no local.
– O que aconteceu por aqui? Parece uma tragédia.
O samurai contou todo o seu infortúnio dizendo quanto estava pesaroso pelo imperdoável engano.
– Sua alma jamais terá paz enquanto não purificar seu espírito. A alma da pobre mulher, morta por engano, inconformada por tamanha injustiça, não terá paz. Vai se tornar, com certeza, uma alma penada. É necessário que reze muito, mas muito mesmo, por ela. Raspe sua cabeça e torne-se um monge, assim poderá dedicar muitas orações a sua pobre alma.
Saizoemon concordou que essa era melhor solução, já que era indigno de continuar sendo um samurai. Pediu, então, ao sacerdote que lhe raspasse a cabeça e o ordenasse monge.
Atendendo à vontade do samurai arrependido, o monge raspou a cabeça de Saizoemon. Quando terminou de raspar, o monge desapareceu num passe de mágica. Não só ele como a casa, o bebé, a velhinha e a mulher que parecia morta.
Nisso, o povo da cidade encontrou Saizoemon sentado sobre uma pedra com a cabeça raspada.
– Vejam, a raposa barbeira conseguiu enganar Saizoemon também!
A raposa conseguiu iludir Saizoemon seguindo todos os seus passos. Assim, o samurai tornou-se alvo de gozação de todos na cidade, até que se tornou um cidadão humilde.

Lenda do Japão


04/07/2009

A borboleta e a flor



A borboleta voava pelo jardim. Ela viu uma florzinha branca chorando.
- Por que você chora?
- Sou muito infeliz - respondeu a flor - estou presa no chão. Não posso respirar o ar fresquinho, nem gozar a luz do Sol. O chão é húmido. Cheira mal. Só vejo sombras.
- Ora... ora... não adianta chorar, vamos dar um jeito nisso.
A borboleta ficou quietinha, pousada na pétala da flor, depois falou:
- O jeito é você ir se esticando... esticando até bem alto. Assim você sai da sombra, da humidade e fica quentinha ao Sol.
Assim eles fizeram.
Todos os dias a borboleta ia ajudar a flor a se esticar. O caule foi crescendo... crescendo... As outras plantas também ajudaram.
- Encoste em mim que eu seguro você - disse a roseira.
- Enrole seu caule fino no meu galho forte - disse o jasmim.
Com o auxílio de todos do jardim, ela foi crescendo e enroscando, até que um dia viu o Sol.
Ela ficou tão contente! Suas pétalas ficaram vermelhas ao calor do Sol.
Continuou crescendo, se esticando, se enrolando, encheu-se de flores vermelhas, transformando-se numa linda trepadeira chamada Primavera.

Esther Peixoto Mello Gonçalves


03/07/2009

Carlos Magno e o abade de S. Gall


Notker+Balbulus,+St+Gall.jpg (image)

[Notker+Balbulus,+St+Gall.jpg]


Carlos Magno, numa de suas freqüentes viagens, viu o abade de S. Gall preguiçosamente reclinado sobre almofadas à porta da abadia. Carlos gostava de homens enérgicos e ativos, e o abade era indolente.
Além disso, o Imperador tinha mais de um motivo de queixa contra ele.
— Bom dia, Sr. Abade. Ainda bem que o encontro. Tenho a submeter à sua esclarecida razão três perguntas, às quais terá a bondade de me responder em sessão solene de nosso conselho imperial daqui a três meses, contados dia-a-dia. Primeiro de tudo, desejo saber o meu valor em dinheiro. Em segundo lugar, quanto tempo levaria para dar a volta ao mundo. Em terceiro lugar, que estarei eu pensando no momento em que V. Revma. vier à minha presença, pensamento que deve ser um erro. Trate de arranjar resposta satisfatória a tudo, do contrário deixará de ser abade de S. Gall, e terá de abandonar a abadia, montado num burro com a cara voltada para o rabo, se não o responder.
O abade não sabia a que santo recorrer. Mandou a todas as escolas, mas os doutores mais famosos pela sua ciência não lhe souberam dar resposta. No entanto, os dias iam correndo, e a época fatal aproximava-se.
Já não faltava senão um mês, já não faltava senão uma semana, e afinal só um dia.
O abade, que noutro tempo era gordo, estava magro como um esqueleto. Perdera o sono e o apetite.
Andava errante nos bosques, lamentando a sua desgraça, quando se encontrou com o seu pastor, o jardineiro da abadia.
— Bom dia, Sr. Abade. Parece que está mais magro. Anda doente?
— Ando, meu caro Félix, ando muito doente.
— Oh! meu rico amigo, eu lhe darei alguma erva que o possa curar.
— Infelizmente não são ervas que eu preciso, mas respostas às minhas três perguntas.
— É em latim?
— Não, não é em latim.
— Visto que não é em latim, queira V. Revma. dizer-me o que é. Minha mãe era uma pobre de Cristo, mas tinha resposta para tudo.
Quando o abade lhe formulou as três perguntas, o pastor atirou o barrete ao ar, e disse-lhe:
— Se é apenas isso, eu me encarrego de responder pelo Sr., e V. Revma. pode continuar a engordar. Mas para isso é necessário que eu vista o seu hábito.
No dia marcado, o pastor, disfarçado com o hábito do abade, foi introduzido na sala onde o Imperador presidia ao conselho do Império.
— Então, Sr. Abade, parece que está mais magro. Deu-lhe muito que pensar a chave do enigma? Vamos lá ver a primeira pergunta: quanto valho eu em dinheiro?
— Senhor, o Filho de Deus, Nosso Senhor Jesus Cristo, foi vendido por trinta dinheiros. Sua Majestade vale à justa vinte e nove, só um dinheiro a menos.

— Bravo, Sr. Abade! A resposta é hábil, e na realidade não posso deixar de me mostrar satisfeito. Mas vamos à segunda pergunta. Não há de ser tão fácil encontrar a resposta: Quanto tempo levaria eu a dar a volta ao mundo?
— Senhor, se Vossa Majestade se levantar ao romper do dia e puder seguir constantemente passo-a-passo o sol no seu giro, bastam-lhe vinte e quatro horas.
— Decididamente V. Revma. é um grande finório, e desta vez confesso-me vencido. Mas a terceira não é dessas a que se responde com suposições. Quem lhe há de dizer o que eu estou pensando, e como me há de provar que este pensamento é um erro? Tem a palavra, Sr. Abade.
— Senhor, Vossa Majestade pensa que eu sou o abade de S. Gall. E é um erro, porque sou o seu pastor e jardineiro.
— Mas então tu é que deves ser o abade de S. Gall. E desde já o ficas sendo.
— Não sei latim, mas se Vossa Majestade quer fazer-me um favor, peço-lhe outra coisa.
— Não tem mais que falar.
— Peço a Vossa Majestade que perdoe o meu amigo!
Carlos Magno, o Imperador, não era homem que faltasse à sua palavra.



Contos para a Infância, Guerra Junqueiro