-- Prefeito, levantando- me casualmente às dez horas esta noite, avistei, no meio da escuridão, uma pequena luz azul, viva e brilhante. Desejo saber quem passou a noite a velar. Ordeno que abra um inquérito e descubra a razão dessa vigília.
-- Obedeço a Vossa Majestade! - respondeu o prefeito- Cumpre- me dizer, porém, que inútil é esse inquérito, e que aquela luz provinha do oratório de minha casa!
E diante do espanto do Rei, ressaltou:
-- Eu e minha família oramos pela preciosa saúde de Vossa Majestade!
O Rei, sinceramente comovido, tornou ao prefeito:
-- Saberei corresponder aos cuidados que lhe mereço!
Retirando-se o prefeito, mandou o rei chamar seu grão vizir, e disse-lhe que havia decidido recompensar o prefeito com mil dinares de ouro.
O grão vizir, tomado de vivo espanto, perguntou o que teria feito o prefeito para merecer tão grande mercê.
O soberano narrou o caso da luz, arrematando-o com a confissão que lhe fizera pouco antes o prefeito.Disse-lhe o Grão Vizir:
--Vossa Majestade está sendo iludido! O prefeito não tem família, e só ora nas mesquitas quando a isso é obrigado! Vejo-me obrigado, ó Rei, a confessar a verdade. Essa pequena luz azul era a lâmpada que ilumina minha sala de estudos. Passo a noite acordado cogitando acerca dos múltiplos problemas de Vossa Majestade.
O Rei, comovido, agradeceu ao ministro e prometeu-lhe grande recompensa. Logo após sua saída, mandou chamar o general, e disse-lhe que estava disposto a conceder ao ministro um título de cheique. Sem nada ocultar, o monarca contou ao general a história da luz azul e a dedicação do ministro.
O general, porém, disse ao Rei que o vizir havia mentido como um infiel, e que a luz azul que ele havia visto vinha de sua tenda de campanha, que havia armado para maior garantia da vida do rei, receoso de que um ataque beduíno acontecesse.
Mais uma vez surpreendido, o monarca ficou indeciso sobre o que fazer e, logo após a saída do general, resolveu consultar seu conselheiro, que ponderou:
--Em minha fraca opinião, o senhor não deve crer em nenhum dos três boatos. Quero crer que a luz provinha do novo farol de El-Basim, que indica aos navegantes a entrada do porto. O Rei olhou surpreso para o ministro, e exclamou:
--Então era só a luz do farol!
E assim, quando já bem adiantada ia à noite, ergueu-se o sultão do leito, chegou à varanda e estendeu o olhar sobre a cidade. Surpresa estranha o aguardava. Como já eram conhecidas de todos as notícias de prometidas recompensas, a cidade surgira extraordinariamente iluminada! Nunca se vira tanta luz azul! Queriam todos agradar ao poderoso soberano.
E o crédulo Rei do Hedjaz compreendeu, então, que em seu rico e glorioso país, para cada súdito honesto e dedicado havia um milhão de mentirosos e bajuladores.
Lenda árabe