Na aldeia de Sakata, os meninos brincam à volta da árvore. Mas isso não os impede de estarem atentos a qualquer pequeno ruído que venha do Congo, o grande rio que corre perto dali. Estão à espera de que o barco passe.
— Ei! Olha o barco! Já lá vem o barco-correio!
Para Kembo é um dia importante. Quando o barco que transporta tantas mercadorias maravilhosas abrandar a velocidade, ele vai aproximar-se e pôr as mãos no casco. Até há-de subir a bordo. A manobra é arriscada, mas Kembo está decidido.
— Mido, Eloni, vamos! Temos de ser os primeiros a acostar!
Enquanto Mido e Eloni pegam nos remos do pangaio, Kembo grita:
— Cuidado! A piroga vai meter água! Vejam que tem um buraco à frente!
Kembo tapa o buraco com um pouco de barro.
— Agora podemos ir. A minha mãe quer que lhe traga sabão e uma tee-shirt.
As folhas dos nenúfares agitam-se à passagem deles. Escondido debaixo da umbela de um cogumelo, um sapo está quase a apanhar um insecto. Que sossego! Mas, de repente, o sapo esconde-se, e os pássaros levantam voo com grande alarido. O que terá causado toda aquela agitação, pregando um susto de morte às crianças? A serpente negra que assombra o rio. Ela acaba de escapulir-se por entre as ervas altas. Kembo começa então a entoar a canção de Sakata, a Nossa Aldeia, uma canção que dá coragem.
No rio agitado, eh! eh!
É preciso remar com força eh!
No rio agitado
É preciso remar com força.
Ao longe, outras crianças pescadoras retomam o refrão. Kembo e os amigos voltam a subir a corrente com mais vigor. Em breve, a piroga sai das águas calmas da floresta e entra nas do rio. No sítio em que os dois braços de água se encontram, as ondas fervilham, formam um turbilhão. Mido e Eloni gritam:
— Temos medo! Kembo, voltamos para trás!
— Nem pensar — diz Kembo. — Não vamos desistir!
Um vento forte arrasta a piroga. O pânico apodera-se dos amigos de Kembo. Mas Kembo sabe desviar-se dos perigos, ultrapassar as armadilhas da água, e diz:
— Quietos! Nada de fazer força. Temos de nos deixar levar pela corrente.
A piroga é sacudida por todos os lados. E depois, de repente, ei-la que sai do turbilhão.
Kembo e os amigos esperam com impaciência a aproximação do barco, que abranda mas não pára.
Os passageiros olham para as crianças, admirados. Alguns gritam:
— Afastai-vos! Os redemoinhos são perigosos
À primeira onda, a piroga sobe até à crista. Os passageiros do barco ficam embasbacados perante a destreza de Kembo e dos amigos, que, certos do sucesso da sua proeza, cantam com toda a força.
Da margem, os pais seguem o espectáculo.
— Oh! Que habilidade! Que acrobatas corajosos! Será que vão conseguir encostar o barco? Eu nem me atrevo a olhar!
Alguns pais gritam, manifestando o seu medo.
— Os nossos filhos trazem os amuletos, consigo ver daqui as fitas vermelhas!
Os rapazes não conseguiram a acostagem. O choque contra o flanco do barco foi duro e a emoção forte quando as crianças ouviram rebentar o pedaço de barro que tapava o buraco da piroga. Mas Kembo e os amigos mantiveram o sangue-frio.
— Depressa, a outra piroga — grita Kembo.
A outra piroga pertence, seguramente, a um pescador que já entrou no barco-correio.
Kembo salta para dentro, pega numa amarra e atira-a para as mãos que se agitam acima dele. De repente, a corda estica.
— Consegui! – grita Kembo, que já está a bordo.
Mas Eloni e Mido têm menos sorte, a piroga volta-se e ei-los na água. Falharam.
A bordo do barco-correio era um autêntico mercado. Vendia-se lá de tudo. Vê-se uma coisa amarela e preta a brilhar na penumbra. Será um brinquedo? Kembo aproxima-se. O produto à venda é uma jibóia.
— Nioka! Nioka! (Serpente!Serpente!) — grita Kembo, cheio de medo. E foge a correr.
Cheira muito bem debaixo do tejadilho de madeira. Os passageiros saboreiam mandioca que as mulheres acabam de fritar em óleo de palma.
Fazem-se trocas e conversa-se.
Os habitantes ribeirinhos acabam de acostar, trazem peixe e banana para fritar. Mas Kembo não pode atrasar-se, tem compras a fazer.
Kembo escapa-se por entre as mercadorias. Chega diante da exposição de conservas, de vestidos e de tangas, onde, finalmente encontra o que procurava. Enquanto espera que o sabão e a tee-shirt sejam embrulhados, Kembo vê, ao fundo do barco, um carro carregado de caixotes.
São medicamentos para um hospital da Cruz-Vermelha, explica o comerciante.
— Pega! Aqui estão as compras para a tua mãe!
A sirene apitou. Rápido, rápido! Temos de sair depressa, que o barco vai ganhar velocidade! Kembo esconde o embrulhinho com segurança dentro do calção e, splash!, mergulha. Nada como um peixe até chegar junto de Eloni e Mido, que estão na água.
O barco afasta-se. Baloiçados pelo turbilhão dos remoinhos, as crianças disputam entre si a agilidade para saltarem para a piroga virada. Mido e Eloni estão desiludidos. Mas não passa de uma oportunidade perdida. Da próxima vez que o barco-mercado passar, subirão a bordo com o Kembo. Dessa vez, é certo que vão conseguir.
Conto Africano
Dominique Mwankumi
Les petits acrobates du fleuve
Paris, l’école des loisirs, 2000
tradução e adaptação
Dominique Mwankumi
Les petits acrobates du fleuve
Paris, l’école des loisirs, 2000
tradução e adaptação