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20/05/2012

A primeira pedra



Na cidade de Bássora vivia um sultão muito sábio, rico, generoso, cheio de bondade e valentia.
Um dia, esse sultão saiu para passear sozinho pelos arredores de seu palácio, quando avistou quatro homens, com atitude agressiva, rodeando uma mulher, que escondia o rosto com as mãos descarnadas.
Ao serem surpreendidos pelo soberano, ficaram mudos de espanto e medo.
- Que fez esta mulher? - perguntou, sereno, o sultão.
- É uma ladra ó senhor! - respondeu um dos homens - Foi pega por nós roubando frutas de seu pomar.
- Roubei para meus filhinhos - soluçava a mulher - eles têm fome...
- A lei é clara, ó rei generoso - interrompeu-a um dos homens - diz que se deve cortar a mão direita do ladrão. Estou bem certo, ó rei, que é esse castigo que cabe a esta pecadora.
- Na minha opinião, esta pobre mulher deve ser perdoada, afinal, só quis pegar comida para os filhos. E, uma mãe desesperada que rouba para matar a fome de um filho merece nossa simpatia e faz jus ao nosso perdão. Mas, como a lei deve ser obedecida, ela vai ser castigada com impiedoso rigor. Penso, porém, que o castigo dado a um ladrão ainda é pouco para este pecado tão grave que esta infeliz cometeu. Determino que ela seja imediatamente apedrejada!
Esta determinação causou total espanto entre os homens, afinal, um sultão tão bom iria dar um castigo tão rigoroso como este?
- Vizir, atire a primeira pedra!
- Mas eu não tenho pedra alguma aqui, ó senhor!
- Então atirai esta que prende em seu turbante! - ordenou o rei.
Diante desta ordem, o vizir não teve outra saída. Com grande mágoa no coração, atirou a valiosa gema, que lhe servia de adorno, aos pés da mulher.
- Agora vós, Namã! Atirai estas pedras que brilham em vossos dedos!
- Os três homens, um a um, tiveram que se desfazer dos preciosos anéis que brilhavam em seus dedos.
Voltando-se para a mulher, disse-lhe o sultão:
- Apanhe todas estas "pedras" minha filha! Terás aí o que comprar, por toda a vida, o pão e o agasalho para seus filhinhos...Estás livre!
A pobre mulher, as lágrimas de gratidão escorrendo em seu rosto, beijou a mão do rei, tão bondoso, que era capaz de fazer a bondade, castigando ao mesmo tempo, quatro homens malvados, sem coração.


Lenda árabe

16/05/2012

Eco e Narciso


Eco era uma bela ninfa, amante dos bosques e dos montes, onde se dedicava a distrações campestres. Era favorita de Diana e acompanhava-a em suas caçadas. Tinha um defeito, porém: falava de mais e, em qualquer conversa ou discussão, queria sempre dizer a última palavra.
Certo dia, Juno saiu à procura do marido, de quem desconfiava, com razão que estivese se divertindo entre as ninfas. Eco, com sua conversa, conseguiu entreter a deusa, até as ninfas fugirem. Percebendo isto, Juno a condenou com estas palavras:
- Só conservarás o uso dessa língua com que me iludiste para uma coisa de que gostas tanto: responder. Continuarás a dizer a última palavra, mas não poderás falar em primeiro lugar.
A ninfa viu Narciso, um belo jovem, que perseguia a caça na montanha. Apaixonou-se por ele e seguiu-lhe os passos. Quanto desejava dirigir-lhe a palavra, dizer-lhe frases gentis e conquistar-lhe o afeto! Isso estava fora de seu poder, contudo. Esperou, com impaciência, que ele falasse primeiro, a fim de que pudesse responder. Certo dia, o jovem, tendo se separado dos companheiros, gritou bem alto:
- Há alguém aqui?
- Aqui - respondeu Eco.
Narciso olhou em torno e, não vendo ninguém, gritou:
- Vem!
- Vem! - respondeu Eco.
- Por que foges de mim? - perguntou Narciso
Eco respondeu com a mesma pergunta.
- Vamos nos juntar - disse o jovem.
A donzela repetiu, com todo o ardor, as mesmas palavras e correu para junto de Narciso, pronta a se lançar em seus braços.
- Afasta-te! - exclamou o jovem, recuando. - Prefiro morrer a te deixar possuir-me.
- Possuir-me - disse Eco.
Mas foi tudo em vão. Narciso fugiu e ela foi esconder sua vergonha no recesso dos bosques. Daquele dia em diante, passou a viver nas cavernas e entre os rochedos das montanhas. De pesar, seu corpo definhou, até que as carnes desapareceram inteiramente. Os ossos transformaram-se em rochedos e nada mais dela restou além da voz. E, assim, ela ainda continua disposta a responder a quem quer que a chame e conserva o velho hábito de dizer a última palavra.
A crueldade de Narciso nesse caso não constituiu uma exceção. Ele desprezou todas as ninfas, como havia desprezado a pobre Eco. Certo dia, uma donzela que tentara em vão atraí-lo implorou aos deuses que ele viesse algum dia a saber o que é o amor e não ser correspondido. A deusa da vingança (Nêmesis) ouviu a prece e atendeu-a.
Havia uma fonte clara, cuja água parecia de prata, à qual os pastores jamais levavam os rebanhos, nem as cabras monteses freqüentavam, nem qualquer um dos animais da floresta. Também não era a água enfeada por folhas ou galhos caídos das árvores; a relva crescia viçosa em torno dela, e os rochedos a abrigavam do sol. Ali chegou um dia Narciso, fatigado da caça, e sentindo muito calor e muita sede. Debruçou-se para desalterar-se, viu a própria imagem refletida e pensou que fosse algum belo espírito das águas que ali vivesse. Ficou olhando com admiração para os olhos brilhantes, para os cabelos anelados como os de Baco ou de Apolo, o rosto oval, o pescoço de marfim, os lábios entreabertos e o aspecto saudável e animado do conjunto. Apaixonou-se por si mesmo. Baixou os lábios, para dar um beijo e mergulhou os braços na água para abraçar a bela imagem. Esta fugiu com o contato, mas voltou um momento depois, renovando a fascinação. Narciso não pôde mais conter-se. Esqueceu-se de todo da idéia de alimento ou repouso, enquanto se debruçava sobre a fonte, para contemplar a própria imagem.
- Por que me desprezas, belo ser? - perguntou ao suposto espírito.
- Meu rosto não pode causar-te repugnância. As ninfas me amam e tu mesmo não parece olhar-me com indiferença. Quando estendo os braços, fazes o mesmo, e sorris quando te sorrio, e respondes com acenos aos meus acenos.
Suas lágrimas cairam na água, turbando a imagem. E, ao vê-la partir, Narciso exclamou:
- Fica, peço-te! Deixa-me, pelo menos, olhar-te, já que não posso tocar-te.
Com estas palavras, e muitas outras semelhantes, atiçava a chama que o consumia, e, assim, pouco a pouco, foi perdendo as cores, o vigor e a beleza que tanto encantara a ninfa Eco. Esta se mantinha perto dele, contudo, e, quando Narciso gritava: "Ai, ai", ela respondia com as mesmas palavras. O jovem, depauperado, morreu. E, quando sua sombra atravessou o Estige, debruçou-se sobre o barco, para avistar-se na água.
As ninfas o choraram, especialmente as ninfas da água. E, quando esmurravam o peito, Eco fazia o mesmo. Prepararam uma pira funerária, e teriam cremado o corpo, se o tivessem encontrado; em seu lugar, porém, só foi achada uma flor, roxa, rodeada de folhas brancas, que tem o nome e conserva a memória de Narciso.


O livro de Ouro da Mitologia – de Thomas Bulfinch