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05/03/2010

A hiena mazona

Head-On View of a Striped Hyena Photographic Print


Outrora, dois homens, Ali e Mustafá, atravessaram o deserto na companhia de um leão, uma serpente, uma hiena e um chacal.
A certa altura, os alimentos acabaram-se e os seis viandantes começaram a sentir fome. Por sorte, chegaram a um oásis onde encontraram um camelo.
Cansados da longa caminhada, decidiram amarrá-lo a uma palmeira, guardando para o dia seguinte a oportunidade de fazerem um saboroso petisco.
Mas a hiena, que é o animal mais sôfrego de quantos existem acima da Terra, ficou acordada magicando um estratagema para ficar com o camelo só para si.
Quando já todos estavam a dormir, aproximou-se do leão e disse-lhe ao ouvido:
— Toma cuidado, que o chacal tem a intenção de nos roubar o camelo…
— Ai sim?! — disse o leão. — Eu já lhe dou o arroz!
Aproximou-se do chacal que estava a dormir e, sem quaisquer explicações, deu-lhe uma valente paulada e matou-o instantaneamente. E deitou-se outra vez a dormir.
Um já está! — pensou a hiena.
Esta, assim que o leão adormeceu, foi ter com a serpente. Acordou-a e disse-lhe em voz baixa:
— Viste o que o leão fez? Matou o chacal e desconfio que vai fazer o mesmo a todos nós, para poder ficar com o camelo só para si!…
— Ai o vigarista! — comentou a serpente. — Ainda bem que me avisaste, porque eu vou cortar o mal pela raiz.
Chegou junto do leão e picou-o com os seus dentes venenosos, matando-o sem lhe dar tempo sequer de acordar.
— Já vão dois! — pensou a hiena esfregando as patas de contente e rindo da maneira que lhe é característica. Dali a pouco, estava junto de Ali, abanando-o.
— Acorda, Ali. Sabes o que eu acabo de presenciar? A serpente assassinou o leão e o chacal. Não tarda que faça o mesmo connosco, para ficar com o camelo sozinha…
— Traidora! Quem nos manda confiar nela?…
Ali acercou-se do réptil com uma grande pedra e, sem fazer ruído, esmagou-lhe a cabeça.
— Três! — rejubilou a hiena. Quando Ali voltou a pegar no sono, a matreira besuntou-lhe as mãos com sangue dos animais mortos e correu em seguida a acordar Mustafá
— Acorda, Mustafá! Olha que Ali já matou a serpente, o chacal e o leão. Receio que queira fazer-nos o mesmo a nós, para ficar sozinho com o camelo.
— Falas a sério? — admirou-se Mustafá.
— Olha para ele e verás.
Então Mustafá atirou-se furiosamente ao companheiro, gritando:
— Desgraçado! Estás a fingir que dormes? É verdade que mataste o leão, o chacal e a serpente? Desculpa-te, se puderes, caso contrário, pagarás com a vida o teu ardil!
Acordando estremunhado, Ali só dizia palavras sem sentido, como se na verdade tivesse sido apanhado em flagrante.
Mustafá erguia já o punhal e preparava-se para fazer justiça com as próprias mãos, quando se ouviu uma voz:
— Alto lá! Não é ele o assassino!
Era o camelo que, amarrado à sua palmeira, tinha presenciado tudo desde o princípio e explicou tintim por tintim como as coisas se tinham passado.
Mas antes que o camelo acabasse de falar, já a hiena tinha dito de si para si: “Pernas para que vos quero”.
Os dois homens agradeceram muito ao camelo: um por lhe ter salvo a vida, o outro por lhe ter evitado cometer um assassínio. E acabados os agradecimentos desamarraram a sua “refeição”.
— Estás livre. Podes ir à tua vida. Nós, porém, temos de ficar sem comer até ao próximo oásis.
— Não se preocupem — tranquilizou-os o camelo. — Eu ajudo-vos a encontrar comida.
Quando amanheceu, conduziu-os até ao castelo dos génios do oásis.
— Aqui encontrarão tudo quanto quiserem, comam e bebam, mas saiam antes do anoitecer, não vão os génios surpreender-vos quando chegarem.
Ali e Mustafá assim fizeram e, a meio da tarde, sairam do castelo, bem comidos e bebidos…
A hiena, que os tinha seguido de longe, mal os viu sair, resolveu entrar. Porém não foi capaz de refrear a gula e comeu, comeu… sem dar pelas horas.
À noite, os génios regressaram ao castelo e, vendo-a a empanturrar-se com aquilo que lhes pertencia, mataram-na, sem lhe desejarem sequer “bom apetite”.
Desde esse dia que se diz:

Muitas vezes procuramos
a verdade pelo lado de cá
e ela está do lado de lá.


Fábulas africanas
Lisboa, Editorial Além-mar, 1991