Gavião, gavião branco
Vai ferido e vão voando;
Mas não diz quem no feriu,
Gavião, gavião branco!
O gavião é calado,
Vai ferido e vai voando
Assim fora a negra pega
Que há-de sempre andar palrando.
A pega é negra e palreira,
O que sabe vai contando...
Muito palra a pega
Que sempre há-de estar palrando.
Mas quer Deus que os chocalheiros
Guardem, ás vezes, falando,
O segredo dos sisudos,
Que eles não guardam calando.
Era uma pega no paço
Que el-rei tomara, caçando;
Trazem-na as damas mimosa
Com a estar sempre afagando.
Nos paços era de Sintra
Onde estava el-rei poisando:
A rainha e suas damas
No jardim andam folgando,
Entre açucena e rosas,
Entre os goivos trebelhando;
Umas regavam as flores
Outras as vão apanhando.
E a minha pega com eles
Sempre, sempre, palreando.
Vinha el-rei atrás de todos
Com Dona Mécia falando.
Era a mais formosa dama
Que andava naquele bando;
No ombro de Dona Mécia,
A pega vinha poisando.
E zelosa aprecia
Que os andava espreitando...
Colhera el-rei uma rosa,
A dona Mécia a ia dando,
Com um requebro nos olhos
Tão namorando e tão brando...
Inda bem, minha rainha,
Que adiante te vais andando!
Pegou na rosa a donzela,
Disfarçada a está cheirando...
Senão quando a negra pega
Que lha tira e vai voando.
Deu um grito Dona Mécia...
E a rainha, voltando,
Deu com olhos em ambos...
Ambos se estão delatando.
-«Foi por bem!» – lhe disse o rei,
Seu acordo recobrando:
-«Foi por bem!» – «Por bem!» Repete
A pega em torno voando.
- «Por bem, por bem!» grasna a tonta,
De má malícia cuidando
Co’a chocalheira da língua
Andar a caso enredando.
Mas quer Deus que os chocalheiros
Guardem às vezes falando
O segredo dos sisudos
Que eles não guardam calando.
Riu-se a rainha da pega
E ficou acreditando
Que a inocência do caso
Nela se estava provando.
Da pega mexeriqueira,
Do bem que fez, mal pensando,
Nos reais paços de Sintra
A memória está durando.
E eis aqui, senhora, a história
Da pega que aí vês palrando,
Da rosa que tem no bico,
Da letra que a está cercando.
A pega é negra palreira,
O que sabe vai contando:
Mas quer Deus que os chocalheiros
Guardem segredo falando.
O gavião, esse é outro;
Vai ferido e vai voando:
Mas não diz quem no feriu...
Gavião, gavião branco!
Romanceiro, Almeida Garrett