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19/07/2010

Os doze de Inglaterra



A história que vou contar será bom que, de aqui a alguns anos, a leiam em livro, para confirmarem se a contei como deve ser. Tenho as minhas dúvidas...
Por enquanto talvez seja cedo, mas, em chegando o tempo certo, procurem-na n' Os Lusíadas, livro de muitas aventuras, que Luís de Camões escreveu em versos grandiosos e resplandecentes, onde sobressaem o orgulho de ser português e a voz "nua e pura" de um grande poeta.
Desculpem-me este começo solene, tão fora da minha maneira de contar, mas prometo que, de ora em diante, a história vai ganhar velocidade e galopar a toda a brida.
A expressão "correr ou galopar a toda a brida", que é a rédea do cavalo pegada ao freio, tem a ver com correrias à desfilada por estradas poeirentas, quando outro não era o meio de transporte de quem pretendia fazer longas viagens. Nessas épocas remotas, em que ainda não havia aviões nem automóveis nem comboios, os viajantes por terra tinham de saber andar a cavalo ou nunca iriam longe.
E, mesmo que fossem bons cavaleiros, muitos perigos defrontavam durante o caminho, além de que corriam o risco de se atrasarem e de não chegarem a tempo. Veja-se o caso do Magriço, nome por que era conhecido Álvaro Gonçalves Coutinho, destemido cavaleiro da corte do nosso rei D. João I, não sei se estão a par.
Como tudo isto se passou há cerca de 600 anos, é natural que não se lembrem. Mas cá estou eu, à conta do Luís Vaz de Camões, para vos trazer alguns pormenores mais.
Deu-se o caso que doze damas da corte inglesa, de saias a arrastar e chapéus pontiagudos de fada, se sentiram ofendidas por uns grosseirões duns nobres, de má catadura e pior educação. Uns ?holigans" do tempo, não sei se estão a imaginar.
Como eles eram de força e elas fracas, procuraram quem as substituísse e desse aos brutamontes a lição merecida. O pior é que a má reputação dos alarves cavaleiros assustava e não houve um único inglês (e já eram bastantes milhões!) capaz de defender as damas.
Inconsoláveis, as meninas de chapéus de fada foram chorar-se ao velho Duque de Lencastre, que também já não estava em idade de valer-lhes. Mas o Duque recordava-se da coragem dos portugueses por, noutros tempos, ao lado deles ter batalhado. Vai daí recomendou-lhes:
- Quem pode salvar a vossa honra ofendida e fazer frente aos marmanjos ingleses são aqueles bravos rapazes lá de baixo. Escrevam-lhes a pedir socorro.
Foi o que elas fizeram, na mais elegante das caligrafias e com as mais sedutoras e doces palavras. Candidatos portugueses não faltaram, mas só podiam ir doze a Inglaterra, senão despovoava-se o reino.
Embarcaram os jovens portugueses na foz do Douro com seus aprestos e cavalos. Todos menos um, o tal Magriço, que preferiu viajar, montado no seu cavalo e já de lança e armadura, como se Inglaterra fosse ali adiante.
- Olha que não chegas a tempo - lembraram-lhe os companheiros. - Vê no que te metes!
Mas o Magriço fez de conta que enjoava a viagem por mar e enfiou pela terra adiante. Um estirão.
Os onze cavaleiros portugueses atravessaram de barco o Mar do Norte e desembarcaram em Inglaterra, onde foram muito amimados pelas damas ofendidas. Só uma estava triste, a que, em sorte, iria ser defendida pelo pouco pontual Magriço.
Contra os doze ingleses se apresentaram os onze portugueses. Aquilo não era um desafio de futebol, mas torneio em campo aberto, com elmos, grevas e arneses e lanças e espadões. Um caso sério.
Na tribuna das damas, a menina Magriça (chamemos-lhe assim, por comodidade...) chorava a sua solidão.
Mastigam os cavalos os freios, escumando e raspando o chão, empunham os soldados as trombetas, para dar começo à liça, refulgem ao Sol as lanças de aço e as armaduras de ferro e, onze contra doze, vai começar a luta de vida ou de morte.
Repentinamente, levanta-se nas tribunas o povo, em grande alvoroço. Todos viram o rosto, à procura da causa do reboliço. É Magriço, pronto para o combate, que chega, envolto numa nuvem de pó.
A Magriça inglesa sustem as lágrimas e sorri como um arco-íris, depois da tempestade.
Ao som das tubas, largam rédeas, esporeiam os cavalos, baixam lanças e "fere a terra fogo".

Dos cavalos o estrépito parece
Que faz que o chão debaixo todo treme;
O coração no peito que estremece,
De quem os olha, se alvoroça e teme.
Qual do cavalo voa, que não dece;
Qual, com cavalo em terra dando, geme;
Qual vermelhas as armas faz de brancas;
Qual com os penachos do elmo açoute as ancas.

E os doze valentes portugueses derribaram os doze brutos ingleses. Para os nossos a palma da vitória e as damas vencedoras e com glória.
Depois, já se vê, houve festa da rija, nos paços do Duque de Lencastre.

Recolhe o Duque os doze vencedores
Nos seus paços, com festa e alegria;
Cozinheiros ocupa e caçadores,
Das damas a formosa companhia,
Que querem dar aos seus libertadores
Banquetes mil, cada hora e cada dia,
Enquanto se detêm em Inglaterra,
Até tornar à doce e querida terra.

Parece que o Magriço se demorou mais uns tempos e não regressou com os companheiros. Já era mania...

António Torrado