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31/03/2010

A rainha orgulhosa

Havia uma rainha muito orgulhosa, que, voltando-se para as suas aias, dizia:
– Haverá cara mais linda do que a minha?
As alas respondiam-lhe que não; e fazendo a mesma pergunta às criadas, elas diziam o mesmo.
Um dia voltou-se também para o seu camarista e perguntou-lhe:
– Haverá cara mais linda do que a minha?
O camarista respondeu:
– Saiba Vossa Majestade que há.
A rainha ouvindo Isto quis saber quem era, e o camarista disse-lhe que era a filha. A rainha Imediatamente mandou aprontar uma carruagem e meter a princesa dentro, ordenando aos criados que a levassem fora da cidade a um campo multo longe e que aí a degolassem e lhe trouxessem a língua.
Partiram os criados conforme a rainha tinha determinado, e quando chegaram ao dito campo voltaram-se para a princesa e disseram:
– Vossa Alteza não sabe os fins para que aqui a trouxemos, mas não lhe havemos de fazer mal.
Viram uma cadelinha, mataram-na e cortaram-lhe a língua, dizendo à princesa que era para levar a Sua Majestade, pois lhes tinha ordenado que a degolassem e lhe levassem a língua. Pediram depois à princesa que se fosse embora para muito longe, e nunca mais aparecesse na cidade para os não comprometer.
A menina retirou-se e foi caminhando por uns matos fora, até que avistou ao longe um pequeno casal, e aproximando-se não viu senão rastos de porcos e nada mais. Foi andado, e ao entrar na primeira casa, não viu mais do que uma caixa de pinho muito velha; na segunda viu uma cama com uma enxerga muito velha; e na terceira uma chaminé, e uma mesa. Dirigiu-se à mesa, abriu a gaveta e achou algum comer, que foi pôr ao lume. Pôs a mesa, e quando principiava a comer sentiu entrar um homem. A menina, muito assustada, foi esconder-se debaixo da mesa, mas o homem viu-a e chamou-a. Disse-lhe que não tivesse vergonha; depois foram comer juntos, e quando chegou a noite também cearam. No fim da ceia o homem disse à princesa se ela queria ficar por sua mulher ou por sua filha. A princesa respondeu que queria ficar por sua filha. Então o homem foi-lhe arranjar uma caminha à parte e depois cada um se foi deitar.
Viviam assim ambos muito satisfeitos.
Um dia disse o homem para a menina que fosse por ali dar um passeio para se distrair.
A menina respondeu que o fato que trazia vestido já estava muito velho, mas o homem, abrindo um armário, mostrou-lhe um fato completo à campina. A menina vestiu-se com ele e foi passear.
Quando andava passeando, viu que um cavaleiro se aproximava dela. A menina imediatamente se escondeu em casa com muito medo. À noite o homem quando voltou, perguntou-lhe se tinha gostado do passeio. A menina disse que sim, mas com um modo muito esquisito.
No dia seguinte tornou o homem a mandá-la passear. A menina foi, tornou a ver o mesmo cavaleiro a dirigir-se para ela, e tornou muito assustada a vir esconder-se em casa.
Quando o homem veio à noite e lhe perguntou se ela tinha gostado do passeio, a menina disse que não, porque tinha visto um homem, que vinha para lhe falar, e então que nunca mais queria tornar a sair. O homem não lhe disse nada.
O cavaleiro era um príncipe, e voltando ao mesmo sitio duas vezes e não tornando a ver a menina, adoeceu de paixão. Vieram os melhores médicos e declararam qual era a doença do príncipe. A rainha imediatamente mandou publicar um bando, que a aldeã que tinha visto o cavaleiro fosse ao palácio, que havia de ser recompensada e de casar com o príncipe.
A menina, como não saía de casa, não soube nada do bando.
A rainha, vendo que ninguém se apresentava no palácio, mandou um guarda àquele sítio. O guarda foi e bateu à porta dizendo para a menina que Sua Majestade a mandava chamar ao palácio e que havia de ser muito bem recompensada.
A menina disse para o guarda que no outro dia fosse receber a resposta. Quando à noite veio o homem a menina contou-lhe o que se tinha passado. Ele disse-lhe que quando o guarda fosse saber a resposta lhe dissesse que viesse a rainha a casa dela, porque ela não ia lá.
Veio o guarda ao outro dia saber a resposta, e a menina disse-lhe que se não atrevia a dar-lha. O guarda disse que dissesse ela tudo tal e qual, que ele o diria à rainha.
Então a menina contou-lhe o que o homem lhe tinha respondido. Chegando o guarda
ao palácio, também se não atreveu a dar a resposta; mas a rainha obrigou -o.
O guarda então contou tudo o que a menina lhe dissera. A rainha ficou muito
encolerizada, mas naquele momento deu ao príncipe uma convulsão muito grande, e a rainha com medo que ele morresse, sempre se resolveu a ir.
Mandou aprontar a carruagem e foi lá ter com a menina, ruas quando se ia aproximando da casa, ela tornou-se num rico Palácio, o homem que recolhera a menina num imperador muito poderoso, os porcos em duques, a menina numa linda Princesa e tudo o mais em riqueza.
A rainha, ao ver tudo isto, ficou atónita e pediu desculpa de ter mandado chamar a menina ao palácio.
Disse à menina que visto o príncipe, seu filho, ter tanta paixão por ela, lhe pedia, se fosse do seu agrado, para se fazer o casamento, senão o príncipe morria, com toda a certeza.
A menina disse que sim, fez-se o casamento com muita pompa, e viveram todos muito felizes.

PEDROSO, Consiglieri, «Contos populares portugueses»

A colina dos Elfos

Umas ágeis lagartixas correram pelas fendas do tronco de uma velha árvore. Entendiam-se muito bem, pois todas falavam a língua de lagartixa.
- Que barulheira tem havido lá na velha Colina dos Elfos! - disse uma delas - já lá vão duas noite que não prego olho, por causa do alarido lá em cima. Eu podia estar na cama com dor de dente, que dava na mesma: em tal situação também não consigo dormir.
- Há qualquer coisa lá dentro - disse outra lagartixa - ficam na Colina, onde se erguem os quatro pilares vermelhos, até a hora do galo cantar. Estão limpando tudo, e as jovens elfas aprenderam novos bailados. Preparam alguma coisa, na certa.
- Falei com uma minhoca de minhas relações - informou uma terceira lagartixa - ela vinha directamente da colina, onde cavara a terra noite e dia. Ouvira muita coisa, pois ela apenas ouve: não vê, não enxerga, a coitada. Só se vale mesmo do tacto, para ajudar a audição. Esperam visitantes na Colina, visitantes ilustres. Quem são, a minhoca não quis dizer. Ou simplesmente não sabia. Todos os fogos-fátuos foram convocados, para realizarem uma marcha de archores. Ouro e prata, que não faltam lá na colina, estão sendo polidos e postos a enxugar sob a luz da Lua.
- Quem poderão ser esses visitantes? - perguntaram todas as lagartixas - o que irá haver por lá? ouçam: que zoada! Que burburinho!
Naquele momento abriu-se a Colina dos Elfos e saiu uma velha elfa solteirona, sem costas (segundo a mitologia escandinava, os elfos, embora muito graciosos e bonitos de frente, não têm costas: são ocos por trás), mas muito bem vestida, andando num passinho miúdo e rápido. Era a velha governanta do Rei dos Elfos. Tinha certo parentesco, embora remoto, com a família real, e trazia, como insígnia, um coração de âmbar na frente. Como andava depressa! Em seu passinho curto, as perninhas não paravam. Ela foi direto ao pântano, onde morava o Engole-Vento.
- O sr. está convidado a ir à Colina dos Elfos esta noite - disse ela - mas peço-lhe a gentileza de fazer-nos primeiro um grande serviço. Peço-lhe que se encarregue de distribuir os convites. Já que o sr. mesmo não tem casa, pode fazer-nos esse favor. Vamos receber visitas, gente muito nobre e ilustre, duendes de alta linhagem, e o velho Rei dos Elfos quer apresentar a todos eles o que há de melhor.
- Quem será convidado? - perguntou o Engole-Ventos.
- Para o grande baile pode vir todo o mundo, até seres humanos, contanto que saibam falar dormindo ou conheçam um pouco de outras artes nossas. Mas, para a festa inicial, haverá rigorosa selecção: só queremos a fina flor da sociedade, o que há de mais aristocrático. Já discuti com o Rei, pois, a meu ver, nem mesmo os fantasmas devemos convidar. O Tritão e suas filhas devem ser convidados em primeiro lugar; não gostam de ficar no seco, mas poderão receber, cada um, uma pedra molhada para sentar, ou coisa ainda melhor. Espero que assim não se recusem a vir dessa vez. A seguir, devem ser convidados todos os velhos duendes de primeira categoria, os de cauda, o Homem do Ribeirão e os anões. Penso também que não podemos deixar de convidar o Porco do Sepulcro, o Cavalo da Morte e o Gnomo da Igreja (segundo a superstição popular, na Dinamarca, em baixo de cada igreja que é construída, deve ser sepultado um cavalo vivo; o fantasma deste cavalo é o Cavalo da Morte, que anda à noite, mancando, pois tem só três pernas, e vai às casas onde alguém está para morrer. Em algumas igrejas era enterrado um porco vivo, e o fantasma desse porco era chamado o Porco do Sepulcro). Eles pertencem ao clero, não são, na verdade, gente nossa, mas, enfim, têm o seu cargo. Além disso, sempre nos visitam. Logo, creio que devem ser lembrados.
- Croááá... - disse o Engole-Vento, que antes tinha os apelidos Noitibó e Curiango.
E saiu voando, para convidar o pessoal.
As moças elfas já dançavam na Colina. Bailavam com um xale longo, tecido de névoa e luar, o que é lindo para os olhos que apreciam coisa assim. No centro da Colina dos Elfos, o grande salão estava muito bem arrumado e enfeitado. O chão fora lavado com luar e as paredes polidas com unguento de feiticeira, o que as deixara brilhantes como pétalas de tulipa diante da luz. A cozinha estava abarrotada de iguarias finas - como rãs no espeto, peles de cobra-d'água, dedinhos de criança pequena, saladas de semente de chapéu-de-cobra, focinhos de camundongo molhados em cicuta, cerveja fabricada pela Bruxa do Charco, vinho cintilante de salitre das câmaras mortuárias subterrâneas, enfim: todos os manjares mais substanciais e deliciosos. Pregos enferrujados e cacos de vidraça de igreja figuravam entre as sobremesas.
O velho Rei dos Elfos mandou polir sua coroa de ouro com lápis de lousa. Era o lápis de um primeiro aluno da classe, coisa muito difícil de obter para o Rei dos Elfos. No dormitório penduravam cortinas e as prendiam com saliva de cobra-d'água. Havia, de fato, grade azafama, um interminável burburinho.
- Agora é defumar tudo com crina e cerdas de porco queimadas, e creio que fiz minha parte - disse a velha elfa solteirona.
- Paizinho! - suplicou a mais nova das elfas - irei afinal saber quem são os nobres visitantes?
- Está bem - disse o pai - não tenho outro remédio senão revelá-lo. Duas de minhas filhas têm de estar prontas para o casamento. Duas vão certamente nos deixar, para casar. Virá aqui, com os seus dois filhos, que devem escolher mulher, o Duende-Ancião lá de cima, da Noruega, residente na velha montanha de Dovre e senhor de muitos castelos, situados nas rochas, e de uma mina de ouro que vale mais do que se pensa. Ele é o verdadeiro tipo do velho norueguês, honrado, alegre e simples. Conheço-o dos velhos tempos, quando bebíamos juntos e fizemos camaradagem. Ele tinha vindo cá, buscar sua esposa, que já é morta. Era a filha do Rei das Penedias de Moen. Tenho muita saudade do velho duende norueguês. Os filhos, dizem, são uns rapazes malcriados e fanfarrões. Mas, quem sabe? Talvez não seja verdade. Além disso, eles podem mudar com o tempo. Vamos ver se minhas filhas os põem no bom caminho.
- E quando vêm eles? - perguntou uma das filhas.
- Depende dos ventos e do tempo - disse o Rei do Elfos - eles fazem uma viagem económica. Vêm de navio. Eu queria que viessem pela Suécia, mas o velho não gosta daqueles lados. Ele não acompanha a evolução do tempo, e isso, a meu ver, é o seu único defeito.
Naquele momento vieram pulando dois fogos-fátuos, um mais depressa que o outro, por isso chegou primeiro.
- Eles vêm vindo! Eles vêm vindo! - avisou.
- Dai-me minha coroa e deixai-me ficar no lugar! - disse o Rei.
As filhas ergueram os longos xales e inclinaram-se até o chão.
Lá estava o Duende-Anão de Dovre, com sua coroa de pontas de gelo endurecidas e cones de pinheiros polidos. Trajava uma pele de urso, e calçava botas de inverno; os filhos, porém, vinham de pescoço descoberto e sem suspensórios, pois eram homens fortes.
- Isso é Colina? - perguntou o mais novo dos rapazes, apontando a Colina dos Elfos - na Noruega chamamos a isso um buraco!
- Meninos! - disse o velho - buracos vão para dentro, colinas vão para cima! Não tendes olhos para ver?
Só de uma coisa se admiravam: entenderam, sem dificuldade, a língua do lugar.
- Não nos façais de tolos! - disse o velho - devia-se crer que ainda cheirais a cueiros!
Entraram assim na Colina dos Elfos, onde se achava reunida a seleta e festiva companhia. Mas parecia reunida às pressas, como amontoada pelo vento. No entanto, tinham cuidado do conforto individual de cada um. A gente do mar estava à mesa, sentada em grandes vasilhas de água, e diziam que se sentiam como em casa. Todos observavam a etiqueta, com exceção dos dois jovens duendes noruegueses, que punham os pés sobre a mesa, convencidos de que para eles tudo ficava bem.
- Tirem as patas de cima da mesa! - disse o velho duende, e os rapazes obedeceram, embora com relutância.
Com os cones de pinheiros que traziam nos bolsos, faziam cócegas nas damas, suas vizinhas de mesa. Em seguida, tiraram as botinas, para ficarem mais à vontade, e deram-nas a uma das damas, para segurar. O pai, o velho Duende de Dovre, sim, era diferente. Sabia contar coisas bonitas das altas montanhas norueguesas, de cachoeiras que despencavam, brancas de espuma, com um fragor que parecia trovão e música de órgão misturados. Falou do salmão, que salta contra a água da correnteza, quando o génio das águas dedilha sua harpa de ouro; falou das brilhantes noites hibernais, quando soam as campainhas dos trenós e os rapazes correm, com archotes acesos, sobre os lisos campos de gelo - gelo tão transparente que as pessoas vêem, a seus pés, os peixes fugirem espavoridos. Sabia narrar com tanta vivacidade que se via e ouvia o que ele contava. Era como se escutassem as serrarias em movimento, os rapazes e moças cantando e dançando. De repente, arrebatado, o velho duende beijou a velha elfa solteirona - mas foi como um beijo de tio, embora nem fossem parentes.
Chegou a vez de as moças dançarem - não só simples bailados como sapateados. Seguiram-se bailados artísticos, individuais, e como sabiam elas usar as penas! No auge da dança, não se sabia mais o que era um lado e o que era outro, o que eram braços e o que eram pernas. Giravam com tal rapidez que o Cavalo-da-Morte até se sentiu mal e teve de sair da mesa.
- Prrrr! - disse o velho Duende - que festa de pernas!
Mas o que sabem elas, além de dançar, levantar as pernas e fazer remoinhos?
- Já o saberás! disse o Rei dos Elfos.
E chamou a mais jovem de suas filhas, fina e clara como o luar, a mais delicada dentre as irmãs. Ela tomou na boca uma varinha branca, e praticamente desapareceu. Era esta a sua arte.
O Duende-Ancião, porém, disse que não apreciava aquele tipo de arte em uma esposa, e que, segundo acreditava, também seus filhos não haveriam de apreciá-la.
A outra moça conseguia andar ao lado de si própria, como se projectasse uma sombra, coisa que os duendes não têm.
A terceira era completamente diferente: trabalhava na cervejaria da Feiticeira do Charco e sabia lardear nós de amieiro com pirilampos.
- Esta dará uma boa dona de casa - disse o Ancião, piscando os olhos.
Seguiu-se a quarta moça. Trazia consigo uma grande harpa de ouro, e, quando feriu a primeira corda, todos ergueram a perna esquerda, pois os duendes são canhotos; quando feriu a segunda corda, todos tiveram de fazer o que ela queria.
- Mulher perigosa! - opinou o Duende-Ancião.
Seus dois filhos saíram da Colina entediados com tudo aquilo.
- E o que sabe fazer a filha seguinte? - perguntou o velho.
- Aprendi a gostar de tudo quanto é norueguês - disse ela - e só me casarei com a condição de poder ir a Noruega!
- É só porque ela ouviu dizer, numa canção norueguesa, que quando o mundo se acabar, os picos noruegueses ficarão, como monumentos do passado - cochicou ao Duende-Ancião a irmã mais nova - por isso ela quer ir lá para cima, pois vive com medo do fim do mundo.
- Ah! - disse o Duende-Ancião - então é por isso? Mas o que sabe fazer a sétima e última das moças?
- Antes da sétima vem a sexta! - rectificou o Rei dos Elfos, que sabia calcular.
Mas a sexta não tinha grande vontade de aparecer.
- Só sei dizer a verdade a todos - disse ela, afinal - ninguém se importa comigo e tenho meu tempo ocupado em costurar minha própria mortalha.
Veio a sétima e última. Que sabia ela? Sabia contar fábulas, tantas quantas quisesse.
- Aqui estão todos os meus cinco dedos - disse o Duende-Ancião - conta-me uma história a respeito de cada um deles.
A moça tomou-lhe a mão, e ele riu-se a valer. Quando ela chegou ao Seu-Vizinho, que tinha anel de ouro na cintura, como se soubesse que ia haver noivado, disse o Duende-Ancião:
- Segura o que tens! A mão é tua! A ti eu mesmo quero por esposa.
A moça objectou que restava contar ainda a história de Seu-Vizinho e de Minguinho.
- Estas ouviremos no inverno - disse o Duende-Ancião - e ainda a história do pinheiro, a da bétula e a dos dotes das fadas e do frio cortante. Tu terás muitas histórias a contar, pois é coisa que ninguém sabe direito lá em cima. E nós ficaremos na casa de pedra, iluminada pela luz do archote, e tomaremos nosso vinho caseiro nos cornos de ouro dos antigos reis noruegueses. O génio da água presenteou-me com alguns. Lá nos virá visitar o Duente do Gar, que te contará todas as cantigas das pastoras. Será muito alegre! O salmão saltará na cachoeira, baterá na parede de pedra, mas não conseguirá entrar. Sim, podes crer, tudo é muito belo na querida e velha Noruega! Mas onde estão os rapazes?
Sim, onde estão os rapazes? Andavam correndo pelo campo e sopravam os fogos-fátuos, apagando-os, coitados, a eles que tinham vindo para realizar a marcha dos archotes.
- Isso é coisa que se faça? - censurou o Duende-Ancião - acabo de tomar uma mão para vós. Podeis tomar agora uma das tias.
Os rapazes, porém, disseram que preferiam fazer um discurso e beber, celebrando o acontecimento. Não tinham vontade de casar. Fizeram, pois, seus discursos, beberam e celebraram. Em seguida tiraram os casacos e deitaram-se na mesa, para dormir, sem a menor cerimónia. O ancião, no entanto, ficou andando em volta da sala, dançando com sua jovem noiva, e trocou de botina com ela, o que lhe parecia mais elegante que trocar de anéis.
- O galo está cantando! - anunciou a velha solteirona, dona da casa - temos de fechar as janelas, para que o Sol não brilhe aqui dentro.
E a Colina dos Elfos fechou-se.
Lá foram as lagartixas corriam para baixo e para cima, na árvore oca.
- Como gostei do Duende-Ancião norueguês! - disse a lagartixa à companheira.
- Pois eu gostei mais dos rapazes - revelou a minhoca.
A pobrezinha, porém, não enxergava: era um bicho insignificante.




30/03/2010

História do Grão de Milho


ERA UMA VEZ uns casados e não tinham filhos. A mulher tanto pediu a Nossa Senhora que lhe desse um filho, ainda que fosse do tamanho de um greiro de milho, que ao fim de nove meses ela pariu um filho, mas tão pequeno, tão pequeno, que era mesmo do tamanho de um greiro de milho. Foi-se passando tempo e o pequeno não crescia nada, de sorte que ficou sempre do mesmo tamanho.
O pai era lavrador e, quando andava a trabalhar no campo, era o Grão-de-Milho que lhe ia levar o jantar numa cesta; mas, como era tão pequeno, ninguém o via o que fazia correr aquela cesta pela rua abaixo. O pai recomendava-lhe que não se chegasse para o pé dos bois, mas uma vez que ele tinha ido levar o jantar ao pai, a brincar trepou para cima de uma folha de milho e um dos bois, pensando que era um greiro de milho, lambeu-o com a língua. O pai quando quis voltar para casa, por mais que o procurasse não deu com ele, mas tanto chamou que por fim ouviu responder que o boi o tinha comido e estava dentro da tripa. O pai ficou muito aflito e matou logo ali o boi e começou a procurá-lo nas tripas, mas por mais que procurasse não o encontrou, até que deixou ficar tripas e tudo. De noite um lobo, atraído pelo cheiro da carne, veio e comeu as tripas do boi, e deitou a fugir. O lobo teve umas grandes dores de barriga e o Grão-de-Milho começou a gritar-lhe: "C... aí, c... aí!" Mas o lobo, ouvindo isto teve tanto medo que mais fugia e não podia obrar. O Grão-de-Milho continuava a gritar: "C... aí, c... aí!", até que o lobo tão atrapalhado se viu que fez as suas necessidades.
O Grão-de-Milho logo que saiu para fora, lavou-se muito bem lavado numa pocinha que ali estava e foi por ali fora. No meio caminho encontrou uns almocreves que levavam os machos carregados de dinheiro e disse-lhes.
De repente, saltam uns ladrões, matam os almocreves e levam os machos com o dinheiro para uma casa que havia nuns pinherais. O Grão-de-Milho, como ia medito numa alforges, foi também sem ser pescado. Os ladrões despejaram o finheiro em cima de uma grande mesa e começaram a contá-lo. O Grão-de-Milho pôs-se debaixo da mesa e começou a gritar: "Quem dá dé-reis, quem dá dé-reis!" Os ladrões, assim que ouviram isto, tiveram tanto medo que deitaram a fugir. Então o Grão-de-Milho ensacou o dinheiro, pô-lo em cima dos machos e foi para casa.
Quando lá chegou, era ainda de noite e bateu à porta. O pai perguntou: "Quem está aí?" e ele respondeu: "Sou eu, meu pai; abra depressa." O pai veio logo abrir a porta e o Grão-de-Milho contou-lhe então tudo, entregou-lhe os machos e o dinheiro e o lavrador, que era pobre, ficou muito rico.

COELHO, Adolfo. Contos populares portugueses.

A casa velha

Aquela velha casa! Tinha perto de trezentos anos, como se podia ver por uma inscrição gravada numa viga, no meio de uma guirlanda de tulipas. Sob a porta podiam-se ler versos escritos na ortografia antiga, e sob cada janela estavam esculpidas figuras que faziam caretas engraçadas.
A casa tinha dois andares e no teto havia uma goteira terminada por uma cabeça de dragão. A chuva devia escoar-se na rua por essa cabeça; mas ela se escoava pelo ventre, pois a goteira tinha um buraco no meio. Todas as outras casas daquela rua eram novas e próprias, ornadas de grandes azulejos e muros brancos. Pareciam desdenhar a sua velha vizinha.
- Quanto tempo ainda este barraco vai ficar aqui? - pensavam elas - tira-nos toda a vista de um lado. Sua escadaria é larga como a de um castelo e alta como a da torre de uma igreja. A grande porta de ferro maciço parece a de uma antiga sepultura, com seus botões de couro. Que coisa! Imaginem só!
Numa dessas lindas casas, na frente da velha, estava na janela um menino de rosto alegre, faces coradas e olhos brilhantes. Gostava muito da velha casa, tanto à luz do Sol como ao clarão da Lua. Ele se divertia em copiar as cabeças que faziam caretas, os ornamentos que representavam soldados armados e as goteiras que se pareciam com dragões e serpentes. A velha casa era habitada por um homem idoso que usava calções curtos, um casaco com botões de couro e uma imponente peruca. Nunca se via ninguém, exceto um velho doméstico, o qual, todas as manhãs, vinha arrumar seu quarto e fazer compras. Algumas vezes olhava para a janela e então o menino o cumprimentava amistosamente; nosso homem respondia e assim eles se tornaram amigos sem nunca se terem falado. Os pais do menino diziam sempre:

- Esse velhote daí em frente parece estar à vontade; mas é uma pena que viva tão só.

Eis por que o menino, num domingo, depois de ter embrulhado algo num pedaço de papel, foi para a rua e disse ao velho doméstico:
- Ouça, se você quisesse levar isto ao velho senhor lá em frente, me daria um grande prazer. Tenho dois soldados de chumbo, e dou-lhe um, para que ele não se sinta tão só.
O velho doméstico executou o encargo com alegria e levou o soldado de chumbo para a velha casa. Mais tarde, o menino, convidado a visitar o ancião, correu para lá com a permissão de seus pais.
No interior a maior arrumação reinava por todos os lados; o corredor estava ornado de antigos retratos de cavaleiros em suas armaduras e de senhoras com vestido de seda. No fundo desse corredor havia uma grande varanda, pouco sólida, era verdade, mas toda guarnecida de folhagens e de velhos vasos de flores que tinham por alças orelhas de asno.
A seguir o menino chegou ao aposento onde estava sentado o ancião.
- Obrigado pelo soldado de chumbo, meu amiguinho - disse este último - obrigado pela sua visita!
- Disseram-me, replicou o menino - que você estava sempre sozinho; eis por que enviei-lhe um de meus soldados de chumbo para fazer-lhe companhia.
- Oh! replicou o velho sorrindo, nunca estou totalmente sozinho; muitas vezes velhos pensamentos vêm me visitar e agora você vem também; não posso queixar-me.
A seguir ele apanhou numa estante um livro de figuras onde se viam procissões magníficas, carruagens estranhas, como não existem mais e soldados levando o uniforme de valete-de-paus. Viam-se ainda as suas corporações com todas as suas bandeiras: a dos alfaiates levava dois pássaros sustidos por dois leões; a dos sapateiros estava ornada com uma águia, sem sapatos, é verdade, mas de duas cabeças. Os sapateiros gostam de ter tudo em dobro, a fim de formarem um par.
E, enquanto o menino olhava as figuras, o ancião ia até o aposento vizinho procurar doces, frutas, biscoitos e avelãs. Na verdade a velha casa não era desprovida de conforto.
- Nunca poderia suportar essa existência - dizia o soldado de chumbo - colocado sobre um cofre. Como tudo aqui é triste! Que solidão! Que infelicidade encontrar-se em semelhante situação, para quem está acostumado à vida de família! O dia não acaba nunca. Que diferença da sala onde seu pai e sua mãe conversavam alegremente e você e seus irmãos brincavam! Este ancião, na sua solidão, jamais recebe carícias; não ri e sem dúvida passa o Natal sem a sua árvore. Esta habitação se parece com uma tumba; eu nunca suportaria uma tal existência.
- Não se lamente tanto - respondia o menino - pois eu gosto daqui e depois você sabe que ele recebe sempre a visita de seus velhos pensamentos.
- É possível, mas eu nunca os vejo; nem os conheço. Jamais poderia ficar aqui!
- No entanto, é preciso ficar.
O velho voltou com um rosto sorridente, trazendo os doces, as frutas e as avelãs e o menino não pensou mais no soldadinho de chumbo. Após ter-se regalado, voltou contente e feliz para a sua casa; e não deixava de fazer um sinal amistoso ao seu velho amigo, de cada vez que o percebia na janela.
Algum tempo depois, ele fez uma segunda visita à velha casa.
- Não posso mais! - disse o soldadinho de chumbo - aqui é muito triste.
Tenho chorado chumbo derretido! Gostaria mais de ir para a guerra, arriscando-me a perder pernas e braços. Pelo menos seria uma mudança. Não aguento mais! Agora já sei o que é a visita dos velhos pensamentos; os meus vieram me visitar, mas sem dar-me o menor prazer. Eu os via na casa em frente, como se estivessem aqui. Assisti à prece matutina, às suas lições de música e me achava no meio de todos os outros brinquedos. Ai de mim! Não passavam de velhos pensamentos. Diga-me como se comporta a sua irmã, a pequena Maria. Dê-me notícias também do meu camarada, o outro soldado de chumbo; ele tem mais sorte do que eu. Não posso mais, não posso mais.
- Você não mais me pertence - respondeu o menino - e eu não tomarei aquilo que dei de presente. Entregue-se à sua sorte.
O ancião trouxe para o menino umas figuras e um jogo de antigas cartas, enormes e douradas, para diverti-lo. A seguir abriu o seu clavicórdio, tocou um minueto e cantarolou uma velha canção.
- À guerra! À guerra! - gritou o soldado de chumbo - e atirou-se ao chão.
O ancião e o menino quiseram levantá-lo, mas procuraram por todos os lados sem conseguir encontrá-lo.
O soldado de chumbo caíra numa fenda. Um mês mais tarde era inverno e o menino soprava as vidraças a fim de fundir o gelo e limpar o vidro. Dessa maneira ele poderia fitar a velha casa da frente. A neve cobria completamente a escadaria, todas as inscrições e todas as esculturas. Não se via ninguém, e, realmente, não havia ninguém; o ancião tinha morrido. Na mesma noite um carro parava na frente da porta para receber o corpo que devia ser enterrado no campo. Ninguém seguia esse carro; todos os amigos do ancião também estavam mortos. Somente o menino enviou um beijo com a ponta dos dedos para o caixão que partia.
Alguns dias mais tarde, a velha casa foi posta à venda, e o menino, da sua janela, viu levarem os retratos dos velhos cavaleiros e das castelãs, os vasos de plantas de orelhas de asno, os móveis de carvalho e o velho clavicórdio. Ao chegar a primavera a velha casa foi demolida.
- Não passa de um barraco! - repetia todo o mundo - e, em algumas horas, não se via mais do que um monte de escombros.
- Até que enfim! - disseram as casas vizinhas se pavoneando.
Alguns anos mais tarde, no local da velha casa se erguia uma casa nova e magnífica, com um pequeno jardim rodeado de uma grade de ferro; era habitada por um de nossos antigos conhecidos, o menino amigo do ancião. O menino crescera, casara-se; e, no jardim, ele olhava para sua esposa que plantava uma flor.
De repente ela retirou a mão dando um grito; algo pontudo ferira seu dedo. Que acham que era? Nada mais do que o soldadinho de chumbo, o mesmo que o menino presenteara ao ancião. Jogado para cá e para lá, ele terminara afundando na terra. A jovem senhora limpou o soldado, primeiro com uma folha verde, depois com o seu lenço. E ele despertou de um longo sono.
- Deixe-me ver! - disse seu marido sorrindo - oh! não, não é ele! Mas eu me lembro da história de um outro soldado de chumbo que me pertenceu quando eu era criança.
Então ele contou à esposa a história da velha casa, do ancião e do soldado de chumbo que ele dera a este último para fazer-lhe companhia.
Ao ouvi-lo, seus olhos se encheram de lágrimas.
- Quem sabe não se trata do mesmo soldado? - disse ela - de qualquer forma vou guardá-lo. Mas você poderia mostrar-me o túmulo do ancião?
- Não - respondeu o marido - não sei onde está e ninguém sabe também.
Todos os seus amigos morreram antes dele, ninguém o acompanhou até a última morada e eu não passava de uma criança.
- Que coisa triste é a solidão!
"Coisa pavorosa, realmente" - pensou o soldadinho de chumbo - "em todo caso, é melhor ficar só do que ser esquecido."



29/03/2010

A Lenda do Cavalo Arabe


Conta a lenda que o beduíno árabe, que vivia no deserto, pediu a Alah um companheiro para dividir os dias longos e as noites frias do deserto.
Alah compreendeu o anseio desse homem solitário e resolveu dar vida a um ser, símbolo da criação.
Ordenou que se imprimissem numa única criatura, olhos tão potentes quanto os da águia, faro tão sensível quanto o do lobo, a velocidade da pantera e a resistência do camelo.
Acrescentou ainda a coragem do leão, a memória privilegiada do falcão, a elegância do andar da corsa e a fidelidade do cão.
Alah chamou o Vento Sul e ordenou que ele soprasse sobre um punhado de areia que estava em suas mãos.
Surgiu, então, o Cavalo Árabe para que Alah fosse sempre louvado.

Lenda árabe

Tyr - o deus da guerra


Tyr sempre foi considerado um dos Deuses mais corajosos. Este foi o único Deus que teve coragem de colocar suas mãos nuas na boca do lobo Fenrir, assim permitindo que os demais deuses o acorrentassem. Todavia teve sua mão direita dilacerada. Muitos Clãs Vikings clamavam à si de "Tyr". Fazendo clara alusão à si como Guerreiros Corajosos e Nobilíssimos como o referido Deus. Estes interpretavam a História como sendo por sua vez, Tyr uma encarnação de Força e do Guerreiro Honroso, aquele que Sacrifica-se por seu Povo e um Destino melhor para estes.
Como, alguns clans também julgavam e analisavam o Mito a partir do momento da perda da mão direita por Tyr e pelas significâncias que isto poderia de ter. Segundo alguns nórdicos, o acto de dar a mão direita a outro é um sinal de confiança e de garantia de empreender algo (promessa),assim como também um sinal de que a pessoa está desarmada e por sua vez digna de confiança.
Tudo isto a partir da análise do referido Mito. Para os nórdicos o uso de armas na mão esquerda era um sinal de que a pessoa era por sua vez deveras traiçoeira, pois poderia utilizar sua mão sinistra enquanto mostrava a destra em um acto da mais vil covardia digna dos fracos e traiçoeiros.
Alguns outros nomes para Tyr seriam: Tiw e Tiu. Tyr habitava os palacetes enormes e atemporais de Odin como um dos mais nobres e impávidos Deuses.
Muitos Nórdicos antes de entrar no Estado de Berserker ou em Batalhas clamavam por Tyr em brados com punhos e espadas aos ares de forma selvática.
Quando os Normandos (que possuiam cerne genético Viking ) instalaram-se nas rochosas costas da Bretanha estes possuíam um calendário de Dias utilizando seu Panteão Norse. E um destes dias traduzido para o inglês chamava-se Tyr Day ou "Dia de Tyr". Com as influências gramático ortográficas da língua saxônica e o Tempo que passou por sua vez, o dia transmigrou-se para Tuesday. Um facto comprobatório de tal afirmação é quando pronunciamos ambas as formas designativas dos dias (Tyr Day e Tuesday) vemos que ambas possuem igual valor fonético.


Mitologia Nórdica


28/03/2010

A noiva do corvo

Havia numa terra uma mulher, que tinha em sua companhia um corvo. Defronte dela moravam três raparigas muito lindas. Como o corvo queria casar, mandou falar à mais velha; respondeu-lhe que não, e o corvo raivoso arrancou-lhe os olhos. Sucedeu o mesmo com a segunda, até que a terceira sempre se sujeitou a casar com o corvo.
Tempo depois de já viverem na sua casa, a rapariga falou a uma vizinha no seu desgosto de estar casada com um corvo; a vizinha aconselhou-lhe que lhe chamuscasse as penas, porque podia ser obra de encantamento, e assim se quebraria. Quando à noite se foram os dois deitar, a rapariga chegou a candeia às pernas do corvo; ele acordou logo, dando um grande berro:
– Ai, que me dobraste o meu encantamento! Se me queres salvar, vai pôr-te àquela janela, e todos os pássaros que vires, chama-os e pede-lhes assim: «Venham passarinhos, venham despir-vos para vestir el-rei que está nu.» De facto os passarinhos começaram a vir poisar na janela, e cada um deixava cair uma pena com que o corvo se foi cobrindo. Depois que ficou outra vez emplumado, o corvo bateu as asas, e desapareceu, dizendo para a mulher:
Agora se me quiseres tornar a ver, sapatos de ferro hás-de romper.
A pobre rapariga ficou sozinha toda aquela noite, e logo que amanheceu foi comprar uns sapatos de ferro e meteu-se a correr o mundo. Tinha os sapatos quase estragados de andar, quando encontrou um velho e lhe perguntou se não tinha visto um pássaro. O velho respondeu:
– Eu venho da fonte da Madrepérola, onde estavam bastantes.
Ela continuou o seu caminho, e antes de chegar à fonte ali encontrou um corvo, que lhe disse:
– Olha, se quiseres salvar o rei, vai à fonte, onde estará uma lavadeira a lavar um vestido de penas, tira-lho e lava-o tu. Ao pé da fonte está uma casa, e um velho que a guarda; entra aí, mata o velho para poderes quebrar todas as gaiolas e dar a liberdade aos pássaros que ele tem lá presos.
A rapariga chegou à fonte, e fez como o corvo lhe tinha dito; lavou o vestido de penas e depois entrou na casa onde estava o velho, fingiu que via vir pelo mar uma linda embarcação; o velho chegou à janela e a rapariga pegou-lhe pelas pernas e deitou-o ao mar. Depois quebrou todas as gaiolas e os pássaros em liberdade tornaram-se príncipes que estavam encantados, e entre eles estava o seu marido, que era rei e lhes pôs a obrigação de a servirem toda a vida.

(Algarve)
BRAGA, Teófilo, «Contos Tradicionais do povo Português»


Sir Lucan e Sir Bedivere



Sir Lucan e Sir Bedivere foram uns dos poucos cavaleiros de Arthur que sobreviveram à Batalha de Camelann. Quando caiu a noite no campo de batalha, Lucan diz que é melhor levar o rei para alguma cidade.
"Eu gostaria que fosse assim, disse o rei, mas não posso ficar de pé, e minha cabeça não pode se mover".
Então eles começam a carregar o rei, mas na tentativa, Sir Lucan cai morto.
Arthur, sozinho com Bedivere, encarrega-o de levar a sua espada, Excalibur, para além da margem do rio e, assim ao voltar, contasse o que tinha visto.
Bedivere toma a espada e dirige-se para a água, mas no caminho observa aquela nobre espada e vê que o botão do punho e o cabo eram de pedras preciosas, e sente que não pode sacrificá-la.
Por duas vezes tenta atirá-la, mas não consegue, e Arthur percebe a desobediência de Bedivere quando ele conta que viu apenas ondas inquietas e águas tristes. Ordenado de novo a jogar a espada no rio, Bedivere atende às ordens, lançando a espada o mais longe possível então, veio um braço e por cima da água uma mão alcançou a espada e a pegou.
Assim, sacudiu a espada por três vezes, brandiu-a e a mão e espada desapareceram.
Depois de ter cumprido a tarefa, Bedivere leva o rei nas costas até a beira da água, lá uma barca aporta com muitas senhoras, dentre elas a rainha, Morgana, o rei é colocado na barca e parte para Avalon.

Lendas dos Cavaleiros da Távola Redonda

27/03/2010

A pedra filosofal

Ficheiro:JosephWright-Alchemist.jpg

A Pedra Filosofal (Medicina Universal, Lápis Filosoforum) era o principal objetivo dos alquimistas. Segundo a lenda, era um objeto que poderia aproximar o homem de Deus. Com ela o alquimista poderia transmutar qualquer metal inferior em ouro, como também obter o Elixir da Longa Vida[1] que permitiria prolongar a vida indefinidamente. O trabalho relacionado com a pedra filosofal era chamado pelos alquimistas de "A Grande Obra" (ou "Opus Magna", em latim). A lenda da pedra filosofal não existe na alquimia chinesa.

Aparentemente, o trabalho de laboratório dos alquimistas na busca pela pedra filosofal era, na verdade, uma metáfora para um trabalho espiritual. Neste sentido, a transmutação dos metais inferiores em ouro seria a transformação de si próprio de um estado inferior para um estado espiritual superior.

Torna-se mais clara a razão para ocultar toda e qualquer conotação espiritual deste trabalho, na forma de manipulação de "metais", se nos lembrarmos que na Idade Média qualquer um poderia ser acusado de heresia, satanismo e outras coisas, acabando por ser queimado na fogueira.

A pedra filosofal poderia não só efetuar a transmutação, mas também elaborar o Elixir da Longa Vida, uma panacéia universal, que prolongaria a vida indefinidamente. Isto demonstra as preocupações dos alquimistas com a saúde e a medicina. Vários alquimistas são considerados precursores da moderna medicina, e dentre eles destaca-se Paracelso.

A busca por esta pedra filosofal é, em certo sentido, semelhante a busca pelo Santo Graal das lendas arturianas. Em seu romance Parsifal, Wolfram von Eschenbach associa o Santo Graal não a um cálice, mas a uma pedra que teria sido enviada dos céus por seres celestiais e teria poderes inimagináveis.

Ao longo da história a criação da pedra filosofal foi atribuída a várias personalidades, como Paracelsus e Fulcanelli, porém é inegável que a lenda mais famosa refere-se a Nicolas Flamel, um alquimista real que viveu no século XIV. Segundo o mito, Flamel encontrou um antigo livro que continha textos intercalados com desenhos enigmáticos, porém, mesmo após muito estudá-lo, Flamel não conseguiria entender do que se tratava. Segundo a lenda, ele teria encontrado um sábio judeu em uma estrada em Santiago na Espanha, que fez a tradução do livro, que se tratava de cabala e alquimia, possuindo a fórmula para a pedra filosofal. Por meio deste livro, conseguiu fabricar a pedra: segundo a lenda, esta seria a razão da riqueza de Flamel, que inclusive fez várias obras de caridade, adornando-as com símbolos alquímicos. Ao falecer, a casa de Flamel foi saqueada por caçadores de tesouros ávidos por encontrar a pedra filosofal. A lenda conta que, na realidade, ambos, Flamel e sua esposa, não morreram, e que em suas tumbas foram encontradas apenas suas roupas no lugar de seus corpos.

26/03/2010

A Senhora da Graça

Era uma vez um homem que era casado com uma mulher, muito amiga de vinho, a ponto de não deixar parar vinho na adega. Um dia o homem saiu para comprar uns bois e recomendou à mulher que não fosse à adega beber o vinho. Apenas o homem virou costas, a mulher chamou logo uma comadre e foram ambas para a adega beber o melhor pipo de vinho que encontraram. O homem, quando voltou para casa e se achou sem o vinho, queria bater na mulher; mas ela disse-lhe que não lhe batesse, pois estava inocente, quem tinha bebido o vinho tinha sido a gata. Como o homem não quisesse acreditar, a mulher disse-lhe: «Pois olha, homem, havemos de ir à Senhora da Graça, e havemos de perguntar-lhe quem foi que bebeu o vinho, se fui eu ou a gata; se a Senhora disser que fui eu, hei-de trazer-te às costas para casa, e se eu estiver inocente hás-de tu trazer-me a mim.
Partiu o homem mais a mulher para a Senhora da Graça, e tendo chegado a um sítio onde havia um eco, a mulher disse ao homem: «Olha, escusamos de ir mais longe; Nossa Senhora também aqui nos ouve.» O homem então gritou com toda a força:
«Dizei-me, Senhora da Graça, quem bebeu o vinho, foi a mulher ou foi a gata?» E o eco respondeu: «A gata».
Três vezes o homem perguntou o mesmo, e três vezes o eco lhe respond eu a gata.
O homem então, convencido de que a mulher estava inocente, levou-a às costas para casa e matou a gata para ela não lhe ir beber mais o vinho.

(Coimbra)
COELHO, Adolfo, «Contos populares portugueses»


25/03/2010

A raposa e o lenhador



Existiu um lenhador que acordava ás 6 da manhã e trabalhava o dia inteiro cortando lenha, e só parava tarde da noite.
Esse lenhador tinha um filho, lindo, de poucos meses e uma raposa, sua amiga, tratada como bicho de estimação e de sua total confiança.
Todos os dias o lenhador ia trabalhar e deixava a raposa cuidando de seu filho.
Todas as noites ao retornar do trabalho, a raposa ficava feliz com sua chegada.
Os vizinhos do lenhador alertavam que a raposa era um bicho, um animal selvagem; e portando, não era confiável. Quando ela sentisse fome comeria a criança. O lenhador sempre retrucando com os vizinhos falava que isso era uma grande bobagem. A raposa era sua amiga e jamais faria isso. Os vizinhos insistiam:
- "Lenhador abra os olhos ! A raposa vai comer seu filho."
- "Quando sentir fome, comerá seu filho ! "
Um dia o Lenhador muito exausto do trabalho e muito cansado desses comentários - ao chegar em casa viu a raposa sorrindo como sempre e sua boca totalmente ensanguentada ...
O lenhador suou frio e sem pensar duas vezes acertou o machado na cabeça da raposa ...
Ao entrar no quarto desesperado, encontrou seu filho no berço dormindo tranquilamente e ao lado do berço uma cobra morta ...
O Lenhador enterrou o machado e a raposa juntos.

23/03/2010

O sapo envergonhado


Era uma vez um sapo que vivia no seu charco feliz e despreocupado. Tinha o seu nenúfar particular, onde se postava a apanhar banhos de sol e a comer moscas que distraidamente violavam o seu espaço aéreo. Uma vez por outra, partilhava o nenúfar com uma fêmea do charco. Coaxava a tarde toda para ela e oferecia-lhe as moscas varejeiras mais suculentas que conseguia caçar. A fêmea ficava encantada e agradecia-lhe com um piscar de olhos e um coaxar lento e sedutor. Era uma bela vida.
Mas um dia a paz terminou.
Perto do charco, vivia uma menina que se chamava Clarinda. A madrasta fazia-lhe a vida negra. Quando o pai, que era carvoeiro, saí para o monte para fazer carvão, a madrasta obrigava-a a trabalhar arduamente. Era ela que cozinhava, arrumava a casa, dava de comer aos animais e cavava a horta. Passava o dia a trabalhar enquanto a madrasta se sentava à lareira a fazer meia.
O pior nem era o trabalho, que esse, que se saiba, nunca matou ninguém. Era antes a forma como a madrasta a tratava. Passava o dia a chamar por ela para que lhe fosse buscar isto e aquilo, estava sempre a dizer que a menina era uma desleixada e uma preguiçosa e que não servia para nada. Chegava mesmo a bater-lhe com um mata-moscas que costumava ter ao pé.

A Clarinda andava desgostosa e o pai, quando chegava a casa e a via assim, perguntava-lhe que tinha. Mas ela, que era boa, não queria dizer mal da madrasta e por isso encolhia os ombros e ficava silenciosa a arrumar a loiça do jantar.

– O que tu tens de arranjar é um príncipe – dizia-lhe o pai. – Tiravas-nos a todos da miséria em que vivemos e tornavas-te numa princesa. E, quem sabe, até poderias vir a ser rainha.

A madrasta ria-se e dizia:

– Ela rainha? Há-de ser rainha quando eu for imperadora.
E ria de tal modo, que a Clarinda estava à espera de a ver transformar-se em bruxa e sair pela janela em cima da vassoura de varrer a casa. Mas isso nunca aconteceu e a Clarinda olhava para a sua vida e concluía que, a menos que fizesse alguma coisa, seria cada vez pior.
E foi então que começou a imaginar que um príncipe, montado no seu cavalo branco, se haveria de perder na floresta e bateria à porta. Apaixonar-se-ia por ela e levá-la-ia consigo para o palácio. Esperou tanto que acabou por pensar que a floresta onde vivia era demasiado longe de qualquer palácio onde vivesse um príncipe que pudesse ali perder-se.
Lembrou-se entretanto das histórias que a mãe lhe contava acerca de príncipes transformados em sapos por bruxas malévolas. Quem sabe se, entre os sapos que por aí povoavam os charcos, não haveria um que era um príncipe?
Um dia à tarde, depois de arrumar a loiça do almoço, disse à madrasta que ia regar a horta, pegou no cântaro de barro e dirigiu-se ao charco onde costumava ir buscar água para a rega. Ao aproximar-se do charco, viu aquele nosso sapo conhecido em cima do nenúfar. Ele estava quase a apanhar um moscardo e ficou muito contrariado com a presença da menina, pois o insecto, com a agitação do ar, fugiu. O sapo mergulhou na água lodosa e foi caçar moscas para outro lado.

A Clarinda passou a ir ao charco sempre que podia e, para evitar sobressaltar a bicharada, aproximava-se com pezinhos de lá. Sentava-se numa pedra e ficava a apreciar o sapo em cima do nenúfar a caçar insectos. Havia outros sapos, é certo, mas era aquele, pelo seu tamanho, pela sua perícia e pelo coaxar afinado que lhe chamava mais a atenção. Ela acabou por se convencer de que ele era realmente um príncipe encantado.
A Clarinda estava tão convencida de que aquele sapo era um príncipe encantado que começou a tentar apanhá-lo para lhe dar um beijo. O sapo passou a viver em constante sobressalto, como medo de ser apanhado e acabar na panela, pois sabia que há gente que gosta de patas de rã estufadas.
De noite, a menina sonhava com o príncipe sapo. De dia começou a descurar as suas tarefas, a ponto de a madrasta passar a tratá-la ainda mais mal. Dizia que, se ela assim continuasse, que haveria de dá-la em casamento ao velho corcunda que via no Bosque dos Aflitos. Mas ela estava tão convencida de que tinha encontrado o seu príncipe, que qualquer ameaça passava por ela como a brisa matinal.
A sua principal preocupação era arranjar forma de apanhar o sapo para lhe dar o beijo do verdadeiro amor. Mas ele era demasiado esquivo e, quando a Clarinda estava quase a apanhá-lo, atirava-se à água e mergulhava para o fundo. O sapo, por causa disso, perdeu cor e emagreceu bastante. Pensava até seriamente em mudar-se para outro charco, pois naquele começava a ser impossível ter-se uma vida sossegada. E as queixas não eram apenas dele. A presença da criatura humana junto do charco tinha afectado a vida de toda a comunidade sapal.

Como os protestos se avolumavam, a comunidade decidiu reunir em assembleia para discutir e deliberar o que fazer. Um dos sapos mais velhos sugeriu que talvez a criatura humana pensasse que o nosso sapo era um príncipe encantado. E deu-lhe de conselho que se deixasse apanhar e beijar por ela. Quando a humana visse que ele não era mais do que um simples batráquio, haveria de deixá-lo em paz e tudo voltaria à normalidade.
O nosso sapo, embora com algum receio de ir parar a uma panela, deixou-se apanhar no dia seguinte. Sentiu a mão gretada e áspera da menina sobre o dorso liso e pegajoso e fechou os olhos com tremuras nervosas.
– Que querido que ele é! – exclamou a Clarinda.
O sapo encolheu-se todo. Estava pronto para o sacrifício. Só esperava que não fosse muito doloroso.
– Não sejas envergonhado – disse a Clarinda. – Um sapo tão catita como tu não precisa de corar diante de uma menina.
O sapo, se soubesse como, gostaria de explicar àquela humana que não era vergonha o que sentia, mas medo.
A Clarinda afagou-o mais uma vez, aproximou o sapo dos lábios e deu-lhe um beijo. O visado achou aquilo nojento e foi por pouco que não vomitou as moscas que tinha comido ao almoço.
Nesse instante, apareceu um jovem muito bem posto em cima de um cavalo baio e perguntou:
– Que faz a menina com esse sapo na mão? Não me diga que o vai beijar!
– Já beijei – disse ela.
– E que aconteceu? – quis saber o jovem.
– Apareceu-me um belo príncipe.
O jovem riu-se, ela riu-se também e logo se apaixonaram.
A Clarinda libertou o sapo, que saltou logo para o charco, feliz por ter escapado à beijoquice. O jovem acompanhou a menina a casa e prometeu visitá-la sempre que podia. Dois anos depois, casaram e foram muito felizes. Ele não era um príncipe daqueles verdadeiros, filho de rei e de rainha a viver num palácio cheio de guardas e de criados a quem poderia mandar fazer o que lhe apetecesse. Era filho de um mercador. Mas para a Clarinda era um príncipe e isso é o que importa.
Quanto ao sapo, voltou à rotina de que muito gostava. Ficara contente por saber que afinal era um sapo. Não lhe agradava nada viver o resto dos seus dias longe do charco, das moscas suculentas e do seu nenúfar.


Contos infantis de José Leon Machado

A Pequenina Luz Azul



Certa manhã, o poderoso sultão, rei do Hedjaz, mandou vir à sua presença o prefeito da cidade. Disse-lhe:
-- Prefeito, levantando- me casualmente às dez horas esta noite, avistei, no meio da escuridão, uma pequena luz azul, viva e brilhante. Desejo saber quem passou a noite a velar. Ordeno que abra um inquérito e descubra a razão dessa vigília.
-- Obedeço a Vossa Majestade! - respondeu o prefeito- Cumpre- me dizer, porém, que inútil é esse inquérito, e que aquela luz provinha do oratório de minha casa!
E diante do espanto do Rei, ressaltou:
-- Eu e minha família oramos pela preciosa saúde de Vossa Majestade!
O Rei, sinceramente comovido, tornou ao prefeito:
-- Saberei corresponder aos cuidados que lhe mereço!
Retirando-se o prefeito, mandou o rei chamar seu grão vizir, e disse-lhe que havia decidido recompensar o prefeito com mil dinares de ouro.
O grão vizir, tomado de vivo espanto, perguntou o que teria feito o prefeito para merecer tão grande mercê.
O soberano narrou o caso da luz, arrematando-o com a confissão que lhe fizera pouco antes o prefeito.Disse-lhe o Grão Vizir:
--Vossa Majestade está sendo iludido! O prefeito não tem família, e só ora nas mesquitas quando a isso é obrigado! Vejo-me obrigado, ó Rei, a confessar a verdade. Essa pequena luz azul era a lâmpada que ilumina minha sala de estudos. Passo a noite acordado cogitando acerca dos múltiplos problemas de Vossa Majestade.
O Rei, comovido, agradeceu ao ministro e prometeu-lhe grande recompensa. Logo após sua saída, mandou chamar o general, e disse-lhe que estava disposto a conceder ao ministro um título de cheique. Sem nada ocultar, o monarca contou ao general a história da luz azul e a dedicação do ministro.
O general, porém, disse ao Rei que o vizir havia mentido como um infiel, e que a luz azul que ele havia visto vinha de sua tenda de campanha, que havia armado para maior garantia da vida do rei, receoso de que um ataque beduíno acontecesse.
Mais uma vez surpreendido, o monarca ficou indeciso sobre o que fazer e, logo após a saída do general, resolveu consultar seu conselheiro, que ponderou:
--Em minha fraca opinião, o senhor não deve crer em nenhum dos três boatos. Quero crer que a luz provinha do novo farol de El-Basim, que indica aos navegantes a entrada do porto. O Rei olhou surpreso para o ministro, e exclamou:
--Então era só a luz do farol!
E assim, quando já bem adiantada ia à noite, ergueu-se o sultão do leito, chegou à varanda e estendeu o olhar sobre a cidade. Surpresa estranha o aguardava. Como já eram conhecidas de todos as notícias de prometidas recompensas, a cidade surgira extraordinariamente iluminada! Nunca se vira tanta luz azul! Queriam todos agradar ao poderoso soberano.
E o crédulo Rei do Hedjaz compreendeu, então, que em seu rico e glorioso país, para cada súdito honesto e dedicado havia um milhão de mentirosos e bajuladores.


Lenda árabe


O avarento

A todo instante o sapo abria a boca e engolia um pouco de terra.
- Por que você está tão magro? - perguntou-lhe, certo dia, uma joaninha.
- Porque estou sempre com fome - respondeu o sapo.
- Mas você só come terra! - exclamou o lindo inseto - por que não come a vontade?
- Porque um dia - respondeu o avarento - até a terra pode acabar.

22/03/2010

O Peixinho de Ouro


Em uma ilha distante daqui, a Ilha Buián, viviam um pescador e sua esposa. Muito velhos e muito pobres, tinham apenas sua cabana para viver e uma rede que o homem fizera com suas próprias mãos para pescar.
Um dia, ao mar, o homem sentiu que a rede lhe vinha mais pesada. E, pensando na boa pescaria que fizera, veio puxando, puxando a rede, puxando com toda a sua força... entre as malhas, a mesma água, o mesmo sal, e um peixinho do tamanho de quase nada. No entanto, não era um peixe comum: suas escamas eram de puro ouro.
O velho pescador já ia agarrá-lo quando o animaleto assim falou:
"Não me leves, avozinho... Deixa-me livre nas águas do mar que te serei de grande valia. Tudo o que desejares, dar-te-ei em recompensa."
Embora perdesse a pesca e o almoço, o velho respondeu:
"Vai-te embora, não preciso nada de ti. Vive em paz no mar!"
Voltando para casa, o homem viu viu que a velha lhe esperava à porta. "E que tal foi a pesca hoje?" Sem dar importância ao ocorrido, foi contando...
__ Que velho mais idiota! Tivestes a sorte entre as mãos e não soubestes aproveitar! Ao menos, tivesses pedido um bocado de pão... com o que havemos de forrar o estômago, se não há nesta casa nem uma pobre migalha?
E a velha brigou o dia inteiro com o marido -- até que ele, não podendo mais ouvir sua voz, foi à beira-d'água:
__ Peixe, peixinho, vem cá! Vira a cabeça para mim e põe o rabo para o mar!
O peixe de ouro nadou em sua direção:
"O que desejas, bom velho?"
__ Minha mulher está zangada e diz querer pão.
"Volta para casa que pão não vos faltará."
Ao chegar, o velho encontrou a mulher mais brava do que antes. (Ela era do tipo difícil de agradar!) Pão havia de sobra, uma gaveta cheia. O que agora ela queria era uma tina nova -- a madeira havia rachado e ela não tinha onde lavar a roupa:
__ Vai dizer ao tal peixe que nos providencie uma!
O homem obedeceu e, mais uma vez, foi à praia:
__ Peixe, peixinho, vem cá! Vira a cabeça para mim e põe o rabo para o mar!
O peixe de ouro veio a nadar.
"E o que desejas, meu bom velho?"
__ Minha mulher precisa de uma tina nova.
"Volta para casa que a tina nova lá está."
O pescador estava ainda uns vinte passos de cabana, a mulher correu ao seu encontro:
__ Vá imediatamente falar com o peixe e peça-lhe que construa uma casa nova para nós! Aqui já é impossível alguém morar...
Girando nos calcanhares, o homem voltou ao mar. Repetiu as mesmas palavras (que você já sabe, por isso não vou repetir) e o peixe apareceu, dourado e solícito como sempre. No entanto, de novo em casa, o pobre do pescador viu sua esposa soltando fumaça pelas orelhas:
__ Quão estúpido tu me vens! Esta casa é muito pequena! Não a quero! Vai outra vez ter com o tal peixinho de ouro e faça-o saber que não quero ser mais uma camponesa: quero ser esposa de governador, ter uma casa decente para morar!
Mais uma vez, lá foi o bom velho:
__ Peixe, peixinho, vem cá! Vira a cabeça para mim e põe o rabo para o mar!
O peixe nadou até a margem e assim fez, a cauda na água e a cabeça ao céu a falar:
"Que agora desejas?"
__ Minha mulher deve estar maluca: ela não me deixa em paz. Diz que já não quer ser camponesa, prefere ser esposa de governador.
"Não te aflijas, que tudo estará resolvido."
Ao voltar, não mais encontrou a velha cabana, nem outra mais nova sequer... Erguia-se, no mesmo terreno, uma mansão de três andares, contruída sobre largas bases de pedra. Sim, o peixe de ouro havia atendido com prontidão a mais esse pedido. Foi achegando-se e os criados vieram recebê-lo no pátio, perguntou por sua esposa... não tardou por encontrá-la refestaleda em uma poltrona, toda vestida em luxo.
__ Como estás, minha esposa? Contente?
__ Tens o atrevimento de chamar-me tua mulher, justo a mim, mulher do governador?
E assim dizendo, deu ordens aos criados para despejarem-no à rua. Lá fora, o pescador levou boa surra com paus e cordas. Apanhou de tal jeito que, só com muito custo, conseguiu ficar de pé outra vez... e, além de tudo, foi nomeado varredor da casa, obrigado à vassoura e a deixar o pátio sempre limpo... se encontrassem uma folhinha no chão ou qualquer sujeira sequer, deciam-lhe o pau!
Foi vivendo assim humilhado até o dia em que a esposa do governador quis vê-lo pessoalmente. Já estava cansada daquela vida.
__ Vai, agora mesmo, velho tonto, falar com o teu peixe. Desejo ser czarina para toda gente me obedecer e respeitar! Devo morar em um palacete e todos deverão se inclinar quando me virem passar! Andas, sem demora!
E foi ao mar ao pescador e veio à praia o peixe de ouro.
Tudo se fez como contam as palavras... e, naquele mesmo lugar, onde muito tempo atrás existiu uma cabana, no lugar dela, estava um palácio coberto com telhas de ouro. Sentinelas tomavam conta à porta. E ele entrou por um rico jardim, viu muito mais criados correndo de um lado para o outro. Na cozinha, descobriu-se um bom cheiro pelo ar, preparavam um banquete. E cada vez mais ressabiado, o pescador procurou pela mulher.
Ela, estava lá, no alto de uma esplanada, entre nobres e generais, passando revista às tropas. Tambores e trompetes faziam soar o hino do Czar...
O pescador desistiu de falar-lhe, procurou pela vassoura e ficou bem quieto em seu posto.
Mas não demorou para que a velha esposa se entendiasse com toda aquela vida de riqueza e honrarias; então, ordenou que trouxessem o pescador à sua presença. Nobres, generais, soldados e criados colocaram-se em polvorosa pois ninguém jamais havia ouvido falar de tal pessoa entre os afetos da czarina... Foi com muita dificuldade que conseguiram encontrar o bom velho, levado imediatamente para o salão do trono.
__ Tens sorte de ainda viver para ver-me deusa dos mares. Este é meu desejo, comandar toda gente que vive sob as águas. Sem demora, retornas ao peixe e ordene-lhe!
Coração muito apertado, o pescador obedeceu.
__ Peixe, peixinho, vem cá! Vira a cabeça para mim e põe o rabo para o mar!
Mas o peixe de ouro não apareceu na primeira chamada, nem na segunda, nem na terceira...
Foi então que o mar se ergueu, ondas revoltas, o azul ficando escuro. As águas ficaram irreconhecíveis e, neste momento, o peixe de ouro chegou à beira-praia:
"Que mais queres, bom velho?"
E ele tudo foi contando como havia acontecido, mas o peixe, sem mais nada dizer, deu as costas e... desapareceu nas profundezas do mar!
O pobre pescador foi-se também embora, pensando na guilhotina à espera de seu pescoço. Mas, chegando, que surpresa encontrou no lugar do palácio: a velha cabana, pequena e mal-acabada, sua mulher sentada num toco de árvore remendando uma roupa por costurar. Tudo de volta ao mesmo lugar, toda vida como era antes.
Pescando dia após dia, o velho, a rede e o mar, nunca mais teve a mesma sorte de encontrar seu amigo de ouro.


Conto russo

A camponesa e a lata de leite

Uma camponesa ia caminhando com uma lata de leite à cabeça e, enquanto caminhava, pensava consigo mesma: “Venderei este leite, e com o dinheiro que ele der poderei comprar mais ovos, ficando então com trezentos.
Mesmo descontando os gorados e os que estiverem claros, terei, desses ovos, pelo menos duzentos e cinquenta frangos.
Quando as aves estiverem a ser vendidas mais caras no mercado é que os meus frangos estarão no tempo de serem levados para lá, de forma que pelo ano novo eu terei dinheiro bastante para comprar um vestido novo. Sim, pensemos bem, um vestido verde, que é a cor mais própria para a minha pele. Será um vestido verde. Com ele irei à feira, onde todos os rapazes se esforçarão por dançar comigo. Mas eu não dançarei com nenhum deles. Recusarei todos, virando a cabeça assim...”
Entusiasmada com a sua ideia, a camponesa fez o gesto em que estava pensando, e lá se foi ao chão a lata de leite, levando com ela toda a imaginária felicidade da jovem.

Fábulas de Esopo

A princesa e o pastor



Em época recuada, existia, no lugar onde hoje fica a freguesia das Sete Cidades, um reino próspero e aí vivia uma princesa muito jovem, bela e bondosa, que crescia cada dia em tamanho, gentileza e formosura. A princesa adorava a vida campestre e frequentemente passeava pelos campos, deliciando-se com o murmurar das ribeiras ou com a beleza verdejante dos montes e vales.Um dia, a princesa de lindos olhos azuis, durante o seu passeio, foi dar a um prado viçoso onde pastava um rebanho. À sombra da ramagem de uma árvore deparou com o pastor de olhos verdes. Falaram dos animais e de outras coisas simples, mas belas e ficaram logo apaixonados.

Nos dias e semanas seguintes encontraram-se sempre no mesmo local, à sombra da velha árvore e o amor foi crescendo de tal forma que trocaram juras de amor eterno.Porém, a notícia dos encontros entre a princesa e o pastor chegou ao conhecimento do rei, que desejava ver a filha casada com um dos príncipes dos reinos vizinhos e logo a proibiu de voltar a ver o pastor.A princesa, sabendo que a palavra do rei não volta atrás, acatou a decisão, mas pediu que lhe permitisse mais um encontro com o pastor do vale. O rei acedeu ao pedido.Encontraram-se pela última vez sob a sombra da velha árvore e falaram longamente do seu amor e da sua separação.

Enquanto falavam, choravam e tanto choraram que as lágrimas dos olhos azuis da princesa foram caindo no chão e formaram uma lagoa azul. As lágrimas caídas dos olhos do pastor eram tantas e tão sentidas que formaram uma mansa lagoa de águas verdes, tão verdes como os seus olhos.Separaram-se, mas as duas lagoas formadas por lágrimas, ficaram para sempre unidas e são chamadas de Lagoas das Sete Cidades. Uma é a Lagoa Azul, a outra é a Lagoa Verde e em dias de sol as suas cores são mais intensas e reflectem o olhar brilhante da princesa e do pastor enamorados.

Lenda das Lagoas das Sete Cidades

O ovo e o brilhante

Havia uma mulher, que tinha uma filha e uma enteada; estavam sozinhas em casa, uma sempre na cozinha, muito maltratada, e a outra sempre perra e soberba de janela. Passou uma velhinha, e pediu se lhe davam alguma coisa. Disse a soberba:
— Vá-se embora, tia, que não há pão cozido. A outra disse:
— Não tenho que lhe dar; só se for este ovo fresco que pôs agora a galinha.
E deu o ovo à velhinha. A velhinha quebrou-o, e dentro do ovo estava uma grande pedra preciosa, que era um brilhante; pegou nele e deu-o à menina:
— Trazei sempre essa pedra ao pescoço, que enquanto andardes com ela haveis de ter todas as felicidades.
A pequena pôs a pedra ao pescoço. A irmã, com inveja, foi também buscar um ovo, e deu-o à velhinha. Ela disse que o partisse pela sua mão; assim fez, e rebentou o ovo choco, que tresandava de mau cheiro e a cobriu de porcaria pela cara e pelas mãos. A velhinha foi-se embora. Aconteceu passar por ali o rei, e viu aquela menina com a pedra ao pescoço, e achou-a tão linda, e ficou logo tão apaixonado, que a mandou buscar e casou com ela. Ficou rainha; e como era boa, a madrasta e a irmã pediram-lhe para que as deixasse viver no palácio; deixou. Um dia o rei foi para uma guerra, onde tinha de se demorar; a rainha ficou no palácio. Ora a madrasta, que já sabia do poder da pedra preciosa, andava mais a filha à mira de ver se lha furtavam; até que um dia que ela estava no banho, e que a irmã lhe tinha ido botar o lençol, furtou-lhe a pedra sem ela dar tino. Imediatamente ficou muito aflita, e a irmã mais a madrasta fugiram para irem ter com o rei, que estava na campanha, porque tinha a certeza que ele a tomaria por mulher. Pelo caminho puseram-se a descansar e adormeceram. Passou uma águia e viu luzir a pedra, e de repente desceu e arrancou-a, e engoliu-a.
Quando as mulheres continuaram o seu caminho, chegaram à barraca do rei, sem terem ainda dado pela falta da pedra. Pediram licença para entrar, dizendo que era a mulher do rei que vinha visitá-lo, porque tinha muitas saudades. O rei conheceu, quem eram, e mandou dar-lhes muita pancada e pô-las fora; foi então que a rapariga deu pela falta da pedra, e botou a fugir, e a mãe atrás dela.
Quando o rei chegou ao seu reino, veio a rainha ao seu encontro; mas como não tinha a pedra o rei não a conheceu, e disse:
— É uma tola como as outras. E escorraçaram-na. Ela tornou para o palácio e lá só a aceitaram para ajudar na cozinha. De uma vez estava-se a arranjar um grande jantar para o casamento do rei, e ela ao amanhar uma águia, achou-lhe no papo uma grande pedra preciosa. Guardou-a, e pediu ao dono para ir servir à mesa. Assim foi; pôs a pedra ao pescoço, e assim que entrou na sala, o rei conheceu-a e lembrou-se dela, e perguntou-lhe como é que aquilo tinha sido. Ela contou-lhe tudo, e o rei sentou-a logo à sua direita, e a outra princesa foi-se embora.


(Porto)
in BRAGA, Teófilo, Contos Tradicionais do Povo Português



21/03/2010

Lenda das Obras de Santa Engrácia



Simão Pires, um cristão novo, cavalgava todos os dias até ao convento de Santa Clara para se encontrar às escondidas com Violante. A jovem tinha sido feita noviça à força por vontade do seu pai fidalgo que não estava de acordo com o seu amor. Um dia, Simão pediu à sua amada para fugir com ele, dando-lhe um dia para decidir. No dia seguinte, Simão foi acordado pelos homens do rei que o vinham prender acusando-o do roubo das relíquias da igreja de Santa Engrácia que ficava perto do convento. Para não prejudicar Violante, Simão não revelou a razão porque tinha sido visto no local. Apesar de invocar a sua inocência foi preso e condenado à morte na fogueira que se realizaria junto da nova igreja de Santa Engrácia, cujas obras já tinham começado. Quando as labaredas envolveram o corpo de Simão, este gritou que era tão certo morrer inocente como as obras nunca mais acabarem. Os anos passaram e a freira Violante foi um dia chamada a assistir aos últimos momentos de um ladrão que tinha pedido a sua presença. Revelou-lhe que tinha sido ele o ladrão das relíquias e sabendo da relação secreta dos jovens, tinha incriminado Simão. Pedia-lhe agora o perdão que Violante lhe concedeu. Entretanto, um facto singular acontecia: as obras da igreja iniciadas à época da execução de Simão pareciam nunca mais ter fim. De tal forma que o povo se habitou a comparar tudo aquilo que não mais acaba às obras de Santa Engrácia.

Demeter e Perséfone


Hades aproveitou um dia em que Perséfone passeava sozinha. Quando ela se inclinou para aspirar o perfume de uma flor, a terra tremeu com grande estrondo. Uma falha se abriu bruscamente, e dela surgiu o deus do Inferno, num carro puxado por quatro cavalos negros. A jovem nem teve tempo de se recuperar do susto, porque ele a agarrou pela cintura e a levou consigo. O carro sumiu tão depressa quanto tinha aparecido, e a brecha se fechou atrás deles.
Os gritos desesperados de Perséfone foram ouvidos por sua mãe, Deméter. Ela acudiu, mas tarde demais. Nada assinalava a passagem do deus. Somente o ar agitado conservava o vestígio dessa aparição súbita, e as flores caídas atestavam silenciosas uma agitação recente.
Apavorada, a pobre mãe não sabia mais aonde ia. Errava pelo lugar, esquecendo seus deveres para com os homens. Normalmente, sua função de deusa da colheita, do trigo e de todas as plantas lhe impunha vigiar a produção agrícola. Na ausência de Deméter, o trigo se recusou a germinar, as plantas cessaram de crescer, e a terra inteira se tornou estéril. Então os deuses resolveram intervir.
O Sol, que tudo viu, revelou a Deméter onde estava sua filha. A princípio ela ficou aliviada por Perséfone estar viva, mas quando soube quem a detinha, exigiu que Zeus obtivesse sua libertação.
"Entendo sua dor de mãe", o deus lhe respondeu. "Intercederei por você junto a Hades. Ele vai devolver sua filha, ou não me chamo Zeus!"
Mas Hades se negou a deixar a doce companheira partir. Deméter decidiu então abandonar suas funções. Pouco lhe importava como os deuses e os mortais viveriam sem ela. Ela também não podia viver sem a filha. Assumiu o aspecto de uma velhinha e se exilou voluntariamente na terra.
Iniciou-se então um período cruel para os homens. De novo o solo secou, e a fome ameaçou a espécie humana. Essa situação não podia mais persistir. Os deuses se reuniram no palácio de Zeus e concordaram em persuadir Hades a devolver Perséfone à mãe. Zeus tomou a palavra:
"Caro irmão, você é o soberano do reino subterrâneo. Como tal, age de acordo com a sua vontade, contanto que não se meta neste mundo. Ora, desde que você reteve Perséfone, sua mãe recusa alimento aos mortais. Pela mesma razão, os sacrifícios se fazem raros. Você não pode deixar essa situação se agravar. Devolva a moça!"
"Está bem!", disse o deus esperto. "Mas antes preciso verificar se ela não comeu ou bebeu alguma coisa durante sua estada, senão ela não pode mais voltar à terra. E a lei."
Interrogada, Perséfone respondeu com candura que tinha experimentado as sementes de uma romã. Hades exultou. Mas acabaram fazendo um trato: Deméter teve que aceitar que sua filha permanecesse três meses ao lado de Hades e subisse para ficar com ela o resto do ano.
Assim é que, durante três meses, a terra se entristece, junto com Deméter, pela ausência de Perséfone. E o inverno, e o solo se torna improdutivo. Logo que a moça volta, a vida renasce, e a natureza inteira festeja o encontro entre mãe e filha. Somente Hades acha demorada essa primavera que o separa de sua companheira.

Contos e Lendas da Mitologia Grega

Gareth e Lineth


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O herói Gareth é um jovem de físico e força excepcionais.
Ele vem à corte de Arthur, onde não é reconhecido nem por seu tio Arthur, nem por Gawain, seu irmão.
Por alguma razão perversa começa trabalhar na cozinha de Arthur, onde Sir Kay, o dispenseiro, o trata mal e por causa de suas mãos grandes dá-lhe o apelido de Beaumains (Belas Mãos em francês).
Todos riem dele, excepto Lancelot, que é gentil com ele desde o início.
O rapaz interessa-se apaixonadamente pela cavalaria e, embora executando seus deveres de lavador de pratos, faz questão de assistir a todas as exibições de habilidade dos cavaleiros.
Por fim, acaba com a subserviência, veste a armadura que sua mãe tinha mandado fazer para ele já há algum tempo e desafia Lancelot.
Este fica impressionado com a sua força e antes de ser derrotado, os dois param.
A gentileza e a clemência do jovem são reprovadas por Lineth, moça arrogante que desdenha a indicação de Beaumains para salvar a sua irmã aprisionada, a dama de Lionesse, pois pensa que é um mero criado de cozinha.
Seu comportamento é irracionalmente descortês e ingrato até que suas injúrias e seu escárnio são refreados pelo contínuo sucesso do rapaz contra os adversários da sua irmã.
"Ai de mim, diz ela, belo Beaumains, perdoa-me tudo que eu disse ou fiz de mal contra ti.
De todo o meu coração, diz ele, eu te perdoo, pois não fizestes nada de mais, todas as suas palavras malvadas me agradavam... e como estás se desculpando espontaneamente, eu te quero bem... não há cavaleiro vivo que eu não seja capaz de combater."
No entanto, ele se apaixona, sim, mas é pela irmã dela, a dama de Lionesse.
Leva-a para a corte de Arthur e casam-se.
Linet, curada de sua raiva patológica, está casada com outro cavaleiro.


Lendas Arturianas

A águia e o escaravelho



Uma lebre corria a não mais poder em direção à sua toca, fugindo à perseguição da águia. E em sua desabalada carreira, passou pela casa do escaravelho. Não era propriamente uma casa de segurança, mas, na falta de algo melhor, resolveu a fugitiva homiziar-se lá mesmo. Já se precipitava a águia sobre a frágil guarida, quando o escaravelho, com intenção de salvar a agora sua protegida, postou-se lhe no caminho, dizendo: - Poderosa princesa dos ares, em presa fácil será para Vossa Majestade apoderar-se daquela infeliz, o que muita tristeza me dará. Tende compaixão e não façais este ato, que em nada dignificará vosso nome, visto ser tão insignificante o adversário. Mais disso, a lebre minha hóspede, e em nome de Júpiter vos solicito que observeis as leis da hospitalidade. Poupar-lhe a vida, eu vos imploro. Ela, além de ser minha vizinha, é também minha comadre. A gigantesca ave de Júpiter, como resposta, bate violentamente com a asa no escaravelho, derrubando-o na terra, para fazê-lo calar-se, e leva-se aos ares carregando em suas garras prisioneira a pequena lebre. O escaravelho, enfurecido com o tratamento recebido, voa até o ninho da águia e, aproveitando-se de momento em que ela se ausentara, rompe a frágil casca de seus ovos, que era toda a sua esperança de constituir família. E tal era a alegria do escaravelho, que em sua vingança não deixou um ovo sequer inteiro. Ao retomar ao ninho, a águia, vendo a desgraça que se abatera sobre ela, atroa os ares com seus gritos. Sentia-se impotente para castigar o responsável por aquilo, pois não sabia a quem imputar a culpa. E tal era a sua aflição. Somente os ares eram testemunha de sua agonia. E todo o ano durou a tristeza daquela que vira seus sonhos maternos frustrados. Após passado esse ano, precavendo-se de funestos acontecimentos, a ave constrói seu ninho em local mais elevado. Mas tudo inútil. O escaravelho o descobre e mais uma vez vaza todos os ovos. A morte da lebre estava vingada mais uma vez. O sofrimento da águia foi tamanho que durante seis meses não cessaram seus gritos. Mas apenas o eco respondia a eles. Não sabendo mais o que fazer, a ave recorre a Júpiter, que a aconselha a depositar seus ovos numa dobra do seu manto, crendo que em nenhum lugar estariam tão seguros quanto ali, pois ele mesmo, o rei dos deuses, os defenderia. "Assim" - pensava - "ninguém terá a ousadia de tentar roubá-los." E estava certa. Ninguém tentou semelhante façanha. Mas isto porque o inimigo mudara seus planos de ataque. Foi sorrateiramente pousar no manto divino, e Júpiter, sacudindo as vestes para dali expulsar o intruso, fez rolar os ovos. Ao tomar conhecimento do sucedido, a águia ameaçou o deus de abandonar sua corte, indo viver solitária no deserto, dizendo outras impertinências semelhantes. Não se dignou Júpiter responder-lhe. Limitou-se a intimar o escaravelho a comparecer ao tribunal, onde iria ser julgado. Este contou todo o caso, desde o início, e defendeu sua causa. Convencido de que a águia não tinha razão, o rei dos deuses tentou fazê-la reconciliar-se com o escaravelho. Mas debalde. Os inimigos não se viam com bons olhos. Então, para acomodar a situação, resolveu a divindade mudar a época em que a águia põe seus ovos, fazendo-a coincidir com a estação em que o escaravelho, resguardando-se dos rigores do inverno, enfia-se na terra, como a marmota.

Fábula de Esopo

20/03/2010

A Raposa e o Bode



Dona Raposa ia toda faceira em companhia
Do seu amigo Bode, aquele dos chifres compridos,
Aquele que nao via nada além do próprio nariz.
Ela era mestra em contar mentiras.
A sede os obrigou a descer em um poço.
Lá, cada um satisfez sua vontade.
Depois de tudo o que beberam,
A raposa disse para o Bode:
"O que vamos fazer, compadre?"
"Beber não é tudo, precisamos sair daqui.
Fique sobre as patas e deixe seus chifres assim,
Contra o muro. Por suas costas,
Poderei sair primeiro,
Pois com a força de seu chifres,
E a ajuda das minhas pernas
Deste lugar eu sairei
E depois a você ajudarei."
¾ Pela minhas barbas ¾ diz o outro ¾que bondade!
Eu felicito pessoas bondosas como você.
Eu nunca teria descoberto esse segredo, pode apostar.
A raposa saiu do poço deixando seu companheiro,
E ainda fez o maior discurso do mundo
Para exortar a paciência.
"Se o céu tivesse dado a você", começou dizendo,
"Mais bom senso do que barba no queixo,
Você não teria nunca na vida
Descido a esse poço. Portanto, adeus, estou fora:
Trate de sair daí por conta própria,
Porque eu, sem dúvida nenhuma,
Tenho mais o que fazer do que ficar aqui parada.".

Em cada situação é preciso considerar como ela vai acabar.

As mais belas fábulas de La Fontaine

O Príncipe-Rã ou Henrique de Ferro


Num tempo que já se foi, quando ainda aconteciam encantamentos, viveu um rei que tinha uma porção de filhas, todas lindas. A mais nova, então, era linda demais. O próprio sol, embora a visse todos os dias, sempre se deslumbrava, cada vez que iluminava o rosto dela. O castelo real ficava ao lado de uma floresta sombria na qual, em baixo de uma frondosa tília, havia uma fonte. Em dias de muito calor, a filha mais nova do rei vinha sentar-se ali e, quando se aborrecia, brincava com sua bola de ouro, atirando-a para cima e apanhando-a com as mãos. Uma vez, brincando assim, a bola de ouro, jogada para o ar, não voltou para as mãos dela. Caiu na relva, rolou para a fonte e desapareceu nas suas águas profundas. "Adeus, minha bola de ouro!", pensou a princesa. "Nunca mais vou ver você!" E começou a chorar alto. Então, uma voz perguntou:
- Por que chora, a filha mais nova do rei? Suas lágrimas são capazes de derreter até uma pedra! A princesa olhou e viu a cabecinha de uma rã fora da água.
- Foi você que falou, bichinho dos charcos? Estou chorando porque minha bola de ouro caiu na água e sumiu.
- Fique tranquila e não chore mais. Eu vou buscá-la. Mas o que você me dará em troca?
- Tudo o que você quiser, rãzinha querida. Meus vestidos, minhas ... Meus vestidos, minhas jóias, e até mesmo a coroa de ouro que estou usando.
- Vestidos, jóias e coroa de ouro de nada me servem. Mas se você quiser gostar de mim, se me deixar ser sua amiga e companheira de brinquedos, se me deixar sentar ao seu lado à mesa, comer no seu prato de ouro, beber no seu copo, dormir na sua cama e me prometer tudo isso, mergulho agorinha mesmo e lhe trago a bola.
- Claro! Se me trouxer a bola, prometo tudo isso! - respondeu prontamente a princesa, pensando: "Mas que 8 rãzinha boba! Ela que fique na água com suas iguais! Imagine se vou ter uma rã por amiga!". Satisfeita com a promessa, a rã mergulhou e, depois de alguns minutos, voltou à tona trazendo a bola. Jogou-a na relva, e a princesa, feliz por ter recuperado seu brinquedo predileto, fugiu sem esperar a rã.
- Pare! Pare! - gritou a rã, tentando alcançá-la aos pulos. - Me leve consigo! Não vê que não posso correr tanto? A princesa, porém, sem querer saber dela, correu para o palácio, fechou a porta e logo esqueceu a pobre rã. Assim, ela foi obrigada a voltar para a fonte. No dia seguinte, quando o rei, a rainha e as filhas estavam jantando, ouviram um barulho estranho: Plaft!... Plaft!... alguém estava subindo a escadaria de mármore do palácio... O barulho cessou bem em frente à porta, e alguém chamou:
- Abra a porta, filha mais nova ... filha mais nova do rei! A princesa foi atender e, quando deu com a rã, tornou a fechar a porta bem depressa e voltou para a mesa. O rei reparou que ela estava vermelhinha e apavorada.
- O que foi, filha? Aí fora está algum gigante, querendo pegar você?
- Não, paizinho... é uma rã horrorosa.
- E o que uma rã pode querer com você?
- Ai, paizinho! Ontem, quando eu brincava com a minha bola de ouro perto da fonte, ela caiu na água e afundou. Então, chorei muito. A rã foi buscar a bola para mim. Mas me fez prometer que, em troca, seríamos amigas e ela viria morar comigo. Eu prometi, porque nunca pensei que uma rã pudesse viver fora da água. Nesse momento, a rã tornou a bater e cantou:
- Que coisa mais feia é essa, esquecer assim tão depressa a promessa que me fez! Se não quiser me ver morta, abra ligeiro essa porta, a filha mais nova do rei! O rei olhou a filha severamente.
- O que você prometeu, tem de cumprir - disse - Vá lá e abra a porta! Ela teve de obedecer. Mal abriu a porta, a rã entrou num pulo, foi directo até a cadeira da princesa e, quando a viu sentada, pediu:
- Me ponha no seu colo! Vendo que a filha hesitava, o rei zangou-se.
- Faça tudo o que a rã pedir - ordenou. Mal se viu no colo da princesa, a rã pulou para a pulou para a mesa, dizendo:
- Puxe o seu prato mais para perto para podermos comer juntas. Assim fez a princesa, mas todos viram que ela estava morrendo de nojo. A rã comia com grande apetite, mas a princesa a cada bocado parecia se sufocar. Terminado o jantar, a rã bocejou dizendo:
- Estou cansada e com sono. Prepare uma cama bem quentinha para nós duas! Ao ouvir isso, a princesa disparou a chorar. Tinha horror do corpinho gelado e húmido da rã, e não queria dormir com ela de jeito nenhum. Suas lágrimas, porém, só conseguiram aumentar a zanga do rei:
- Quando você precisou, ela te ajudou. Não pode desprezá-la agora! Não tendo outro remédio, a princesa foi para o quarto carregando a rã, que dizia estar cansada demais para subir a escada. Chegando lá, largou-a no chão e foi se deitar sozinha.
- Que é isso? - reclamou a rã. - Você dorme no macio e eu aqui no chão duro? Me ponha na cama, senão vou me queixar ao rei seu pai! Ao ouvir isso, a princesa ficou furiosa. Agarrou a rã e atirou-a contra a parede com toda a força, gritando:
- Agora você vai ficar quieta para sempre, rã horrorosa! E qual não foi o seu susto, ao ver a rã cair e se transformar num príncipe de belos olhos amorosos! Ele contou-lhe que se havia transformado em rã por artes de uma bruxa, e que ninguém, a não ser
a não ser a princesa, poderia desencantá-lo. Disse também que no dia seguinte a levaria para o reino dele. Depois, com o consentimento do rei, ficaram noivos. No outro dia, quando o sol acordou a princesa, a carruagem do príncipe já havia chegado. Era linda! Estava atrelada a oito cavalos brancos, todos eles com plumas brancas na cabeça, presas por correntes de ouro. Com ela veio Henrique, o fiel criado do príncipe, que quando seu amo foi transformado em rã ficou tão triste, que mandou prender seu coração com três aros de ferro, para que não se despedaçasse de tanta dor. Mas agora, ali estava ele com a carruagem pronta para levar seu amo de volta ao seu reino. Cheio de alegria, ajudou os noivos a se acomodar na carruagem, depois tomou seu lugar na parte de trás, e deu sinal de partida. Já haviam percorrido um trecho do caminho, quando o príncipe ouviu um estalo muito próximo, como se alguma coisa se tivesse quebrado na carruagem. Espiou pela janelinha e perguntou:
- O que foi, Henrique? Quebrou alguma coisa na carruagem?
- Não, meu senhor - e ele explicou:
- Tamanha a dor que eu senti quando o senhor virou rã, que, com três aros de ferro, o meu coração eu prendi. Um aro rompeu-se agora, os outros dois, com certeza, vão estalar e romper-se assim que chegar a hora! Duas vezes mais durante a viagem o príncipe ouviu o mesmo estalo. Foram mesmo estalo. Foram os outros dois aros do coração do fiel Henrique que se romperam, deixando livre sua imensa alegria.

Irmãos Grimm


Os sete corvos



Era uma vez um homem que tinha sete filhos, todos meninos, e vivia suspirando por uma menina. Afinal, um dia, a mulher anunciou-lhe que estava mais uma vez esperando criança.
No tempo certo, quando ela deu à luz, veio uma menina. Foi imensa a alegria deles. Mas, ao mesmo tempo, ficaram muito preocupados, pois a recém-nascida era pequena e fraquinha, e precisava ser batizada com urgência. Então, o pai mandou um dos filhos ir bem depressa até a fonte e trazer água para o batismo.
O menino foi correndo e, atrás dele, seus seis irmãos. Chegando lá, cada um queria encher o cântaro primeiro; na disputa, o cântaro caiu na água e desapareceu. Os meninos ficaram sem saber o que fazer. Em casa, como eles estavam demorando muito, o pai disse, impaciente:
- Na certa, ficaram brincando e se esqueceram da vida!
E, cada vez mais angustiado, exclamou com raiva:
- Queria que todos eles se transformassem em corvos!
Nem bem falou isso, ouviu um ruflar de asas por cima de sua cabeça e, quando olhou, viu sete corvos pretos como carvão passando a voar por cima da casa. Os pais fizeram de tudo para anular a maldição, mas nada conseguiram; ficaram tristíssimos com a perda dos sete filhos. Mas, de alguma forma, se consolaram com a filhinha, que logo ficou mais forte e foi crescendo, cada dia mais bonita. Passaram-se anos.
A menina nunca soube que tinha irmãos, pois os pais jamais falaram deles. Um dia, porém, escutou acidentalmente algumas pessoas falando dela:
- A menina é muito bonita, mas foi por culpa dela que os irmãos se desgraçaram…
Com grande aflição, ela procurou os pais e perguntou- lhes se tinha irmãos, e onde eles estavam. Os pais não puderam mais guardar segredo. Disseram que havia sido uma predestinação do céu, mas que o batismo dela fora a inocente causa. A partir desse momento, não se passou um dia sem que a menina se culpasse pela perda dos irmãos, pensando no que fazer para salvá-los.
Não tinha mais paz nem sossego. Um dia, ela fugiu de casa, decidida a encontrar os irmão onde quer que eles estivessem, nesse vasto mundo, custasse o que custasse. Levou consigo apenas um anel de seus pais como lembrança, um pão grande para quando tivesse fome, um cantil de água para matar a sede e um banquinho para quando quisesse descansar.
Foi andando, andando, se afastando cada vez mais, e assim chegou ao fim do mundo. Então, foi falar com o sol. Mas ele era assustador, quente demais e comia crianças. A menina fugiu e foi falar com a lua. Ela era horrorosa, mais fria que o gelo, e também comia crianças. Quando viu a menina, disse com um sorriso mau:
- Hum, hum… que cheirinho bom de carne humana!
A menina se afastou correndo e foi falar com as estrelas. Encontrou–as sentadas, cada uma na sua cadeirinha. Todas elas foram bondosas e amáveis com ela.
A Estrela D’alva ficou em pé e lhe deu um ossinho de frango, dizendo:
- Sem este ossinho, você não poderá abrir a Montanha de Cristal, e é na Montanha de Cristal que estão seus irmãos.
A menina pegou o ossinho, embrulhou-o num pedaço de pano, e de novo se pôs a andar. Andou, andou e afinal chegou na Montanha de Cristal. O portão estava fechado; quando desembrulhou o paninho para pegar o osso, ele estava vazio! Ela havia perdido o presente da estrela… E agora, o que fazer? Queria salvar os irmãos, mas não tinha mais a chave da Montanha de Cristal.
Sem pensar muito, meteu o dedo indicador dentro do buraco da fechadura e girou-o, mas o portão continuou fechado. Então, pegou uma faca em sua trouxinha, cortou fora um pedaço do dedo mindinho, meteu o pedaço do dedo na fechadura: felizmente, o portão se abriu.
Assim que ela entrou, um anãozinho veio a seu encontro:
- O que esta procurando, minha menina?
- Procuro meus irmãos, os sete corvos.
- Os senhores corvos não estão em casa e vão se demorar bastante. Mas, se quiser esperar, entre e fique à vontade.
Assim dizendo, o anãozinho foi para dentro e voltou trazendo a comida dos corvos em sete pratinhos, e a bebida em sete copinhos. A menina comeu um bocadinho de cada prato e bebeu um golinho de cada copo, mas deixou cair o anel que trouxera dentro do último copinho. Nesse momento, ouviu-se um zunido e um bater de asas no ar.
- São os senhores corvos que vêm vindo – explicou o anãozinho. Eles entraram, quiseram logo comer e beber e se dirigiram para seus pratos e copos. Então um disse para o outro:
- Alguém comeu no meu prato! Alguém bebeu no meu copo! E foi boca humana!
E quando o sétimo corvo acabou de beber a última gota de seu copo, o anel rolou até o seu bico. Ele reconheceu o anel de seus pais e exclamou:
- Queira Deus que nossa irmãzinha esteja aqui! Então, estaremos salvos!
Ao ouvir esse pedido, a menina, que estava atrás da porta, saiu e foi ao encontro deles. Imediatamente, os corvos recuperaram sua forma humana. Abraçaram-se e se beijaram na maior alegria e, muito felizes, voltaram todos para casa.

Irmãos Grimm



O Príncipe e o filósofo

O príncipe Hi-Chang-Li era vaidoso e fútil. Um dia, ao regressar de um passeio em companhia de vários amigos, encontrou Confúcio. O venerável filósofo, sentado na laje de um poço, meditava tranquilo.
- Eis uma oportunidade feliz - declarou o príncipe. Consultemos esse pensador famoso sobre as dúvidas que nos ocorreram durante a nossa excursão.
Um dos mandarins aproximou-se de Confúcio e interrogou-o:
- Em que consiste, ó esclarecido filósofo, a verdadeira caridade?
- Em amar os homens! - foi a resposta.
- E a Ciência?
- Em conhecer os homens!
- E o erro?
- Em confiar nos homens!
- E qual a arte mais difícil?
- Governar os homens!
Ao ouvir aquelas respostas, disse o príncipe, em voz baixa, ao mandarim:
- Noto que o velho retórico insiste em formular as respostas da mesma forma, relacionando-as, invariavelmente, com os homens. Irrita-me essa preocupação maníaca. Pretende, com certeza, divertir-se à nossa custa. É preciso interroga-lo de modo que ele se veja obrigado a modificar o estribilho.
- Nada mais simples - rosnou, entre dentes, o mandarim.
E dirigindo-se, em voz alta, ao sábio:
Podes dizer-me, o eloquente filósofo, quantas estrelas há no céu?
Respondeu o Mestre:
- São tantas quantos os pecados, erros, defeitos e impertinências dos homens!
E, depois de proferir tais palavras, levantou-se vagaroso e afastou-se dos indesejáveis arguidores.


Contos do Oriente

Os calçoes de Salim

Vivia outrora em Amida um jovem chamado Salim Habech, filho de um negociante que lograra acumular grandes riquezas explorando um cabaré freqüentemente por cameleiros, jogadores de dados e traficantes de escravos.
Ao receber a herança paterna não quis Salim Habech retomar a direção dos negócios, e deixou-se ficar na ociosidade, entregando-se à vida descuidada dos perdulários.
Rico, dominado pela irreprimível mania de despertar a atenção de todos os habitantes da cidade por sua exótica maneira de trajar-se, raro era o dia em que Salim não escandalizava os curiosos de Amida com uma nova roupagem extravagante. Surgia, às vezes, com calções coloridos, keffié de seda, turbante de três voltas, sapatos recurvadas...
E se alguém procurava censura-lo, ele replicava com firmeza:
- A nossa lei é o Alcorão, o livro de Allah! Entre as 114 suratas do Livro Sagrado qual é a que contém restrições à vaidade natural dos jovens? Não encontrei lá uma só palavra de condenação ou advertência aos vaidosos.
E nesse ponto, Salim tinha razão. O livro religioso dos muçulmanos, sendo um verdadeiro código moral e político, não cuida daqueles que pecam pela ostentação e pelo orgulho.
Salim cultivava antipatia e rancor. Pagava com a moeda do desprezo a antipatia com que o rodeavam.
Um dia correu a notícia do casamento de Salim. As ruas tortuosas de Amida encheram-se de comentários. Diziam que sua noiva era filha de um dos cheiques mais ricos da cidade.
Cheio de orgulho, o noivo afirmava aos seus íntimos e ao pai de sua noiva:
- O meu casamento vai assinalar uma época na história da Mesopotâmia!
O casamento de Salim ia realizar-se com uma pompa nunca vista. Fez ele erguer no pátio de sua casa um grande estrado de madeira, sobre o qual os noivos deviam passar sete vezes, ostentando trajes novos, ricos e deslumbrantes.
Em meio da cerimônia, quando Salim exibia, pela terceira vez, o luxo de seu guarda-roupa, ocorreu um acidente lamentável.
Ouvindo aclamações entusiásticas de alguns amigos, inclinou-se o jovem Salim para agradecer a homenagem. Fê-lo, porém, com tanto açodamento que os seus calções, mal seguros, desprenderam-se e caíram-lhe aos pés.
Uma gargalhada atroadora sacudia a multidão. A figura do vaidoso noivo era de um ridículo inconcebível; apresentava-se, aos olhares curiosos, nu da cintura para baixo, de blusa branca e turbante verde.
Que escândalo! Que vergonha! Salim, num relance, percebeu a enormidade daquela catástrofe. Erguendo os calções fugiu para seus aposentos, não atendendo ninguém que o procurasse.
Nos mercados, nos cafés, nas casa de banho, nos pátios da mesquita, enfim, na cidade não falavam de outra coisa, a cada palavra era acompanhada de estrepitosa gargalhada:
- Caíram os calções de Salim!
Compreendeu Salim que a sua vida dentro dos muros de Amida seria insuportável. Risadinhas, zombarias e chacotas por toda parte.
Em uma noite, sem avisar pessoa alguma, resolveu abandonar aquela terra. Fugiu sem ser visto, disfarçado de mercador acompanhando uma caravana que partia para Bassora. Dessa cidade encaminhou-se para a Pérsia.
Trinta anos depois, Salim sentiu seu peito oprimido pela saudade de sua terra e de sua gente. Decidiu voltar a fim de terminar seus dias na cidade que o vira nascer.
- Já ninguém mais se lembra de mim - pensou. - Quem poderá recordar o triste episódio do meu desastrado casamento? Poderei viver tranqüilamente e cerrar os olhos sob o céu de minha pátria.
A viagem foi longa, fatigante e não isenta de perigos. Ao chegar às portas da cidade, avistou um menino de dez ou doze anos, muito vivo e alegre, que se divertia com um carrinho de madeira.
- Olá, menino! - Exclamou. - Qual teu nome?
- Sou Samir, filho de Tekrit bem Dajalid! - O menino respondeu.
Dajalid! Ao ouvir aquele nome Salim se emocionou. Dajalid, pai de Tekrit, tinha sido um de seus grandes amigos de sua juventude.
- Ó Samir, teu avô Dajalid é vivo? - Perguntou curioso.
- É. Mora com meu pai na praça de El ghadir, perto do palácio do governador.
- El Ghadir ? Salim estranhou pois nessa praça possuira ele várias propriedades.
- Desde quando mora teu avô em El Ghadir? - Perguntou Salim.
- Não sei ao certo. Disseram-me que meu avô mora lá desde o tempo em que caíram os calções de Salim!
Ao ouvir tais palavras, Salim empalideceu e sentiu uma dor profunda como se um punhal de um beduíno lhe tivesse atravessado o coração. A resposta demonstrava que o povo de sua terra ainda conservava bem viva a lembrança cruel do episódio mais vergonhoso de sua história.
Resolveu acampar fora da cidade, e ao cair da noite, vendo o fogo crepitar na porta de sua tenda, o velho Salim chorou como um homem que se vê condenado a morrer sem pátria e sem família.
O seu casamento marcara, realmente, uma época na história da Mesopotâmia. Esse marco não fora, porém, como ele sonhara, erguido pela glória, mas implantado, como um castigo de Deus, pelo ridículo.


Lenda árabe