Queixou-se uma vez o lobo
De que se via roubado,
E um mau vizinho raposo
Foi deste roubo acusado.
Perante o mono foi logo
O réu pelo autor levado,
E ali se expôs a querela
Sem escrivão, nem letrado.
"À porta da minha fuma.
Dizia o lobo enraivado.
Pegadas deste gatuno
Tenho na terra observado."
Dizia o réu em defesa:
"Tu, que és ladrão refinado!
O que, se vives de roubos.
Podia eu ter-te furtado?
— Furtaste! — Mentes! — Não minto!
Questões, gritos, muito enfado.
Já do severo juiz
Tinham a testa azoado.
Nunca Têmis vira um pleito
Tão dúbio, tão intrincado!
Nem que pelos litigantes
Fosse tão bem manejado.
Mas da malícia dos dois
Instruído o magistrado,
Lhes disse: "Há tempo que estou
De quem vós sois informado:
Portanto, em custas em dobro
Seja um e outro multado,
E tanto o réu como o autor,
Por três anos degredado".
Dando por paus e por pedras
O mono tinha assentado,
Que sempre acerta o juiz,
Quando condena um malvado.
Curvo Semedo (Trad.)