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30/09/2010

Lenda da Praia da Rocha

Uma Sereia chegou um dia ao Algarve, não se sabe bem de onde. Instalou-se à beira-mar, descansando de uma jornada que deve ter sido longa e fatigante.
Um Pescador que por ali andava na sua faina viu-a, e admirado com aquela intrusão nos seus domínios, aproximou-se e disse:
- Não sei donde vieste, mas devo informar-te de que tudo isto que vês é meu. Foi o Mar que criou este sítio e eu sou filho do Mar!
Sorriu a Sereia de tal maneira que prendeu o Pescador, respondendo-lhe:
- Venho de longe, Pescador, de muito longe. Aportei aqui depois de muito procurar, e tanto sossego achei que quero ficar.
- Como te chamas? Quem és? - quis saber o filho do Mar.
- Não tenho nome, Pescador. Sou apenas o que sou, Sereia.
- Bem-vinda sejas então, Sereia, a este local que já é teu!
Foi então que, de longe, se fez ouvir uma voz agreste e rude:
- Não dês o que não é teu, Pescador! Esta terra é minha, foi a montanha que a criou! Eu sou o filho da Serra e tudo o que vês me pertence!
- Assim sendo, Serrano - sussurrou a sereia - talvez sejas tu o fim da minha jornada.
- Deixa-o falar, Sereia! Que pode ele e a sua Serra contra o poder de meu pai, contra as ondas sem dono!...
- Ah, ah, ah! - riu o serrano - Tenta tu subir à Serra! Que poderão as tuas ondas contra a robustez que herdei da minha mãe. Mais poderoso sou eu, que quando quiser, posso criar montanhas dentro do Mar!
Parecia iminente a luta entre os dois gigantes; procurava o Mar acalmar as suas ondas, que cresciam e engrossavam; toldava-se a Serra, agitando as urzes e os pinheiros. Deleitava-se a Sereia com a violência do amor que neles via crescer, mas disse-lhes:
- Não se zanguem! Eu vou esperar aqui que me tragam provas das vossas forças. Mas agora ide, estou cansada e quero repousar!
Lentamente afastaram-se areal fora os dois rivais. Um entrou pelo Mar dentro, o outro subiu à Serra. Iam pensativos, procurando a melhor maneira de convencer a Sereia.
Ela, por seu lado, instalou-se como se em casa estivesse e esperou.
Chegou primeiro o Pescador. Trouxe-lhe o Mar e estendeu-o a seus pés, pintando-o verde suave à bordinha, e azul profundo lá ao longe, dizendo:
- Tudo isto é o meu Mar, e é teu, Sereia!
E a Sereia ficou a olhar o mar, deleitando-se com o seu ondular. Subitamente, ouviu o Serrano:
- Sereia, aqui estou: dar-te-ei um trono de pedra lá no alto do mundo. Já pedi ao vento que te embalasse o sono, ao sol que te aquecesse os dias, e às fontes que te refrescassem as horas. Vem comigo e serás a rainha da Serra.
- Chegaste tarde, Serrano! Já me sinto a rainha do Mar - respondeu a Sereia.
Enfurecida por ser rejeitada, a Serra fez rolar enormes rochedos até ao Mar, rodeando a Sereia: se esta não subia à Serra, descia a Serra ao Mar.
O Mar zangou-se, e durante noites e dias, dias e noites, atirou-se contra as rochas, mas não conseguiu desfazê-las.
E assim continuaram até que a Sereia, não sendo capaz de se decidir, transformou-se numa areia tão fina como não há outra igual, recebendo o tributo eterno dos dois eternos gigantes enamorados, umas vezes rivais, outras inimigos, outras ainda grandes amigos. O lugar tem hoje o nome de Praia da Rocha.



Almofadinha de Ouro


ERA UMA VEZ UMA MENINA muito bonita e graciosa, filha única, e que teve a infelicidade de ficar órfã da mãe. Seu pai ainda ficou e casou novamente, com uma viúva que tinha uma filha, pondo-se mocinha e muito feia e orgulhosa. A madrasta, na presença do marido, tratava a enteada bem, mas como esse vivia viajando, vingava-se, obrigando-a a trabalhos pesados, como lavar roupa, limpar a estrebaria, o galinheiro, a casa inteira, etc.. A mocinha começou a viver amargurada e sofrendo toda a espécie de privações e insultos. De tanto padecer, perdeu a paciência e achou que o remédio era fugir daquele purgatório.
Antes de tomar essa decisão, a moça rezava todas as noites à Nossa Senhora, que era sua madrinha, pedindo que lhe ensinasse os caminhos do bom proceder. Nossa Senhora virou-se numa velhinha e falou com ela no caminho do rio, explicando tudo. Abençoou-a e lhe deu uma almofadinha de ouro que era encantada. Quando precisasse de alguma coisa, pedisse à almofadinha de ouro que fora dotada por Deus com poderes.
Deixando a casa, a moça andou muitos dias, com fome e sede, e acabou encontrando uma ocupação num palácio vistoso, residência de um príncipe solteiro e muito agradável.
A moça, para não causar suspeitas e despertar maldades, sujou o rosto e andava tão imunda que só lhe deram o serviço de tratar das galinhas e dos porcos, dormindo no fundo do quintal, num quartinho escuro e isolado do palácio.
Dia vai e dia vem, anunciaram três dias de festas e toda a gente ficou influída para esse divertimento preparando as roupas novas, encomendando os arranjos e fazendo cálculos. O príncipe era um dos mais alegres e as moças da cidade desejavam que ele se engraçasse de uma delas e casasse, por ocasião das festas.
Chegando o primeiro dia, o príncipe foi para o baile e os empregados do palácio fugiram para ver as luzes e a entrada das pessoas que iam dançar. A princesa-velha, mãe do príncipe, foi também.
Ficando sozinha, a moça tomou banho, penteou-se e pediu à almofadinha de ouro que lhe desse um vestido cor do campo com suas flores e uma carruagemcom criados.
Apareceu, incontinente, o pedido, e a moça vestiu-se e compareceu à festa, causando um assombro pela sua formosura e lindeza de traje. O príncipe largou todas as outras e só dançou com ela. Como lembrança do encontro, fez-lhe presente um anel. Perto da meia-noite a moça desapareceu, fugindo para casa onde trocou a roupa, o vestido e o carro sumiram.
No segundo dia aconteceu a mesma coisa. A moça levou um vestido cor do mar com todos o seus peixinhos e o príncipe ficou encantado por ela, dançando, servindo-a e conversando. Deu-lhe uns brincos. Antes da meia-noite a moça não foi encontrada em parte alguma. Já estava em casa, suja e feia como habitualmente parecia aos olhos de todos.
No terceiro dia, o mesmo sucedido. Desta vez o vestido era da cor do céu com todos os seus astros e a moça encandiava a vista pelo brilho das jóias. O príncipe só faltava gritar de contente. Presenteou-lhe um colar e ficou griste quando ela desapareceu, antes da meia-noite.
Passados os três dias, só se falava na cidade naquele assunto da moça desconhecida, com os três vestidos mais bonitos do mundo. O príncipe procurou-a como um cego procura a luz e não a encontrou em parte alguma. Estava tão apaixonado que adoeceu de cama, trancou-se no quarto e só deixava entrar sua mãe. Todo mundo lastimava a doença do príncipe e os médicos não tinham mais remédio para aconselhar nem receita que servisse. O príncipe nem queria comer e a princesa-velha fazia as maiores promessas para que o filho se alimentasse, fosse como fosse.
Um dia a moça disse à princesa-velha que queria fazer um bolo para o príncipe doente. A princesa achou graça no atrevimento, mas tanto a moça pediu e rogou que obteve o consentimento. Preparou-se, foi para a cozinha e fez um bolo dourado, colocando dentro da massa o anel que o príncipe lhe dera na primeira noite do baile.
O príncipe nem queria ver a comida, mas sua mãe tanto pediu que ele cortou um pedaço do bolo e, ao levar à boca, reparou num objeto que aparecia na parte restante do prato. Puxou com o bico da faca e reconheceu o anel. Comeu todo o bolo, melhorando, e declarou que queria outro bolo feito pela mesma pessoa. A moça fez outro bolo e neste mandou o brinco, que o príncipe achou e ficou certo que a moça estava por perto. Pediu outro bolo e neste veio o colar. Então sem ter mais dúvida, disse à princesa-velha que mandasse ao seu quarto quem fizera os três bolos. A princesa obrigou a moça a mudar de roupa, perfumar-se para tirar o mau cheiro do galinheiro, e disse que se apresentasse ao seu filho.
A moça subiu a escada, com a almofadinha de ouro na mão, e assim que bateu na porta, pediu que lhe aparecesse no corpo o vestido do terceiro dia da festa, dos pés à cabeça. Quando a porta se abriu e ela entrou, o príncipe deu um grito de alegria, levantou-se da cama bonzinho de saúde, chamando pela mãe e mostrando a moça que estava mais bonita do que nas noites passadas.
Casaram-se imediatamente, contando a moça sua história, e foram felizes até a morte.

Conto Tradicional Português

O macaco e a onça


Andava o macaco, como sempre, de implicância com a onça, e a onça com o macaco. Um belo dia, o felino veio a encontrar o símio trepado em um galho de pau, a tirar cipós.
- Que fazes aí, compadre macaco? - perguntou a onça.
- Ah! então tu não sabes, comadre onça, o que estou fazendo? Trato da minha salvação...
- Como?
- Pois não tens notícias de que Nosso Senhor vai mandar um pé de vento muito forte e só se salvará quem estiver bem amarrado?
Amedrontada e por não ter mão com que ela própria se atasse, a onça pediu imediatamente:
- Então, compadre macaco, amarra-me também para eu não morrer... Tem pena de mim que não tenho mãos! Amarra-me também pelo amor de Deus!
O macaco obteve todas as juras e promessas que a comadre não lhe faria nenhum mal e desceu para atá-la num tôco de pau. À proporção que a ia amarrando, perguntava:
- Comadre, você pode se mexer?
A onça fazia esforços para desvencilhar-se, e o macaco atava mais fortemente o lugar que lhe parecia mais frouxo. Assim pôde conseguir amarrar a comadre, sem que esta, por mais que quisesse, pudesse fazer o mínimo movimento.
Vendo-a bem amarrada, o macaco apanhou um cipó bem grosso, deu na onça uma valente surra e fugiu em seguida.
As outras onças conseguiram soltar a irmã, e esta jurou a seus deuses vingar-se do macaco.
Veio uma seca muito grande e a onça, para pilhar o símio e cevar nele o seu ódio recolhido, pôs-se de alcatéia num único lugar em que havia água. Todos os animais iam até ali desalterar-se, sem serem incomodados pelo felino: mas o macaco, muito atilado e esperto, não foi, adivinhando o que o esperava.
Apertando-lhe a sede, entretanto, ideou um ardil para ir até à cacimba saciá-la.
Tendo encontrado um pote de melaço, besuntou todo o seu corpo com ele e, depois, espojou-se num monte de folhas secas, que se lhe grudaram aos pêlos.
Disfarçado desse modo, encaminhou-se para o bebedouro; a onça desconfiou daquele animal, mas não saiu da tocaia, limitando-se a perguntar:
- Quem vem lá?
O macaco com voz simulada, mas segura, respondeu:
- É o ará.
Ará é o que nós chamamos ouriço-caixeiro, com o qual a onça não tem implicância alguma. O suposto ouriço muito calmamente abeirou-se do poço e pôs-se a beber água a fartar, no que se demorou muito.
Comadre onça começou a desconfiar de tal bicho, que bebia tanta água, e exclamou admirada:
- Que sede!
O macaco precavidamente afastou-se e, logo que se pôs fora do alcance da terrível comadre, acudiu escarninho:
- Admiraste-te! Pois desde que surra te meti, água jamais bebi!
A vingança da onça foi mais uma vez adiada. Como esta, muitas outras passagens desta curiosa luta são contadas pelas pessoas do povo e eu tenho ouvido diversas. Além da que aí vai, possuo escritas mais algumas, que não reproduzo agora para não me tornar fastidioso.


Histórias de Macaco de Lima Barreto

Hiranyaksha e Varaha



Entre os descendentes de Daksha, o primeiro homem que Brahma criou no início dessa era, existia um em especial, Kashyap, um Sábio, que teve quatro esposas, Diti, Aditi, Vinita e Kudroo. Diti deu à luz aos Assuras, e de Aditi nasceram os Devas, de Vinita nasceu Garuda, o pássaro veículo de Vishnu, e da última, Kudroo, nasceram as Hidras. Dos Assuras nascidos de Diti, dois vieram com grande poder. Esses dois irmãos se chamavam Hiranyaksha e Hiranyakashyapu. Ambos praticaram práticas religiosas e austeridades, com isso seus poderes aumentavam cada vez mais.
Hiranyaksha, abastecido de um poder sem limites, atacou o Paraíso, o reino dos Devas. Ele atacou os Devas, que amedrontados tiveram que se esconder. Hiranyaksha desafiou Varuna, o Senhor do Oceano, para uma luta. Mas Varuna respondeu: "Ó grande herói, eu vivo como um ermitão. Eu não desejo lutar, além disso quem pode lutar com você! Somente um Deus pode fazer isso." Então Hiranyaksha, foi procurar Hari(Vishnu).
Nessa época, a terra(pritvi, ou bhumidevi), encontrava-se submergida nas águas. Nessa época, das narinas de Parabrahma, um porcou surgiu. Era bem pequeno de tamanho, quase de uma polegada. Mas com o passar do tempo ele cresceu, cresceu, até ficar enorme como uma montanha. A terra tinha caído e estado debaixo d'água. O porco levantou ela pelas presas. Ele agora estava subindo sobre a água para oferecer a Terra para Brahma.
Hiranyaksha viu esse porco do tamanho de uma montanha e ficou surpreso. Ainda em ilimitado orgulho, ele chorou: "Porco tolo deixe a terra onde ela está e vá embora! Sim, eu sei quem você é; você não é nada menos que Vishnu na forma de um porco. Eu vim quebrar sua cabeça!" Dizendo assim, ele parou o porco. A Deusa-terra tremeu pelo aparecimento feroz desse terrível demônio. Mas Varaha (o porco gigante) não ligou para isso e prosseguiu carregando a Terra em rumo ao céu. Hiranyaksha perdeu a paciência e gritou: "Covarde! Você não tem vergonha?" Varaha escutou esses insultos e colocou a terra de lado. Seus olhos ficaram vermelhos de raiva. Ele disse: "Essas palavras de orgulho, só te levarão ás garras da morte!" "Bem, então, lute!" Disse Hiranyaksha. Uma briga terrível foi travada entre os dois. Os deuses testemunharam essa luta, que durou da manhã até a tardinha. Brahma estava muito ansioso que a luta acabasse antes de escurecer, pois queria que o porco ganhasse, e ele sabia que na noite, os demônios ganham mais poder. Como se ele lêsse os pensamentos de Brahma, Varaha sorriu e mandou seu disco de energia ao redor de Hiranyaksha. Essa poderosa arma destruíu todas as armas de Hiranyaksha. Vendo todas suas armas destruídas pelo porco, a raiva de Hiranyaksha cresceu,e se apressou rugindo adiante com raiva, querendo esmagar Varaha nos seus braços. Então, o porco divino soprou forte na bochecha de Hiranyaksha. O sopro foi tão forte que Hiranyaksha morreu.
Então a mãe-terra foi salva e reposta em seu lugar.

28/09/2010

O leopardo, a girafa e o elefante



Passa-se na selva a história que vou contar. Nela entram três personagens principais, o leopardo, a girafa e o elefante, mas a mim apetece-me mais começar pelos macacos.
Empoleirados nas árvores, os macacos ocupam o dia a troçar da vizinhança, isto é, dos restantes bichos da selva.
- Do elefante é que não há nada a declarar - diz uma macaca velha, fazendo um trejeito malicioso.
Começam todos os macacos numa grande algazarra:
- É trombudo.
- Patudo.
- Orelhudo.
- É pesadão.
- Molengão.
- Paspalhão.
- Mas é bom, um bonzão - concluiu a macaca velha.
Nisto estão todos de acordo. O elefante pode não ser bonito, segundo as normas de beleza dos macacos, mas não molesta ninguém. Essa é que é essa.
- Vê-lo a ele muito gordalhufo, ao lado da espirra-canivetes da girafa, dá-me cá uma vontade de rir... - e o chimpanzé que isto diz ri-se, mostrando os dentes amarelos.
- Protege-a, desde pequena. Os pais da girafa foram apanhados numa cilada de caçadores e ele tomou-a à sua conta. Dizem que tem feito muito por ela - explica outro macaco.
Divertido com a conversa, um saguim intervém:
- Quem não deve gostar nada dessa amizade é o velho leopardo malhado e pelado. Se não fosse o medo que ele tem ao elefante, já a girafa, a estas horas, era um monte de ossos para os chacais roerem...
Nestas e noutras conversas gasta a macacaria o seu tempo. Depois digam que são os papagaios os palradores...
Na verdade, há muito que o leopardo espiava a girafa e o elefante.
De uma vez que viu a girafa no riacho, junto à cascata, a tomar banho, enquanto o elefante, perto da margem, cabeceava de sono, o leopardo aproximou-se dele e falou assim:
- Ah, meu amigo! O seu bom coração quase pesa tanto como o seu corpo todo. A girafa deve-lhe tudo. O meu amigo amparou-lhe os primeiros passos, abrigou-a, acarinhou-a e, graças a si, ela fez-se a linda girafa, que ambos contemplamos, enternecidos. Belo exemplo, meu amigo, para toda essa bicharia perversa.
Isto declamava, numa voz comovida, o leopardo. Para fazerem uma ideia, basta que vos diga que a cada vírgula corresponde um soluço. Farsante!
- Só é de lamentar que não saiba agradecer os seus sacrifícios com idêntica generosidade... - sussurrou o leopardo.
Neste passo da conversa, o elefante, que tudo ouvira sem manifestar grande interesse, levantou a tromba em ponto de interrogação:
- Que quer dizer? Fale com mais clareza, criatura.
Deu dois passos em frente o leopardo e segredou:
- Andam para aí a murmurar...
E o leopardo tentou convencer o elefante, por meias palavras, de que a girafa, nas suas costas, o tratava por ?paquiderme", palavra muito ofensiva entre os elefantes.
- Não acredito.
Acreditasse ou não, o elefante nunca mais voltou a correr ao lado da girafa. Certo era que ela também deixara de correr. Sem a companhia do seu amigo de sempre, que graça tinham as correrias?
Isto constou na selva e espicaçou a curiosidade dos macacos, de tal forma que resolveram mandar um emissário convocar os dois amigos desunidos, a fim de tirar mais informações.
- Vejo-os muito tristes e cada um para seu lado - disse o macaco emissário, assim que os juntou. - Que se passa?
A girafa, coitada dela, não sabia. Muito amuado, o elefante acabou por confessar:
- Calcula que, nas minhas costas, andam a chamar-me ?paquiderme" - e olhou de lado para a girafa.
O macaco não ficou espantado:
- Bem sei. Do leopardo tudo se deve esperar...
- Do leopardo? - estranhou o elefante.
- Pois claro. O leopardo, de há uns tempos para cá, tem vindo a espalhar que o nosso estimável amigo elefante é um ?paquiderme" da pior espécie e que, por esse motivo, a girafa já cortou relações consigo - explicou o macaco.
- Eu nem sei o que é um ?paquiderme" - disse a inocente girafa.
Estava desfeito o engano e esclarecidos os escondidos intentos do leopardo intriguista.
- Vou dar-lhe uma lição - exclamou o elefante, escavando com as patas na terra e chicoteando o ar com a robusta tromba . - Faça constar entre os macacos e a restante bicharada que, realmente, eu e a girafa nos desentendemos de vez e que cada um foi para seu lado.
Estava o leopardo a afiar as garras, quando ouviu o que na selva se contava.
- Desta não escapas, girafinha! - assobiou ele, de bigodes eriçados.
Ele é que não escapou, ai não, porque a cólera do elefante, animal paciente até onde se pode ser, não perdoa. Lançado a muitos quilómetros de distância, o leopardo não ganhou para o susto nem para os curativos.
De aí em diante passou a andar sempre sozinho e nunca sai senão de noite, quando os elefantes dormem.

António Torrado


27/09/2010

O Flautista de Hamelin


(versão de Joseph Jacobs)

Há muito, muitíssimo tempo, na próspera cidade de Hamelin, aconteceu algo muito estranho: uma manhã, quando seus gordos e satisfeitos habitantes saíram de suas casas, encontraram as ruas invadidas por milhares de ratos que iam devorando, insaciáveis, os grãos dos celeiros e a comida de suas bem providas despensas.
Ninguém conseguia imaginar a causa de tal invasão e, o que era pior, ninguém sabia o que fazer para acabar com tão inquietante praga.
Por mais que tentassem exterminá-los, ou ao menos afugentá-los, parecia ao contrário que mais e mais ratos apareciam na cidade. Tal era a quantidade de ratos que, dia após dia, começaram a esvaziar as ruas e as casas, e até mesmo os gatos fugiram assustados.
Diante da gravidade da situação, os homens importantes da cidade, vendo perigar suas riquezas pela voracidade dos ratos, convocaram o conselho e disseram: Daremos cem moedas de ouro a quem nos livrar dos ratos.
Pouco depois se apresentou a eles um flautista taciturno, alto e desengonçado, a quem ninguém havia visto antes, e lhes disse: “A recompensa será minha. Esta noite não haverá um só rato em Hamelin”.
Dito isso, começou a andar pelas ruas e, enquanto passeava, tocava com sua flauta uma melodia maravilhosa, que encantava aos ratos, que iam saindo de seus esconderijos e seguiam hipnotizados os passos do flautista que tocava incessantemente.
E assim ia caminhando e tocando, levou-os a um lugar muito distante, tanto que nem sequer poderiam ver as muralhas da cidade.



Por aquele lugar passava um caudaloso rio onde, ao tentar cruzar para seguir o flautista, todos os ratos morreram afogados.
Os hamelineses, ao se verem livres das vorazes tropas de ratos, respiraram aliviados. E, tranqüilos e satisfeitos, voltaram aos seus prósperos negócios e tão contente estavam que organizaram uma grande festa para celebrar o final feliz, comendo excelentes manjares e dançando até altas horas da noite.
Na manhã seguinte, o flautista se apresentou ante o Conselho e reclamou aos importantes da cidade as cem moedas de ouro prometidas como recompensa. Porém esses, liberados de seu problema e cegos por sua avareza, reclamaram: “Saia de nossa cidade! Ou acaso acreditas que te pagaremos tanto ouro por tão pouca coisa como tocar a flauta?”.
E, dito isso, os honrados homens do Conselho de Hamelin deram-lhe as costas dando grandes gargalhadas.
Furioso pela avareza e ingratidão dos hamelinenses, o flautista, da mesma forma que fizera no dia anterior, tocou uma doce melodia uma e outra vez, insistentemente.
Porem esta vez não eram os ratos que o seguiam, e sim as crianças da cidade que, arrebatadas por aquele som maravilhoso, iam atrás dos passos do estranho músico.
De mãos dadas e sorridentes, formavam uma grande fileira, surda aos pedidos e gritos de seus pais que, em vão, entre soluços de desespero, tentavam impedir que seguissem o flautista.
Nada conseguiram e o flautista os levou longe, muito longe, tão longe que ninguém poderia supor onde, e as crianças, como os ratos, nunca mais voltaram.
E na cidade só ficaram a seus opulentos habitantes e seus bem repletos celeiros e bem cheias despensas, protegidas por suas sólidas muralhas e um imenso manto de silêncio e tristeza.
E foi isso que se sucedeu há muitos, muitos anos, na deserta e vazia cidade de Hamelin, onde, por mais que se procure, nunca se encontra nem um rato, nem uma criança.


Joseph Jacobs


25/09/2010

A Donzela que era mais sábia que o Czar


Era uma vez um homem pobre que tinha uma única filha.
Essa jovem era surpreendentemente sábia; parecia possuir uma compreensão muito acima do que seria de se esperar na sua idade e frequentemente dizia coisas que espantavam a seu próprio pai.
Um dia, quando estava sem um centavo, esse homem foi visitar o czar, para pedir sua ajuda.
O czar ficou atónito ao ver a forma refinada com que o homem falava, e perguntou-lhe onde havia aprendido aquelas frases.
— Com minha filha – respondeu o homem.
— Sim, mas onde sua filha aprendeu? – perguntou o czar.
— Deus e nossa pobreza a tornaram sábia – foi a resposta.
— Aqui está algum dinheiro para as suas necessidades imediatas – disse o czar, — e trinta ovos, para que você peça à sua filha, em meu nome, para que os ponha a chocar para mim. Se ela o fizer com êxito darei a vocês ricos presentes. Caso ela não o consiga, você será torturado.
O homem voltou para casa e deu os ovos para sua filha, que os examinou, pesando um ou dois em suas mãos, e assim ela se deu conta de que eram ovos cozidos. Disse ao seu pai:
— Pai, espere até amanhã. Talvez eu descubra o que se pode fazer.
No dia seguinte ela acordou bem cedo e, tendo pensado uma solução, ferveu algumas sementes. Colocou-as dentro de uma pequena bolsa e deu-a a seu pai, dizendo:
— Vá com o arado e os bois, pai, e comece a arar ao lado do caminho por onde o czar passa quando está indo à igreja. No momento em que o czar puser sua cabeça para fora da janela da carruagem você deve gritar: "Vamos, bravos bois, arem a terra para que essas sementes cozidas cresçam bastante!"
O pai fez o que sua filha havia dito, e conforme a previsão dela, o czar olhou o homem trabalhando pela janela da carruagem. Quando escutou o que ele gritava, disse:
— Homem estúpido, como você pode esperar que sementes cozidas produzam algo?
O homem, prevenido pela sua filha, gritou:
— Da mesma forma que ovos cozidos produzem pintos!
O czar então seguiu seu caminho, sabendo que a jovem havia sido mais esperta do que ele.
Porém as coisas não terminariam assim...
No dia seguinte o czar enviou fio de linho enrolado e embaraçado à casa do homem. O mensageiro disse:
— Este linho deve ser usado para fazer velas para o barco do meu senhor, e isto deve ser feito até amanhã. Caso contrário você será executado.
Chorando, o homem entrou em casa, mas sua filha lhe disse:
— Não tenha medo, pensarei em uma solução.
Na manhã seguinte ela se dirigiu a seu pai e entregou-lhe um pedaço de madeira, dizendo:
— Diga ao czar que se ele puder fazer todos os instrumentos necessários para fiar e tecer deste pedaço de madeira, eu farei o tecido para as velas com este linho.
O homem fez conforme a sua filha havia indicado, e o czar ficou ainda mais impressionado com a resposta da jovem. No entanto ele pôs uma pequena taça na mão do homem e disse:
— Vá, e leve esta taça para sua filha e peça-lhe para esvaziar o mar com ela, porque assim poderei aumentar meus domínios com novas pastagens.
O homem voltou para casa e deu a taça à filha, dizendo-lhe que o governante havia pedido novamente algo impossível de ser feito.
— Vá se deitar – disse ela. – Pensarei em algo, concentrando minha mente nisso toda a noite.
Ao amanhecer chamou o pai e disse:
— Diga ao czar que se ele puder represar todos os rios do mundo com este pedaço de estopa, então esvaziarei o mar para ele.
O pai voltou ao palácio e contou ao czar o que sua filha dissera. O czar reconhecendo que ela era mais sábia do que ele, pediu que ela fosse enviada à corte imediatamente. Quando ela se apresentou, ele lhe perguntou:
— O que é que pode ser ouvido a uma grande distância?
Sem vacilar, ela respondeu imediatamente:
— Somente o trovão e a mentira podem ser ouvidos desde os pontos mais distantes, ó czar.
Atónito, o czar segurou sua própria barba, e virando-se para os cortesãos lhes perguntou:
— Quanto acham que vale a minha barba?
Todos começaram a calcular o que pensavam que a barba valia, dando-lhe preços cada vez mais altos para adular sua Majestade. Então o czar perguntou à donzela:
— E você, minha criança, quanto você acha que vale a minha barba?
Os cortesãos aguardavam atentos a resposta.
— A barba de Vossa Majestade vale três chuvas de verão.
O czar muito surpreendido, disse:
Você respondeu correctamente. Eu me casarei com você e farei de você minha esposa hoje mesmo.
E assim a jovem se tornou a czarina. Mas assim que as bodas terminaram ela disse ao czar:
— Tenho um pedido a fazer. Conceda-me a graça, escrita com letra de sua própria mão, de que se você ou qualquer um da sua corte desgostar-se comigo, e eu tiver que partir, me será permitido levar comigo aquilo de que eu mais gostar.
Encantado com a bela donzela, o czar pediu uma pena e um pergaminho e imediatamente escreveu, selando o documento com o seu anel de rubi, tal como ela havia solicitado.
Os anos se passaram com muita felicidade para ambos. Um dia, porém, o czar teve uma acalorada discussão com a czarina e, irritado, ordenou:
— Vá embora! Desejo que deixe este palácio para nunca mais voltar.
— Então irei embora amanhã – disse a jovem czarina, obedientemente. – Permita-me somente passar a noite aqui para preparar meu regresso a casa.
O czar concordou e, antes de deitar-se, tomou a bebida de ervas que ela sempre preparava para ele. Assim que a bebeu o czar caiu adormecido. A czarina levou-o para a carruagem real, e partiram para a cabana de seu pai.
Quando amanheceu o czar, que havia dormido tranquilamente a noite inteira, despertou olhando desconcertado ao seu redor.
— Traição! – gritou. – Onde estou e de quem sou prisioneiro?
— Meu, Vossa Majestade – respondeu a czarina docemente. – O documento escrito por sua própria mão está aqui.
E lhe mostrou o pergaminho onde ele havia escrito que se ela tivesse que sair do palácio poderia levar aquilo de que mais gostasse.
Quando o leu, o czar riu de coração, e declarou que seu afecto por ela ainda era o mesmo.
Ao que ela respondeu:
— Meu grande amor por você, ó czar, me fez assim tão audaciosa. Mas, se arrisquei a minha vida, isso demonstra o quanto amo você.
E foi assim como eles se uniram novamente e viveram felizes para o resto de suas vidas.



24/09/2010

As plantas mágicas



Um velho lavrador possuía três filhos. Um deles plantou uma laranjeira, outro uma limeira e outro um limoeiro.
Essas plantas lhes tinham sido oferecidas por uma fada e estavam ligadas às suas vidas.
Um belo dia, o filho mais velho disse ao lavrador: — Meu pai, já estou homem feito e quero sair pelo mundo paraganhar alguma coisa.
O pai achou que ainda era cedo para ele fazer isso.
Mas o rapaz tanto insistiu que o lavrador acabou cedendo.
Então disse:
— Pois bem, meu filho, pode ir. Mas o que você prefere: levar a minha bênção com pouco dinheiro ou minha maldição com muito dinheiro ?
O moço respondeu que preferia a maldição com muito dinheiro. Então, o pai o amaldiçoou e lhe deu uma bolsa cheia de moedas.
Antes de partir, o moço disse aos seus irmãos que, quando a sua laranjeira começasse a murchar, era sinal de que ele estava em dificuldades e precisava ser socorrido.
Seguiu viagem. Andou, andou e, finalmente, avistou uma fumaça ao longe. Para lá se encaminhou. Era um belo palácio. Sua dona, que era uma linda princesa, tratou-o com muita gentileza. Ofereceu-lhe jantar e, depois, convidou-o para dar um passeio na horta.
Ao atravessar um riacho, a princesa suspendeu o vestido, de modo a mostrar o seu bonito pé. Passearam na horta, onde só havia couves. De volta ao palácio, a princesa perguntou ao rapaz o que tinha visto de mais lindo na horta. Ele respondeu: — As couves.
A princesa não gostou da resposta e convidou o moço para jogar. Ganhou todo o seu dinheiro. Depois, chamou seus criados e disse-lhes que prendessem o rapaz e só lhe dessem couves para comer.
Quando isso aconteceu lá, na casa do pai do moço, a laranjeira começou a murchar. O irmão do meio, vendo aquilo, foi ao pai e disse: — Meu irmão está em dificuldades. Preciso ir socorrê-lo.
O pai custou muito a consentir, mas, afinal, cedeu. Então perguntou ao filho: — Que prefere: minha bênção com pouco dinheiro ou minha maldição com muito dinheiro ?
O rapaz preferiu a maldição com muito dinheiro. O pai, então, o amaldiçoou e lhe deu uma bolsa cheia de dinheiro. Antes de partir, o moço avisou o irmão mais novo que, se a sua limeira murchasse, era sinal de que ele se achava em dificuldades e precisava ser socorrido.
Em seguida, iniciou sua viagem. Caminhou, caminhou, até que viu, ao longe, uma fumaça. Aproximou-se e encontrou o palácio da finória princesa. Como seu irmão, foi muito bem recebido. Quando acabou de jantar, a princesa convidou-o para passear na horta. Ao atravessar o riacho, a princesa ergueu o vestido para mostrar o pé.
De regresso ao palácio, ela perguntou ao rapaz o que vira de mais bonito na horta. E o moço respondeu: — As couves. A princesa ficou desapontada e disse consigo:
— Este é como o outro. Convidou-o para jogar e ganhou-lhe todo o dinheiro. Depois, mandou prendê-lo e alimentá-lo somente com couves.
Na casa do pai do moço, a limeira começou a murchar. Então, o filho mais novo disse a seu pai: — Meus irmãos estão em dificuldades. Preciso socorrê-los. O lavrador respondeu: — Meu filho, já estou velho, e você é o meu único arrimo; por favor, não parta; tenho medo de não o tornar a ver.
Mas o rapaz tanto insistiu que o lavrador acabou cedendo.
— Que prefere você ,perguntou ao filho, minha benção com pouco dinheiro ou minha maldição com muito dinheiro ?
O rapaz quis a bênção com pouco dinheiro. Então, o lavrador abençoou-o e lhe deu algumas moedas de prata. Ele partiu, esperançoso de salvar os irmãos. No caminho, encontrou uma velhinha, que era Nossa Senhora disfarçada, que lhe perguntou:
— Para onde vai, meu filho?
— Vou ganhar a vida e procurar meus irmãos.
A velha deu-lhe uma toalha, dizendo: — Quando tiver fome, meu filho, pegue nesta toalha e diga: Põe a mesa, toalha! e uma mesa com comida, aparecerá. Deu-lhe também uma bolsa, dizendo: — Esta bolsa faz o mesmo que a toalha. E deu-lhe ainda uma viola, dizendo: Se perder a toalha e a bolsa, basta tocar nesta violinha e não sentirá fome.
O moço agradeceu à velhinha e continuou sua viagem. Depois de muito andar, chegou ao palácio da princesa astuta e bateu. Foi recebido com muita gentileza. Depois do jantar, houve o tal passeio pela horta, como havia acontecido com seus irmãos. De volta ao palácio, a princesa perguntou o que mais tinha ele apreciado na horta.
— O seu lindo pezinho, princesa! respondeu o rapaz. A moça gostou da resposta e disse consigo: — Este me serve. Depois, convidou o rapaz para jogar e ganhou todas as suas moedas de prata. E também o prendeu, assim como fizera com seus irmãos.
Na hora da comida dos presos, uma negra apareceu diante das grades da prisão com um prato de couves. O rapaz recusou, dizendo:
— Diga à sua senhora que não preciso disso. E, estendendo a sua toalha, fez surgir um jantar com as mais gostosas iguarias.
A prisão estava cheia de presos, todos famintos, de modo que a alegria foi geral. Todos comeram a fartar. E a negra que trouxera a comida, quase desmaiou de espanto. Foi correndo ao quarto da princesa e disse-lhe:
— Aquele moço que foi preso ontem tem uma toalha mágica, que faz aparecer um banquete a qualquer hora. A senhora é que devia ser a dona daquela toalha.
A princesa ficou desejosa de possuir a toalha e mandou a negra perguntar ao rapaz se queria vendê-la. Ele respondeu que teria muito gosto em dá-b de presente, com a condição de dormir uma noite à porta do quarto da princesa, do lado de fora.
A moça ficou indignada com a resposta, achou que era um desaforo, mas aconselhada pela negra, aceitou a proposta e ficou com a toalha.
No dia seguinte, quando a negra foi levar as couves aos presos, o rapaz recusou a comida e, abrindo a sua bolsa, fêz aparecer um jantar ainda melhor que o anterior. Todos os presos comeram a fartar.
A negra foi correndo ao quarto da princesa e disse-lhe: — Minha senhora, o moço tem uma bolsa melhor que a toalha. Aquilo é que é uma bolsa de princesa!
A princesa mandou propor a compra da bolsa, e o rapaz disse que dava a bolsa de presente, com a condição de dormir à porta do seu quarto, mas do lado de dentro.
A princesa ficou furiosa com a proposta. Mas a negra achou que ela devia aceitar, pois que dormiria na cama, e o rapaz no chão duro. O negócio foi feito, e o moço dormiu no quarto da princesa, do lado de dentro, junto da porta.
No dia seguinte, a negra foi novamente levar as couves aos presos. O rapaz não aceitou a comida e pegou na sua viola. Imediatamente, surgiu um banquete melhor do que o anterior. Todos os presos comeram e ficaram tão satisfeitos que começaram a dançar. Até a negra caiu no fandango.
A festa durou tanto tempo que a princesa mandou chamar a negra. Quando viu sua senhora, ela exclamou:
— O moço tem uma violinha formidável, minha senhora! E uma coisa maravilhosa! Aquilo é que é viola de princesa!
— Pois vá, depressa, saber se ele quer vender a tal viola. A negra foi procurar o rapaz.
— Ah! esta viola ? Só se a princesa se casar comigo!
A princesa ficou indignada, mas acabou aceitando a proposta. Casou-se com o rapaz. Seus irmãos e os outros presos foram soltos. Houve grandes festas que duraram dois meses. O moço mandou buscar seu velho pai, que ficou morando no palácio.

23/09/2010

A Andorinha



A andorinha, com gritos de alegria, voltou para seu antigo ninho.
Primeiro limpou-o e arrumou-o, e em seguida pôs ovos. Depois chocou-os. finalmente, quanto os filhotes nasceram, começou a voar para um lado e para outro, indo e vindo do ninho, a fim de alimentar sua grande família.
Seu companheiro, em contrapartida, voava o tempo todo. Voava enquanto a andorinha arrumava a casa, enquanto os ovos estavam sendo chocados, e continuou voando todos os dias, de manhã à noite, sem um instante de repouso.
- Por que é que você está sempre voando? - perguntaram-lhe um dia.
- Porque não gosto de trabalhar - foi a resposta.

O cavalo sem cabeça



Era uma vez um cavalo sem cabeça. Um cavalo de brincar, um cavalo de balancé.
Onde tinha ido parar a cabeça, ele não sabia. Estava velho, todo estragado e também muito esquecido. Sem cabeça, não admira.
Desconfio que os meninos que o tinham montado não estariam menos velhos do que ele. Quando os nossos brinquedos envelhecem, nós, mais tarde ou mais cedo, acabamos por fazer-lhes companhia. Por ficar parecidos com os nossos velhos brinquedos. Ou vice-versa.
- Olha um cavalo sem cabeça - disse alguém, que andava a arrumar a arrecadação.
- Guarda-se cada coisa mais inútil - disse outro alguém.
Eram dois homens, que estavam incumbidos da limpeza daquela casa de arrumos, para transformá-la num quarto ou noutra divisão qualquer. Iam abrir janelas, pintar paredes, assoalhar o chão. Mas primeiro tinham de desfazer-se do que não prestasse.
As tralhas retiradas da arrecadação amontoaram-se num terreno, ao sol. Mais pareciam sobras de um naufrágio.
Eram malas que não fechavam. Maples sem braços. Cadeiras sem pernas. Guarda-chuvas sem pano. E tudo meio podre, bolorento, cheio de pó e teias de aranha.
- Guarda-se cada coisa mais inútil - voltou a dizer o homem, que não devia saber dizer outra coisa.
No cimo do monte de tarecos, o cavalicoque sem cabeça. Se tivesse cabeça, devia apreciar o destaque.
- Deita-se-lhes fogo - propôs um dos homens.
Assim fizeram. As labaredas roeram de baixo para cima o que havia a roer. Caíram destroços de coisas, sobre coisas em destroços. Fumo. Lume. Cinzas.
Anoitecia. O cardume de fogo assarapantou a noite. Era uma fogueira majestosa.
Estilhaçadas e afundadas pelas labaredas, as coisas deixavam de ser o que eram. Só o cavalo sem cabeça resistiu, no seu pedestal de lume.
Mas uma espadanada de fogo chamou-o a si. O cavalinho ardeu. Estalaram os restos de pintura. Fendeu-se a madeira apodrecida. Soltaram-se os pregos que o prendiam ao arco do balanço.
Foi então que um ímpeto de chamas desassossegadas se desprendeu do incêndio e um impaciente cavalo saltou do alto da fogueira, voou sobre o fumo e desapareceu, no escuro do firmamento. Tinha cabeça, crinas e pescoço de labaredas, o corpo em brasa viva. Era ágil e rápido como um grito. Desvaneceu-se no azul da noite.
Logo após a fogueira ruiu, esbarrondou-se em faúlhas e torresmos incandescentes.
Mas o cavalo de fogo eu vi. Ia a passar por acaso e vi, de relance, como um relâmpago, o cavalo em chamas galgar tudo o que se desfazia em cinzas e pular para o caminho das estrelas.
Garanto que vi. Se não visse não contava.
Até me recordei, de repente, se não teria eu tido, em criança, um cavalo de madeira, que eu cavalgava, cavalgava, sem passar do mesmo sítio. Tenho uma vaga ideia que sim.
Só não me lembro do nome que lhe dava. Talvez ?Labareda". Seria ?Labareda"? A gente esquece tanta coisa, entretanto.


António Torrado

22/09/2010

O velho Querecas


Eram três irmãs, muito pobres, que viviam do seu trabalho aturado. Naquela terra havia uma casa em que ninguém queria habitar, porque lá dentro ouviam-se de noite grandes gritos e terrores; as raparigas, para pouparem o aluguer, foram pedir para as deixarem morar naquela casa. A mais nova, como mais animosa, foi residir para o último andar.
Uma noite, mal se tinha acabado de deitar, ouviu uma voz gritar:
— Eu caio!
— Pois cai! — respondeu-lhe a rapariga. De um buraco do tecto caiu uma perna. Depois soou de novo o mesmo grito:
— Eu caio!
— Pois cai! — repetiu a rapariga; e assim foram caindo os braços, o tronco, até que afinal achou diante de si um homem já muito velho e calvo. O velho chegou-se próximo da rapariga, e perguntou-lhe:
— Não tens medo de mim?
— Não.
— Fazes muito bem; és a primeira e única pessoa que resiste ao medo de me ver. Em paga de tua coragem toma lá esta bolsa e quando te vires nalguma aflição diz sempre:
— Valha-me aqui o velho Querecas.
O dinheiro da bolsa nunca se acabava, e as três irmãs começaram a viver com largueza. No entretanto a mais nova começou a sentir que por mais que se fechasse no seu quarto parecia-lhe que sentia meter-se alguém na cama com ela. Lembrou-se se seria o velho Querecas e teve uma certa repugnância: mas para certificar-se, uma noite acendeu de repente a luz, e viu deitado ao pé dela um mancebo formoso, que estava adormecido. Estava tão embebida a olhar para ele, que lhe caiu um pingo de cera na cara. O mancebo acordou de repente, e disse:
— Ah! desgraçada, o que fizeste! Dobraste-me o encantamento, que estava quase no fim! Agora não me tornas mais a ver.
A menina chorou muito, e ainda mais quando conheceu o estado em que se achava. Lembrou-se então do segundo dom, e disse:
— Valha-me aqui o velho Querecas.
— Aqui estou já, e bem sei porque me chamas. Há só um modo de remediar o mal que a ti mesmo fizeste. Toma lá estes três novelos, e vai andando sempre sempre até onde eles se acabarem; aonde quer que seja, pede que te dêem aí pousada do ar da noite.
A rapariga chorou por ter de deixar as irmãs, mas o que ela queria era quebrar o encantamento daquele moço; foi andando, até ir dar ao fim de muito tempo a um palácio cercado de um vistoso jardim. Espreitou pelo buraco da chave, e viu lá dentro uma sala com muitas mulheres trabalhando em lindos vestidos de noivado, e fazendo as roupinhas de uma criança. Teve receio de bater àquela porta, e foi rodeando o palácio, até que encontrou o hortelão, a quem pediu pousada.
— O hortelão respondeu-lhe:
— Você sabe em casa de quem está, para vir assim pedir pousada?
— O que sei é que já me não tenho, de cansada; e é por uma esmola.
O hortelão teve dó da rapariga e deu-lhe um canto no palheiro; ela deitou-se mais morta que viva, e ali mesmo deu um menino à luz. Tudo aquilo se transformou num quarto muito asseado e rico. Quando o hortelão veio ao outro dia, ficou pasmado com o que viu. Foi dar logo parte à rainha, que também quis certificar-se da maravilha.
— Quando chegou ao lugar em que estava a menina, deu um grito ao ver a criança:
— Oh senhora! quem é o pai deste menino?
A rapariga ficou muito envergonhada por não poder logo dizê-lo; no meio da sua confusão contou o caso de velho Querecas. Foi então que a rainha se lembrou:
— Esse menino é o retrato de meu filho, que me desapareceu, sem eu nunca mais saber dele nova má nem boa.
A rainha levou a rapariga para o palácio, tratou de lavar a criança, e quando a despiu achou-lhe nas costas um grande sinal. Reparou, e viu que era um pequeno cadeado com uma chavinha. Quis ver se o abria, mas com receio disse à mãe que experimentasse a ver se dava volta àquela chavinha. Logo que a mãe pegou na chave abriu o cadeado, e imediatamente se quebrou o encantamento do príncipe, que deveu a sua liberdade ao ânimo daquela rapariga com quem casou logo. (Algarve)


Conto tradicional do Povo Português

20/09/2010

Lenda dos Talismãs


Ao Alcácer Axarajibe que existiu no local onde presentemente se encontra o castelo de Silves, foi atribuída uma interessante lenda a que faz alusão a evocação de Ibne Cacane e que constitui o motivo das suas comparações imaginosas. Segundo essa lenda, existiram enterrados no Castelo uns talismãs que quando aí se encontravam no seu esconderijo faziam a grandeza do Castelo, mas quando d’ai eram retirados, isso provocava a sua ruína. Tal lenda tem o seu fundamento no costume oriental de se colocar sempre uns talismãs sob o edifício que se constrói para lhe dar sorte. Pode-se, com verdade, perguntar quem teria retirado do Castelo esses talismãs preciosos para que ele tivesse estado reduzido a ruínas durante tanto tempo e que se passa agora com os talismãs para que apresente um aspecto remoçado.

Boto Cor de Rosa


É uma das mais conhecidas do Brasil, segundo a qual, o "Dom Juan da Amazônia" encanta homens e mulheres. A cabeça do animal se assemelha á glande humana e a maneira como nada, subindo e descendo, lembra movimentos sexuais. Para muitos, o boto ora é uma bela mulher, ora um atraente rapaz. Quando uma moça fica grávida, logo se atribui às artes do boto. De acordo com os habitantes, na Amazônia existem dois tipos de boto. O preto, conhecido como Tucuxi, salva os náufragos. Ao vermelho são creditadas peripécias, como sinais inexplicáveis de maternidade e fugas femininas. Dizem que o boto chega a levar a escolhida para um palácio no fundo dos rios. Na figura da mulher leva os caboclos à loucura.

Quem ainda não ouviu falar nas incríveis façanhas do boto? Não é nem preciso ser paraense ou ainda da região amazônica para lhe conhecer as proezas. O boto já estreou inclusive no cinema, e aqui e ali cineastas amadores fazem novas películas abordando este ser mítico regional.

O boto tem a faculdade de transformar-se em homem e, nesta condição, seduzir as moças interioranas que costumam dançar nas festas de beira de rio. Como seduz também as que vão tomar banho sozinhas nos rios amazônicos, principalmente se estiverem menstruadas. Como conquista também as que se atrevem a andar em pequenas canoas...

O boto, diferentemente de outras lendas e mitos que não são encontrados facilmente, são perfeitamente identificáveis e até mesmo classificados cientificamente, sendo a "designação comum aos cetáceos odontocetos pertencentes às famílias dos delfinídeos (marinhos) e platanistídeos (fluviais)", segundo o mestre Aurélio. Já Carlos Rocque ensina que pode ser identificado como Inia geoffrensis o boto branco e Steno tucuxi o boto tucuxi.

Sobre botos existem mil e uma histórias e mil e uma crenças. Quando uma mulher moradora às margens dos rios da região engravida, não sendo casada nem possuindo companheiro, é certo que se dirá que seu filho é do boto. A fama de conquistador lhe é atribuída e, além de procurar as mulheres jovens e bonitas, casadas ou não, freqüenta festas onde realiza novas conquistas. Às diversões comparece sempre de chapéu à cabeça, diz-que para esconder um orifício que facilmente o identifica como boto. Bem apessoado, anda elegantemente vestido e faz parte da tradição dizer que tem sempre uma espada à cintura. Porém, acabando o encanto, na hora que tem que se transformar novamente em boto, se verá que todos os acessórios que usa são habitantes das águas: a espada é um poraquê, o chapéu é uma arraia, o sapato é um acari, cascudo ou bodó (um tipo de peixe), o cinto é um arauaná (outro tipo de peixe)...

Dizem que em naufrágios o boto procura socorrer os náufragos. Segundo uma versão, ajudaria apenas as mulheres, até para manter sua fama de conquistador... Noutra, ajuda indiferentemente homens e mulheres. Não são poucas as pessoas que, ao escaparem de morrer afogadas, atribuem - além de a Nossa Senhora de Nazaré - ao boto o seu salvamento.

Os órgãos sexuais, quer do boto quer da sua fêmea, são muito utilizados em feitiçarias, visando a conquista ou domínio do ente amado. Porém o mais utilizado mesmo é o olho do boto, que é considerado amuleto dos mais fortes na arte do amor. Dizem mesmo que, segurando na mão um amuleto feito do olho de boto, tem que ter cuidado para quem olhar, pois o efeito é fulminante: pode atrair até mesmo pessoas do mesmo sexo, que ficarão apaixonadas pelo possuidor do olho do boto, sendo difícil desfazer o efeito...

Contam-se várias histórias em que maridos desconfiados de que alguém estava tentando conquistar suas mulheres, armaram uma cilada para pegar o conquistador. A cilada geralmente acontece à noite, onde o marido vai a luta com seu rival e consegue feri-lo com uma faca, ou a tiros ou com arpão... Mas o rival, mesmo ferido, consegue fugir e atirar-se n'água. No dia seguinte, para surpresa do marido e demais pessoas que acompanharam a luta, aparece o cadáver na beira d'água, com o ferimento de faca, ou de tiros ou ainda com o arpão cravado no corpo, conforme a arma utilizada, não de um homem, mas pura e simplesmente... de um boto!

Lenda do Brasil

19/09/2010

O pássaro mavioso



Era uma vez um rei muito rico e poderoso que tinha um filho muito acanhado. O rapaz ficava envergonhado por qualquer motivo e, por isso, todo mundo o julgava um grande tolo. Resolveu, então, seu pai mandá-lo visitar outros países, na esperança de torná-lo mais desembaraçado. Deu-lhe bastante dinheiro e ordenou que fizesse uma longa viagem.
Depois de percorrer vários países, o príncipe chegou a uma cidade, onde se realizava o leilão de um pássaro. Havia muita gente interessada em comprá-lo e, por isso, as quantias oferecidas já eram muito grandes. O rapaz ficou curioso para saber o motivo pelo qual todo mundo desejava adquirir o pássaro. Foi, então, informado de que o mesmo tinha um canto tão belo e mavioso que fazia dormir a todos que o ouvissem. O príncipe ofereceu uma grande quantia e conseguiu comprar o maravilhoso pássaro.
Continuou sua viagem e, mais adiante, encontrou outra cidade, onde estava sendo vendido, também em leilão, um pequeno besouro. Ficou admirado ao verificar que muita gente queria adquirir o animalzinho. Soube que o besouro era mágico e capaz de fazer tudo o que lhe fosse ordenado, sem ser visto. Podia até arrombar uma porta. Como tivesse ainda muito dinheiro, não foi difícil ao príncipe comprar o besouro.
Prosseguiu o rapaz na sua viagem e, pouco tempo depois, qual não foi sua surpresa ao deparar, em outra cidade, com o leilão de um rato. Havia uma multidão querendo adquirir o animal. O príncipe foi informado de que esse rato era capaz de fazer tudo o que lhe fosse ordenado. Tinha dentes mágicos, de modo que podia roer um castelo inteiro em poucas horas. Diante disso, o rapaz comprou o rato e continuou sua jornada.
Depois de visitar muitos países, chegou o príncipe a uma cidade onde presenciou um estranho espectáculo. Diante de um palácio, em cuja porta se achava uma linda moça, uma enorme multidão fazia toda sorte de caretas. Procurou saber a razão daquela cena esquisita, e foi informado de que a moça era a filha única do rei daquele país. A princesa, desde que nascera, jamais havia sorrido. Por isso, seu pai oferecera sua mão em casamento àquele que a fizesse dar, pelo menos, um sorriso. Eis porque toda aquela gente estava diante do palácio fazendo caretas, na esperança de provocar riso na princesa.
Ouvindo isso, o rapaz, sem se importar com a multidão, aproximou-se do palácio, desceu do cavalo e dependurou a gaiola numa árvore que ali havia. Depois, sentou-se calmamente para descansar e ordenou:
— Mestre rato, vá buscar água para o cavalo e mestre besouro vá buscar capim.
Os dois bichinhos saíram logo para cumprir as ordens do seu dono. Quando a princesa viu o rato carregando água e o besouro trazendo capim, achou tanta graça que soltou uma gostosa gargalhada. Os que estavam diante do palácio ficaram muito alegres, cada qual pensando ter sido o autor do riso da princesa. O rei, cheio de satisfação, perguntou à filha quem lhe havia feito soltar aquela gargalhada. A princesa apontou com o dedo o rapaz que descansava à sombra da árvore. Imediatamente, o rei mandou chamar o moço à sua presença e comunicou-lhe que devia casar com a princesa.
O rapaz, que era muito acanhado e que não esperava pelo acontecimento, quase desmaiou de susto. Mas, como palavra de rei não volta atrás, teve de se casar com a princesa. Na noite do casamento, mostrou-se, porém, tão embaraçado que a princesa julgou que ele não gostasse dela. No dia seguinte, disse ao pai que se havia enganado, pois havia sido outro o autor da sua gargalhada. O casamento foi então anulado, realizando-se o enlace da princesa com o filho do rei de um país vizinho.
O rapaz ficou muito triste, mas resolveu lutar para reaver a princesa. Ao cair da noite, foi para debaixo da árvore e, na hora de os noivos se recolherem aos seus aposentos, ordenou ao pássaro:
— Canta, mavioso!
O pássaro começou a cantar e todo mundo, princesa, noivo, rei, guardas do palácio, convidados, caíram em sono profundo.
O jovem príncipe disse então:
— Agora, besouro, vá ao quarto dos noivos e desarrume tudo o que lá encontrar.
O besouro cumpriu a ordem e os aposentos dos noivos ficaram como se tivessem sofrido um terremoto. Os móveis foram quebrados, as roupas rasgadas, o tecto e o assoalho do quarto despedaçados. Quando a princesa acordou e viu a desordem, ficou desesperada. O rei ficou muito aborrecido com o caso e prometeu à filha mandar pôr tudo nos seus lugares.
Na noite seguinte, o pássaro cantou novamente e todos adormeceram. O rato foi então enviado para desarrumar o quarto dos noivos. Se o besouro fez bem, o rato ainda fez melhor. Um furacão não teria feito maior estrago nos aposentos da princesa. Quando esta acordou, não teve mais dúvidas. Admirou o poder do seu primeiro noivo e viu que estava apaixonada por ele. Mandou o segundo noivo embora e contou tudo ao pai. O rapaz foi então chamado às pressas e realizou-se, novamente, o seu casamento com a princesa. Daí por diante, ele perdeu o acanhamento e viveu feliz e contente ao lado da sua bela esposa.

18/09/2010

Aqui não volto




Quando entrei no hotel, estava uma senhora muito gorda à entrada, que me olhou com curiosidade. Devolvi-lhe o olhar, enquanto tirava a mala do carro, e esbocei um sorriso de cumprimento. Talvez nos conhecêssemos de algum lugar.
A senhora devolveu-me o sorriso e ficámos quites.
Junto à recepção, estavam dois senhores muito gordos à conversa. Suspenderam as falas, quando me viram entrar. Cumprimentei-os, eles cumprimentaram-me e também ficámos quites, isto é, empatados nos cumprimentos.
A caminho do quarto que tinha reservado, passei por diversos senhores e senhoras, todos bastante nutridos, que incidiam sobre mim pesados olhares de interrogação. Comecei a não sentir-me à vontade. Que desconforto. O que é que eu teria que chamasse tanto à atenção?
Ao passar por um espelho de um dos salões do hotel, mirei-me, para me certificar se estava compostinho. Podia por distracção estar desabotoado ou trazer uma serpentina presa a um sapato...
Isto da serpentina tem razão de ser. Uma vez, terei pisado uma pastilha elástica que se agarrou ao resto de uma serpentina, deixada no passeio (estava-se em período carnavalesco) e eu entrei numa cerimónia muito grave e distinta com um resto de serpentina atrás de mim. Quando, pelos olhares de reprovação à minha volta, dei por mim, tentei desembaraçar-me da longa e comprometedora fita de papel presa a um dos pés, mas com tanto azar que perdi o equilíbrio, logo na ocasião em que se dirigia a mim, para cumprimentar-me, o presidente da cerimónia. Caí-lhe nos braços, para grande surpresa do senhor, que não esperava tal efusão da minha parte e, quando ele se virou, vi que, sem querer, lhe tinha prendido a pastilha elástica e a serpentina às costas. Que desastre. Nem me quero lembrar, que me arrepio todo.
Desta feita não havia nenhuma serpentina que chamasse a atenção sobre mim. Então, do que seria?
A caminho do almoço, voltei a passar por senhoras e senhores, alguns gordíssimos, metidos em fatos de treino do tamanho extra, e outros apenas gordos, mas que ao lado dos mais volumosos quase pareciam elegantes.
Todos me observavam de alto a baixo, com uma indiscrição quase afrontosa. Comecei a sentir-me incomodado.
No restaurante do hotel, era o único comensal. Mesas todas vazias, cada uma com uma jarrinha florida ao meio, e quatro cadeiras de espaldar alto à volta.
Ao ocupar uma delas, sob a vigilância dos criados perfilados, perguntei ao chefe, que acorrera a empurrar-me a cadeira:
- Cheguei cedo demais para o almoço?
- Não. Nada. Perfeitamente - enquanto me estendia o menu.
- Então cheguei tarde?
- Não. Nada. Perfeitamente - repetiu, puxando de um bloco de notas, para assentar a encomenda.
Eu é que não desistia:
- E os outros hóspedes?
- Comem na piscina - esclareceu o chefe de mesa, com um sorrizinho de condescendência.
Estranhei. Quem se mete na água, seja em piscina, seja no mar, só deve fazê-lo depois de feita a digestão. É uma regra de ouro.
Como não tencionava ir nadar, comi bem e fartamente. Caldeirada, cabrito assado e bolo de bolacha. Desculpem se arrotei.
Felizmente que a comida não me pesa. Digiro bem, desgasto muito e continuo tão magro como na minha adolescência. Na escola chamavam-me o ?Chico Fininho", menos por ser Francisco de nome do que seco de carnes.
Para desmoer, fui dar um passeio até à piscina do hotel. O espectáculo que se me deparou, nunca o esquecerei. A piscina até era grandinha, mas transbordava, inundando o relvado à volta. Pudera. Cheia de gordos, gordinhos e gordíssimos que tentavam nadar, sem se empurrarem uns aos outros... A piscina era um festival de barrigas.
As senhoras e os senhores pararam de esbracejar, quando me viram. Senti-me nu, eu que era o único mais vestido de todos. E fugi, fugi, em direcção à recepção, para perguntar ao recepcionista, razoavelmente gordinho, o que se passava.
- Há algum congresso no hotel de pesos pesados?
Finalmente, fui esclarecido. O hotel, na época baixa, a menos frequentada por turistas, promovia uns programas de emagrecimento, para quem necessitasse de derreter uns quilos. Constava o programa de exercícios físicos, rigorosa dieta, saladinhas e sumos de fruta e repouso e concursos semanais, com prémios de bolinhos secos e bolachas dietéticas, para os que mais se tivessem esforçado e adelgaçado.
Agora, eu compreendia o olhar que me deitavam. Era de inveja, de profunda e desabrida inveja, por saberem que o ?Chico Fininho" não tinha de sujeitar-se a estas torturas da fome.
Aterrorizado, pedi a conta e saí do hotel nesse mesmo dia.
Tenho de começar a ponderar melhor o que e quanto e quando como. À cautela. É que, ontem, precisei de atrasar um furo à fivela do meu cinto. Devo estar a ganhar barriga. Ou terá sido mau olhado, lançado pelos hóspedes do hotel?


António Torrado


17/09/2010

Nimue, a Donzela do Lago

Ficheiro:CowperFC.jpg


A Dama do Lago,é também conhecida pelos nomes: Nimue, Vivienne, Vivien, Viviana.

Nimue relaciona-se a Mnme, um diminutivo de Mnemosyne, uma das nove ninfas da água da mitologia greco-romana que concedeu armas ao heróico Perseu. Vivienne, deriva-se provavelmente de "Co-Vianna-Vianna", uma Deusa da água muito difundida, denominada de Coventina.

Independente de seu nome, é uma das mais misteriosas e inexplicadas damas feéricas que aparecem nas lendas artúricas.

Na época em que Malory recopilou a "Matéria da Bretanha", as fadas haviam sido convertidas em feiticeiras, porém nas novelas mais antigas sua natureza feérica é evidente. O "Lanzelet", do alemão Ulrich von Zatzikhoven, era uma tradução de uma novela francesa encontrada na Áustria por Morville, que foi um dos reis de Ricardo Coração de Leão, provavelmente seja a versão mais primitiva da lenda de Lancelot. Nessa versão, a Dama do Lago é uma verdadeira Donzela do Lago, como Gwragedd Annwn, a rainha de uma ilha de donzelas situada no meio de um lago encantado, onde o inverno não chega e ninguém conhece a dor. Educa o jovem Lancelot para que seja um campeão e proteja seu covarde filho, Mabuz o Feiticeiro, das incursões de seu vizinho Iweret.

Duas Luas



O senhor Túlio foi ao Brasil de avião. Ele que nunca tinha saído lá da sua aldeia, aventurar-se a uma viagem tamanha era de espantar. Mas o senhor Túlio tinha uma filha no Rio de Janeiro, filha essa que lhe dera uma neta, neta essa que ia a baptizar, baptizado esse a que o senhor Túlio nem por nada podia faltar.
Na grande cidade do Rio de Janeiro, tudo o espantou: o tamanho dos prédios, a largueza das avenidas, a extensão das praias, a bicheza de gente.
- É tudo maior do que na minha terra - dizia ele, constantemente. - Até a Lua daqui é mais grada do que a nossa.
A filha indignava-se:
- Ó pai, não ande sempre de boca aberta que parece mal e, por favor, não diga que esta Lua é maior do que a lá da aldeia, porque a Lua é só uma.
O senhor Túlio engolia e calava-se, mas, à cautela, pôs-se a medir aos palmos, de longe, a Lua Cheia sobre o Pão de Açúcar. ?Um palmo bem medido", memorizou ele.
Quando, com muita pena, teve de voltar para Portugal e regressou à aldeia, não se esqueceu do que matutara. Numa noite de Lua bem redonda, estendeu a palma da mão para o céu e mediu:
- Um palmo e nem mais um niquito.
Ficou-se a pensar e concluiu:
- Ai que tu engordaste, magana, enquanto eu andei lá por fora!


António Torrado

16/09/2010

Lenda da Tomada de Faro aos Mouros

Parte das forças que atacaram o Castelo de Faro fora colocada no largo actualmente chamado de São Francisco, e estas forças eram comandadas por um brioso oficial, robusto e formoso rapaz, solteiro. Este oficial pôde ver, em certa ocasião, a formosa e gentil filha do governador mouro e dela ficou enamorado. Em certo dia conseguiu o oficial que a sua namorada o recebesse em curto rendez-vous dentro do castelo, combinando-se que o mouro intermediário lhe abrisse, alta noite, a porta, hoje da Senhora do Repouso.
À hora marcada, entrou o oficial no castelo e aí em doce colóquio se entreteve com a dama dos seus encantos. À hora de sair, acompanhou ela o seu querido namorado até à porta do castelo, levando consigo um irmão, criança de oito anos.
Quando se aproximaram da porta, disse-lhes o escravo que da parte de fora estava muita gente, pois que mais de uma vez lhes chegavam aos ouvidos vozes abafadas.
O oficial, segurando nos braços a moura gentil, viu-se em eminente perigo. Avançou para fora com a moura e, quase ao transpor a porta, hoje conhecida pela Senhora do Repouso, notou que tinha nos braços não uma formosa jovem, mas apenas uns farrapos, que se desfaziam à mais pequena e leve aragem.
Olhou para o lado pela criancinha e não a viu. Então teve a profunda e tristíssima compreensão da sua desgraça. Caiu no chão sem sentidos.
Nesse momento acudiram as forças do Mestre e de D. João de Aboim e os mouros tinham sido forçados a entregar o castelo, mediante uma avença com o Rei D. Afonso.
O oficial dirigiu-se à porta do castelo. Ao entrar pelo Arco da Senhora do Repouso viu ao lado esquerdo a cabeça de uma criança que se assomava por um buraco.
-O que fazes aí, menino?- perguntou o oficial, conhecendo o irmão da sua namorada.
- Estamos aqui encantados: eu e a minha irmã.
-Quem vos encantou?
-O nosso pai. Soube por uma espia que levavas nos braços a minha irmã acompanhada por mim e, invocando Allah, encantou-nos aqui no momento em que transpunhas a porta. Por atraiçoarmos a santa causa do nosso Allah aqui ficaremos encantados.
-Por muito tempo?
-Enquanto o mundo for mundo.

Ficheiro:CasteloMuralhasFaro.JPG

Nas asas da borboleta

Chang ergue o pincel de pêlo de coelho e contempla o poema que escreveu sobre a rocha. Sua caligrafia é segura e graciosa. O sol brilha no céu e vai apagando o que foi escrito. Porque Chang escreve na rocha seus poemas com água. E pouco depois de escritos, os versos se apagam.
Chang não escreve para outro público que não seja o céu. As pedras. As águas. As árvores. O vento. Os pássaros. Os peixes. E às vezes, são os próprios poemas que vão se escrevendo, no movimento das cerdas do pincel.
Chang tem agora os olhos fechados. Um raio de luz dança na sua cabeça raspada. Uma borboleta pousa nas dobras de sua roupa. Ele olha as nervuras frágeis das asas coloridas da borboleta. Ele sabe aquelas asas são como um mapa. Se procurar, encontrará nelas o poema perfeito. Ou a verdade que existe nas muitas verdades. Basta ler com cuidado. E Chang sabe que tem pouco tempo.
Chang avista um arado. O mar. Palácios. Ele avança com o olhar pelos desvios traçados nas asas da borboleta. E de repente, Lao.
“Enfim, Lao, nos reencontramos”.
Esse homem, com o rosto impresso nas asas da borboleta, foi outrora um camponês cuja miséria era tão grande que ele não agüentou e um dia enlouqueceu. Despertando de manhã, certa vez, ele convocou todos os seus empregados. Mas Lao nunca tinha tido empregados, nunca tinha sido servido, nem por homem, nem mulher, criança ou cachorro.
Seu filho, contemplando aquela majestade ridícula estampada no seu rosto, compreendeu que Lao não tinha conseguido sair do sonho daquela noite.
Sacudiu-o, sem ternura, mas não conseguiu trazê-lo novamente para o mundo sólido das sólidas coisas do mundo. E Lao então ficou no canto escuro da sua casa miserável, perfumando-se com perfumes imaginários, envolvido pelas mãos delicadas de uma mulher, também imaginária, que o servia.
Depois de sair o sol, ele sentou-se na praça do povoado e convocou seus súbditos. Homens, mulheres e crianças aproximaram-se curiosos, rindo e zombando dele. No meio da multidão, ele sorria, porque os outros rostos também sorriam, certamente de satisfação porque o tinham como senhor, pobre Lao.
Ele iniciou então um baquete imaginário, enquanto as pessoas lhe jogavam tufos de grama, folhas de árvore, cascas frutas, que ele ia comendo devagar, como se fossem finas iguarias. No fim, mandou cumprimentos aos cozinheiros, por tão grande habilidade na cozinha.
As pessoas, cansadas de zombarias, deixaram Lao no meio da praça, arrotando seu banquete imaginário. Assim ele instalou-se numa opulência fictícia e durante um ano viveu uma vida irrazoável, mas feliz.
Foi nessa época que Chang, cansado da vida na cidade, decidiu viver algumas semanas no povoado daquele que, agora, era apenas o “Simples”.
Nessa época Chang era o mais famoso médico do império. Logo que avistou Lao andando alegremente nos labirintos de sua loucura, foi tomado do desejo de exercer sobre ele a arte de seus conhecimentos. Não por generosidade nem pelo gosto do reconhecimento, mas apenas pela íntima e devoradora ambição: vencer o dragão da demência.
Ele então entrou também dentro dos labirintos da demência de Lao, lutando contra as sombras, até que no oitavo dia, conseguiu que Lao acordasse lúcido.
Ele acordou lúcido, sem a capa de protecção de sua demência, e achou seu corpo emaciado, seus olhos vermelhos e reencontrou a miséria. Ele perguntou-se, então, que pecado eu cometi, para voltar assim ao inferno, depois de um ano no paraíso?
Chang respondeu:
“Amigo, teu desespero me deixa alegre porque ele é uma prova de que estás curado. Meu trabalho chegou ao fim. Posso agora me retirar”.
Lao puxou-o pela manga e disse:
“Cínico! Olha bem para minha pele cheia de crostas, veja meu corpo miserável, minhas costelas purulentas, meu rosto amargurado. Como consegues dizer que me devolveste a saúde?”
“É bem verdade”, disse Chang, “que estás magro e mal vestido. Eu te aconselho a vestir alguma roupa de lã e a comer de maneira razoável, pelo menos duas vezes por dia. Se não tens dinheiro para pagar esses remédios elementares, nada posso fazer. Eu cuido da loucura das pessoas e não das loucuras da sociedade”.
Chang foi embora contente. Lao, desesperado, enforcou-se numa das vigas de sua casa.
No dia seguinte, o filho de Lao entrou com um processo contra Chang. Segundo ele, o médico havia envenenado a alma de seu pai e tinha ido embora sem se preocupar com os danos que havia causado.
Os moradores do povoado foram interrogados um por um e pareciam todos de acordo: Chang tinha quebrado a serenidade do Simples. Devia ser punido, portanto. O juiz mandou chamar o médico, que fez sua defesa com simplicidade.
“Meus conhecimentos trazem a cura aos loucos”, disse ele, “e por isso eu faço o bem. Eu apenas trouxe Lao de volta, porque sua felicidade era ilusória”.
“Mas toda felicidade não é ilusória?”, quis saber o juiz. “E tu mesmo, Chang, que precipitaste nas trevas da morte esse camponês miserável, apenas para ter o prazer orgulhoso de despojá-lo de uma ilusão, tu também não mostras que estás louco, agindo assim?”
Chang não respondeu. O Juiz leu a sentença:
“Homem sabido, mas pouco sábio, vais viver solitário a partir de agora. E para não ser tentado a se perder na própria loucura, serás condenado também a quebrar todos os espelhos. Nós esperamos que Lao, o Simples, um dia te perdoe. Vai, e que tua presença não seja uma sombra para o nosso olhar.
Hoje, vinte e sete anos se passaram, talvez mais. Chang não é mais assim, tão sem razão, a ponto de contar os dias, porque todos os dias são iguais uns aos outros, regressando sem cessar por diferentes artifícios, como as estações ou o capricho das nuvens.
Chang deixou de lado a canga de seu orgulho. Ele sabe agora que tudo é ilusão. Ele pega uma das pedras onde havia escrito seus versos e a joga nas águas. O espelho do lago se quebra, mas por um breve instante ele pode nele se contemplar. A borboleta voa e o homem sábio adormece na sombra de um salgueiro agitado pela brisa.



O homem de chapéu nas mãos



Andava um pobre homem de tribunal em tribunal, de juiz em juiz, a apresentar queixa de um vizinho que lhe ficara com umas terras de pasto:
- Pôs lá as ovelhas do rebanho dele e, se eu as enxoto, ameaça-me com o arcabuz. Por este andar, qualquer dia, vou esquecer-me de que o terreno é meu. Ou então compro também um arcabuz...
- Não o aconselho a tal extremo - dizia-lhe o juiz.
- Nesse caso, o que me aconselha, Vossa Senhoria? - perguntava o homem, com muitos bons modos.
- Nada, nada que, agora, não tenho tempo. Leve a pendência a outro colega e saia-me da frente.
O homem, de chapéu nas mãos, ia a outro juiz, que, por coincidência, também não tinha tempo para ouvi-lo. Sempre muito atarefados estes senhores juízes.
De uns para outros e de outros para uns, o homem perdia tempo. E paciência.
Até que, de perda em perda, terá perdido o juízo.
Passou a ser visto, na praça principal da cidade, a falar para as árvores. A cada uma delas contava em pormenor o seu caso, como se a árvore fosse uma pessoa. Ou um juiz.
Tamanha sandice chamou a atenção do rei, que estava à janela. Como não tinha mais nada com que distrair-se, mandou vir o homem à sua presença.
- Então, as árvores falam contigo? - perguntou o rei, em ar de troça.
- Saiba Vossa Majestade que não. Eu é que falo com elas - respondeu o bom homem.
- E que lhes dizes?
- Saiba Vossa Majestade que lhes explico as razões da minha queixa de um vizinho que anda a querer roubar-me uma terra, à força de arcabuz.
O rei estava divertido com a historia.
- E tu julgas que as árvores são sensíveis ao que lhes contas?
- Tão sensíveis são as árvores como os homens. Têm, porém, sobre eles uma vantagem. As árvores não me interrompem nem se desculpam de que lhes falta tempo para atenderem as minhas queixas.
Afinal, o homem era mais ajuizado do que parecia. Assim pensou o rei, que tomou o caso ao seu cuidado e o despachou como devia ser.
E o homem pôde voltar a casa mais tranquilo.

15/09/2010

O Julgamento entre duas mães.

Em Yingchuan dois irmãos moravam na mesma casa e suas esposas estavam esperando filhos. A mais velha perdeu o filho logo ao nascer, mas não deixou ninguém saber do fato. Quando a mais nova deu a luz ao seu filho, a mais velha roubou-o a noite, e assim questionaram sua posse durante três anos. Quando o caso foi levado ao conhecimento de Huang Pa, Primeiro Ministro, ele ordenou que a criança fosse colocada a dez passos de distância das duas mães. A um sinal seu as duas mulheres correram para o menino e pareciam dispostas despedaçá-lo de preferência a abandoná-lo. A criança chorava desesperadamente e a mãe receou feri-Ia, abandonando-a então. A mulher mais velha ficou muito satisfeita ao passo que a mais nova parecia inconsolável. Nesse momento Huang Pa declarou - "A criança é filha da mais jovem". Processou a mais velha e ela foi, de fato declarada culpada.

(Do Fengshut’ung, século II)

Calebe


Calebe é um homem da história porque foi um homem de fé.
Quando tinha 40 anos, foi escolhido para representar sua tribo Judá e ir espiar as terras de Canaã.
Havia 12 homens escolhidos, um de cada uma das tribos de Israel. Partiram de Cades Barnea, passaram Hebrom e chegaram ao riacho de Escol, lá apanharam um cacho de uvas tão grande que precisou ser carregado em um mastro por dois homens, sendo o tempo das primeiras uvas maduras. Levaram também romãs e figos quando retornaram, 40 dias depois de vascular a terra.
Quando os 12 homens retornaram, mostraram o fruto da terra e disseram "É uma terra boa, onde emana leite e mel, mas não podemos ir e possui-la, como disse o Senhor. Está cheia de gigantes, e somos gafanhotos comparados a eles".
Havia ainda esse grande homem chamado Calebe que acalmou o povo e disse, "Vamos em frente e a possuamos porque somos capazes". Obviamente Calebe estava confiando na Palavra de Deus enquanto os outros homens estavam olhando apenas para os obstáculos. Houve apenas um homem que concordou com Calebe. Era um homem da tribo de Efraim chamado Oséias.
Moisés o chamou Josué e esse é o nome pelo qual é conhecido.
Bem, tragicamente os filhos de Israel acreditaram nos homens de fraca fé mais do que em Calebe e Josué.
O povo passou a noite chorando e dizendo que desejavam ter morrido no Egipto ou no deserto.
Disseram, "Vamos apedrejar Moisés, Arão, Josué e Calebe até a morte e apontar outro líder para conduzi-los de volta ao Egipto."
Deus ficou muito bravo com essa incredulidade e rebelião e, por isso, disse que deixaria Israel no deserto até que cada um dos homens adultos, excepto Josué e Calebe, morressem e, então, colocaria seus filhos na terra prometida.
Por causa da fé de Calebe, 45 anos mais tarde recebeu a montanha que tinha espionado.

14/09/2010

Lenda das Três Gémeas

No tempo em que Silves pertencia aos Mouros, vinha o rei Mohamed a passear a cavalo quando encontrou um destacamento do seu exército que trazia reféns cristãos.
Entre estes estava uma lindíssima jovem, muito bem vestida, acompanhada da sua aia, filha de um nobre morto durante o saque ao seu castelo. Mohamed ordenou que a nobre dama fosse levada para o seu castelo, onde a rodeou de todas as atenções, e lhe pediu que abraçasse a fé de Maomé para se tornar sua mulher. A jovem chorou de desespero porque Mohamed não lhe era indiferente, mas a sua aia encontrou a solução: ambas renegariam a fé cristã apenas exteriormente para agradar ao rei mouro e possibilitar o casamento. Passado algum tempo, nasceram três gémeas a quem os astrólogos auspiciaram beleza, bondade e ternura, para além de inteligência, mas avisaram o rei que este deveria vigiá-las quando estas chegassem à idade de casar. O rei não as deveria confiar a ninguém. Passaram alguns anos e a sultana morreu, ficando a aia, que tinha tomado o nome árabe de Cadiga, a tomar conta das jovens. Quando estas eram adolescentes o rei levou-as para um castelo longe de tudo, onde havia apenas o mar por horizonte. As princesas tornaram-se mulheres, mas embora gémeas tinham personalidades muito diferente. A mais velha era intrépida, curiosa, porte distinto e de olhar insinuante e profundo. A do meio era a mais bela, de uma singular beleza e apreciava tudo o que era belo, as jóias, as flores e os perfumes caros. A mais nova era a mais sensível. Tímida e doce, passava horas a olhar o mar sob o luar prateado ou o pôr-do-sol ardente. Um dia, contra todas as indicações do rei aportou perto do castelo uma galera com reféns cristãos, entre os quais se salientavam três jovens belos, altivos e bem vestidos. Curiosas, as princesas perguntaram a Cadiga quem eram aqueles homens de aspecto tão diferente dos mouros. Cadiga respondeu-lhes que eram cristãos portugueses e contou às princesas tudo sobre o seu passado. Como as princesas começassem a ficar demasiado interessadas com os jovens cristãos . Cadiga pediu ao rei que levasse as filhas para junto de si, sem lhe explicar a razão.Cavalgavam as princesas com o rei e o seu séquito a caminho de Silves quando se cruzaram com os três cativos cristãos que não respeitaram a ordem de baixarem o olhar. As princesas quando os avistaram levantaram os véus e o rei, furioso, mandou castigar os cristãos insolentes. As princesas ficaram muito tristes mas conseguiram convencer Cadiga a arranjar maneira de se encontrarem com os jovens cristãos. A paixão violenta desencadeada por aquele encontro foi alegria de pouca dura. Os três cristãos foram resgatados pelo rei português e iriam embora em breve. As princesas dispuseram-se a segui-los e a converterem-se à fé cristã antes de casarem com os nobres cristãos. Cadiga rejubilava por conseguir resgatar para a fé que secretamente professava as filhas da sua ama. Foi então que a princesa mais nova se recusou a partir e a abandonar o pai. Ficou para trás e, conta a lenda, morreu de tristeza pouco tempo depois. A sua alma ainda hoje se lamenta e chora na torre do castelo nas noites sem luar.



O jumento e o gelo



Era uma vez um jumento que estava muito cansado e sentiu-se sem forças para ir até o estábulo.
Isso aconteceu no inverno, e fazia muito frio. Todas as ruas estavam cobertas de gelo.
- Vou ficar aqui - disse o jumento, deitando-se no chão.
Um pequenino pardal voou para junto dele e murmurou-lhe ao ouvido:
- Jumento, você não está na rua, mas sim sobre um lago congelado.
Seja prudente!
O jumento estava cansado. Não tomou conhecimento do aviso. Bocejos e adormeceu.
O calor de seu corpo começou aos poucos a derreter o gelo, que, finalmente, estalou e partiu-se.
Ao ver-se dentro d'água, o jumento acordou aterrorizado. E enquanto nadava na água gelada, arrependeu-se por não ter ouvido o conselho do pardal amigo.

Fábulas de Leonardo da Vinci

13/09/2010

A assombração



O Duque de Huan estava caçando em meio a floresta, enquanto Guanzhong guiava o coche, de repente o duque de Huan viu uma assombração. O duque de Huan segurou na mão de Guanzhong e perguntou:
— Guanzhong, você viu?
— Eu não vi nada.
Depois de voltar da caçada, o duque de Huan caiu acamado devido ao susto, não saindo de casa por vários dias seguidos.
O príncipe Gao’ao, sábio do reino de Qi, disse ao duque Huan:
— Você está fazendo mal a si mesmo, como é que uma assombração poderá lhe fazer mal? O rancor reprimido, que não consegue se dissipar faz com que fique com suas forças exauridas. O rancor contido faz com que as pessoas se irritem com facilidade ou afeta a memória; enfim, o rancor não dissipado faz as pessoas ficarem doente.
— Mas... existem ou não assombrações? — perguntou suplicante o duque Huan.
— Existem. Dentro da lama, dentro do fogão, dentro das residências, em todos os cantos das paredes, dentro da água, nas colinas, nas montanhas, nos lugares inóspitos existem as assombrações errantes e na floresta a assombração serpenteante.
— Como é a forma da assombração serpenteante?
— A assombração serpenteante tem o tronco grande como a roda e comprido como o varal da carruagem, veste uma túnica roxa e um chapéu vermelho. Este tipo de assombração o que mais detesta é o ribombo do trovão, ao ouvi-lo fica de pé segurando a cabeça. A pessoa que o vê é capaz de se tornar déspota.
Ao escutar a explicação toda, o duque de Huan caiu em gargalhadas e disse:
— Foi essa assombração mesma que vi.
Levantou, se vestiu, e continuou a conversar com o príncipe Gao’ao. No dia seguinte a doença sumiu.


Mojud, o homem com o comportamento inexplicável

Era uma vez um homem chamado Mojud. Ele vivia numa cidade onde havia conseguido um emprego como pequeno funcionário público, e tudo levava a crer que terminaria seus dias como Inspetor de Pesos e Medidas.
Um dia, quando estava caminhando pelos jardins de uma antiga construção próxima à sua casa, Khidr, o misterioso guia dos sufis, apareceu para ele, vestido em um verde luminoso. Então Khidr disse:
- Homem de brilhantes perspectivas! Deixe seu trabalho e se encontre comigo na margem do rio dentro de três dias.
E, assim dizendo, desapareceu. Excitado, Mojud procurou seu chefe e lhe disse que ia partir. Todos na cidade logo souberam desse fato e comentaram:
- Pobre Mojud. Deve ter ficado louco.
Mas como havia muitos candidatos a seu posto logo se esqueceram dele. No dia marcado Mojud encontrou-se com Khidr, que disse:
- Rasgue suas roupas e se jogue no rio. Talvez alguém o salve.
Mojud obedeceu, embora se perguntasse se não estaria louco. Como ele sabia nadar, não se afogou, mas ficou boiando à deriva por um longo trecho antes que um pescador o recolhesse em seu bote, dizendo:
- Homem insensato! A corrente aqui é forte. Que está tentando fazer?
- Na realidade eu não sei - respondeu Mojud.
- Você está louco - disse o pescador. - Mas o levarei à minha cabana de junco próximo ao rio e veremos o que se pode fazer por você.
Quando o pescador descobriu que Mojud era bem instruí-do, passou a aprender com ele a ler e a escrever. Em troca Mojud recebeu comida e ajudou o pescador em seu trabalho. Alguns meses depois Khidr reapareceu, desta vez junto à cama de Mojud, e disse:
- Levante-se e deixe o pescador. Será provido do necessário.
Vestido como pescador, Mojud imediatamente deixou a cabana e perambulou sem rumo até encontrar uma estrada. Ao romper da aurora viu um granjeiro montado num burro.
- Procura trabalho? - perguntou o granjeiro. - Estou precisando de um homem que me ajude a trazer algumas compras.
Mojud o acompanhou. Trabalhou para o granjeiro durante quase dois anos, quando aprendeu muito sobre agricultura, mas pouco sobre outras coisas.
Uma tarde, quando estava ensacando lã, Khidr fez nova aparição e disse:
- Deixe esse trabalho, dirija-se à cidade de Mosul e empregue as suas economias para tomar-se mercador de peles.
Mojud obedeceu. Em Mosul tomou-se conhecido como mercador de peles, sem voltar a ver Khidr durante os três anos em que exerceu seu novo ofício. Tinha reunido uma considerável quantia e estava pensando em comprar uma casa quando Khidr lhe apareceu e disse:
- Dê-me seu dinheiro, afaste-se desta cidade rumo à distante Samarkanda e lá passe a trabalhar para um merceeiro.
Foi o que Mojud fez. Logo começou a demonstrar sinais incontestáveis de iluminação.Curava os enfermos e servia a seu próximo tanto no armazém como nas horas de lazer. Seu conhecimento dos mistérios da vida se tomou cada vez mais profundo. Sacerdotes, filósofos e outros o visitavam e indagavam:
- Com quem você estudou?
- É difícil dizer - respondia Mojud .
Seus discípulos perguntavam:
- Como iniciou sua carreira?
-Como um pequeno funcionário público - respondia.
- E você deixou seu emprego para dedicar-se à automortificação?
- Não. Simplesmente o deixei.
Eles não podiam compreendê-lo. Pessoas o procuravam para escrever a história de sua vida.
- O que você foi, em sua vida? - perguntavam.
- Eu me atirei num rio, me tomei pescador e, no meio de uma noite, abandonei uma cabana de junco. Depois disso me converti em ajudante de um granjeiro. Enquanto estava ensacando lã, mudei de idéia e fui para Mosul, onde me tomei vendedor de peles. Lá economizei algum dinheiro, mas o dei. Caminhei para Samarkanda, onde trabalhei para um merceeiro. E aqui estou agora.
- Mas esse comportamento inexplicável não esclarece de modo algum seus estranhos dons e maravilhosos exemplos - diziam seus biógrafos.
- Assim é - dizia Mojud. Mojud exercitando sua incrível confiança em Khidr (Deus Interno), desenvolveu poderes extraordinários, dons de cura e clarividência, e assim viveu longamente, uma vida de confiança e entrega total na vida.
Então os biógrafos teceram uma história maravilhosa e excitante em tomo da figura de Mojud, porque todos os santos devem ter suas histórias, e a história deve estar de acordo com a curiosidade do ouvinte, não com as realidades da vida.
E a ninguém é permitido falar de Khidr directamente. É por isso que esta história não é verídica. É a representação de uma vida. A vida real de um dos maiores santos sufis.


12/09/2010

Arraúl



Arraúl foi um rapaz dotado de uma invulgar valentia, cujo nome quer dizer em sânscrito "amigo de bem fazer", o que se adequa à sua vida, porque foi ele quem criou o cordão dunar da actual Ria Formosa,que protege o Continente nesta zona do Algarve.
Dizem que o Arraúl era o 20º filho do guarda-mor das colunas de Hércules, e o único sobrevivente da Atlântida, já que toda a população, assim como a própria ilha, desapareceram submersos, porque já na altura os deuses costumavam castigar os mortais quando eles se tornavam demasiados altivos e sobranceiros, o que sempre acontece nos momentos finais das grandes civilizações!
Arraúl, com aquela ondulação tumultuosa que submergiu a Atlântida, foi empurrado para o mar alto e engolido por uma enorme baleia.Com o Levante, a baleia almareou e devolveu-o ao mar com vida. A força da corrente veio depositá-lo em terra firme, no Sítio das Prainhas, local onde se Olhão se iniciou.
Logo se sentiu encantado com o lugar e receoso de outro cataclismo, decidiu proteger a costa nesta zona, carregando terra de Cerro da Cabeça para o mar. Para isso, construiu um enorme carro quadrado, com duas rodas quadradas-gostava de tudo o que era quadrado!


10/09/2010

O Lago Emprestado

Um jovem chefe cortejava a filha de outro chefe, cujo forte se achava situado no limite de Loch Ennel em Westmeath. A dama era bastante altaneira e melindrosa, e lhe disse claramente que não aceitaria assumir a condição de dona de casa se não pudesse ver da sua janela um lago tão belo como o que se divisava frente à casa de seu pai. Este era um assunto delicado, o vale era adequado, mas as ladeiras das colinas estavam cobertas de casinhas e o riacho que serpenteava lá no fundo demoraria muitíssimos anos para encher o vale, e uma vez terminada a represa, cuja construção necessitaria de uma dúzia de anos, o galã seria já velho.
Sua mãe adotiva, uma feiticeira (isto ocorria nos tempos dos Danaans), ao vê-lo arrancar os cabelos em um par de ocasiões, induziu-o a refazer-se e lhe ordenou que respeitasse até o dia seguinte seus soltos cachos. Logo, a feiticeira dirigiu-se com o meio corrente de transporte das feiticeiras, à cabana de uma irmã Firbolg na arte da magia, situada sobre a margem ocidental do Shannon. Esta cabana estava comodamente localizada sobre o corte de uma colina, dando sobre um agradável lago, e a mulher Danaan foi hospitaleiramente agasalhada pela mulher Firbolg.
Depois de seu singelo refrigério, a visitante revelou o motivo de sua viagem e suplicou a sua sabia amiga que lhe emprestasse seu lago até o dia da lua seguinte, acrescentando num resmungo enganoso "depois da semana da eternidade". Um lago era algo difícil de conseguir, mas finalmente obteve-o e o levou triunfalmente debaixo da capa ao vale de Leinster. As pessoas que viviam nas ladeiras das colinas despertaram naquela noite de seus sonhos ouvindo um estrondo, digamos assim como o de dez mil cascatas. Todos fugiram até as terras altas e foram hospitaleiramente resguardados pelos edifícios do forte, e ao alvorecer da manhã seguinte, milhares de assombrados olhos contemplaram o plácido lençol de água que cobria suas moradas do dia anterior.
Assim foi conquistada a altaneira noiva. A desgarrada mulher de Connacht esperou até o dia da segunda lua, irritadíssima ante o lamacento leito que exibia o fundo de seu lago debaixo da influência de um sol ardente e sem aparentes perspectivas de que lhe devolveriam com gratidão as águas. Até uma mulher sábia pode perder a paciência. Esta voou à casa de sua enganadora colega em bruxarias, cavalgando sobre sua vassoura e foi recebida com fingida alegria.
-Não há tempo para cumprimentos, comadre - lhe disse -Chegou o dia da lua seguinte e até o da lua subseqüente, e em vez do meu agradável lago, só vejo rochas, barro e peixe podre. Devolva-me meu lago, te digo.
- Ah, querida irmã! A ira te tirou a memória. Prometi-te devolver-te teu formoso pedaço de água no dia da lua seguinte à semana da eternidade, não antes; reclama-o quando vencer o prazo.
A ira da bruxa traída não teve limites, mas não tinha argumento algum, devido à traiçoeira reserva da astuta Danaan. O resultado foi trágico para a maior parte dos interessados; mas a incorporação de Loch Owel às agradáveis planícies de Meath é tudo o que nos interessa por agora.

lendas celtas irlandesas



Krishna



De acordo com a tradição Hindu, Krishna (कृष्ण em Devanagari) é o oitavo avatar de Vishnu. É citado no Mahabharata, mais exatamente no Bhagavad Gita, e é considerado, segundo o Movimento Hare Krishna (ISKCON), a Suprema Personalidade (Deus), sendo assim, a origem de todas as encarnações seguintes.
Krishna e as histórias aparecem nas diversas tradições filosóficas e teológicas hindu. Embora, algumas vezes diferentes nos detalhes, ou até mesmo contradizendo as características de uma tradição particular, alguns aspectos básicos são compartilhados por todas elas. Estes incluem uma encarnação divina, uma infância e uma juventude pastoral e a vida como um guerreiro e professor. A imensa popularidade de Krishna fez com que várias religiões não-hindus que se originaram na Índia tivessem as próprias versões dele.

Segundo a obra Harpas Eternas, Krishna foi a sexta reencarnação de Jesus em nosso planeta. As anteriores foram Juno e Numu, na Lemúria, Anfião e Antúlio, na Atlântida, e Abel na Palestina. As posteriores foram Moisés, Buda (Siddhartha Gautama 600-A.C.) e, por último, Jesus, este espírito que hoje é o mestre espiritual de nosso orbe. Uma versão da história de Krishna,pode ser lida no volume II da obra citada, onde consta também o nascimento quarenta séculos após a morte de Abel, o que corresponderia a cerca de 4270 AC.

O Mahabharata (Udyogaparva 71.4), analisa a palavra 'Krishna' da seguinte maneira:

krishir bhu-vacakah sabdo nas ca nirvriti-vacakah tayor aikyam param brahma krishna ity abhidhiyate

A palavra 'krish' é a característica atractiva da existência do Senhor, e 'na' significa 'prazer espiritual.' Quando o verbo 'krish' é adicionado ao 'na', ele se torna 'krishna', que significa Verdade Absoluta.

De acordo com a maioria dos dicionários, a palavra Krishna significa 'negro' ou 'escuro' em sânscrito. Relaciona-se com palavras parecidas em outros idiomas indo-europeus. Às vezes se traduz como 'O Senhor Escuro' ou 'o de pele escura'. Pode significar também 'Todo atrativo'.

09/09/2010

O Destino dos Filhos de Lir



O rei da Irlanda, Boadbh Dearg e Lir de Sidhe Fionna eram inimigos, mas quando a mulher de Lir morreu, o rei pensou que seria um bom momento para reconciliar-se. Boadbh Dearg ofereceu-lhe suas três filhas adotivas, Niamh (niav), Aoife (ifa) e Albha para que escolhesse. Lir se casou com a mais velha, Niamh, e voltou a seu reino, onde Niamh teve duas filhas gêmeas e logo outros dois filhos gêmeos que se chamariam Finola, Aedh (eir), Conn e Fiachra, em um curto mas feliz matrimônio. Niamh morreu no parto dos dois últimos, e então Lir voltou por causa de Aoife, a outra filha do rei para casar-se com ela.
Aoife não teve filhos próprios, mas foi a verdadeira mãe dos de sua irmã. Aoife começou a se sentir desprezada porque Lir só prestava atenção às crianças e adoeceu gravemente. Durante sua enfermidade, Aoife planejou livrar-se de seus sobrinhos. Disse que a primeira coisa a fazer quando se recuperasse, era visitar seu padrasto Boadbh Dearg e levar-lhe as crianças por uma temporada. Recuperou-se, e partiu a Emhain Mocha com os filhos de Lir. Quando as crianças estavam descansando da viagem banhado-se num lago, Aoife os transformou em cisnes. Fez-lhes, ainda, uma maldição, que lhes faria permanecer nesse lago 300 anos, outros 300 no mar entre Irlanda e Escócia, 300 mais na costa oeste, e que então teriam de esperar até que chegasse a nova fé à Irlanda, e até que o príncipe Lairgnean e a princesa Deichthe houvessem se casado para voltar a sua forma humana.




Depois disto, Aoife se sentiu culpada, e lhes concedeu a habilidade de falar com umas vozes melodiosas, cujo canto faria os homens não querer fazer nada mais além de escutar-lhes. Quando Aoife chegou a Emhain Mocha tratou de justificar a ausência de seus sobrinhos, mas Lir descobriu a verdade e a transformou num corvo.
Lir foi viver nas margens do lago onde viviam seus filhos, e escutava-os cantar sua desgraça. Passaram 300 anos, e os cisnes se foram, mas desta vez viveram sozinhos no frio mar de Moyle. Todos os que conheceram como humanos estavam mortos, a fortaleza de Sidhe Fionna destruída. Os anos passaram e os feitos prometidos se aproximavam, e os cisnes foram viver com Caemhoch, que havia sido discípulo de São Patrício. A rainha Deichthe ouviu falar dos cisnes, e se apaixonou por eles. Pediu a seu marido Lairgnean que os trouxesse, e ele foi pedir-lhes a Caemhoch.
Nesse momento, os cisnes começaram a retomar sua forma humana, mas já não eram crianças, eram anciões de 1500 anos e a ponto de morrer. Lairgnean assustou-se ao ver-lhes e Finola pediu a Caemoch que fossem batizados, e depois que os enterrassem todos juntos, de pé, na mesma tumba.
E assim, finalmente, se cumpriram seus desejos.

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