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30/12/2008

Viver como as flores






Era uma vez um jovem que caminhava ao lado do seu mestre. Ele perguntou:
- Mestre, como faço para não me aborrecer? Algumas pessoas falam demais, outras são ignorantes. Algumas são indiferentes, outras mentirosas... sofro com as que caluniam...
- Pois viva como as flores! - advertiu o mestre.
- Como é viver como as flores? - perguntou o discípulo.
- Repare nestas flores - continuou o mestre - apontando lírios que cresciam no jardim. Elas nascem no esterco, entretanto são puras e perfumadas. Extraem do adubo malcheiroso tudo que lhes é útil e saudável, mas não permitem que o azedume da terra manche o frescor de suas pétalas...
É justo angustiar-se com as próprias culpas, mas não é sábio permitir que os vícios dos outros nos importunem. Os defeitos deles são deles e não seus. Se não são seus, não há razão para aborrecimento. Exercite, pois, a virtude de rejeitar todo mal que vem de fora... Não se deixe contaminar por tudo aquilo que o rodeia... Assim, você estará vivendo como as flores!


Conto do Oriente



O gato e o rato velho


Num fabulista li que um tal bichano
Rodilardo segundo,
Tomou a peito, exterminando os ratos,
Livrar deles o mundo.

No felino Alexandre os ratos viam
Átila algoz e fero;
Tremiam todos, uma légua em torno,
Desse novo Cérbero.

Arsênico, mundéus, tábuas em falso,
E toda a ratoeira
Eram, do gato a par, armas de morte,
De infantil brincadeira.

Mas, vendo o nosso herói que a grei dos ratos
Das tocas não saía,
E, por mais forte caça que lhe desse,
Nem um aparecia;

Pendura-se, ocultando as ligaduras,
Pelos pés, numa viga,
Para iludir, fingindo-se de morto,
A caterva inimiga.

Julgam os ratos justiçado o biltre,
Porque a alguém arranhara,
Porque talvez furtara assado ou queijo.
Ou panelas quebrara.

Todos ajustam de lhe rir no enterro,
Em tripúdio escarninho.
Pondo no ar o nariz, a medo avançam
A ponta do focinho.

Voltam todos depois aos seus buracos;
Mas, de novo saindo,
Dão quatro passos, a sondar terreno,
Farejando, inquirindo.

Mas o melhor da festa é que o defunto,
Ressurge inopinado,
E, em pé caindo, agarra alguns que a toca
Não tinham alcançado.

"Sei outras artes mais (diz mastigando-os);
Foi velho ardil de guerra
Este que vistes. De que vale, estultos,
Esconder-vos na terra?

Não vos hão de salvar essas cavernas
Que vos servem de abrigo.
Caireis, um por um, cá no bandulho.
Crede no que vos digo."

Cumpriu-se a predição, Mestre Melúria
Mais outra lhes pregou;
Branqueando em farinha, em ucha aberta
Matreiro se agachou.

Saiu-se bem da treta, pois os bichos
Que dão curtos pulinhos,
Vieram nos gadanhos do verdugo
Cair como patinhos.

Só não foi farejá-lo um rato velho,
Mitrado e mui sabido,
Versado em tricas e que num combate
Tinha o rabo perdido.

E pois, de longe, ao general dos gatos
Gritou: "Eu nessa massa
Nada vejo de bom; antes suspeito
Que encobre uma trapaça.

Para nada te serve o ser farinha;
E quando foras saco,
Não me chegara, que devemos todos
Fugir de ti, velhaco".

E disse bem. Aprovo-lhe a prudência;
Pois que a desconfiança,
No conceito da gente experiente,
E mãe da segurança.

Barão de Paranapiacaba (Trad.)

29/12/2008

Sempre Não

Um cavaleiro, casado com uma dama nobre e formosa, teve de ir fazer uma longa jornada: receando acontecesse algum caso desagradável enquanto estivesse ausente, fez com que a mulher lhe prometesse que enquanto ele estivesse fora de casa diria a tudo: – Não. Assim pensava o cavaleiro que resguardaria o seu castelo do atrevimento dos pajens ou de qualquer aventureiro que por ali passasse. O cavaleiro já havia muito que se demorava na corte, e a mulher aborrecida na solidão do castelo não tinha outra distracção senão passar as tardes a olhar para longe, da torre do miradouro. Um dia passou um cavaleiro, todo galante, e cumprimentou a dama: ela fez-lhe a sua mesura. O cavaleiro viu-a tão formosa, que sentiu logo ali uma grande paixão, e disse:
– Senhora de toda a formosura! Consentis que descanse esta noite no vosso solar?
Ela respondeu:
– Não!
O cavaleiro ficou um pouco admirado da secura daquele não, e continuou:
– Pois quereis que seja comido dos lobos ao atravessar a serra?
Ela respondeu:
– Não.
Mais pasmado ficou o cavaleiro com aquela mudança, e insistiu:
– E quereis que vá cair nas mãos dos salteadores ao passar pela floresta?
Ela respondeu:
– Não.
Começou o cavaleiro a compreender que aquele Não seria talvez sermão encomendado, e virou as suas perguntas:
– Então fechais-me o vosso castelo?
Ela respondeu:
– Não.
– Recusais que pernoite aqui?
– Não.
Diante destas respostas o cavaleiro entrou no castelo e foi conversar com a dama e a tudo o que lhe dizia ela foi sempre respondendo
– Não.
Quando no fim do serão se despediam para se recolherem a suas câmaras, disse o cavaleiro:
– Consentis que eu fique longe de vós?
Ela respondeu:
– Não.
– E que me retire do vosso quarto?
– Não.
O cavaleiro partiu, e chegou à corte, onde estavam muitos fidalgos conversando ao braseiro, e contando as suas aventuras. Coube a vez ao que tinha chegado, e contou a história do Não; mas quando ia já a contar a modo como se metera na cama da castelã, o marido já sem ter mão em si, perguntou agoniado:
– Mas onde foi isso cavaleiro?
O outro percebeu a aflição do marido e continuou sereno:
– Ora quando ia eu a entrar para o quarto da dama, tropeço no tapete, sinto um grande solavanco, e acordo! Fiquei desesperado em interromper-se um sonho tão lindo.
O marido respirou aliviado, mas de todas as histórias foi aquela a mais estimada.


Recolha de Teófilo Braga

28/12/2008

Lenda dos Tripeiros




No ano de 1415, construíam-se nas margens do Douro as naus e os barcos que haveriam de levar os portugueses, nesse ano, à conquista de Ceuta e, mais tarde, à epopeia dos Descobrimentos. A razão deste empreendimento era secreta e nos estaleiros os boatos eram muitos e variados: uns diziam que as embarcações eram destinadas a transportar a Infanta D. Helena a Inglaterra, onde se casaria; outros diziam que era para levar El-Rei D. João I a Jerusalém para visitar o Santo Sepulcro. Mas havia ainda quem afirmasse a pés juntos que a armada se destinava a conduzir os Infantes D. Pedro e D. Henrique a Nápoles para ali se casarem...
Foi então que o Infante D. Henrique apareceu inesperadamente no Porto para ver o andamento dos trabalhos e, embora satisfeito com o esforço despendido, achou que se poderia fazer ainda mais. E o Infante confidenciou ao mestre Vaz, o fiel encarregado da construção, as verdadeiras e secretas razões que estavam na sua origem: a conquista de Ceuta. Pediu ao mestre e aos seus homens mais empenho e sacrifícios, ao que mestre Vaz lhe assegurou que fariam para o infante o mesmo que tinham feito cerca de trinta anos atrás aquando da guerra com Castela: dariam toda a carne da cidade e comeriam apenas as tripas. Este sacrifício tinha-lhes valido mesmo a alcunha de "tripeiros". Comovido, o infante D. Henrique disse-lhe então que esse nome de "tripeiros" era uma verdadeira honra para o povo do Porto. A História de Portugal registou mais este sacrifício invulgar dos heróicos "tripeiros" que contribuiu para que a grande frota do Infante D. Henrique, com sete galés e vinte naus, partisse a caminho da conquista de Ceuta.



23/12/2008

Os Músicos de Bremen


Bremen.jpg (image)
“Um homem tinha um burro que, há muito tempo, carregava sacos de milho para o moinho. O burro, porém, já estava ficando velho e não podia mais trabalhar. Por isso, o dono tencionava vendê-lo. O pobre animal, sabendo disso, ficou muito preocupado, pois não podia imaginar como seria seu novo dono... e então, para evitar qualquer surpresa desagradável, pôs-se a caminho da cidade de Bremen.
“Certamente, poderei ser músico na cidade”, pensava ele.
Depois de andar um pouco, encontrou um cão deitado na estrada, arfando de cansaço.
- Por que estás assim tão fatigado? perguntou o burro.
- Amigo, já estou ficando velho e, a cada dia, vou ficando mais fraco. Não posso mais caçar; por isso meu dono queria me entregar à carrocinha. Então, fugi, mas não sei como ganhar a vida.
- Pois bem, lhe disse o burro. Minha história é bem semelhante à sua. Vou tentar a vida como músico em Bremen. Venha comigo. Eu tocarei flauta e você poderá tocar tambor.
O cão aceitou o convite e seguiu com o burro. Não tinham andado muito, quando encontraram um gato, muito triste, sentado no meio do caminho.
- Que tristeza é essa, companheiro? lhe perguntaram os dois.
- Como posso estar alegre, se minha vida está em perigo? respondeu o gato. Estou ficando velho e prefiro estar sentado junto ao fogo, em vez de caçar ratos. Por esse motivo, minha dona quer me afogar.
- Ora, venha connosco a Bremen, propuseram os outros. Seremos músicos e ganharemos muito dinheiro.
O gato, depois de pensar um pouco, aderiu e acompanhou-os. Foram andando até que encontraram um galo, cantando tristemente, trepado numa cerca.
- Que foi que lhe aconteceu, amigo? perguntaram os três.
- Imaginem, respondeu o galo, que amanhã a dona da casa vai ter visitas para o jantar. Então, sem dó nem piedade, ordenou ao cozinheiro que me matasse para fazer uma canja.
Os outros, então, lhe propuseram:
- Nós vamos a Bremen, onde nos tornaremos músicos. Você tem boa voz. Que tal se nos reuníssemos para formar um conjunto?
O galo gostou da ideia e juntando-se aos outros seguiram caminho.
A cidade de Bremen ficava muito distante e eles tiveram que parar numa floresta para passar a noite. O burro e o cão deitaram-se em baixo de uma árvore grande. O gato e o galo alojaram-se nos galhos da árvore.
O galo, que se tinha colocado bem no alto, olhando ao redor, avistou uma luzinha ao longe, sinal de que deveria haver alguma casa por ali. Disse isso aos companheiros e todos acharam melhor andar até lá, pois o abrigo ali não estava muito confortável.
Começaram a andar e, cada vez mais, a luz se aproximava. Afinal, chegaram à casa. O burro, como era o maior, foi até a janela e espiou por uma fresta. À volta de uma mesa, viu quatro ladrões que comiam e bebiam. Transmitiu aos amigos o que tinha visto e ficaram todos imaginando um plano para afastar dali os homens. Por fim, resolveram aproximar-se da janela. O burro colocou-se de maneira a alcançar a borda da janela com uma das patas. O cão subiu nas costas do burro. O gato trepou nas costas do cão e o galo voou até ficar em cima do gato.
Depois, a um sinal combinado, começaram a fazer sua música juntos: o burro zurrava, o cão latia, o gato miava e o galo cacarejava. A seguir, quebrando os vidros da janela, entraram pela casa a dentro, fazendo uma barulhada medonha.
Os ladrões, pensando que algum fantasma havia surgido ali, saíram correndo para a floresta. Os quatro animais sentaram-se à mesa, serviram-se de tudo e procuraram um lugar para dormir. O burro deitou-se num monte de palha, no quintal; o cão, junto da porta, como a vigiar a casa; o gato, junto ao fogão, e o galo encarrapitou-se numa viga do telhado. Como estavam muito cansados, logo adormeceram.
Um pouco além da meia noite, os ladrões, verificando que a luz não brilhava mais dentro da casa, resolveram voltar. O chefe do bando disse aos demais:
- Não devemos ter medo!
E mandou que um entrasse primeiro para examinar a casa. Chegando à casa, o homem dirigiu-se à cozinha para acender um vela. Tomando os olhos do gato, que brilhavam no escuro, por brasas, tentou neles acender um fósforo. O gato, entretanto, não gostou da brincadeira e avançou para ele, cuspindo-o e arranhando-o. Ele tomou um grande susto e correu para a porta dos fundos, mas o cão, que lá estava deitado, mordeu-lhe a perna. O ladrão saiu correndo para o quintal, mas, ao passar pelo burro, levou um coice. O galo, que acordara com o barulho, cantou bem alto: - Có, có, ró, có!!!!
Sempre a correr, o ladrão foi se reunir aos outros, a quem contou:
- Lá dentro há uma horrível bruxa que me arranhou com suas unhas afiadas e me cuspiu no rosto. Perto da porta, há um homem mau que me passou um canivete na perna. No quintal, há um monstro escuro, que me bateu com um pedaço de pau. Além disso tudo, no telhado está sentado um juiz, que gritou bem alto:
“- Traga aqui o patife!!!”... Acho que não devemos voltar lá... é muito perigoso!!
Depois disso, nunca mais os ladrões voltaram à casa, e os quatro músicos de Bremen sentiam-se muito bem lá, onde faziam suas músicas e viviam despreocupados. De vez em quando alguém das redondezas os chamavam e lá iam eles, felizes e contentes, tocar a sua música....”





21/12/2008

As 10 Virgens



Então, o Reino dos céus será semelhante a dez virgens que, tomando as suas lâmpadas, saíram ao encontro do noivo. E cinco delas eram prudentes e cinco néscias.
As néscias tomando as suas lâmpadas não levaram azeite consigo. Mas as prudentes levaram azeite em suas vasilhas com as suas lâmpadas. E, tardando o noivo foram todas tomadas de sono e adormeceram. Mas, à meia noite, ouviu-se um grito: Eis o noivo! Saí ao seu encontro!
Então, se levantaram todas aquelas virgens e prepararam as suas lâmpadas. E as néscias disseram às prudentes: Dai-nos do vosso azeite, porque as nossas lâmpadas estão se apagando.
Mas as prudentes responderam: Não, para que não nos falte a nós e a vós outros! Ide, antes, aos que o vendem e comprai-o. E, saindo elas para comprar, chegou o noivo, e as que estavam apercebidas entraram com ele para as bodas; e fechou-se a porta.
Mais tarde, chegaram as virgens néscias, clamando; Senhor, senhor, abre-nos a porta! Mas ele respondeu: Em verdade vos digo que não vos conheço. Vigiai, pois, porque não sabeis o dia nem a hora.


Parábolas de Jesus
Evangelho de Mateus cap. 25 vers. 2-13



17/12/2008

Lenda de Santa Iria



Conta a história que na antiga Nabância (Tomar) nasceu Iria, uma bela jovem. Desde cedo, Iria descobriu a sua vocação religiosa e entrou para um mosteiro. A região era governada pelo príncipe Castinaldo, cujo filho Britaldo tinha por hábito compor trovas junto da igreja de S. Pedro. Um dia, Britaldo viu Iria e ficou perdidamente apaixonado por ela. Ficou doente de amor e, em estado febril e desesperado, reclamava a presença da jovem. Temendo o pior, os pais foram buscá-la. Iria pediu-lhe que a esquecesse, porque o seu coração e o seu amor eram de Deus. Britaldo concordou sob a condição de que ela não pertencesse a mais nenhum homem. Passados tempos, Britaldo ouviu rumores infundados de que Iria tinha atraiçoado a sua promessa e amava outro homem. Furioso, seguiu-a num dos seus habituais passeios ao rio Nabão, apunhalou-a e atirou o seu corpo à água. O corpo de Iria foi levado pelas águas até ao Zêzere e daí ao Tejo. Foi encontrado junto da cidade de Scalabis (Santarém), encerrado num belo sepulcro de mármore. O povo rendeu-se ao milagre e, a partir de então, a cidade passou a chamar-se de Santa Iria, mais tarde Santarém. Cerca de seis séculos depois, as águas do Tejo voltaram a abrir-se para revelar o túmulo à rainha D. Isabel, que mandou colocar o padrão que ainda hoje se encontra na Ribeira de Santarém.

12/12/2008

O menino mau

HÁ muito tempo havia um velho poeta, um verdadeiro bom velho poeta.
Uma noite, enquanto estava confortavelmente em sua casa, desencadeou-se uma terrível tempestade; a chuva caía em torrentes, mas o velho poeta não sentia frio, sentado num canto, ao lado da estufa, na qual ardia alegremente o fogo e chiavam as maçãs que ele colocara para assar.
– Os infelizes que estão ao relento, com esta chuva, não terão sobre o corpo nem um só fio de roupa seco – murmurou, porque era um homem de bons sentimentos.
– Abra a porta, por favor! Estou com muito frio e sinto- me gelado até os ossos! – exclamou um menino gritando em altas vozes lá fora.
E continuou chorando, sem deixar de bater na porta, ao mesmo tempo em que o vento fazia as janelas tremerem.
– Pobrezinho! – exclamou o velho poeta, enquanto se encaminhava para a porta, a fim de abri-la.
Deparou com um menino completamente desnudo, com o cabelo ruivo empapado de chuva. Tiritava de frio, de modo que se não o fizesse entrar, certamente morreria de frio.
– Pobrezinho – repetiu o velho Poeta tomando-o pela mão. – Entre que você se aquecerá. Beberá um pouco de vinho e comerá uma maçã assada. Vejo que você é um belo menino.
E ele o era, realmente. Tinha os olhos brilhantes como duas estrelas e, mesmo molhado, seu cabelo caía em lindos cachos. Parecia um anjo-menino, mas o frio lhe tirara as cores e seus membros tremiam.
Carregava um lindo arco na mão, mas que estava muito estragado pela chuva; demais, as belas cores das setas haviam desaparecido, lavadas completamente pela água.
O velho poeta sentou-se perto da estufa e pousou o menino em seus joelhos; espremeu a água que havia em seus cabelos, aqueceu-lhe as mãozinhas e ofereceu-lhe um pouco de vinho.
Logo o menino se refez e o corado apareceu novamente em suas faces; pulou para o chão e, alegre ao extremo, começou a dançar.
– Você é muito alegre! – exclamou o ancião. – Como se chama?
– Cupido – respondeu o interpelado. Não me conhece? Este é o meu arco e garanto-lhe que sei manejá-lo. Veja, já começa a fazer bem tempo e a lua está brilhando no céu.
– Mas você está com o arco escangalhado – observou o dono da casa.
– É uma pena – replicou o menino. Examinou-o com extremo cuidado e acrescentou: – já secou totalmente. Continuará funcionando bem e a corda não se estragou muito. Veja, vou experimentá-lo. Não se mova.
Encurvou o arco, colocou no mesmo uma flecha, apontou e cravou uma seta no coração do ancião.
– Vê como o meu arco não se estragou? – exclamou sorrindo.
E logo se afastou, rindo-se às gargalhadas. Era um menino muito mau, pois atirou no velho poeta, que o tratara com tanta bondade, dando-lhe vinho e a melhor das maçãs que pusera para assar.
O ancião estava estendido no solo e chorava, porque recebera uma flechada no coração e dizia a si mesmo:
– Que mau é o Cupido! Darei conta disso a todos os meninos, para que tenham cuidado e nunca brinquem com ele, pois poderiam ser vítimas de alguma travessura.
Todos os meninos e meninas bondosos a quem contou a sua aventura tiveram o maior cuidado em evitar o pequeno Cupido, mas ele sempre conseguia enganá-los, porque é muito astuto.
Quando os escolares saem do colégio, ele começa a correr ao seu lado, coberto com uma camisola preta e levando um livro debaixo do braço. Eles não o reconhecem e dão-lhe o braço, tomando-o por um colega e então ele se aproveita para cravar-lhes uma flecha no coração.
Quando as mocinhas saem da escola e quando estão na igreja. Sempre a mesma coisa com todos. Senta-se nos carros, nos teatros e produz uma chama brilhante; as pessoas pensam que aquilo não passa. de uma lâmpada, mas logo percebem seu engano.
Circula pelos jardins e corre pelos muros e em certa ocasião chegou a cravar uma flecha no coração de seu pai e no de sua mãe.
Pergunte a eles e verá o que dizem. Esse Cupido é um menino mau. Mais cedo ou mais tarde consegue desviar a sua vítima e até a sua pobre avozinha não pôde evitar sua flechada.
Isso aconteceu há muito tempo e os efeitos dessa ferida já passaram, porém, é sempre uma coisa que não esquecemos jamais. Que mau é o Cupido!
E agora que você está inteirado de sua maldade, tome muito cuidado, pois do contrário se arrependerá.


Hans Christian Andersen



11/12/2008

Lenda de Martim Moniz



O nome de Martim Moniz está ligado à conquista de Lisboa aos Mouros.
A lenda conta que D. Afonso Henriques tinha posto cerco à cidade, ajudado pelos muitos cruzados que por aqui passaram a caminho da Terra Santa. O cerco durou ainda algum tempo, durante o qual se verificaram pequenas investidas por parte dos cristãos. Numa dessas tentativas de assalto a uma das portas da cidade, Martim Moniz enfrentou os mouros que saíam para repelir os cristãos e conseguiu manter a porta aberta mesmo a custo da sua própria vida. O seu corpo ficou atravessado entre os dois batentes e permitiu que os cristãos liderados por D. Afonso Henriques entrassem na cidade. D. Afonso Henriques quis honrar a sua valentia e o sacrifício da sua vida ordenando que aquela entrada passasse a ter o nome de Martim Moniz. O povo diz que foi D. Afonso Henriques que mandou colocar o busto do herói num nicho de pedra, onde ainda hoje se encontra junto à praça Martim Moniz.


09/12/2008

Lenda do convento de Santa Cruz dos Capuchos

Um dos habitantes do Convento de Santa Cruz ou dos Capuchos, foi Frei Honório, homem de muita fé e de grandes virtudes. Muito estimado e respeitado dos habitantes daquelas redondezas, ali viveu durante 30 anos, sofrendo dolorosa e resignada penitência. Seu corpo jaz na Igreja daquele curioso convento. Diz-se que certa vez, Frei Honório encontrou pelos campos uma linda rapariga, "para quem não olhou", mas que o forçou a fazer algo. Exigia-lhe que a confessasse. O virtuoso monge, naquele ermo não tinha confessionário, e sem querer fixar a pequena, mandou-a para o convento em procura de outro confessor. A bela de moçoila não se conformou com a resposta e insistiu ao mesmo tempo com o bom religioso.

Rubro como um tomate, a suar em bico – isto passou-se em Agosto- apressou o passo, sempre seguido daquela que lhe pedia a absolvição ou penitência, até que, voltando-se e tapando o rosto com uma das mãos para fugir à formosura que o diabo encarnara para o tentar e perder, com a outra fez o sinal da cruz, a que a endiabrada e tentadora, respondeu com um grito, fugindo para não mais ser vista.

Então, Frei Honório, por castigo por ter caído em tentação, isolou-se a pão e água numa gruta existente no Convento. E lá ficou até ao fim da sua vida.


Ficheiro:Convento-dos-Capuchos Sala-do-Capitulo 17-08-08.jpg

O leão enamorado

Leão de alta prosápia,
Passando por um prado,
Certa zagaia viu mui de seu gosto,
E esposa foi pedi-la.
Quisera o pai menos feroz o genro.
Bem duro lhe era o dar-lha: —
Mas também o negar-lha mal seguro;
E que inda a ser possível
Negar-lha, é de temer não venha a lume
Clandestino consórcio;
Que amava os valentões a mocetona.
De grado se encasquetam
As moças, de estofadas cabeleiras.
O pai, que não se atreve
A despedir o amante tanto às claras:
"Minha Filha é mimosa,
E vós podeis, entre esponsais carícias,
Arranhá-la com as unhas:
Consenti um cerceio em cada garra,
E em cada dente a lima.
Porque os beijos lhe sejam menos ásperos,
E a vós mais voluptuosos.
Que, sem tais sustos, há de a minha filha
Prestar mais meiga a boca".
Consente o leão: desmantelada a praça,
Falto de unhas e dentes.
Laçam-lhe os cães, vai-se o leão. Sem unhas
Como há de resistir-lhes?
Quando, Amor, nos agarras, bem podemos
Dizer: "Adeus, prudência!"


Filinto Elísio (Trad.)

06/12/2008

O pavão

O fazendeiro saiu e fechou a porteira do terreiro.
Tencionava voltar logo, mas passaram-se dias e ele não aparecia.
Os animais do terreiro estavam com fome e com sede. Até mesmo o galo deixou de cantar.
Todos mantiveram-se imóveis, à sombra de uma árvore, para não desperdiçarem suas forças.
Apenas o pavão pôs-se de pé, cambaleante, abriu como um leque sua cauda multicor e pôs-se a andar de um lado para o outro.
- Mamãe - perguntou um pintinho para a galinha - por que o pavão abre a cauda assim, todos os dias?
- Porque ele é vaidoso, filhinho. E a vaidade é um defeito que só desaparece com a morte.







02/12/2008

O ouro


Era uma vez um rei, que, tendo achado no seu reino minas de oiro, empregou a maior parte dos vassalos a extrair o oiro dessas minas; e o resultado foi que as terras ficaram por cultivar, e houve uma grande fome no país.
Mas a rainha que era prudente e que amava o povo, mandou fabricar em segredo frangos, pombas, galinhas e outras iguanas, todas de oiro fino; e, quando o rei quis jantar, mandou-lhe servir essas iguanas de oiro, com que ele ficou todo satisfeito, porque não compreendeu ao princípio qual era o sentido da rainha; mas, vendo que não lhe traziam mais nada de comer, começou a zangar-se. Pediu-lhe então a rainha, que visse bem que o oiro não era alimento, e que seria melhor empregar os seus vassalos em cultivar a terra, que nunca se cansa de produzir, do que trazê-los nas minas à busca do oiro, que não mata a fome nem a sede, e que não tem mais valor de que a estimação que lhe é dada pelos homens, estimação que havia de converter-se em desprezo, logo que o oiro aparecesse em abundância.
A rainha tinha juízo.