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20/03/2012

O homem maravilhoso

Todos os dias, às 4 horas da tarde, entrava na biblioteca um homem de roupa cinzenta. Já trazia na mão o pedido do livro que desejava ler: "história da Groelândia". Recebido o livro, aliás escrito em norueguês, ele se sentava em uma poltrona e se aprofundava em sua leitura até o sinal de que a biblioteca iria fechar, às dez horas.
Um dos empregados que trabalhava na biblioteca estranhou tal comportamento: quem seria este homem que gosta de ler, durante 6 horas, uma complicada história da Groelândia escrita em norueguês?
Durante 3 meses o estranho leitor pediu sempre o mesmo livro. Mas certo dia, porém, pediu um livro diferente: "a respiração dos escaravelhos"! E, durante 4 meses leu esse estranhíssimo livro, no qual ninguém lia.
Um dia, entretanto, o homem deixou de lado os insetos e fez um pedido que assombrou ainda mais o empregado: "gramática descritiva e completa da língua chinesa"
O maior desejo do empregado da biblioteca era encontrar com esse curioso homem na rua, para poder questioná-lo sobre interesses tão diferentes.
Certa vez, quando o empregado ia para o trabalho, encontrou, absorvido em pensamentos, o misterioso leitor. Aproximou-se dele e disse-lhe:
- Eu tenho acompanhado os importantes estudos que o senhor vem fazendo neste último ano em nossa biblioteca. Desejo saber se o senhor publica estas informações originais e substanciosas em algum artigo de revista ou jornal.
- Ah meu caro senhor! - respondeu o homem com um sorriso - Não leio, nem estudo nem publico coisa alguma! Vou todos os dias à biblioteca unicamente para dormir! É a pura verdade! Sou muito pobre e sem família; sou obrigado a trabalhar a noite inteira,e , durante o dia, à falta de outro cómodo, onde possa dormir com mais conforto, vou descansar na poltrona macia da biblioteca.
Mas ainda havia um ponto obscuro ao empregado:
- Mas só para dormir você pede livros complicados?
- Eu mesmo não sei o que peço! - esclareceu risonho - eu só posso ficar no salão de leitura se eu pedir um livro, então eu peço o livro indicado no primeiro cartão do catálogo. Quando mudam a ordem dos cartões, eu peço, sem o querer, um novo livro! Mas para mim qualquer livro serve. Tenho sempre tanto sono!

15/03/2012

Lenda da Peninha


Conta-se que no reinado de D. João III, na terra de Almoínhos-Velhos, havia uma pastora muda tinha o costume de levar as suas ovelhas a pastar ao cimo da serra.
Certo dia, uma das suas ovelhas fugiu, deixando a jovem pastorinha desesperada em busca da tal ovelha.
Após longas buscas observou ao longe uma senhora que trazia consigo a sua ovelha.
A pastorinha agradeceu muito da maneira que pode, visto que esta não conseguia falar.
A senhora, aproveitando a ocasião, pediu à pastorinha que lhe desse um pouco de pão. A pastora explicou-lhe, gestualmente, que esse ano tinha sido mau e havia muita fome. A senhora deu-lhe então um conselho:
- Quando chegares a casa chama pela tua mãe e procura pão.
A pastorinha tentou-lhe explicar que isso era impossível, pois para além de ter a certeza de não haver pão em sua casa, ela não podia chamar pela sua mãe, pois era muda. Mas a senhora tanto insistiu que a pastora decidiu fazer o que esta lhe dizia.
Ao chegar a casa chamou por sua mãe e a sua voz fez-se ouvir em toda a sua casa.
Contou a história a sua mãe e apressou-se em procurar o pão. E qual não foi o espanto das duas quando dentro de uma arca encontraram pão que chegou para a aldeia inteira.
No dia seguinte, como prova de agradecimento, toda a aldeia subiu à serra e precisamente no sítio onde a pastorinha tinha encontrado a senhora, estava agora uma gruta com a imagem de Nossa Senhora.
Esse local passou a ser sagrado e mais tarde foi aí construída uma capela, conhecida por capela de Nossa Senhora da Peninha.

Os Namorados


O Pião e a Bola achavam-se numa gaveta, junto com outros brinquedos, e o Pião disse a Bola:
- Não vamos ser namorados, já que estamos juntos na mesma gaveta?
A Bola, porém, feita de marroquim, e tão vaidosa como uma senhorita elegante, nem resposta quis dar a semelhante pergunta.
No dia seguinte, veio o menino, dono dos brinquedos. Pintou o Pião de vermelho e amarelo, e pregou-lhe bem no centro um prego de latão. Era muito bonito quando o Pião girava.
- Olhe para mim - disse o Pião à Bola - que diz você agora? Não vamos então ser namorados? Servimos muito bem um para o outro: você pula e eu danço. Ninguém poderá ser mais feliz que nós dois.
- É o que o senhor pensa - disse a Bola - certamente não sabe que meu pai e minha mãe foram chinelos de marroquim, e que tenho dentro de mim uma cortiça.
E eu sou feito de mogno - disse o Pião - o próprio prefeito me torneou em seu torno, o que lhe deu um grande prazer.
- Se eu pudesse acreditar nisso! - disse a Bola.
- Quero nunca mais ver uma fieira em todda a minha vida se for mentira o que eu disse - respondeu o Pião.
O senhor advoga bem a própria causa - disse a Bola - mas não posso namorar. Estou quase comprometida com um sr. Andorinha. Cada vez que subo ao espaço, ele põe a cabeça fora do ninho e pergunta:
"Quer? Quer?"
Ora, eu intimamente já disse que sim, o que equivale a um meio compromisso. Mas lhe prometo que nunca o esquecerei!
- E isso vai adiantar muito! - disse o Pião.
E nada mais disseram.
No dia seguinte vieram buscar a Bola. O Pião viu como ela subia a grande altura, como um pássaro, desaparecendo de vista. Voltava todas as vezes, mas dava um grande salto cada vez que tocava o chão. Devia ser por causa das saudades, ou por causa da cortiça que ela tinha dentro dela. A nona vez a Bola subiu ao alto, e não mais voltou. O menino procurou muito, e nada: a Bola sumira.

- Bem sei onde ela está - suspirou o Pião - está no ninho do sr. Andorinha e com ele se casou.
Quanto mais o Pião pensava naquilo, tanto mais se apaixonava pela Bola. Por não poder tê-la, seu amor por ela aumentava. O fato de ter ela ficado com outro, tornava o caso mais apaixonante. O Pião dançava ao redor e zunia, mas sempre pensava na Bola, que em seus pensamentos se foi tornando cada vez mais bonita. Passaram-se assim muitos anos e o amor do Pião transformou-se num velho sonho.
O Pião não era mais moço. Um dia, porém, foi inteiramente pintado de dourado. Nunca fora antes tão bonito. Era agora um Pião de Ouro, e pulava, deixando um zunido pairando no ar. Aquilo sim, era formidável! Mas de repente ele saltou alto demais - e sumiu.
Procuraram por toda a parte, até na adega, mas nada de aparecer o Pião.
- Onde estaria ele?
Pulara para dentro da barrica de lixo, onde jaziam amontoados talos de couve, cisco e entulho caído da calha.
"Estou bem arrumado" - pensou o Pião - "aqui a douração não tardará a sair de mim. E que gentalha é essa em cujo meio vim parar!" Olhou de esguelha para um longo talo de couve e para um estranho objeto redondo, que parecia uma maçã velha. Mas não era uma maçã. Era uma velha Bola que durante muitos anos estivera caída na calha, embebida de água.
- Graças a Deus, aí vem alguém com quem se pode falar - disse a Bola ao ver o Pião Dourado - eu, para falar a verdade, sou de marroquim, costurada pelas mãos de uma gentil senhorita, e tenho uma cortiça dentro de mim. Mas duvido que se veja isso agora. Eu estava prestes a casar-me com uma andorinha quando caí na calha, e ali estive por cinco anos, encharcada de água. É um longo tempo, pode crer, para uma jovem.
O Pião não respondeu. Pensava em sua antiga namorada, e quanto mais a ouvia, tanto mais certo estava de que era ela.
Nisto chegou a criada e quis virar a lata de lixo.
- Oh! Aqui está o Pião Dourado! - disse ela.
E o Pião retornou à sala, à antiga posição de respeito, mas da Bola nada mais se ouviu. O Pião nunca mais falou em seu antigo amor. O amor se extingue quando a amada passa cinco anos numa calha, embebendo-se de água. Nem a conhecem mais quando a encontram na lata de lixo.


Conto de Hans Christian Andersen