O Toino era muito distraído.
A mãe, quando ele saía para a escola, cobria-o de recomendações:
- Cuidado ao atravessares a rua, Toino. Olha para a esquerda e olha para a direita, vê se não vem nenhum carro e só depois é que atravessas. E sempre nas passagens zebradas.
- Sim, mãe - dizia o Toino, mas a pensar noutra coisa.
- E toma cuidado onde pões os pés. E não tropeces. E mantém sempre os atacadores apertados.
- Sim, mãe - dizia o Toino.
- E não converses com desconhecidos. E cumprimenta sempre os conhecidos. E porta-te bem.
- Sim, mãe - dizia o Toino.
Se estivéssemos com atenção, quase que podíamos ver as falas da mãe entrarem em fila por um ouvido e saírem pelo outro, na mesma enfiada certinha. Aquilo em que o Toino estava a pensar é que já não se podia ver, porque a cabeça das pessoas não é tão transparente como um aquário. Nem convinha que fosse.
O Toino atravessava a rua, ao calhas. Guinchavam automóveis, em travagens assustadoras. Automobilistas barafustavam:
- Assim não vais longe, palerma.
Ele nem reparava. A olhar para o ar, escorregava em cascas de fruta (quando não era coisa pior...), tropeçava em caixas, à porta de lojas, e os atacadores mal apertados, num instante se desapertavam. Ele, indiferente.
- Bom dia - cumprimenta o Toino.
Por sinal que era um desconhecido. Em contrapartida, uma pessoa conhecida falava-lhe:
- Olá Toino, como estás?
E ele, nada.
Não era por má-criação. Era por distracção.
Só numa coisa correspondia à risca aos preceitos da mãe. O Toino não se portava mal. Não era um gandulo travesso que porfiasse em cometer ruindades. Lá isso, não. O Toino era bom rapaz. Muito distraído, mas bom rapazinho.
Mais pena me fez quando soube que tinha sido atropelado. Atravessou sem cautelas e um automóvel tropeçou nele. O Toino foi parar ao hospital.
Estive lá, ontem, a vê-lo. Todo ligado e engessado, o Toino vai ter muito tempo para pensar.
Depois da visita, a mãe dele saiu comigo. Estava muito abalada, como se imagina. E um pouco intrigada, também. A senhora, à porta do hospital, confidenciou-me:
- O meu filho, com o desastre, ficou meio azamboado. Calcule que, à despedida me recomendou: ?A mãe tome cuidado onde tropece. Antes de atravessar a rua, cumprimente sempre para a direita e para a esquerda e veja se não vem nenhum desconhecido. Só atravesse nas passagens com atacadores apertados."
Efeito do choque. Mas há-de recompor-se. Estou mesmo convencido de que o Toino, ultrapassada esta balbúrdia de ideias em salada, vai ficar outro, capaz até de passar a ser ele a dar bons conselhos à mãe, quando ela descer à rua:
- Cuidado ao atravessares, mãe. Olha para a esquerda e para a direita, vê se não vem nenhum carro e só depois é que atravessas. Etc. Etc. E porta-te bem, mãe. Porta-te bem.
Acredito que a senhora vá cumprir às riscas as recomendações do filho.
A mãe, quando ele saía para a escola, cobria-o de recomendações:
- Cuidado ao atravessares a rua, Toino. Olha para a esquerda e olha para a direita, vê se não vem nenhum carro e só depois é que atravessas. E sempre nas passagens zebradas.
- Sim, mãe - dizia o Toino, mas a pensar noutra coisa.
- E toma cuidado onde pões os pés. E não tropeces. E mantém sempre os atacadores apertados.
- Sim, mãe - dizia o Toino.
- E não converses com desconhecidos. E cumprimenta sempre os conhecidos. E porta-te bem.
- Sim, mãe - dizia o Toino.
Se estivéssemos com atenção, quase que podíamos ver as falas da mãe entrarem em fila por um ouvido e saírem pelo outro, na mesma enfiada certinha. Aquilo em que o Toino estava a pensar é que já não se podia ver, porque a cabeça das pessoas não é tão transparente como um aquário. Nem convinha que fosse.
O Toino atravessava a rua, ao calhas. Guinchavam automóveis, em travagens assustadoras. Automobilistas barafustavam:
- Assim não vais longe, palerma.
Ele nem reparava. A olhar para o ar, escorregava em cascas de fruta (quando não era coisa pior...), tropeçava em caixas, à porta de lojas, e os atacadores mal apertados, num instante se desapertavam. Ele, indiferente.
- Bom dia - cumprimenta o Toino.
Por sinal que era um desconhecido. Em contrapartida, uma pessoa conhecida falava-lhe:
- Olá Toino, como estás?
E ele, nada.
Não era por má-criação. Era por distracção.
Só numa coisa correspondia à risca aos preceitos da mãe. O Toino não se portava mal. Não era um gandulo travesso que porfiasse em cometer ruindades. Lá isso, não. O Toino era bom rapaz. Muito distraído, mas bom rapazinho.
Mais pena me fez quando soube que tinha sido atropelado. Atravessou sem cautelas e um automóvel tropeçou nele. O Toino foi parar ao hospital.
Estive lá, ontem, a vê-lo. Todo ligado e engessado, o Toino vai ter muito tempo para pensar.
Depois da visita, a mãe dele saiu comigo. Estava muito abalada, como se imagina. E um pouco intrigada, também. A senhora, à porta do hospital, confidenciou-me:
- O meu filho, com o desastre, ficou meio azamboado. Calcule que, à despedida me recomendou: ?A mãe tome cuidado onde tropece. Antes de atravessar a rua, cumprimente sempre para a direita e para a esquerda e veja se não vem nenhum desconhecido. Só atravesse nas passagens com atacadores apertados."
Efeito do choque. Mas há-de recompor-se. Estou mesmo convencido de que o Toino, ultrapassada esta balbúrdia de ideias em salada, vai ficar outro, capaz até de passar a ser ele a dar bons conselhos à mãe, quando ela descer à rua:
- Cuidado ao atravessares, mãe. Olha para a esquerda e para a direita, vê se não vem nenhum carro e só depois é que atravessas. Etc. Etc. E porta-te bem, mãe. Porta-te bem.
Acredito que a senhora vá cumprir às riscas as recomendações do filho.
António Torrado