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23/11/2010

A baba do passarinho

Há tempos atrás, num país longe daqui, existia um rei muito sábio e bondoso. Seus súbditos o amavam e respeitavam, pois no reino todos viviam felizes.
Um dia, porém, correu pelo país uma no­tícia muito triste: o rei estava doente, vítima de um mal terrível que o deixara cego dos dois olhos. E os médicos da corte, por mais que se esforçassem, nada conseguiram fa­zer para curá-lo. Vieram também outros ­dicos, de todos os cantos do mundo, mas ne­nhum deles, nem mesmo o mais sábio de to­dos, conseguiu encontrar a cura para a es­tranha doença do rei.
O reino inteiro mergulhou, então, numa profunda tristeza. O pobre rei, achando que só um milagre poderia salvá-lo, passou a fi­car horas e horas rezando, pedindo a Deus que o fizesse voltar a enxergar.
Até que uma noite, enquanto rezava, o rei ouviu uma voz suave, que lhe disse:
"Longe, muito longe, no lugar onde o seu reino termina, há uma fada, presa num cas­telo de ferro e guardada por um feroz dragão. Na sala ao lado de onde ela fica trancada, também está prisioneiro um passarinho, nu­ma gaiola de diamantes. Esta ave é encan­tada e, quando canta, deixa escorrer pelo bico uma baba muito fina e perfumada.
Se alguém juntar essa baba e passá-la por três vezes nos olhos de um cego, ele voltará a enxergar imediatamente.
Para se apoderar do pássaro encantado, é preciso antes libertar a fada do encanta­mento. E o ousado jovem que realizar esse feito terá como recompensa a mão da fada em casamento, ela que é na verdade uma princesa muito rica e poderosa."
Depois de dizer isso, a voz se calou tão misteriosamente quanto havia surgido. E o rei não conseguiu dormir o resto da noite, tamanha era sua ansiedade.
No dia seguinte, mal o sol nasceu, man­dou anunciar a todo o povo a revelação que lhe havia sido feita. Os jovens corajosos do reino foram convocados para saírem em bus­ca do castelo de ferro e do prémio destinado a quem desencantasse a fada e o passarinho.

Não faltaram pretendentes para a em­preitada, e logo todos os jovens do país come­çaram a se preparar para a viagem.

Em frente ao palácio real morava um viúvo que tinha três filhos. O mais moço dos três, que se chamava Lúcio, era uma cria­tura muito bondosa. Os dois mais velhos eram maus e invejosos e viviam fazendo de tudo para humilhar e aborrecer o irmão. Logo que ficaram sabendo da convocação do rei, os dois iniciaram os preparativos para a viagem. E, quando Lúcio veio dizer-lhes que pretendia ir também, os dois ficaram furio­sos e disseram:
— Seu tolo! Você pensa que uma aventura como essa é coisa para crianças? Vamos enfrentar muitos perigos pelo caminho, e um boboca como você só iria nos dar tra­balho!
Lúcio, porém, era persistente. E insistiu tanto que o pai obrigou os irmãos a levarem-no. Os dois malvados, entretanto, assim que saíram de casa, já combinaram um jeito de se livrarem do irmão. E, na primeira noite que passaram na mata, esperaram que Lúcio dormisse profundamente para lhe roubarem todo o dinheiro. Depois partiram em silên­cio, deixando-lhe apenas o cavalo e um pouco de comida.
Na manhã seguinte, ao acordar e ver que tinha sido roubado e abandonado pelos ir­mãos, Lúcio ficou muito triste. Mas, como era um rapaz corajoso e decidido, resolveu não voltar para casa e tentar encontrar sozi­nho o castelo de ferro.
Seguiu cavalgando sem saber bem para onde, até chegar à margem de um rio, onde viu sentado um velho muito pobre, quase mor­to de fome e com o corpo cheio de feridas.
Lúcio, que tinha bom coração, teve pena do velho. Desceu do cavalo e, depois de divi­dir com o pobre homem a pouca comida que ainda possuía, lavou-o e tratou de suas feri­das. Além disso, tirou da sacola a única mu­da de roupa que trazia e entregou-a ao velho.
— Muito obrigado, meu bom rapaz! — disse o homem, olhando-o agradecido. — Seu coração é muito bom e você vai ser recompen­sado. Sei que deixou a cidade em busca do pássaro encantado, para curar o rei. Essa é uma tarefa muito difícil e perigosa, mas eu vou ajudá-lo. Seus irmãos passaram por mim antes de você, e não quiseram me socorrer. Eles são muito maus e, por isso, jamais con­seguirão encontrar o castelo de ferro!
— Mas quem é o senhor, meu bom velho? — perguntou Lúcio, admirado.
— Sou o protetor dos bons, meu filho. E agora vou guiá-lo, para que você seja feliz. Ouça com atenção: perto daqui há uma fa­zenda, onde você deve dormir esta noite. Como está sem dinheiro, logo que chegar venda o seu cavalo, pois ele de nada vai lhe servir. Com parte do dinheiro, compre o cavalo mais magro, velho e doente que en­contrar na fazenda. Escolha mesmo o pior de todos, aquele que já estiver cercado pelos urubus. Não se importe com comentários. Monte nele e saia. Assim que deixar a fa­zenda, ele se transformará num animal forte e bonito, que, em vez de correr, voa velozmen­te. Ele o levará ao castelo de ferro. Logo na entrada do castelo, você vai encontrar o dra­gão alado, que mantém prisioneiros a fada e o passarinho. A chave do castelo fica es­condida na garganta desse monstro e, para consegui-la, você precisa esperar que ele es­teja dormindo. Mas o dragão, para enga­nar quem se aproxima do castelo, dorme com os olhos abertos. Por isso, se, quando você chegar, ele estiver com os olhos fecha­dos, não se aproxime, pois ele estará acor­dado! Ao contrário, se seus olhos estiverem escancarados, tire a chave da garganta dele sem medo e abra a porta do castelo. Logo na primeira sala, vai encontrar a fada, que você desencantará, tirando a chave de ouro que ela carrega no pescoço. Esta chave abre a sala seguinte, onde está preso o passarinho. Mas tome muito cuidado: não deixe que a beleza da fada o seduza, porque senão você não conseguirá fazer nada e ainda cairá prisioneiro do monstro. E não se preocupe com a fada, porque ela, depois de desencan­tada, não correrá mais perigo. Preocupe-se apenas em fugir dali com o pássaro o mais rápido possível. Pois o dragão logo acorda­ para sair em sua perseguição. Fuja mon­tado no cavalo alado e, quando o monstro es­tiver quase para alcançá-lo, desmonte e, com esta espada que lhe entrego, abra a barriga do cavalo e se esconda com o passarinho lá dentro, gritando: "A mim, bom velho!". De­pois que o dragão for embora, saia da bar­riga do cavalo e costure-a com esta agulha e esta linha que estou lhe dando, e verá que ele voltará a viver e a voar tão bem quanto antes. O monstro voltará a persegui-lo e, quando ele estiver bem perto de você, grite de novo por mim e lance ao ar este punhado de alfinetes; mais adiante, este punhado de cinzas e, depois, este monte de sal, sempre chamando por mim. De volta à fazenda, venda o cavalo, porque não vai precisar mais dele. Com o dinheiro, compre de novo o seu e, sem perder tempo, volte depressa ao reino. E não pare por nada no mundo, enquanto não receber as bênçãos de seu pai, que está muito preocupado com você.
Lúcio beijou as mãos do velho e agrade­ceu-lhe. Guardou bem a espada, a agulha, a linha, os alfinetes, as cinzas, o sal e seguiu viagem.
Chegou à fazenda ao anoitecer, cansado e faminto. Vendeu o cavalo e usou parte do dinheiro para pagar a hospedagem. Com o que sobrou, comprou, no dia seguinte, o ca­valo mais velho e fraco que havia no lugar. Era um animal tão magro e acabado, que o próprio Lúcio chegou a duvidar das palavras do velho. Até o dono da fazenda não queria acreditar que alguém quisesse mesmo comprar um animal em tal estado.
Mas Lúcio não se arrependeu de seguir fielmente as recomendações do bom velho, pois, assim que saiu da fazenda montado no cavalo, ele começou a engordar e a correr. Dali a pouco, criou asas e, logo em seguida, Lúcio saía voando numa rapidez incrível.

No fim de algumas horas de viagem, che­gou ao castelo de ferro. Bem na entrada, en­xergou o dragão, que por sorte estava com os olhos arregalados e portanto dormia. A boca enorme do monstro estava escancara­da; por isso não foi difícil tirar a chave de dentro da garganta e com ela abrir a porta do castelo.

Logo na primeira sala, Lúcio encontrou a fada. Ela era mesmo lindíssima e a sua beleza seduziu tanto o jovem, que ele ficou ali parado, sem conseguir despregar os olhos daquele belo rosto. Mas o cavalo alado, per­cebendo o perigo, bateu três vezes com a pata no chão para avisar a Lúcio do perigo que corria. Lembrando-se imediatamente das pa­lavras do velho, ele tirou logo a chave de ouro do pescoço da fada, que se desencantou, voltando a ser uma princesa. Lúcio nem olhou para trás. Correu até a sala seguinte, tirou dali a gaiola de diamantes com o passa­rinho encantado e mal teve tempo de montar no cavalo e sair voando. O dragão acordou e imediatamente se deu conta do que tinha acontecido e, mais rápido do que o vento, saiu no encalço de Lúcio.
Seguindo as recomendações do velho, ele esperou que o dragão chegasse bem perto para desmontar. Depois, abriu a barriga do cavalo com a espada que o velho tinha dado e se escondeu lá dentro junto com a gaiola do passarinho, gritando:
— A mim, bom velho!
O monstro, desnorteado, parou. Farejou em volta do cavalo e, vendo-o morto, pensou que havia perdido a pista dos fugitivos. De­sesperado, saiu voando ao léu, à procura de nova pista.
Lúcio saiu então da barriga do cavalo, costurou-a com a agulha e a linha que trazia e imediatamente o animal se recuperou e se­guiram viagem voando a toda velocidade.
Mas não demorou para que o monstro reaparecesse, mais rápido e mais furioso ainda, voando perto deles. Já quase alcan­çava o cavalo, quando Lúcio jogou para o ar o punhado de alfinetes, gritando:
— A mim, bom velho!
E viu, maravilhado, os alfinetes se trans­formarem num espinheiro enorme e tão fe­chado que o dragão ficou preso, levando um bom tempo para conseguir se soltar.
Lúcio aproveitou esse tempo para tomar fôlego e tentar ganhar distância de seu perse­guidor. Mas o dragão era mesmo muito ve­loz, pois logo os alcançava de novo. Quando já estava quase por apanhá-los, Lúcio atirou o punhado de cinzas para o ar e gritou:
— A mim, bom velho!
E as cinzas se transformaram, como por milagre, numa neblina tão forte que o dragão não conseguia enxergar, ficando desnorteado. Só com muita dificuldade foi que conse­guiu passar e recomeçar a perseguição ao cavalo alado, que já ia longe.
Logo depois, entretanto, lá estava ele de novo tentando alcançá-los. Lúcio, então, pe­gou a última coisa que lhe restava, o punha­do de sal, e o atirou ao ar, rezando para que isso o livrasse de uma vez do terrível mons­tro. Enquanto o sal caía, gritou, como sem­pre:
— A mim, bom velho!
E, olhando para trás, viu surgir um ocea­no imenso, que engoliu o dragão com suas ondas gigantescas. O monstro ainda tentou escapar, mas, como suas asas estavam mo­lhadas, não conseguiu. Ficou se debatendo nas águas furiosamente, até desaparecer no fundo do mar.
Lúcio suspirou aliviado, e, seguindo as recomendações do velho, não parou um ins­tante. Seguiu voando, o mais rápido que po­dia, em direção à fazenda. Lá chegando, não perdeu tempo: vendeu o cavalo, que agora já não tinha asas, mas que continuava forte e muito bonito, e com o dinheiro comprou o seu de volta. E partiu, levando a gaiola com o passarinho.
Já ia bem longe, em direção à casa do pai, quando viu dois homens cavalgando. Reconheceu neles seus irmãos e, esquecendo-se das palavras do seu protetor, parou para encontrá-los.
Os dois malvados estavam cansados e famintos, pois haviam viajado horas seguidas, sem nada encontrar. Ao verem Lúcio, fin­giram ficar felizes com o encontro, mas a ver­dade era bem outra. Eles não se agüentavam de inveja e ciúme por Lúcio ter conseguido encontrar o pássaro encantado. Arrancaram-lhe, então, a gaiola das mãos e depois, para que ele não os denunciasse, bateram-lhe mui­to e lhe furaram os olhos, deixando-o quase morto na beira da estrada.
Ao chegarem em casa, mentiram ao pai, dizendo que Lúcio havia morrido no castelo de ferro. E, sem se preocuparem com a tris­teza do velho, tiraram o passarinho da gaiola de diamantes para levá-lo ao palácio do rei.
A corte inteira recebeu os dois mentirosos com todas as honras, e o rei, cheio de espe­rança, ordenou que levassem o passarinho para perto de seu trono.
Na sala real, todos aguardaram em si­lêncio absoluto que a ave encantada come­çasse a cantar. Mas, para decepção do rei e dos membros da corte, o passarinho não só ficou mudo, como se recolheu a um cantinho da nova gaiola que lhe deram, cada vez mais triste e recusando tudo que lhe ofereciam para comer.
O rei, desesperado, vendo que o passari­nho se recusava a cantar, achou que a voz que ouvira naquela noite não era mais que uma zombaria que lhe haviam feito. E, muito triste, deixou-se ficar sentado no trono, sem ânimo para nada.
Enquanto isso, ainda na beira da estrada, Lúcio chorava de dor e de mágoa pelo que os irmãos lhe haviam feito. Não conseguia en­tender o porquê de tanta maldade e, chorando amargamente, esperava que a morte o levasse, livrando-o de tanto sofrimento. De repente, lembrou-se mais uma vez do seu velho protetor e de como ele havia prometido sempre ajudá-lo. Assim, juntou as últi­mas forças que lhe restavam e gritou o mais alto que pôde:
— A mim, bom velho!
No mesmo instante, ouviu passos ao seu lado. E, com o coração cheio de alegria, ou­viu a voz do velho dizer:
— Meu filho, eu lhe disse que andava pelo mundo escolhendo os bons, para protegê-los. Você me socorreu quando eu precisava de ajuda; por isso, estou aqui para ajudá-lo também.
E, depois de dizer isso, levou Lúcio para um rio perto dali, curou-lhe as feridas e disse:
— Não fique triste por estar cego, por­ que você logo voltará a enxergar. O passa­rinho está ao lado do rei, mas não cantará enquanto seu verdadeiro salvador não che­gar ao palácio. Eu levarei você até lá.
E, tomando a mão de Lúcio, o velho o conduziu até o palácio. Na sala real, o rei continuava sentado no trono, sem nenhuma esperança de se ver curado da sua doença. Entretanto, assim que o rapaz entrou na sala, o passarinho encantado recuperou-se e saiu voando em sua direcção. E no palácio inteiro reinou o mais profundo silêncio, enquanto ele cantava maravilhosamente, pousado na mão do seu salvador.
O velho recolheu, então, a baba encanta­da que escorria do bico da ave e passou-a por três vezes nos olhos do rei e de Lúcio, que voltaram imediatamente a enxergar. Pelo reino inteiro espalhou-se uma enorme alegria e o rei, completamente curado, encarregou seus ministros de prepararem a maior festa que o reino já havia tido até então.
Na madrugada seguinte, quando o povo todo se preparava para iniciar os festejos, surgiu na cidade, sem que ninguém soubesse explicar como, um magnífico palácio. De sua entrada partiam três luxuosas estradas: uma forrada de ouro, outra de prata e outra de veludo.
O povo inteiro, tendo o rei à frente, olhava pasmado para o palácio, quando de repente viram sair dele uma carruagem belíssima, toda feita de ouro e cravejada de brilhantes, puxada por seis cavalos brancos. Dentro dela vinha a princesa, ricamente vestida e mais linda do que nunca.
Todos a saudaram com muita alegria e o rei foi recebê-la pessoalmente, dando-lhe as boas-vindas.
— Estou aqui — disse ela — para me casar com o jovem corajoso que libertou a mim e ao passarinho encantado daquele dragão terrível!
O rei lhe respondeu que teria muito pra­zer em realizar aquele casamento, mas como saber a quem cabia o prêmio, se três jovens tinham aparecido para reclamá-lo?
— Só um foi o meu salvador — disse a princesa. — E, para saber qual deles diz a verdade, mande buscá-los, um de cada vez, em minha carruagem, e diga-lhes para escolherem uma das três estradas para chegar ao meu palácio. O mais humilde deles esco­lherá a estrada mais pobre, e esse será sau­dado pelo passarinho, que o reconhecerá.
Assim fez o rei. Mandou buscar o irmão mais velho de Lúcio, ordenando-lhe que indi­casse a estrada que levava ao palácio encan­tado. Quando chegou no lugar onde começa­vam as três estradas, o rapaz gritou para o cocheiro:
— Pela estrada de ouro!
E lá se foi a carruagem. Diante da fada, o irmão mais velho ajoelhou-se e beijou-lhe as mãos. Mas o passarinho ficou mudo, sem dar sinais de reconhecê-lo, e o rapaz teve de voltar para casa.
O rei mandou buscar, então, o segundo irmão, e também o orientou para que esco­lhesse a estrada pela qual queria seguir.
— Pela estrada de prata! — respondeu ele ao cocheiro.
Ao chegar ao palácio e beijar as mãos da princesa, entretanto, novamente o passarinho se manteve mudo. E, furioso, o segundo ir­mão também teve de voltar para casa.
Chegou a vez de Lúcio, e a carruagem parou no início das estradas, para que ele escolhesse por qual delas queria ir.
Lúcio, sem pensar duas vezes, imediata­mente escolheu a estrada de veludo.
Mal a carruagem partiu em direção ao palácio, o pássaro encantado começou a can­tar e saiu voando ao encontro de seu salvador.
Sempre acompanhado pelo passarinho, Lúcio chegou ao palácio. Aproximou-se da princesa, que o esperava sorrindo, e ajoe­lhou-se a seus pés. E, enquanto lhe beijava as mãos, o pássaro encantado voou por sobre a cabeça da jovem, transformando-se na coroa mais bonita e rica que já se viu no mundo.
No dia seguinte, Lúcio e a princesa se casaram em meio a muita alegria e a grandes festas.
Quanto aos dois irmãos malvados, o rei os condenou à morte, como castigo por todo o mal que haviam cometido.


Autoria desconhecida.